sábado, 23 de fevereiro de 2013

Entrevista: Dr.ª Ana Maria Pires, natural de Remondes, Mogadouro

 
Nasceu no concelho de Mogadouro. Fale-nos um pouco da sua infância.


Nasci no concelho de Mogadouro, mais propriamente, na aldeia de Remondes. A minha infância foi passada por Portugal porque o meu pai era guarda-fiscal e nós tínhamos de nos deslocar com ele, o que fez que estivesse em diversos locais do país, de norte a sul de Portugal mas, sobretudo, na região de Bemposta, Cardal do Douro, onde fiz a escola primária e onde passei cinco anos maravilhosos da minha infância, dos quais guardo muito boas lembranças e de que tenho muitas saudades.

A partir dos dez anos é que fui viver para Remondes onde ia passar algumas férias lectivas e encontrei algumas diferenças, apesar de já estar habituada a ir à aldeia, entre a vida em Cardal do Douro, que apesar de ser um sítio muito pequenino, éramos todos filhos de funcionários públicos e, então, as brincadeiras eram diferentes porque nós tínhamos materiais com que brincar, tínhamos bonecos, tínhamos material.

Na aldeia eu fui encontrar um ambiente muito diferente. As crianças eram um pouco mais pobres e brinquedos não havia. Havia muita imaginação, muito mais que em Cardal do Douro, onde as crianças tinham brinquedos.

Em Remondes brincávamos com pedras vestidas com uns tecidos que uma costureira qualquer que lhes dava ou de restos de roupas e eu encontrava muita piada naquilo porque, para mim, era impensável vestir uma pedra de boneca.

Essas recordações marcaram-me imenso. Faziam bolos de terra enquanto eu fazia coisas mais sofisticadas.

Na aldeia aprendi a brincar de outras formas, de formas mais imaginativas. Eu brinquei imenso, até muito tarde, muito tarde mesmo. As amigas da minha idade já não brincavam e então eu tinha que brincar com os mais novos. Acho que todos devemos brincar até tarde e que as crianças devem brincar imenso. Hoje em dia não brincam…


Como foi a sua vida de estudante?


A maior parte da minha vida de estudante foi passada em Mogadouro no Liceu, e a outra parte em Bragança. Vim para cá a fazer o décimo segundo ano porque em Mogadouro não havia aquela área e vim eu e mais três colegas minhas. Foi quando eu comecei a ter outra noção da vida porque eu, até então, era muito criança. Apesar de já ser adolescente era muito fechada. O meu pai era um bocadinho severo. Não havia aquelas idas ao café, nem saídas com amigos, só casa, liceu; liceu, casa. Aqui ganhei um bocadinho de liberdade que não tinha até então. Fiz como a maioria dos estudantes. Saía, estudava, tinha tempo para tudo e mais alguma coisa.

Fiz o liceu e acabei por ficar cá na Escola Superior de Educação. Foi a minha primeira escolha, onde fiz o curso de Português/Inglês.


A escolha recaiu só por gostar da área de línguas?


Sim por gostar de línguas e do ensino. Eu sempre sonhei ser professora desde pequena. Apesar de ter outros sonhos como todos têm, penso que todos temos um leque variado, passamos por muitas profissões desde polícia a veterinária a psicóloga… Veterinária era outra paixão minha mas tinha que ir para a área de ciências. Tinha que ter matemática e eu odiava desde o quinto ano por causa de um professor. Houve um professor de que não gostei e, a partir daí, fiquei traumatizada e odiei matemática par sempre. Hoje, tento não odiar tanto. Mesmo assim, não gosto muito de matemática, mas aconselho todos a saberem matemática porque, depois, fui encontrá-la na Escola Superior de Educação e, algo que eu odiava, transformou-se em algo positivo. Fui boa aluna porque, obrigatoriamente, tinha que ter matemática, tinha que fazer a disciplina e então fiz, com boas notas até.

Fiz uma parte do curso por frequências e exames porque estava a trabalhar. O que eu acho que é muito bom porque as pessoas evoluem muito se tiverem que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, não por necessidade, mas por gosto porque têm outra perspectiva das coisas e dão mais valor àquilo que fazem e eu penso que há tempo porque, sem família, sem filhos, sem nada, há tempo para muita coisa.

Eu tinha tempo para estudar, para trabalhar, para fazer o estágio, para me dedicar às artes marciais, para sair com os amigos… eu tinha tempo para tudo. Hoje em dia, as pessoas não têm tempo para nada.


Estudou para ser professora do primeiro e segundo ciclos mas só esporadicamente tem trabalhado na sua área. A que se deve este estado de coisas?


Eu nunca concorri para fora do distrito. Nunca quis ir para fora do distrito. Inicialmente, quando fui para o curso, tinha o sonho de ir para Angola ou para outro país. Os meus pais não gostavam muito da situação mas, depois, apaixonei-me pela cidade, pela região, pelas pessoas e optei por não sair e então, como sabe, a vida dos professores não é assim tão facilitada como isso, agora pior do que nunca mas, mesmo na altura, aqui há uns quinze anos atrás, as vezes que concorri fui colocada em substituição aqui na região. Não querendo sair daqui, optei pela formação, por dar formação mesmo quando estava a trabalhar em Mirandela, no 2º ciclo.

O primeiro ciclo para mim não é opção porque me formei para ser professora de 2º ciclo. O 1º ciclo veio por arrastamento, porque me permitia ficar com o bacharelato e ficava com habilitações para dar aulas nesse nível de ensino ao primeiro ciclo se quisesse.

Entendo que devia ter outro tipo de formação se quisesse dar aulas no 1º ciclo que é diferente do 2º ciclo e, então, como penso que não estou tão bem preparada para essa faixa etária e como não gosto da matemática, poderia correr o risco de transmitir isso aos alunos.

O facto de uma pessoa não gostar de uma disciplina, quer queira, quer não, vai transmitir que não gosta. Convivi muito com crianças do primeiro ciclo mas foi em ATL (Actividades de Tempos Livres) que é muito diferente de uma escola normal. O ATL foi uma experiência óptima por representar um outro lado das crianças. Há o lado mais formal em que tudo é muito rígido onde, quer queiramos quer não, temos objectivos, temos de atingir as metas de uma forma ou de outra e temos de incutir uma certa disciplina aos miúdos. Em ATL é diferente. Há muita liberdade. Penso que deverá ser assim. Deverá haver liberdade para os miúdos irem trabalhando, irem falando.

Acho que as crianças precisam falar e ninguém as ouve e é a maior dificuldade que elas têm. Todas as crianças adoram falar. Por mais sossegadas que elas possam parecer, todas elas gostam de falar e têm muito pouco quem as ouça, inclusive os pais.


Tem dedicado a sua vida profissional à formação. Fale-nos um pouco dessa vertente da sua vida.


Eu dei formação durante alguns anos e em vários locais e quase todos começados por m: Mogadouro, Miranda, Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Bragança. Foi uma experiência que adorei porque é um contacto com pessoas totalmente diferentes, desde aldeias, a cidades, desde pessoas que têm diversas profissões, diversas experiências de vida. São adultos, alguns deles, outros nem tanto, mas que já têm uma formação diferente. Cada um leva a sua experiência. Penso que ensinamos alguma coisa, mas aprendemos imenso com as pessoas que ali temos.

É uma experiência muito enriquecedora. Tem outro lado que é um pouco negativo: as pessoas não ligarem muito, não trabalharem muito quando estão a receber formação, porque só estão ali pelo ordenado ao fim do mês. Acho que é terrível, mas é esse o estado de coisas que temos. As pessoas vão às aulas porque lhes pagam um ordenado. Não é para aprenderem e eu e todos os formadores temos essa noção.

Tenho saudades desses tempos mas, também, estou bem como estou, com os meus filhos.


Fez a opção de viver no campo o que não é muito normal nos dias que correm e principalmente nos jovens. Porquê o campo em detrimento da cidade?


Eu sempre vivi no campo desde que me lembro, apesar de a minha infância ter sido passada em Cardal do Douro. Para a minha aldeia fui aos dez anos. Penso que na aldeia há um ambiente muito mais saudável, muito mais natural, é muito mais livre, não tem nada a ver com o stresse ou a agitação das cidades. Quando vim para Bragança, quando tentei arranjar casa para constituir família, sempre pensei nos arredores de Bragança para estar perto da cidade, vir cá quando necessário, não numa aldeia, perto da aldeia mas não dentro da povoação. Não gosto de estar… eu gosto de conviver com as pessoas, não gosto de estar enfiada num correr de casas. As casas todas geminadas, para mim, não são vivendas, são blocos de apartamentos só que na horizontal e não ter um pedaço de terra para onde uma pessoa possa sair, abrir a porta e por os pés na terra e não por os pés em cimento ou alcatrão. Ter filhos, estar numa cidade, num apartamento, julgo que as crianças stressam ficam enervadas, hiperactivas, porque ficam bloqueadas, não podem fazer barulho por causa do vizinho… há muitas coisas que não podem fazer, não podem sair à rua, para onde é que elas vão? Para o alcatrão?

Elas viverem no campo, rodeadas de terra, acho que é do melhor que há. Tem-se outra liberdade, está-se à vontade.

Perto da minha casa não tenho casas. Tenho casas afastadas, mas não vejo ninguém, vejo árvores, vejo o monte, vejo terra, as minhas crianças saem, abrem a porta de casa e vão para o monte. Têm outra segurança, apesar dos animaizinhos e de haver cobras e outros bichinhos que eles adoram. Por um lado é muito mais seguro, por outro têm uma liberdade que não podem ter na cidade, têm outra aprendizagem que não têm os miúdos da cidade.

Os miúdos da cidade têm cultura citadina, têm acesso ao teatro mas não vão, ao cinema que não frequentam, tem acesso às coisas às quais não vão porque não têm tempo. Vão à natação, vão a outra coisa qualquer mas estão muito ocupados com coisas não necessárias, têm um emprego, têm a escola, têm a música, têm a natação, têm a informática, têm o inglês… é um número indeterminado de coisas. É uma profissão.

Enquanto os pais estão no seu emprego, as crianças estão no delas e acabam por não aprender grande coisa, por não gostar e, como é obrigatório terem aquelas actividades todas, quando tiverem de tê-las mesmo, não vão gostar. Enquanto os miúdos que estão no campo, os meus filhos, não os obrigo a fazer certas coisas. Não são obrigados a frequentar a escola, eles não andam no infantário. Ainda são pequeninos mas não andam nem vão andar é uma opção minha e penso que não lhes vai fazer falta. Eles têm o convívio com os amigos e vão conviver no parque de diversões que eu vou abrir. Eles estão em casa, não estão à frente da televisão, estão na rua ou estão a brincar. Andam sempre na palhaçada os dois, não param quietos um minuto, sempre a rir. São crianças mais alegres porque são mais livres, mais espontâneas… as crianças educadas na cidade são mais rígidas, têm aquela rigidez da cidade, têm aquelas regras todas. Não são crianças, são adultos em ponto pequeno.


Os seus filhos vivem em harmonia com a natureza. Em sua opinião, quais são os benefícios que eles podem tirar destas vivências para o futuro?


Vão ser pessoas mais calmas, com amor pelos animais, pela natureza, com respeito pelo ambiente que a maioria não tem, infelizmente. Penso que eles vão dar um contributo importante nesse aspecto. A nível da poluição, a nível da saúde, a vários níveis, eles irão ser crianças ou adultos que não passaram pela obrigatoriedade de aprenderem. Foi algo que eles aprenderam naturalmente. Não foi na escola. Há coisas que quando eles forem aprender na escola já as sabem porque convivem com isso diariamente, por exemplo, a nível de reciclagem, tratamentos de lixo.

O que se tenta lá em casa é não fazer, é não comprar produtos que façam resíduos. Tenho poucos aparelhos eléctricos. Têm uma alimentação um pouco mais natural que o normal das crianças. Também incuto isso aos meus filhos. Não compramos produtos de pacote. Usamos produtos biológicos e, de uma maneira diária, eles aprendem a não poluir, a amar a natureza, a respeitar os animais.


Que importância tem para si a família?


A família está sempre em primeiro lugar. Depois virá uma profissão. Nunca a profissão antes da família. Ainda há três anos eu ia concorrer para cá para o distrito e estava alguém no sindicato a dizer que estava a ser colocada longe da família e, como o marido também era professor, ia para a outra ponta e os filhos, cada um ia para seu lado, um ficava na avó… e eu disse que eu não concordava com isso que achava que os pais deviam estar juntos, se possível, e as crianças com os pais e ela respondeu-me:“Mas eu, aqui, não acho colocação.” Eu disse-lhe: “Passa por arranjar outra profissão para se estar junto dos filhos.” “Mas quero que eles vão para a universidade e eu não tenho dinheiro. Tenho que pensar no futuro deles.” Disse ela.

Eu penso que se deve pensar no futuro mas, também, no presente das crianças. As crianças são mais saudáveis e mais alegres se viverem com os pais e se tiverem um sítio onde possam crescer e criar raízes do que andar de um lado para o outro atrás dos pais. Não criar amizades e não criar raízes num determinado sítio é negativo e traumatizante. Para as crianças, é mais importante o presente, o carinho e o amor que se lhe dá diariamente do que, no futuro, poderem comprar isto ou aquilo, ou poderem ir para a universidade porque, se eles quiserem ir para a universidade, se eu não tiver posses, podem trabalhar, se tiverem vontade de estudar, eles podem trabalhar e estudar.

Eles conseguem fazer tudo, só que agora, o presente é o mais importante e hoje em dia as crianças são criadas, ou pelos avós, ou pelas amas a quem chamam mãe. Eu acharia horrível se um filho meu chamasse mãe a outra pessoa. É sinal de que eu não estou a fazer o meu papel porque, eu é que sou a mãe. Eu é que devo criar o meu filho e educá-lo e pensar no presente. Não devo pensar que ele precisa um computador ou quer um computador porque o vizinho tem e eu tenho que ter dinheiro e então vou trabalhar para fora deixo o meu filho ou levo um e deixo o outro, como há mães que o fazem e eles são separados dos irmãos, são separados de tudo.

Penso que deviam pensar nas crianças e o que as crianças querem é amor e carinho no momento, e alguém que fale com elas no momento, não é futuramente. A infância passa, tudo passa e o presente é agora.

Acho que as mães e os pais têm que educar os filhos agora, e dar amor aos filhos agora, e estar presentes agora.


Há muitas crianças que não têm a sorte dos seus filhos e não têm uma família estruturada que os possa ajudar. Em sua opinião o que se pode fazer para melhorar a vida destas crianças?


Acho horrível que hoje em dia se tenha filhos sem ter amor para dar. Se uma família não é estruturada é porque não tem amor suficiente para dar à criança. Se há violência, se há pobreza… a pobreza não é sinonimo de não ter amor mas, a maioria das vezes, as pessoas são demasiado pobres, têm demasiados filhos, aos quais não podem educar. Podem ter vontade mas não têm poder económico.

Entendo que não é preciso muito poder económico para educar um filho hoje em dia. Há coisas que ficam de uns para os outros. Há coisas que não é preciso eles terem como roupas de marca, objectos. Não é preciso ter muito dinheiro para se ter crianças e as pessoas esperam por ter uma vida estável para ter uma família.

As famílias onde há violência, onde há maus tratos… não entendo como um pai ou uma mãe conseguem maltratar um filho. Tanto uns como outros precisam de um acompanhamento psicológico. As pessoas precisam ser capazes de pedir ajuda sempre que necessário, mas têm vergonha de pedir pois pensam que, assim, serão consideradas fracas. Julgo que é, precisamente, o contrário. É preciso ser forte e ter coragem para conseguir fazê-lo pois, só assim, conseguirão ultrapassar os problemas que as levam a atitudes extremas.

Uma família não estruturada não é, necessariamente, uma má família pois, hoje, conseguir ter uma família estruturada a todos os níveis não é fácil, mas penso que passa por pensar mais nos filhos e sermos capazes de pedir ajuda quando necessário. Quando há maus tratos, violência, quer seja física ou verbal, violações, penso que devem ser sempre participadas, quer pela família, quer pelos vizinhos que muitas vezes acham natural esse tipo de atitudes.


E os órfãos?


Há muitas instituições que acolhem as crianças abandonadas. A colocação das crianças numa família é que já é muito difícil. Hoje em dia, se se quiser adoptar uma criança, demora imenso tempo. Há imensas burocracias que não deveriam existir porque as crianças, se não têm família, têm de ter uma, o mais rápido possível. Não podem ser criadas numa instituição pois, quer queiramos quer não, a instituição nunca irá dar o amor e o apoio que dá uma família, por mais boa vontade que eles tenham. Isso é completamente impossível e depois há centenas de crianças numa instituição onde há poucas pessoas e onde quase deveria haver um adulto por cada criança, para a criança ter uma estrutura diferente para conseguir ser um adulto em pleno e penso que isso numa instituição é impossível. Depois temos aquelas instituições em que, quem as fundou, tinha o sonho de amar as crianças e de as educar na instituição e de as dar para adopção mas, infelizmente, há aquelas instituições, Casa Pia e outras que tais, que maltratam as crianças e as maltratam de uma maneira abismal e por essas e outras razões, a adopção deveria ser muito mais rápida. Há muitos casais a querer adoptar crianças e há muitas crianças para adoptar mas não se concretizam as adopções. A legislação deveria ser revista.


A adolescência é uma das fases mais difíceis e também mais aliciantes da nossa vida mas, nem sempre, o jovem sabe lidar com todas as descobertas e mudanças operadas durante o período e pode enveredar por caminhos sinuosos como a droga, por exemplo. Qual o papel dos pais neste processo?


O papel dos pais é alertar e falar com as crianças abertamente. Os pais não falam abertamente. Parece que se esquecem que eles já foram adolescentes e que já tiveram aqueles pensamentos porque a adolescência foi complicada para todos. Daquilo que sentem mais falta é de conversar e de não ser criticados porque os pais, temos a tendência de criticar e eles vão esconder-nos muitas coisas. Não vão querer falar connosco porque nós criticamos.

Devemos tentar não criticar os adolescentes, a maneira de eles serem, aquilo que eles fazem e ouvi-los. Ouvir e dar conselhos, não criticando. Penso que é bastante difícil para os adultos, por isso é que depois os adolescentes falam mais com amigos, mesmo com adultos amigos.

Eu tive adolescentes na formação e nas explicações que, às vezes, iam à explicação e eu perdia uma hora na explicação e perdia duas ou três a falar com eles porque eles têm necessidade, tal como as crianças, de falar, mas não ser criticadas, de expor aquilo que pensam, mas sem criticas.

Para os pais, atrevo-me a deixar um conselho: Não criticar e ouvir os adolescentes. As suas revindicações e aquilo que eles pensam. Se, em vez de lhe dizermos: “A droga é má, a droga faz isto…faz aquilo.” Se lhe mostrarmos alguém, que todos nós conhecemos. Alguém que passou pelo mundo da droga e que conseguiu sair. Pessoas que ainda hoje são toxicodependentes, se eles conversarem com essas pessoas, sempre com os pais a acompanhá-los, ficam a conhecer a realidade pura e crua.

Se formos nós a dizer as coisas, vamos ensinar-lhes o quê? A dizer não? É diferente quando eles se deparam com alguém que ainda continua. Que não gosta daquilo, que faz porque não consegue deixar de se drogar… se eles forem confrontados com essas pessoas, será mais fácil dizerem não e seguirem outro caminho do que simplesmente alguém lhes dizer ou os educarem na escola para isso.


Na sua opinião o que se poderá fazer para melhorar a vida das nossas crianças e dos jovens?


As crianças deveriam brincar mais. Passa por brincar. Em breve irei abrir um parque de diversões, onde as crianças são livres de fazerem o que quiserem, respeitando o outro, onde entram num mundo completamente diferente feito à sua medida, onde há duendes, fadas… é o mundo deles. Os miúdos podem brincar à vontade sem se magoarem, onde se podem divertir. Aprender a brincar e brincar a aprender. Hoje em dia, as crianças são muito adultas, veem televisão, jogam computador e não fazem praticamente mais nada. Não brincam, não se movimentam. Nós brincávamos a tudo e mais alguma coisa, ninguém estava em frente à televisão, nem a jogar computador. Nós íamos jogar ao mata, saltar à corda em conjunto com outras crianças. Hoje, as crianças estão com outras mas, na escola, onde estão só para estudar. Mais nada. Não brincam. Eles precisam movimentar-se, gastar energia, de educar o corpo para o movimento e assim também educam a mente. É uma aposta muito interessante.


Estamos num tempo em que os lares para idosos proliferam e mesmo assim não são suficientes para todas as necessidades. Hoje os nossos idosos acabam por ser um peso para os familiares. O que pensa sobre esta temática?


Se os nossos pais abdicaram de algumas coisas para nos educar nós também deveremos abdicar para tratar dos pais. Os nossos pais estiveram presentes sempre que nós necessitámos então, nós deveremos estar presentes quando eles mais nos necessitam e não colocá-los numa instituição. Sei que há idosos que não têm família. Esses, sim, deveriam estar em primeiro lugar para ir para as instituições.

Infelizmente, as instituições por razões económicas, preferem atender os que têm mais posses porque pagam mais e não há lugar para aqueles que não têm com quem ficar e que não têm família e que não têm dinheiro. Esses sim, teriam de ir para uma instituição.

Agora, aqueles que têm filhos… Porque é que nós não podemos deixar a nossa profissão, ou fazer de outra forma para poder atender os pais? Isso é algo que não percebo porque eu penso que há tempo. Eles tiveram tempo para nós, nós deveríamos ter tempo para os nossos pais ou contratar alguém que possa ficar com eles durante o dia, alguém de confiança.

O ideal seria eles poderem ficar nas suas casas com alguém a tratar deles, ou irmos nós morar para mais próximo dos pais. Penso que há sempre uma maneira de conciliar as coisas e de conseguirmos ser nós a tratar dos nossos pais e não ser outra pessoa qualquer a tratar deles porque outra pessoa não tem amor por eles, não são tratados da mesma maneira.

Os lares são mais armazéns de idosos, onde se vai para morrer. Os filhos deveriam pensar mais nos pais.


As pessoas que vivem nas grandes cidades passam algumas horas por dia nos transportes públicos ou até nos seus próprios automóveis para se deslocarem para os seus locais de emprego. Levantam-se de madrugada, regressam a casa à noite. Como é que se pode viver desta forma?


Não se pode. Isso não é viver. Passam o dia a trabalhar, não dormem, não descansam, não vivem. Parecem mais robôs, máquinas. Fazem o serviço porque tem que fazer, levantam-se por que tem que ser e não fazem mais nada. Isso não é qualidade de vida, isso não é vida. As pessoas deviam pensar no que estão aqui a fazer. É isso só? Para isso não valia a pena existir. Se Deus nos pôs aqui só para fazer isso, ele foi muito mauzinho connosco. As pessoas caem numa rotina tal e depois queixam-se da vida que têm mas não fazem nada para mudar, não querem cortar com essa vida e mudar radicalmente não sei se por medo de críticas porque, hoje em dia, ninguém pode ser diferente. Todos temos de seguir o rebanho porque as pessoas são postas à margem e as pessoas têm esse hábito: seguir o rebanho, seguir seja o que for, ser igual e nós devemos ser diferentes uns dos outros.

Para as pessoas é mais fácil ser igual às outras, mas perde-se tudo na vida. Perde-se a identidade. Não devemos estar à espera da reforma para mudar, devemos mudar agora. Queremos ser felizes, agora, não é depois. O importante é ser feliz, se uma pessoa não é feliz com a vida que tem então deve fazer algo para mudar.


Para terminar, que personalidade ou personalidades mais a marcaram ao longo da sua vida?


Bastantes. Eu acho que a maioria das pessoas que vou referir nos marcou a todos. Desde Jesus Cristo a Gandhi a Nelson Mandela, pessoas que lutaram, que ousaram ser diferentes e que lutaram por aquilo em que acreditavam, que tornaram o mundo melhor. Aveline Kushi, Mishio Kushi, todas essas personalidades que tentam diariamente fazer com que o mundo melhore. Sting no campo da música, mas que luta pelos direitos dos índios e pela saúde ambiental. Bono Box, Bill Gates que, sendo um homem tão poderoso e tão rico, acabou por deixar o seu emprego para se dedicar às outras pessoas, para tentar… aquilo que ele fez, que foi enriquecer monetariamente e penso que, pessoalmente também, para se dedicar agora aos outros para tentar acabar com a fome e educar as pessoas de maneira a não terem tantas necessidades, a ensinar, porque não é dar, é ensinar a fazer, ensinar a plantar, ensinar a colher. Tem que se ensinar as pessoas a ultrapassar as dificuldades e a conseguirem por elas próprias.

Falando de uma personalidade aqui da região, que admiro e que marcou uma fase da minha vida, foi o Dr. Júlio de Carvalho para ao qual eu trabalhei alguns anos, enquanto estava a tirar o curso e que gostei imenso de trabalhar com ele. Acho que é uma pessoa que tem uma força muito grande. Começou do nada e foi tirando cursos ao longo do tempo e foi subindo de nível de vida e é uma pessoa que dá a volta às questões de maneira a que coisas que não eram favoráveis para ele, torna-as favoráveis. É, também, uma pessoa sempre disponível a ajudar. As personalidades que mais me influenciam neste momento, são os meus filhos com os quais aprendo imenso diariamente. Aprendo a ver as coisas com a simplicidade dos olhos de uma criança.

O mundo seria um local bastante mais agradável de viver se todos conseguíssemos ser um pouco crianças e tivéssemos a capacidade de não complicar tudo como fazemos diariamente. Deveríamos dar importância ao que realmente importa e não a futilidades.

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