(Mais uma vez, chamamos a atenção para esta crónica do Engenheiro António Jorge Nunes, antigo Prtesidente da Câmara Municipal de Bragança durante vários mandatos entre outros cargos de vital importância para Trás-os-Montes e Alto Douro).
É necessário que todos nós lutemos pela nossa região. Não podemos permitir que este abandono perdure. Se ainda não tiveram oportunidade de ler este texto, aqui o deixamos. Obrigado.
Terminada a 2.ª fase de discussão pública do
Plano Ferrovia 2030, esperamos que a versão final contemple Trás-os-Montes com
a nova linha ferroviária de Alta Velocidade ligando o Porto, Vila Real a
Bragança à Alta Velocidade em Espanha, aqui tão próxima. A versão recentemente
enviada pelo governo para o LNEC, para recolha de parecer, ignora totalmente os
contributos e a vontade expressa da região, o que nesta fase de consulta já não
devia acontecer, o mesmo é dizer, o governo está a ignorar os eleitos, as
instituições e os cidadãos que se pronunciaram favoravelmente a uma ligação
ferroviária internacional por Trás-os-Montes. A coesão territorial parece
continuar a ser uma mensagem política de conveniência eleitoral, nesta sub-região
que desde a fundação do reino, tanto tem dado ao país, e que tão pouco tem
recebido. Necessitamos cerrar fileiras, criar liderança política nesta longa
luta, exigir clarificação aos líderes partidários, pelo menos durante a próxima
campanha eleitoral, para que a proposta que vier a ser apresentada ao
Parlamento também sirva o futuro desta região, assim como necessitamos exigir
clareza de posição à CCDR-N sobre que mapa ferroviário tem para a Região Norte
e como pretende defendê-lo, saber se neste âmbito, Trás-os-Montes está nas suas
preocupações. Importa fazer uma breve referência ao passado da ferrovia em
Trás-os-Montes e uma abordagem política à situação social e económica da
região, para melhor se compreender a justeza desta luta.
A primeira proposta
para ligar Lisboa à Europa foi apresentada no ano de 1845 por uma empresa
francesa, que previa ligar Lisboa ao Porto, a Bragança e a Valladolid. Os
primeiros carris em Portugal foram assentes passados oito anos, no ano de 1853,
no troço de via-férrea de Lisboa a Santarém. Os distritos de Bragança e de Vila
Real foram os últimos a aceder à viação acelerada, para substituir a tração
animal, e só trinta anos depois se iniciou a construção da linha do Tua, no ano
de 1883, tendo a última estação da linha do Sabor sido inaugurada no ano de
1938. Foram 85 anos desde que iniciou a construção em Lisboa, até à conclusão
da ferrovia em Trás-os-Montes, que se manteve isolado, trabalhando para o
autoconsumo, sem acesso aos mercados externos.
Este enorme atraso prejudicou
muito este território face ao país que se desenvolvia a ritmo acelerado. Apesar
disso, a ferrovia foi durante décadas o principal meio de transporte de pessoas
e de mercadorias, rompendo com o isolamento, abrindo a região ao mundo. Noto
que antes do transporte por comboio, as deslocações eram difíceis, demoradas e
pouco seguras. A título de exemplo saliento que aquando da Restauração da
Independência, a 1 de dezembro de 1640, a notícia só chegou a Bragança 16 dias
depois, seguindo-se grandes festejos e preparação para a guerra, que durou 28
anos. O correio de Lisboa a Bragança, demorava no final do século XIX, oito
dias, na mala posta a mata cavalos. Foi no final do século XIX e início do
século XX, o principal investimento feito na região, e que proporcionou muitos
outros investimentos.
Sem honra, sem glória, sem humanidade, no período de 1988
a 2008, nos governos de Mário Soares e de Cavaco Silva, as linhas do Tua,
Corgo, Sabor e parte da linha do Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva, foram
encerradas, numa extensão de 363,9 km, ato de total injustiça e desumanidade,
isolando a região da rede ferroviária e suas vantagens sociais e económicas. As
boas vias de transporte de pessoas e bens são as artérias da economia, e a boa
rede de estradas de que Trás-os- -Montes dispõem, construída entre 2004 e 2015,
só por si não chega, pois todo o país está igualmente servido, e também de
ferrovia.
Por outro lado, o território de fronteira com Espanha está bem
servido de estradas e de ferrovia, também em Alta Velocidade, ou seja,
Trás-os-Montes está em termos relativos um pouco isolado e cercado de
territórios com melhores condições para desenvolver a economia e fixar
população. Os governos centrais impõem-nos uma discriminação negativa,
deixam-nos com menores condições para acompanhar o ritmo de crescimento da
economia nacional e das regiões fronteiriças, tendencialmente mais pobres e com
a população mais envelhecida.
Não pode a Região Norte, a mais pobre das regiões
portuguesas, como não pode Trás-os-Montes, deixar de lutar por uma moderna
linha ferroviária internacional, unindo o Porto a Bragança e a Espanha, por
razões de coesão, de competitividade e de combate às assimetrias regionais, de
combate ao despovoamento, ou seja, temos de apanhar o “comboio da economia do
futuro”.
Sem acessibilidades competitivas, rodoviárias, ferroviárias e aéreas,
teremos dificuldades acrescidas de desenvolver a economia, captar investimentos
necessários, fixar mão de obra qualificada, empresas tecnológicas da economia
verde e do conhecimento. Vamos começar por observar à luz de alguns indicadores
a situação de Portugal no contexto europeu. Durante a década de 1990, Portugal
cresceu à média de 3% ao ano, convergiu com EU, a 15 estados-membro. No ano de
2000, o PIB per capita, era de 83,5%, e no ano de 2021 é de 75% da média da EU
a 27, ou seja, fez uma trajetória de divergência. Neste período cresceu à média
anual de 0,8%, crescimento inferior à média dos restantes países, sendo o
terceiro país que menos cresceu, só a Itália com o crescimento de 0,4% e a
Grécia com 0,3% ficaram abaixo. Em mais de duas décadas a economia portuguesa
estagnou, passámos por uma grave crise financeira e pela crise pandémica, o
investimento caiu para valores historicamente baixos, totalmente dependente das
ajudas da UE.
Na última década, a produtividade em Portugal caiu 2,6 pontos
percentuais, é de 65,2% da média da EU, quase metade da Alemanha, é de 72% da
de Espanha. A baixa produtividade tem como consequência, salários dos mais
baixos da EU, e dificuldades no acesso a mercados de maior qualidade e valor
acrescentado. Para um futuro melhor é essencial melhorar muito a produtividade,
o que nos ajudará a ter maior crescimento da economia, salários mais elevados,
empresas mais competitivas, acesso a mercados de maior valor acrescentado,
melhor administração pública.
Para isso é necessário maior investimento na
investigação e desenvolvimento tecnológico por parte das empresas, que investem
0,68% do PIB, cerca de metade da média da EU (1,45%). É necessário maior investimento
tecnológico e de modernização nas empresas e na administração pública, uma
maior qualificação da força laboral, preparando as profissões, atuais e novas,
para os desafios da economia do futuro, reforçando as qualificações, a formação
com ensino superior, que na faixa etária dos 30 aos 34 anos evoluiu na última
década de 26,7% para 43,7%, superando a média da EU.
Portugal é um dos países
mais endividados da EU, a dívida global (empresas, famílias e administração
pública), ronda em 2023, os 750 mil milhões de euros, o que compara com a
riqueza anual produzida no país, de cerca de 210 mil milhões de euros. A dívida
pública que era de 13,5% do PIB no ano de 1974, subiu para 80% em 2010 e para
127% em 2020, está a reduzir, prevendo-se, se a orientação não alterar, que em
2031 desça para 70% do PIB. A dívida muito elevada é uma grande restrição para
o investimento público e privado, visto, parte do esforço dos portugueses ter
de ser canalizado para pagar juros e amortizações.
Constatamos que o desafio central
desta região é o da regressão demográfica, situação transversal a quase todo o
interior, e em particular a Trás-os-Montes e Alto Douro, que no ano de 1960
representava 7,82% da população do país, e no ano de 2021 baixou para 3,49%,
passou de 692 029 habitantes, para 384 410, em pouco mais de meio século,
perdeu quase 50% da população. Sem exceção, todos os concelhos estão a perder
população. Em Terras de Trás-os-Montes, no ano de 1960, a população jovem
representava 33,6% tendo baixado para 9,4% em 2021. Portugal tem um problema
demográfico, sendo o 4.º país do mundo mais envelhecido, só superado pelo
Japão, Itália e Finlândia, problema que atinge o Interior de forma muito grave. O Interior vai continuar a despovoar-se durante as próximas décadas.
O índice
de envelhecimento, calculado pela relação entre o número de pessoas com mais de
65 anos em cada 100 jovens com menos de 15 anos, é em Terras de Trás-os-Montes
de 359%, o dobro da média nacional e em Vinhais é de 692,8%, quase quatro vezes
superior. O índice sintético de fecundidade em Trás-os-Montes é de 1,01, quando
deveria ser de 2,1 (n.º de filhos por mulher em idade fértil), para assegurar
crescimento natural positivo, o mesmo é dizer, garantir que a diferença entre a
natalidade e a mortalidade fosse positiva.
A realidade é muito preocupante, a
taxa de mortalidade é três vezes superior à taxa de natalidade, e no concelho
de Vinhais é cinco vezes superior. O envelhecimento populacional no Interior é
um abalo demográfico, com amplos reflexos negativos, designadamente no mercado
de trabalho, sendo atualmente a % de população ativa muito inferior à média de
Portugal e da região Norte, situação que vai agravar-se e também no país,
prevendo os demógrafos que até 2050, a população em idade ativa diminua em 1/3.
Paralelamente ao problema demográfico, temos de vencer a tendência de
divergência no PIB per capita para criar mais economia e mais emprego
qualificado. O PIB per capita em Terras de Trás-os-Montes é 21% inferior à
média nacional, no concelho de Vinhais é inferior em 40%, e se comparado com o
Porto, com PIB per capita de 147,6, então a relação é de 1 para 2,4, e se
comparado com Lisboa com o PIB per capita de 186,3, a relação é de 1 para 3. E
mesmo Bragança, que está 10% acima da Região Norte, feita a comparação com o
PIB per capita de Lisboa, a relação é de 1 para 2.
É necessário superar as
grandes diferenças de remuneração no mercado laboral, garantir maiores
qualificações para assegurar melhor salário, fixar jovens, reduzir a emigração
e captar mais mão de obra qualificada para as empresas. Portugal não é um país
atrativo para captar imigrantes de elevadas qualificações, há mercados externos
muito competitivos no recrutamento de mão de obra altamente qualificada,
acresce que Portugal historicamente é um país de emigrantes, é o 20.º país do
mundo com maior taxa de emigração face à população residente. Em 2022, os
portugueses emigrados eram são 2,6 milhões.
Importa salientar os setores com
mais emprego. Em Portugal é o comércio e retalho, na AML são as atividades de
segurança e de apoio às empresas, no Norte é a fabricação de têxteis, vestuário
e calçado, e em TTM são as atividades de saúde humana e apoio social. Também
destacar que o salário médio na AML é 50% superior ao de TTM, e que a
percentagem de trabalhadores com grau de ensino superior é em TTM igual à média
nacional e superior à da Região Norte, que em TTM, o salário médio de
trabalhadores com o ensino básico é 15% inferior ao da AML e 60% inferior nos
trabalhadores com licenciatura.
Também nas remunerações o país é muito
desigual, esta região é muito pouco competitiva face ao país e a países mais
desenvolvidos, pelo que “travar” a emigração de regiões pobres é um exercício
de elevada complexidade, só sendo possível superar com salários muito mais
elevados, empresas muito mais competitivas, produtividade muito acima do atual,
melhores condições sociais de trabalho, com maior disponibilidade de capital de
investimento. Necessitamos resolver o problema da baixa produtividade, que é de
75% da média nacional e de 48,9% da média da EU, ocupa a 19.ª posição acima das
NUT III Beira e Serra da Estrela; Oeste; Tâmega e Sousa e Douro.
É essencial
melhorar o rendimento das famílias de TM através da maior qualificação da força
laboral, da inovação e transformação tecnológica da economia, da melhoria das
condições sociais no mercado de trabalho, da melhoria significativa das
remunerações salariais, em particular no setor privado, por forma a fixar
jovens qualificados, tornar a economia mais produtiva e competitiva. Apesar do
abalo demográfico e muitas fragilidades na economia, há esperança de um futuro
melhor.
Em termos de análise pelo PIB per capita, constatamos uma tendência de
divergência de TTM face ao Norte. No ano de 2010 ocupava a 2.ª melhor posição
de entre as NUT III da Região Norte, com 97% da média regional, abaixo da Área
Metropolitana do Porto, e veio a ser ultrapassada pelo Cávado, Ave e Alto
Minho, descendo em 2021 para a 5.ª posição (79% da média regional), à frente do
Douro, Alto Tâmega e Tâmega e Sousa. Notando que o fraco crescimento nas NUT
III de Trás-os-Montes e Alto Douro é em parte feito à custa da perda de
população e menos do crescimento real da economia, o que não acontece com o
Cávado, a única em que a população cresce, e o PIB per capita cresce à custa do
crescimento real da economia Mas, se feita a análise da evolução a partir do
Índice Sintético de Desenvolvimento Regional (ISDR), que capta o bem-estar
material que decorre do poder aquisitivo de bens e serviços, e que é ponderado
a partir de três índices: competitividade, coesão e qualidade ambiental,
constatamos uma evolução positiva de TTM no conjunto das 25 NUT III.
Constatamos uma evolução positiva da 19.ª posição no ano de 2013 para a 11.ª
posição no ano de 2021. Menos na competitividade, índice que capta o potencial
em termos de eficiência na criação de riqueza e da capacidade do tecido
empresarial de competir no contexto internacional; uma melhor evolução na
coesão que capta o potencial da população aceder a equipamentos e serviços
coletivos, embora seja claro que temos concelhos em que os serviços estão muito
distantes, exemplo da saúde, da educação, da justiça, da cultura e dos
transportes.
No índice da qualidade ambiental ocupamos o topo da tabela com
112,49, à frente da Madeira, das Beiras e Serra da Estrela e dos Açores. Temos
qualidade máxima em termos comparativos, nos serviços de ambiente e um
território de excelência ambiental, assegurando elevada qualidade de vida. Este
índice dá-nos o foco e a visão da orientação e alinhamento da estratégia de
desenvolvimento de TTM. Mas, há uma pergunta que se impõe: Será que os
centralistas de Lisboa pretendem empobrecer ainda mais os transmontanos e fazer
de Trás-os-Montes uma reserva natural integral?
O desafio é claro, combater o
Abalo Demográfico que despovoa o território, fazer crescer a economia, fixar
mais mão de obra e dotar a força laboral de maiores qualificações e as famílias
de maiores rendimentos. Temos recursos e território com elevado potencial de
crescimento, mas não o conseguimos fazer sozinhos, sem o justo apoio do governo
central, devido desde há décadas, e que frente à dimensão dos problemas, só
pode ser de dimensão excecional e com capacidade transformadora, e não de
medidas paliativas para nos entreter e periodicamente captar votos.
Temos um
amplo território com recursos económicos e de elevada qualidade ambiental, um
sistema de ensino superior e centros de investigação em percurso afirmativo,
com capacidade crescente de apoio à economia regional; população mais qualificada;
maior emprego de técnicos superiores nas empresas; aumento do número de
trabalhadores ao serviço das empresas; aumentou o número de empresas, com
especial importância na indústria transformadora, alguma capacidade
exportadora, com saldo positivo relativo às importações, notando que o valor
dos bens e serviços produzidos diminuiu de 2016 para 2021, de 1,81 para 1,72
mil milhões de euros, esperado seria que crescesse; dispomos de uma moderna
rede de autoestradas; de cidades e vilas mais atrativas e competitivas. E
assim, poderemos mudar para melhor, com visão de desenvolvimento futuro mais
apurada e partilhada, com melhores instituições de ensino e de formação, melhor
governo das instituições públicas e privadas.
Para alcançar novos patamares de
desenvolvimento, o investimento público e privado é essencial, e Trás-os-Montes
não pode ficar de fora do mapa ferroviário 2030, sem uma linha internacional
ligando a região norte ao centro da europa, conquistando centralidade no
contexto ibérico, conjugando o modo rodoviário, ferroviário e aéreo, este com
aposta clara no aeroporto regional de Bragança, projeto que na última década
parece ter sido esquecido, assim como a luta pela continuação da autoestrada
transmontana A4, de Quintanilha a Zamora, tendo saído da reivindicação
regional, como a continuação do IP2 de Bragança a Puebla de Sanábria foi
comprometida e substituída por uma via menor.
Não falta dinheiro no PRR para
investir no litoral, recentemente o investimento no Metro do Porto e de Lisboa
foi reforçado em 740 milhões de euros só para atender ao aumento de custos,
faltando uns “trocos” para a estrada de Vimioso. A ferrovia será fator de
elevada atratividade na captação de investimento, de empresas, de fixação de
jovens, na perspetiva da economia do futuro, a economia verde e do
conhecimento. A ferrovia é estruturante para o território e para a economia, a
questão é a de que se perdermos esta luta, ficaremos, face aos territórios
envolventes, mais isolados, mais pobres e com o território mais despovoado. Mantemos
a luta por uma nova linha ferroviária em Trás-os-Montes, internacional e com
ligação à Alta velocidade em Espanha. Não nos podemos calar!
Fontes: INE; Pordata; Eurostat; Fundação José
Neves Conferência, Mirandela, 30.11.2023
António Jorge Nunes