Trás-os-Montes foi, por muito tempo, considerada a última colónia portuguesa. E, apesar de fazer parte integrante do rectângulo à beira-mar plantado, foi também a mais distante região do país, relativamente ao Terreiro do Paço que «tudo encrava e nada resolve», plagiando uma expressão feliz de um docente da Universidade do Minho. Contudo Trás-os-Montes e os Transmontanos nunca se deixaram apoucar. Reagiram pela positiva nos diversos ramos do saber.
Das boas decisões que Santana Lopes tomou quando foi Secretário de Estado da Cultura, sobressaiu aquela que resultou na transferência da Delegação do Norte, do Porto para Vila Real. Presumo que essa decisão foi correspondida por corajosas medidas do poder local, nomeadamente de Vila Real e de Bragança. O Grémio Literário da capital Transmontana e a Academia de Letras de Trás-os-Montes, sede do verdadeiro Nordeste, (uma e outra instituições culturais acolhidas em edifícios Bibliotecários, igualmente novos e adequados), foram rasgos de coragem de políticas locais. Nelas me revejo e concentro o meu orgulho de Transmontano inquestionável. Obviamente ficarão na história os patronos (políticos e culturais) de ambos os projectos.
Começo esta nota de leitura, neste tom gratificante para confessar que tais feitos apenas têm sido possíveis graças aos muitos, sólidos e activos agentes culturais que Bragança e Vila Real tiveram e continuam a ter na viragem do século e do milénio. Bastará referenciar os lideres culturais de um e outro pólos: Doutores Ernesto José Rodrigues, Amadeu Ferreira e Adriano Moreira (por Bragança) e A. M. Pires Cabral, Elísio Amaral Neves e Pedro Ramos (por Vila Real). Não posso fazer vista grossa aos autarcas: Jorge Nunes e Manuel Martins que politicamente deram o seu assentimento e sensibilidade para erguerem ao nível do Marão e das ambições dos agentes culturais, os projectos que distinguem Trás-os-Montes do resto do país. Ainda que seja suspeito, enquanto co-autorgante da Academia de Letras de Trás-os-Montes e beneficiário permanente do Grémio Literário, com a moral que os meus 60 anos de exercício jornalístico me abonam, posso afirmar que, em termos de estruturas culturais os distritos de Bragança e de Vila Real ganharam dianteira a todos os restantes distritos do país. Desafio, seja quem for, a demonstrar que a nível de distrito, qualquer outro, tenha em pleno funcionamento, estruturas democráticas como aquelas a que me venho referindo.
Da Academia de Letras espero falar numa próxima crónica. Hoje apraz-me enaltecer o papel do Grémio Literário de Vila Real e dos seus principais obreiros. A. M. Pires Cabral não precisa que eu fale dele. Dele falam as obras, muitas e marcantes, já consagradas em prémios nacionais. E falará o futuro. Mas há um nome do qual nunca escrevi uma linha e que me surpreende pelo curriculum bio-bibliográfico. Chama-se Elísio Amaral Neves e, depois de uma longa e frutífera passagem pela chefia da Zona Turística do Marão, envolveu-se com projectos culturais da cidade e do distrito, somando êxitos a êxitos maiores, por cada mais um que acomete.
Nunca privei, de perto, com este Homem privilegiado da cultura. Fui apreciando a sua estreita ligação ao Dr. A. M. Pires Cabral. Nunca percebi qual o seu estatuto laboral em relação à autarquia ou a qualquer outra entidade institucional. Sempre o vi como uma espécie de braço direito desse talentoso A. M. Pires Cabral que terá inspirado o inigualável papel cultural que irradia do Grémio e que se alonga à Academia de Letras. Naquele como inspirador e dirigente. Nesta como primeiro Presidente da Assembleia Geral. O que pretendo é confessar que um homem de cultura precisa sempre de outra pessoa que corrobore e complete pequenas ou grandes tarefas que se concebem e que, algumas vezes, somente se concretizam por solidariedade. Pires Cabral e Elísio Amaral Neves tiveram projectos ousados, coerentes e pioneiros. As Conversas de Café que resultaram num livro fabuloso, O Movimento Setentrião, Os cadernos culturais, a Tellus; Museu do Som e da Imagem, as passadeiras de Flores, antologias, fotobiografias, enfim, uma série de eventos que se transformam em verdadeiras lições, recuperando, recriando, revivendo. Pude reler dois exemplares (8 e 11) dos cadernos do Museu do Som e da Imagem, fruto das paixões cineastas deste investigador de eleição; mais dois cadernos (da 2ª edição), números 8 e 9 dos cadernos culturais da Câmara Municipal; e a fotobiografia sobre Aureliano Barrigas. Estas e outras investigações transpostas para livros supervisionados e chancelados pelo Grémio Literário, são fortes motivos para se conhecer Vila Real de outros tempos, com outras incidências sociais, outros factos, outras gentes. Este Homem de cultura extrai pedaços de etnografia, de antropologia, de sociologia por cada descoberta que faz e que investiga. Pelo muito que já fez Elísio Amaral Neves pode e deve considerar-se um Vila-realense privilegiado. Em todas as terras haverá semelhantes artes e tradições. O que talvez não haja é chefes e executores com as virtualidades deste tipo de animadores comunitários. Até nisso Trás-os-Montes e os Transmontanos são diferentes. As obras falam por si.
Barroso da Fonte
Retirado de www.netbila.net
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