Dar um murro no estômago do centralismo!
Clarificando, lutar contra alguma indiferença, medidas pontuais e avulsas com
que, nas últimas décadas, o governo central tem lidado com os problemas da
interioridade. O Interior tem perdido voz, as lideranças estão enfraquecidas –
tem perdido deputados e voz no Parlamento; poder reivindicativo no interior dos
partidos; na liderança das instituições públicas; no movimento associativo. É
preciso reconquistar o poder da palavra. Falamos de Poder. Medida aparentemente
simples, mas que a cultura centralista trava, seria a de reforçar a voz do
Interior na Assembleia da República, voz que vai perdendo à medida que o
despovoamento se acentua, como fazê-lo? Aumentando o número de deputados dos
distritos do Interior, em função da população, também da área territorial e
criando círculos de eleição uninominal. A criação da NUT II Trás-os-Montes e
Alto Douro, dividindo a NUT II Norte em duas, Entre Douro e Minho e
Trás-os-Montes e Alto Douro, regiões naturais correspondentes às antigas
Províncias, a divisão administrativa que prevaleceu durante séculos em
Portugal, parece-me nesta fase ser uma prioridade. A ideia é a de que as
regiões mais pobres não podem continuar a ser prejudicadas pelas regiões mais
ricas, que se aproveitam da pobreza destas, para receberem mais apoios da União
Europeia, que os atribui ao país para dar prioridade à coesão e ao
desenvolvimento das regiões mais pobres, e assim não tem sido. Estamos num
momento único de ajuda excecional da União Europeia a Portugal, com a
atribuição de fundos comunitários como Portugal nunca teve, a iniciar o novo
Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, é o momento oportuno para as três
Comunidades Intermunicipais, do Alto Tâmega, Douro e Terras de Trás-os-Montes
promoverem uma reunião magna representativa da região, que exija ao Governo a
criação da NUT II Trás-os- -Montes e Alto Douro (reivindicação de há vinte anos
no III Congresso Transmontano) e uma dotação financeira global de fundos
comunitários para o Interior Norte, a serem geridos no âmbito da nova NUT II,
ou seja a serem geridos em Trás-os- -Montes e Alto Douro. Entregar aos
transmontanos e alto durienses parte importante das decisões sobre o seu
destino, em vez de serem tomadas no quadro de uma cultura centralista secular,
seja em Lisboa e até no Porto, seria importante. Recuperar poder de decisão
para Trás-os-Montes e Alto Douro é um passo necessário para que, no balanço
2030 de aplicação excecional de ajudas comunitárias, as assimetrias regionais
não se tenham acentuado ainda mais, e o Interior Norte não esteja, em termos
relativos, mais pobre, mais despovoado, mais distante do litoral. A criação da
NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, deverá contribuir para as decisões que
venham a ocorrer no âmbito da criação das regiões administrativas. Importa ter
presente que, o referendo à regionalização feito em 1998, foi acompanhado do
mapa de oito regiões administrativas, o conhecido mapa das províncias, que
perante um novo referendo, dois cenários de mapa das regiões poderão ser discutidos.
O litoral, onde se concentra o poder económico e político, tenderão a impor uma
única região administrativa, tendo por base a evolução que tem sido feita com
as CCDR. Trás-os-Montes e Alto Douro, representa pouco em termos de população
(na década de sessenta representava mais de 20%) e da economia, mas representa
58,7% do território da Região, tem peso e argumentos para, de forma firme
defender a criação da região administrativa de Trás-os- -Montes e Alto Douro.
Temos ativos territoriais valiosos, a região está dotada de modernas
acessibilidades, ainda que, com algumas necessidades, instituições de ensino
superior e centros de investigação e de interface como nunca teve, boas
infraestruturas culturais e ambientais, centros urbanos atrativos, então porquê
continuar a caminhar para o abismo do despovoamento? Temos de erguer os braços
e assumir que sim, que somos capazes de reforçar o poder da palavra e da ação e
inverter a tendência do despovoamento e do abandono do território. O abalo
demográfico que atinge o Interior Norte, obriga-nos a maior firmeza para romper
com as políticas do centralismo que têm conduzido o Interior para uma
catástrofe demográfica - o despovoamento, o abandono do território e
tendencialmente o empobrecimento. A soberania territorial exige solidariedade
em ambos os sentidos, do centro para a periferia e vice-versa. O esquecimento
do Interior é uma total injustiça, as boas intenções, decisões tímidas e
frágeis, não fazem a mudança necessária para inverter este ciclo vicioso. O argumento
que o alimenta é o de que não se justifica investir porque há cada vez menos
população, a consequência é a população continuar a abandonar a região,
procurando territórios mais atrativos onde o investimento público e privado é
mais intenso. Por outro lado, nas últimas décadas, o governo central tem vindo
a eliminar serviços públicos na região com esse mesmo argumento. A fúria
centralizadora até as ligações ferroviárias eliminou. Trás-os-Montes e Alto
Douro representa 3,74%, da população do país, quando no ano de 1960
representava 7,82%, situação dramática, que nos interroga, como foi possível
chegar a esta situação e como sair dela. Em meio século, a região de
Trás-os-Montes e Alto Douro foi atingida por uma sangria demográfica, ficando
em situação de forte despovoamento e envelhecimento populacional, tendo como
consequência o abandono dos campos, a perda de biodiversidade, a maior
fragilidade económica e vulnerabilidade às alterações climáticas. No conjunto
dos 34 concelhos de Trás-os-Montes e Alto Douro, a população no ano de 1960
atingia os 692 029 habitantes, reduziu no ano de 2019 para 384 410 ou seja, em
pouco mais de meio século teve uma perda de 307 619 habitantes o que representa
44,45% da população, população que não irá recuperar nas próximas décadas. Na
segunda metade do século XIX foi crescente o movimento migratório e a década de
1901 a 1911 foi o período de maior emigração antes de 1960. Esta vaga continuou
no período subsequente, entre 1910 e 1919, do distrito de Bragança emigraram
18% dos seus habitantes, de Vila Real 13% e de Viseu e Guarda 12% da população
de cada um dos distritos. Após a II guerra mundial dá-se o segundo grande
período de emigração, de 1946 a 1973 terão emigrado cerca de 2 milhões dos
cerca de 8,5 milhões de portugueses. Acentuou-se o êxodo do mundo rural
sobrepovoado e pobre, a caminho das cidades industrializadas do litoral e de
locais mais promissores no estrangeiro. Na segunda década deste século, a crise
financeira desencadeou outra vaga emigratória. No conjunto dos concelhos de
Trás-os-Montes e Alto Douro, a perda de população no período de 1960 a 2021 foi
de 307 619 habitantes, cerca de metade da população. A informação de 2021
diz-nos que em TMAD, o índice de envelhecimento (número de idosos com mais de
65 anos em cada 100 jovens com menos de 15 anos) era de 275, mais de 2/3 acima
da média nacional e o índice sintético de fecundidade (número médio de filhos
por mulher em idade fértil), era de 1.01, em Portugal era de 1,42, um dos mais
baixos do mundo. Para inverter este ciclo de quebra seria necessário que o
crescimento natural, diferença entre a natalidade e a mortalidade, fosse
positiva, que a taxa de fecundidade, número de filhos por mulher fosse superior
a 2,1. Sozinhos não temos qualquer hipótese de inverter esta grave tendência,
mas muito do que há a fazer terá que ser feito por nós. Vale a pena investir na
clarificação do caminho a percorrer e como fazê-lo. O que devemos fazer? Que
caminho seguir? Os progressos em TMAD conseguidos nos últimos anos tem sido muitos,
alguns muito tardios face ao resto do país, mesmo assim, não se tem conseguido
travar o despovoamento e o abandono do território. A situação é de resposta
muito complexa, exige soluções múltiplas e a maior boa vontade do governo
central em muitos âmbitos, dos incentivos financeiros e fiscais, da
desconcentração e descentralização, do investimento público etc. Acima de tudo,
da nossa determinação e coragem para reorientar o rumo. Nos próximos anos
teremos menos população. Temos que vencer esta catástrofe sobre Trás-os-Montes
e Alto Douro, sabendo que nos próximos anos teremos menos população no mercado
laboral, o que pressiona em sentido negativo o crescimento da economia. Será
necessária uma política inteligente de apoio aos casais jovens nos postos de
trabalho e à 1.ª infância (infantários gratuitos e universais para todas as
crianças); uma forte qualificação da força laboral, considerando a inovação e
transformação tecnológica da economia, uma grande evolução nas condições
sociais no mercado de trabalho e melhoria significativa das remunerações
salariais, em particular no setor privado, para poder fixar os jovens
qualificados, competir com mercados laborais muito mais competitivos a nível
nacional e internacional. Temos que resolver problemas estruturais, é certo que
não o conseguiremos sozinhos, precisamos da solidariedade ativa do Governo
Central, por isso somos Portugal. Precisamos resolver problemas como a baixa
produtividade, os baixos salários, as baixas qualificações, a falta de capital
para investimento, melhorar e consolidar a visão do caminho a percorrer,
garantir a excelência nas instituições de ensino e formação, assegurar forte
evolução no bom governo das instituições públicas e privadas. É necessário
reconquistar o poder da palavra. O Interior tem perdido voz em todos os campos,
incluindo na Assembleia da República. Devemos lutar pela discriminação
positiva, por incentivos fiscais e financeiros e muito mais, sem deixar de dar
prioridade às questões do poder. Falamos de aumentar o número de deputados do
Interior na Assembleia da República. O Interior tem vindo a perder deputados na
Assembleia da República, a favor da Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, à
medida que perde população. É urgente corrigir esta situação, garantir aos
círculos eleitorais do Interior um aumento do número de deputados, tendo a
dimensão territorial e o número de eleitores, repondo a voz do Interior na Casa
da Democracia. Assegurar a eleição através de círculos uninominais. Da Criação
da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, para aceder de forma justa às ajudas da
União Europeia, o Interior Norte deve poder gerir um envelope financeiro
próprio, negociado na fase de programação do Portugal 2030, para isso, a NUT II
Norte deve ser dividida, criando duas NUT II, Entre Douro e Minho e
Trás-os-Montes e Alto Douro. É só uma questão técnica, mas que pode fazer a
diferença na mudança. Em 2002, o III Congresso Transmontano aprovou esta
orientação; Da criação da Região Administrativa de Trás-os- -Montes e Alto
Douro. A Regionalização é o caminho adiado, desde o início da república, para
dar impulso de desenvolvimento ao país e às regiões. A Constituição Portuguesa
de 1976, inclui a criação de regiões administrativas, no referendo de 1998 foi
apresentado o mapa de oito regiões, correspondendo à divisão administrativa
intermédia com mais longevidade na história de Portugal, onde se inclui
Trás-os-Montes e Alto Douro. O futuro reserva-nos muitos desafios e muita
esperança. O país não pode hesitar perante os desafios da Interioridade, tem
que ser capaz de saldar uma divida histórica de que os transmontanos e
durienses são credores. É verdade que tem feito algum esforço nesse sentido,
mas não chega, não podemos continuar a caminhar para o abismo. Cabe às
Comunidades Intermunicipais de Alto Tâmega, Douro e Terras de Trás-os-Montes,
liderar a realização em 2022, uma assembleia magna da região, em colaboração
com os deputados, líderes das Associações Empresariais e Instituições de Ensino
Superior, Sociais, Cooperativas, num esforço de cooperação e de coordenação
política capaz de mobilizar a Região, de a unir naquilo que é essencial. Não se
pode continuar a assistir ao investimento discriminatório como acontece com o
PRR, o PDR e em parte nos Quadros Financeiros Plurianuais. Se a situação continuar,
os transmontanos devem estar preparados para discutir alternativas fazendo uma
rotura no sistema.
Jorge Nunes