quinta-feira, 21 de julho de 2022

SONÂMBULOS

 


Sonâmbulos, bêbedos, inquietos...

Não sabemos nada. 

Trilhamos a mesma estrada

com tantas ruas dispersas...

Intoleráveis, intolerantes, incertos!

Não sabemos olhar a agrura dos desertos. 

Seca as lágrimas, não há que chorar.

As almas pequenas não sabem cantar.

Se música houvesse de pássaros também,

cantaríamos todos, música de ninguém.

Somos notas, acordes, partituras sem voz.

Ninguém sabe agora, o que será de nós.

Não gorgoleja a água no leito do rio…

Não suspira o amor num dia de estio…

Apenas o anseio de frescura tímida

Cabelos ao vento, risos de vida

Leve carícia do mar reluzente

Ténue esperança de, um dia, seres gente.


Foto e poema: Maria Cepeda

IMAGENS SINGULARES DOS DIAS QUENTES DESTE VERÃO (BRAGANÇA)

 

Uma bola vermelha a iluminar o céu, como se nos quisesse alertar para alguma catástrofe.

 



Levei algum tempo a admirar a paisagem antes de tirar as fotos.
A densidade da nuvem a imitar o pico de uma montanha, a lembrar um cone de gelado, pousada numa nuvem de densidade inferior... interessante.


Outros tempos em Trás-os-Montes

 


MC: Estudou em Bragança. Fez engenharia na Universidade do Porto. Porque engenharia? Fale-nos um pouco do seu percurso estudantil.

ENG. JN: Desde muito pequeno tive que ajudar nas tarefas da agricultura… tínhamos que fazer tudo o que era necessário, trabalhar nas hortas, nos campos, guardar os animais, trabalhos que se faziam como há séculos. Desde jovem apercebi-me que muitas das dificuldades inerentes a alguns trabalhos deviam ser superadas… isso despertou-me para a necessidade de alguma modernidade, algum engenho que beneficiasse as actividades que era preciso desenvolver. Essa perspetiva, mais tarde o facto de ainda enquanto estudante no Liceu e até concluir o curso de engenharia, trabalhar com máquinas agrícolas, trator, ceifeira e malhadeira, fazendo a campanha das ceifas e das malhas em aldeias como Nogueira, Carrazedo, Ousilhão e Refoios, acompanhado de um empregado com mais um bom par de anos do que eu, trabalhos que fazia em férias, todos os anos, até concluir os estudos de engenharia. A malhadeira está guardada e parada em Refoios, há cerca de 40 anos. Os meus pais sabiam da arte da lavoura, não sabiam orientar-me nos estudos a seguir. Talvez essa curiosidade inicial tenha sido o início do caminho que me levou ao curso de engenharia. Fui o único irmão que estudou. Éramos quatro. Não havia recursos para todos o poderem fazer. 

ENG. JN: Quando nasceu o irmão mais velho, a vida já era difícil. Os meus pais colocaram-no no seminário em Vinhais, o que faziam muitas famílias que, com as dificuldades para criar os filhos, iam pela perspectiva da igreja para encontrar um novo caminho, uma mão estendida para poder aliviar o encargo da família, mas ele, passados dois ou três meses fugiu a pé de Vinhais para a aldeia e não se perdeu no caminho. (Risos) Tentei ajudar nos estudos o irmão mais novo, que acabou por abandonar o Liceu nos primeiros anos. O irmão mais novo, em particular o mais velho, são pessoas reconhecidas pelo trabalho que tem feito, contribuem muito, como poucos, para o desenvolvimento da economia rural.  

Enquanto frequentei o Liceu, ao escolher a alínea de ciências, acabei por consolidar a opção de seguir engenharia. Como as dificuldades da família para que pudéssemos estudar eram grandes, dirigi-me à Academia Militar, onde pensava poder estudar sem pagar.

Viajei sozinho para Lisboa, onde nunca tinha ido. Fui de comboio. Foi uma viagem de muitas horas. Cheguei a Lisboa e, na estação de Santa Apolónia, perguntei onde ficava a Academia Militar. E… bom… Não conhecia absolutamente nada. Lá fui perguntando e fui andando a pé, pensando que era coisa de poucos metros, pouco mais do que ir da minha casa até à igreja, no fundo da aldeia. Lá fui andando, andando, pensava que era perto, até que cheguei. Quem me atendeu foi o militar de sentinela. Perguntou-me o que pretendia, respondi-lhe que queria inscrever-me na Academia Militar para tirar o curso de engenharia. Ele perguntou-me se tinha algum familiar no exército que me recomendasse. Disse-lhe que não tinha ninguém. “Então está despachado!” (Risos) E assim foi. Restou-me a alternativa de me inscrever na Faculdade de Engenharia do Porto.

Tirei o curso nos cinco anos previstos e trabalhei, para ajudar ao esforço dos meus pais, que hoje considero ter sido enorme face às circunstâncias de vida, aos poucos recursos que a agricultura proporcionava. Fiz um pouco de tudo, desde vender livros do Círculo de Leitores, na cidade do Porto; trabalhei num gabinete de arquitetura e engenharia na altura em que estavam a desenvolver projetos de reabilitação dos bairros degradados. As ilhas, era assim que se chamavam. Fiz levantamentos gráficos numa área da cidade. Já dominava conceitos de topografia e outros conhecimentos que me permitiam fazer trabalhos básicos de engenharia. Trabalhei no Bairro Parceria Antunes, onde hoje está o Centro Materno-Infantil do Norte. A vida não foi fácil, mas eu queria tirar engenharia e assim foi no ano de 1978.


Excerto da entrevista realizada ao Comendador Engenheiro Jorge Nunes
Muito se andou para chegar ao tempo que agora vivemos. Melhor ou pior? O tempo o dirá.