quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O centralismo e o arraial mediático (19/09/2017) (Editorial do Jornal Nordeste)




Com a pré-campanha a terminar, houve nova corrida, nova viagem dos responsáveis dos partidos maiores, por enquanto, pelas terras do distrito.
Já fazem parte da nossa condição política estas romarias apressadas, antes que a verdadeira campanha, pastosa e entediante, nos incomode todos os dias com paleio redondo, por entre praças e ruelas, mercados de peixe ou de trapos e festarolas.
Das verdadeiras questões das três centenas de municípios pouco ou nada será dito, a discussão não terá espaço e, provavelmente, a abstenção terá lugar no pódium da demissão cívica, miséria das democracias neste início do terceiro milénio, tempo em que as utopias parecem dar o último suspiro.
Lamentámos muitas vezes a distracção, o descuido, o alheamento calculado do poder central. Clamámos por deslocações ao país real. Houve momentos em que nos pareceu que os apelos teriam sido ouvidos. Realizaram-se presidências abertas, conselhos de ministros pelo país, mas os resultados foram insignificantes.
Ainda acreditámos que tais iniciativas, mobilizando a comunicação social, levariam à praça pública nacional as questões que nos tornam a vida num inferno todos os dias. Mas, afinal, os grandes media também não se importam com o tal país, porque os objectivos editoriais continuam a ser determinados pela lógica das audiências que a superficialidade sustenta e não pela observação das realidades duras do país.
Entende-se mal, por isso, que no último fim de semana tenham sido deslocados quantiosos meios, carros de directos e muitos jornalistas para responder a solicitações de editores que não sabem, nem querem saber do que por aqui se pensa, se sente, se discute. Resultaram peças que se empastelaram na guerrilha do rating, das afirmações de Centeno, das virtudes e pecados da geringonça.
Foi interessante assistir em triplicado à montagem e desmontagem do arraial mediático, com proficiência e olhares de soslaio para a informação regional, com o fito de apanhar as chegadas dos líderes lisboetas aos lugares dos comícios. Depois era o enfado enquanto se apresentavam as candidaturas locais, até que falassem os senhores da capital.
Significativo da distância que também separa a comunicação social nacional da vida dos portugueses do interior foi o facto de que, mal acabava o discurso do poder central, imediatamente se desligavam as câmaras, se recuperavam os cabos, se fechavam os computadores. Só os órgãos regionais e locais ficavam para ouvir os candidatos aos municípios, cumprindo a função que lhes compete. Donde se conclui que o país real, envelhecido e despovoado, que não interessa aos políticos de Lisboa, também não tem lugar nos órgãos de comunicação, tão centralistas como aqueles.
Não se poderia esperar muito mais, porque, em grande parte dos casos, sendo como são pessoas como quaisquer outras, os editores e os jornalistas continuam a olhar para estas terras como um fim de mundo, talvez incomodativo para as próprias consciências.
Assim não vale a pena deslocar tais meios, porque a atenção não passa de uma aparência e, como sabemos, as aparências iludem e de ilusões já nós temos o saco cheio.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

No país das maravilhas… (05/09/2017) (Editorial do Jornal Nordeste)




Em fim de férias, quando a maralha tuga serpenteia pelas autoestradas maravilha, tejadilhos pejados de malas e embrulhos, ocupando de forma displicente as faixas centrais, com o pára-brisas de trás tapado por roupa e sacaria, a RTP transmitiu a gala da versão do passatempo 7 Maravilhas, desta vez dedicado às aldeias do velho rectângulo. 
O distrito de Bragança esteve representado na escolha final por Podence e Rio de Onor, depois de Montesinho ter perdido a corrida na penúltima fase. Naturalmente sabemos que concursos deste género são folhetins para entretenimento e festa. Mas, pelos vistos, os municípios de Bragança e de Macedo de Cavaleiros empenharam-se na iniciativa e terão considerado que, assim, cumpriam o desígnio de valorizar o que ainda resta de característico, mesmo de especial nestas terras.
No espectáculo final, em Piódão, não faltaram governantes, ministros e secretários de Estado, responsáveis por pastas importantes para o desenvolvimento de políticas que poderiam conduzir ao reequilíbrio do território e ao desenvolvimento de condições de vida para populações que têm sofrido os efeitos de décadas e décadas de políticas desastradas e irresponsáveis. 
Estiveram, naturalmente, em fato de festa e ninguém os questionou sobre os problemas que as populações têm sentido, quase até à agonia, convivendo com o fim da esperança, envelhecendo sem retorno e esperando que filhos e netos não se esqueçam da terra para sempre.
Mas não perderam a oportunidade para, outra vez, arengar sobre, agora sim, atenção ao interior, acenando com a varinha mágica, que não produziu, até agora, festejadas ilusões porque a mestre de cerimónias, a ex-responsável pela Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior, se desiludiu ela própria e foi trabalhar a sério para os trópicos.
A secretária de Estado do Turismo recuperou mesmo a promessa de nos pôr no mapa, parafraseando Guterres em 1995, ou seja 22 anos depois, talvez acreditando que a nossa memória já se desvaneceu sem remissão.
Rio de Onor, Podence e Montesinho são três, entre centenas de aldeias deste terrunho, que expressam a angústia da proximidade dos dias do fim, apesar do ânimo das claques que deram cor ao programa televisivo. Basta lembrar que a vencedora (Rio de Onor) dispõe de um parque de campismo sem ocupação, apesar de ser famosa desde o tempo em que o antropólogo Jorge Dias ali realizou estudos notáveis sobre o comunitarismo, a variante dialectal, a arquitectura e a relação com a natureza.
Não estamos por este nordeste a evoluir num conto de fadas, nem nos devem confundir com a pequena Alice que palpitava com as maravilhas estonteantes, guiada pelo coelhinho branco, um criado obediente da rainha de copas. Nem estaremos para aturar as madurezas do gato, os subterfúgios e os sorrisos felinos, quase gargalhadas zombeteiras, perante o enlevo da rapariga.
A dureza da vida quase nos petrificou. Por isso, era tempo de vermos tidas em conta as ásperas realidades e percebermos que alguém estaria disponível para mudar de rumo, permitindo que as maravilhosas aldeias não se reduzam a memórias difusas num futuro que pode ser espantosamente doloroso.

Escrito por Teófilo Vaz, Diretor do Jornal Nordeste
Retirado de www.jornalnordeste.com