quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Liliputinar (Ernesto Rodrigues)

 


Não devemos ter medo das palavras: Putin começou simpático e acabou ditador. Assim posso resumir conversa de há dias com o embaixador João Diogo Nunes Barata, que nos representou em Moscovo entre 2002 e 2004.

Putin é um ressabiado: acaba o curso de Direito na cidade natal, São Petersburgo, e entra no KGB, cujos herdeiros dominam, hoje, a Federação Russa. Os chefes não lhe reconhecem grandes qualidades, sendo destinado, pois, à tranquila Dresden, na República Democrática Alemã. Um espião de primeira viria para o Ocidente.

Antes dos seus 40 anos, dissolve-se a União Soviética (1991), e um sonho que o inspira a partir do mandato presidencial de 2004-2008: reprimir dentro, conquistar fora. A NATO (em coma, diria Macron) não percebeu; tomada a Crimeia (2014), o Ocidente nem buliu. Convinha, sobretudo, à Alemanha de Merckel, essa locomotiva europeia alimentada pela energia russa. Agora, com gás em reserva para o próximo Inverno, e as necessidades de petróleo em queda, não só sai afectada a economia russa (a par de outras sanções, cujos efeitos ainda mal se sentem), como se conclui isto, simples: Europa refém da energia e propaganda russas não é uma Europa independente. A partir daqui, Putin inventou-se historiador para justificar o que poucos viam. No pretexto de desnazificar quem lhe fazia frente (um país dirigido por um judeu), mal informado (vergonha de espião), quis, como fizera na Crimeia, pisar Kiev em três dias. O sonho de 1991 começava a concretizar-se – ou isso parecia.

Eis a inspiração para, entre Março e Julho (em menos de quatro meses), compor o meu nono romance editado, Liliputine, que descreve momentos fortes da História europeia desde a morte de Estaline, em 1953 (Estaline é modelo de Putin, que não fala às crianças do acordo germano-soviético de 1939, para cada país devorar a sua parte na Polónia). Saliento duas invasões: em 1956, na Hungria; em 1968, já não só os tanques soviéticos, mas também outras forças do Pacto de Varsóvia, na Checoslováquia. O actual czar, liliputiano, tem outro modelo: Pedro, o Grande – que, todavia, media dois metros e três. Resumindo.

José de Arimateia e Maria de Jesus têm um filho, João Baptista, em 1956, e vivem as ilusões de uma Hungria livre. Arimateia participa no levantamento de Budapeste, conviva de Lukács Mária, que dera à luz um filho do embaixador soviético Yuri Andropov, e este rapta. Andropov será futuro secretário-geral do PCUS, na morte de Brejnev, em 1982. Milhares de vencidos são desterrados para várias regiões da União Soviética. Arimateia vive em Kaliningrado até Agosto de 1968: intérprete no exército que invade a Checoslováquia e põe fim à Primavera de Praga, salva uma adolescente, Hana, em cuja casa se refugia até 1971. Recusando contactar os comunistas portugueses no exílio, entra na vida de Miroslav, editor do realismo socialista europeu e latino-americano, e da empregada Krista, trazendo esta família para Lisboa.

Hana e João Baptista alimentam uma relação vigiada, suspensa entre 1979 e 1985, quando aquela acompanha Miroslav e Krista para Berlim Oriental – onde Lukács Mária lhe apresenta um espião soviético vindo de Dresden – e João Baptista faz espionagem (ou isso julga) ao serviço de Berlim Ocidental. Reencontram-se na Hungria e, em 1986, nasce Magda Baptista, hoje docente de Estudos Europeus, que organiza este romance-reportagem em 49 cenas muito cinematográficas.

O glorioso 1989 separa o casal: Hana entrega-se, de vez, ao espião de Dresden, nascendo Boris. Foge com os filhos para Moscovo. Os bons ofícios de Lukács Mária são recompensados com a visita do filho István, que não voltará a ver. João Baptista busca a filha, enquanto cicatriza a dor pelas capitais do Ocidente e, na pele de jornalista, visita a Roménia – sem encontrar Miroslav e Krista, aí desde 1985 – do ditador Ceausescu em fim de ciclo.

Abandonada, Hana entrega Magda ao pai João Baptista, diplomata em Roma (1992). Já, com a Revolução de Veludo, Miroslav e Krista regressam a Praga, onde Hana os visita, e sabe que o pai e mãe vivem em Moscovo. Cumprirá uma vingança, antes de, nas linhas finais, sofrer castigo. Sequestrada no silêncio, não acompanha o crescimento do filho, que encontra os verdadeiros avós, e se faz atirador de elite ao serviço do novo czar – Putin, seu pai –, cujo historial de vida é parcialmente referido, quando não imaginado.

João Baptista virara conselheiro em Moscovo; afastado desse cargo, regressa como administrador de empresas, fornecendo o palácio presidencial. Tarde percebemos que Lukács István, sósia de Putin, é o seu interlocutor: morto este, não se prossegue a mesma política? A invasão da Ucrânia obriga à fuga e a medidas solidárias que se impõem às democracias.

Liliputine funde As Viagens de Gulliver e sua ilha de Liliput com Putin(e), nome donde deriva ‘liliputinar’, cujos presente do conjuntivo e imperativo significam: «reduza Putin à sua pequenez ou insignificância». Olha-se ao complexo estalinista de quem, no seu metro e sessenta e oito, se sonha um novo Pedro, o Grande. No seu palácio de medos, repressivo da liberdade de expressão, e do qual fogem os que podem (um milhão, um milhão e meio), anuncia-se o estertor de um genocida, quem dera o regresso de um novo Gorbatchov. É exigência das democracias morais que se queiram independentes em todos os domínios defender os nossos valores.

 

Retirado de www.mdb.pt

IMPORTÂNCIA POLÍTICA DA FERROVIA PARA TRÁS-OS-MONTES E NORTE (Retirado de Jornal Nordeste, 12/12/2023)

(Mais uma vez, chamamos a atenção para esta crónica do Engenheiro António Jorge Nunes, antigo Prtesidente da Câmara Municipal de Bragança durante vários mandatos entre outros cargos de vital importância para Trás-os-Montes e Alto Douro).

É necessário que todos nós lutemos pela nossa região. Não podemos permitir que este abandono perdure. Se ainda não tiveram oportunidade de ler este texto, aqui o deixamos. Obrigado.

Terminada a 2.ª fase de discussão pública do Plano Ferrovia 2030, esperamos que a versão final contemple Trás-os-Montes com a nova linha ferroviária de Alta Velocidade ligando o Porto, Vila Real a Bragança à Alta Velocidade em Espanha, aqui tão próxima. A versão recentemente enviada pelo governo para o LNEC, para recolha de parecer, ignora totalmente os contributos e a vontade expressa da região, o que nesta fase de consulta já não devia acontecer, o mesmo é dizer, o governo está a ignorar os eleitos, as instituições e os cidadãos que se pronunciaram favoravelmente a uma ligação ferroviária internacional por Trás-os-Montes. A coesão territorial parece continuar a ser uma mensagem política de conveniência eleitoral, nesta sub-região que desde a fundação do reino, tanto tem dado ao país, e que tão pouco tem recebido. 

    Necessitamos cerrar fileiras, criar liderança política nesta longa luta, exigir clarificação aos líderes partidários, pelo menos durante a próxima campanha eleitoral, para que a proposta que vier a ser apresentada ao Parlamento também sirva o futuro desta região, assim como necessitamos exigir clareza de posição à CCDR-N sobre que mapa ferroviário tem para a Região Norte e como pretende defendê-lo, saber se neste âmbito, Trás-os-Montes está nas suas preocupações. Importa fazer uma breve referência ao passado da ferrovia em Trás-os-Montes e uma abordagem política à situação social e económica da região, para melhor se compreender a justeza desta luta. 

    A primeira proposta para ligar Lisboa à Europa foi apresentada no ano de 1845 por uma empresa francesa, que previa ligar Lisboa ao Porto, a Bragança e a Valladolid. Os primeiros carris em Portugal foram assentes passados oito anos, no ano de 1853, no troço de via-férrea de Lisboa a Santarém. Os distritos de Bragança e de Vila Real foram os últimos a aceder à viação acelerada, para substituir a tração animal, e só trinta anos depois se iniciou a construção da linha do Tua, no ano de 1883, tendo a última estação da linha do Sabor sido inaugurada no ano de 1938. Foram 85 anos desde que iniciou a construção em Lisboa, até à conclusão da ferrovia em Trás-os-Montes, que se manteve isolado, trabalhando para o autoconsumo, sem acesso aos mercados externos. 

    Este enorme atraso prejudicou muito este território face ao país que se desenvolvia a ritmo acelerado. Apesar disso, a ferrovia foi durante décadas o principal meio de transporte de pessoas e de mercadorias, rompendo com o isolamento, abrindo a região ao mundo. Noto que antes do transporte por comboio, as deslocações eram difíceis, demoradas e pouco seguras. A título de exemplo saliento que aquando da Restauração da Independência, a 1 de dezembro de 1640, a notícia só chegou a Bragança 16 dias depois, seguindo-se grandes festejos e preparação para a guerra, que durou 28 anos. O correio de Lisboa a Bragança, demorava no final do século XIX, oito dias, na mala posta a mata cavalos. Foi no final do século XIX e início do século XX, o principal investimento feito na região, e que proporcionou muitos outros investimentos. 

    Sem honra, sem glória, sem humanidade, no período de 1988 a 2008, nos governos de Mário Soares e de Cavaco Silva, as linhas do Tua, Corgo, Sabor e parte da linha do Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva, foram encerradas, numa extensão de 363,9 km, ato de total injustiça e desumanidade, isolando a região da rede ferroviária e suas vantagens sociais e económicas. As boas vias de transporte de pessoas e bens são as artérias da economia, e a boa rede de estradas de que Trás-os- -Montes dispõem, construída entre 2004 e 2015, só por si não chega, pois todo o país está igualmente servido, e também de ferrovia. 

    Por outro lado, o território de fronteira com Espanha está bem servido de estradas e de ferrovia, também em Alta Velocidade, ou seja, Trás-os-Montes está em termos relativos um pouco isolado e cercado de territórios com melhores condições para desenvolver a economia e fixar população. Os governos centrais impõem-nos uma discriminação negativa, deixam-nos com menores condições para acompanhar o ritmo de crescimento da economia nacional e das regiões fronteiriças, tendencialmente mais pobres e com a população mais envelhecida. 

    Não pode a Região Norte, a mais pobre das regiões portuguesas, como não pode Trás-os-Montes, deixar de lutar por uma moderna linha ferroviária internacional, unindo o Porto a Bragança e a Espanha, por razões de coesão, de competitividade e de combate às assimetrias regionais, de combate ao despovoamento, ou seja, temos de apanhar o “comboio da economia do futuro”. 

    Sem acessibilidades competitivas, rodoviárias, ferroviárias e aéreas, teremos dificuldades acrescidas de desenvolver a economia, captar investimentos necessários, fixar mão de obra qualificada, empresas tecnológicas da economia verde e do conhecimento. Vamos começar por observar à luz de alguns indicadores a situação de Portugal no contexto europeu. Durante a década de 1990, Portugal cresceu à média de 3% ao ano, convergiu com EU, a 15 estados-membro. No ano de 2000, o PIB per capita, era de 83,5%, e no ano de 2021 é de 75% da média da EU a 27, ou seja, fez uma trajetória de divergência. Neste período cresceu à média anual de 0,8%, crescimento inferior à média dos restantes países, sendo o terceiro país que menos cresceu, só a Itália com o crescimento de 0,4% e a Grécia com 0,3% ficaram abaixo. Em mais de duas décadas a economia portuguesa estagnou, passámos por uma grave crise financeira e pela crise pandémica, o investimento caiu para valores historicamente baixos, totalmente dependente das ajudas da UE. 

    Na última década, a produtividade em Portugal caiu 2,6 pontos percentuais, é de 65,2% da média da EU, quase metade da Alemanha, é de 72% da de Espanha. A baixa produtividade tem como consequência, salários dos mais baixos da EU, e dificuldades no acesso a mercados de maior qualidade e valor acrescentado. Para um futuro melhor é essencial melhorar muito a produtividade, o que nos ajudará a ter maior crescimento da economia, salários mais elevados, empresas mais competitivas, acesso a mercados de maior valor acrescentado, melhor administração pública. 

    Para isso é necessário maior investimento na investigação e desenvolvimento tecnológico por parte das empresas, que investem 0,68% do PIB, cerca de metade da média da EU (1,45%). É necessário maior investimento tecnológico e de modernização nas empresas e na administração pública, uma maior qualificação da força laboral, preparando as profissões, atuais e novas, para os desafios da economia do futuro, reforçando as qualificações, a formação com ensino superior, que na faixa etária dos 30 aos 34 anos evoluiu na última década de 26,7% para 43,7%, superando a média da EU. 

    Portugal é um dos países mais endividados da EU, a dívida global (empresas, famílias e administração pública), ronda em 2023, os 750 mil milhões de euros, o que compara com a riqueza anual produzida no país, de cerca de 210 mil milhões de euros. A dívida pública que era de 13,5% do PIB no ano de 1974, subiu para 80% em 2010 e para 127% em 2020, está a reduzir, prevendo-se, se a orientação não alterar, que em 2031 desça para 70% do PIB. A dívida muito elevada é uma grande restrição para o investimento público e privado, visto, parte do esforço dos portugueses ter de ser canalizado para pagar juros e amortizações. 

    Constatamos que o desafio central desta região é o da regressão demográfica, situação transversal a quase todo o interior, e em particular a Trás-os-Montes e Alto Douro, que no ano de 1960 representava 7,82% da população do país, e no ano de 2021 baixou para 3,49%, passou de 692 029 habitantes, para 384 410, em pouco mais de meio século, perdeu quase 50% da população. Sem exceção, todos os concelhos estão a perder população. Em Terras de Trás-os-Montes, no ano de 1960, a população jovem representava 33,6% tendo baixado para 9,4% em 2021. Portugal tem um problema demográfico, sendo o 4.º país do mundo mais envelhecido, só superado pelo Japão, Itália e Finlândia, problema que atinge o Interior de forma muito grave. O Interior vai continuar a despovoar-se durante as próximas décadas. 

    O índice de envelhecimento, calculado pela relação entre o número de pessoas com mais de 65 anos em cada 100 jovens com menos de 15 anos, é em Terras de Trás-os-Montes de 359%, o dobro da média nacional e em Vinhais é de 692,8%, quase quatro vezes superior. O índice sintético de fecundidade em Trás-os-Montes é de 1,01, quando deveria ser de 2,1 (n.º de filhos por mulher em idade fértil), para assegurar crescimento natural positivo, o mesmo é dizer, garantir que a diferença entre a natalidade e a mortalidade fosse positiva. 

    A realidade é muito preocupante, a taxa de mortalidade é três vezes superior à taxa de natalidade, e no concelho de Vinhais é cinco vezes superior. O envelhecimento populacional no Interior é um abalo demográfico, com amplos reflexos negativos, designadamente no mercado de trabalho, sendo atualmente a % de população ativa muito inferior à média de Portugal e da região Norte, situação que vai agravar-se e também no país, prevendo os demógrafos que até 2050, a população em idade ativa diminua em 1/3. 

    Paralelamente ao problema demográfico, temos de vencer a tendência de divergência no PIB per capita para criar mais economia e mais emprego qualificado. O PIB per capita em Terras de Trás-os-Montes é 21% inferior à média nacional, no concelho de Vinhais é inferior em 40%, e se comparado com o Porto, com PIB per capita de 147,6, então a relação é de 1 para 2,4, e se comparado com Lisboa com o PIB per capita de 186,3, a relação é de 1 para 3. E mesmo Bragança, que está 10% acima da Região Norte, feita a comparação com o PIB per capita de Lisboa, a relação é de 1 para 2. 

    É necessário superar as grandes diferenças de remuneração no mercado laboral, garantir maiores qualificações para assegurar melhor salário, fixar jovens, reduzir a emigração e captar mais mão de obra qualificada para as empresas. Portugal não é um país atrativo para captar imigrantes de elevadas qualificações, há mercados externos muito competitivos no recrutamento de mão de obra altamente qualificada, acresce que Portugal historicamente é um país de emigrantes, é o 20.º país do mundo com maior taxa de emigração face à população residente. Em 2022, os portugueses emigrados eram são 2,6 milhões. 

    Importa salientar os setores com mais emprego. Em Portugal é o comércio e retalho, na AML são as atividades de segurança e de apoio às empresas, no Norte é a fabricação de têxteis, vestuário e calçado, e em TTM são as atividades de saúde humana e apoio social. Também destacar que o salário médio na AML é 50% superior ao de TTM, e que a percentagem de trabalhadores com grau de ensino superior é em TTM igual à média nacional e superior à da Região Norte, que em TTM, o salário médio de trabalhadores com o ensino básico é 15% inferior ao da AML e 60% inferior nos trabalhadores com licenciatura. 

    Também nas remunerações o país é muito desigual, esta região é muito pouco competitiva face ao país e a países mais desenvolvidos, pelo que “travar” a emigração de regiões pobres é um exercício de elevada complexidade, só sendo possível superar com salários muito mais elevados, empresas muito mais competitivas, produtividade muito acima do atual, melhores condições sociais de trabalho, com maior disponibilidade de capital de investimento. Necessitamos resolver o problema da baixa produtividade, que é de 75% da média nacional e de 48,9% da média da EU, ocupa a 19.ª posição acima das NUT III Beira e Serra da Estrela; Oeste; Tâmega e Sousa e Douro. 

    É essencial melhorar o rendimento das famílias de TM através da maior qualificação da força laboral, da inovação e transformação tecnológica da economia, da melhoria das condições sociais no mercado de trabalho, da melhoria significativa das remunerações salariais, em particular no setor privado, por forma a fixar jovens qualificados, tornar a economia mais produtiva e competitiva. Apesar do abalo demográfico e muitas fragilidades na economia, há esperança de um futuro melhor. 

    Em termos de análise pelo PIB per capita, constatamos uma tendência de divergência de TTM face ao Norte. No ano de 2010 ocupava a 2.ª melhor posição de entre as NUT III da Região Norte, com 97% da média regional, abaixo da Área Metropolitana do Porto, e veio a ser ultrapassada pelo Cávado, Ave e Alto Minho, descendo em 2021 para a 5.ª posição (79% da média regional), à frente do Douro, Alto Tâmega e Tâmega e Sousa. Notando que o fraco crescimento nas NUT III de Trás-os-Montes e Alto Douro é em parte feito à custa da perda de população e menos do crescimento real da economia, o que não acontece com o Cávado, a única em que a população cresce, e o PIB per capita cresce à custa do crescimento real da economia Mas, se feita a análise da evolução a partir do Índice Sintético de Desenvolvimento Regional (ISDR), que capta o bem-estar material que decorre do poder aquisitivo de bens e serviços, e que é ponderado a partir de três índices: competitividade, coesão e qualidade ambiental, constatamos uma evolução positiva de TTM no conjunto das 25 NUT III. Constatamos uma evolução positiva da 19.ª posição no ano de 2013 para a 11.ª posição no ano de 2021. Menos na competitividade, índice que capta o potencial em termos de eficiência na criação de riqueza e da capacidade do tecido empresarial de competir no contexto internacional; uma melhor evolução na coesão que capta o potencial da população aceder a equipamentos e serviços coletivos, embora seja claro que temos concelhos em que os serviços estão muito distantes, exemplo da saúde, da educação, da justiça, da cultura e dos transportes. 

    No índice da qualidade ambiental ocupamos o topo da tabela com 112,49, à frente da Madeira, das Beiras e Serra da Estrela e dos Açores. Temos qualidade máxima em termos comparativos, nos serviços de ambiente e um território de excelência ambiental, assegurando elevada qualidade de vida. Este índice dá-nos o foco e a visão da orientação e alinhamento da estratégia de desenvolvimento de TTM. Mas, há uma pergunta que se impõe: Será que os centralistas de Lisboa pretendem empobrecer ainda mais os transmontanos e fazer de Trás-os-Montes uma reserva natural integral? 

    O desafio é claro, combater o Abalo Demográfico que despovoa o território, fazer crescer a economia, fixar mais mão de obra e dotar a força laboral de maiores qualificações e as famílias de maiores rendimentos. Temos recursos e território com elevado potencial de crescimento, mas não o conseguimos fazer sozinhos, sem o justo apoio do governo central, devido desde há décadas, e que frente à dimensão dos problemas, só pode ser de dimensão excecional e com capacidade transformadora, e não de medidas paliativas para nos entreter e periodicamente captar votos. 

    Temos um amplo território com recursos económicos e de elevada qualidade ambiental, um sistema de ensino superior e centros de investigação em percurso afirmativo, com capacidade crescente de apoio à economia regional; população mais qualificada; maior emprego de técnicos superiores nas empresas; aumento do número de trabalhadores ao serviço das empresas; aumentou o número de empresas, com especial importância na indústria transformadora, alguma capacidade exportadora, com saldo positivo relativo às importações, notando que o valor dos bens e serviços produzidos diminuiu de 2016 para 2021, de 1,81 para 1,72 mil milhões de euros, esperado seria que crescesse; dispomos de uma moderna rede de autoestradas; de cidades e vilas mais atrativas e competitivas. E assim, poderemos mudar para melhor, com visão de desenvolvimento futuro mais apurada e partilhada, com melhores instituições de ensino e de formação, melhor governo das instituições públicas e privadas. 

    Para alcançar novos patamares de desenvolvimento, o investimento público e privado é essencial, e Trás-os-Montes não pode ficar de fora do mapa ferroviário 2030, sem uma linha internacional ligando a região norte ao centro da europa, conquistando centralidade no contexto ibérico, conjugando o modo rodoviário, ferroviário e aéreo, este com aposta clara no aeroporto regional de Bragança, projeto que na última década parece ter sido esquecido, assim como a luta pela continuação da autoestrada transmontana A4, de Quintanilha a Zamora, tendo saído da reivindicação regional, como a continuação do IP2 de Bragança a Puebla de Sanábria foi comprometida e substituída por uma via menor. 

    Não falta dinheiro no PRR para investir no litoral, recentemente o investimento no Metro do Porto e de Lisboa foi reforçado em 740 milhões de euros só para atender ao aumento de custos, faltando uns “trocos” para a estrada de Vimioso. A ferrovia será fator de elevada atratividade na captação de investimento, de empresas, de fixação de jovens, na perspetiva da economia do futuro, a economia verde e do conhecimento. A ferrovia é estruturante para o território e para a economia, a questão é a de que se perdermos esta luta, ficaremos, face aos territórios envolventes, mais isolados, mais pobres e com o território mais despovoado. Mantemos a luta por uma nova linha ferroviária em Trás-os-Montes, internacional e com ligação à Alta velocidade em Espanha. Não nos podemos calar!

Fontes: INE; Pordata; Eurostat; Fundação José Neves Conferência, Mirandela, 30.11.2023

António Jorge Nunes