quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Fogo no paraíso

Quando lá cheguei, a negritude dos montes entrou-me pela alma dentro e instalou-se como dona e senhora do lugar.
Entristeci.
Espraiei o olhar em terra queimada, sufoquei as narinas com o cheiro a fumo, embotei os sentidos para não sofrer mais...
Senti-me indefesa, nua de verdes campos, de chilreios, de borboletas, de castanheiros prenhes de ouriços e promessas de castanhas.
Nas videiras, alguns cachos de uvas teimavam em continuar a existir.
Nas figueiras o cheiro a figos assados, impossíveis de comer.
A tristeza da minha mãe refletia-se nos seus olhos negros, mais negros da negrura que nos rodeava.
As pedras nuas, expostas, desamparadas, clamavam respostas que nunca virão.
Nem quero acreditar que o meu paraíso se perdeu, nem que apenas por um breve hiato de tempo.
Sei que tudo reverdecerá, mais cedo ou mais tarde...
mas não os castanheiros centenários, ocos por dentro, agora de entranhas abertas à inclemência dos ventos...
não as figueiras de doces figos brancos como noivas virgens...
não as figueiras de figos negros como viúvas enlutadas...
não as videiras ancestrais que o pai do meu avô plantou, expostas ao sol, raízes enterradas em solo xistoso, doces como néctar de deuses exigentes...
As urzes com as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo voltarão a renascer, intrépidas como passarinhos novos a deixar os ninhos.
As giestas repovoarão em breve os pequenos montes, vestindo a nudez das pedras tisnadas de negro fumo.
As urzes salpicarão a paisagem de roxo pascal, não tarda nada, mas a tristeza que sinto perdurará, ainda, melancólica, no meu coração pela saudade do verde dos montes, antevendo a paleta de cores que logo viriam se ali houvesse arbustos e árvores vestidas de outono.
Varrida pelo vento, fustigada pela chuva que levará consigo, pelas encostas abaixo, o negro queixume de todos os seres que em vão lutaram contra o inferno das chamas, a minha aldeia chorará lágrimas negras, como negros são os olhos tristemente negros da minha mãe, ao estender o olhar pelo seu reino de fragas e montes, onde já não se avistam os seus súbditos vegetais.

Mara Cepeda

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