Nasceu em Bragança, há 28 anos (em 2007) que recordações guarda da sua infância?
Imensas e que afectam, sem dúvida, a pessoa que sou. Eu passei a maior parte da minha vida em Bragança até ingressar na universidade. Usufruí ao máximo, aquilo que a cidade e a região tinham para me dar. Muita gente ainda hoje fica surpreendida porque eu sei fazer coisas, como abrir um frango ou plantar uma planta, coisas deste género. As pessoas ficam extremamente surpreendidas e eu devo isso à minha infância um pouco rural. Apesar de viver em Bragança, a minha mãe tem casa na aldeia e eu tirei o máximo proveito da minha infância em Trás-os-Montes. Gosto imenso de Trás-os-Montes. Ainda hoje, cada vez que passo o Marão, o meu semblante muda.
Aproveitei outras coisas que a cidade tinha para me dar. Fiz aulas de ballet, de pino, ginástica, passeei com os meus amigos, corri na rua, coisas que hoje muitas crianças não podem aspirar a ter. Posso dizer que fui mais influenciada na minha personalidade pela infância que passei aqui do que depois pela formação académica, creio eu e com orgulho.
Fale-nos brevemente da sua vida de estudante.
Fui para o Porto, para a Universidade Católica, por um acidente de percurso, porque não me foi possível, num ano de muitas transformações e reformas educativas, não me foi possível ingressar no ensino publico nos cursos que eu queria e dos quais não quis abrir mão. Fui para Microbiologia na Universidade Católica e foi uma agradabilíssima surpresa. É um curso extremamente aplicado com muita qualidade de ensino que, ainda hoje, eu admiro apesar de estar numa universidade, internacionalmente, com mais renome. Ainda hoje admiro a formação que tive na católica e despertou-me gosto por fazer as coisas mais do que aprender nos livros. Por fazer experiências, por fazer investigação, por me questionar mais do que decorar. Sem dúvida, despertou o meu interesse por descobrir, por mim própria, coisas novas. Quando acabei a minha formação universitária, experimentei trabalhar e foi uma experiência óptima. Mostrou-me como é a vida real, como trabalham 99% dos portugueses, mas faltava-me qualquer coisa. Sentia que aos 21, 22 anos estava a estagnar e que não era isso que eu queria. Apesar de ter tido um percurso diferente daquele que eu tinha desejado para mim, sem dúvida que, como se costuma dizer, “Deus escreve direito por linhas tortas” e acabou por me encaminhar para uma coisa que tem muito mais a ver com a minha personalidade.
Depois de acabar a licenciatura em biotecnologia foi seleccionada pelo Programa Contacto. Fale-nos dessa experiência.
O Programa Contacto, é uma pena que não seja mais divulgado e, é para isso que nós estamos aqui… É um programa do ICEP que envia jovens quadros licenciados portugueses para o estrangeiro para adquirir conhecimentos e regressar ao país, por exemplo, para ajudar empresas portuguesas em vias de internacionalização ou já em processo de internacionalização. Como, infelizmente, não temos muitas empresas de biotecnologia em Portugal, eles enviam mesmo assim jovens quadros na área da biotecnologia para que estejam formados para quando tivermos empresas dessa área, dignas desse nome, preparadas para se expandirem para o estrangeiro. Já existem, em Portugal, pessoas prontas a dar apoio a essas empresas que saibam de biotecnologia, ciências e até um bocadinho de gestão.
O Programa Contacto começa com um curso full time de duas semanas em gestão internacional. Tive as minhas primeiras noções de gestão nesse curso em que se aborda, não só gestão mas, também, linguística, história de Portugal… É um curso extremamente complexo e completo com nomes de renome, comentadores políticos que toda a gente conhece, ex-primeiros ministros etc… De facto, somos preparados para ir lá para fora, dar uma boa imagem de Portugal, adquirir o maior número de informação e, a ideia, é regressar a Portugal para aplicar esses conhecimentos. No meu caso, não foi possível porque, como disse, estamos um pouco à frente do nosso tempo. Ainda não há empresas onde eu possa aplicar os conhecimentos que adquiri nos Estados Unidos pelo que, decidi prolongar a minha formação e continuar para doutoramento.
A publicação desse estudo da revista Science, que foi mencionado no jornal “O Público”, abriu-lhe algumas portas?
Sim, muitas. Por isso mesmo é mencionado no Público. De outra forma, não seria a revista Science, juntamente, com a revista Nature, são as revistas de maior impacto em ciência. Eu tive a sorte de, quando cheguei aos Estados Unidos, apanhar este estudo numa fase muito interessante. Nós estamos a fazer experiências em ratinhos que é a fase final de provar que, uma hipótese que nós tínhamos no papel, de facto, tinha um efeito num organismo vivo, num mamífero que não é tão diferente de nós assim. Foi-me dada a responsabilidade de fazer uma série de experiências extremamente interessantes e bem concebidas e tivemos um resultado muito bom e importante nesta área, que foi, então, publicado. Na minha área, uma publicação numa revista como a Science, é claro que abre mais portas. Põe no papel uma informação que vai mudar aquela área e que é tida como certa e há um grande reconhecimento para o grupo que publica nesta revista. No meu caso, quando concorri para o Programa GABBA, eles reconhecerem isso mesmo, que as experiências que eu tinha feito eram interessantes e que merecia a hipótese de ter uma bolsa de doutoramento portuguesa e assim foi. Estou na universidade Oxford com uma bolsa portuguesa. Agradeço imenso ao meu país ter investido em mim, apesar de eu estar lá fora e espero não desapontar quem me escolheu para este Programa.
Um dia colherão frutos desse investimento...
Eu farei os possíveis. Aliás, eu gosto imenso de estar lá fora, mas um dia tenho planeado e desejo voltar a Portugal, se o país estiver pronto para me dar uma oportunidade na minha área. De outra forma, não fará sentido, depois de estar a investir tanto na minha formação, regressar para fazer uma coisa que não estimule o meu interesse e me motive.
Foi difícil viver nos Estados Unidos?
Foi um pouco, como é difícil viver noutro país que não o nosso. Lá fora é muito interessante, é muito divertido quando se está de férias mas, quando se vive, nós somos, completamente, uns estranhos, por melhor integrados que estejamos. Ser um emigrante é não pertencer àquele país. No meu caso, acho que me adaptei facilmente, em todos os aspectos, excepto as saudades que é uma palavra que como só existe em português só nós compreendemos. Fui muito bem recebida. Tive uma óptima relação com os meus colegas, no entanto, de tempos a tempos, eles faziam-me lembrar que eu não pertencia ali. Obviamente, lá é muito difícil, muito competitivo, muitas diferenças entre europeus e americanos.
Aparentemente, somos iguais, mas parece que evoluímos em planetas diferentes e, se quiser, eu conto uma história para exemplificar isto. É uma história de que eu lembro com carinho: o meu orientador era indiano, um indiano que foi para os Estados Unidos e fez imenso sucesso e que não tem de dar provas a ninguém, mais do que reconhecido na minha área. Eu cheguei a este grupo que tinha um chefe americano, este chefe indiano e mais dois pares de óculos e eu que, na prática, era a única pessoa a trabalhar na bancada, apesar de ser um grupo que produz imensos resultados. Foi-me dado um canto da bancada, aproximadamente, 70 cm onde eu podia por os meus materiais e trabalhar mas, ao fim de um tempo, constatei que, sendo a única pessoa a fazer experiências em várias áreas, podia ter um resultado das experiências de um lado e expandir pelo resto da bancada para fazer… para trabalhar com outras coisas. Acontece que, passados três meses, o meu chefe decidiu trabalhar na bancada e viu que eu tinha tomado conta de toda a bancada, não com má intenção por que o trabalho era para todos, mas ele olhou para mim, olhou para a bancada e exclamou: “Susana, tu és mesmo portuguesa! Eu, como indiano, dei-te um bocadinho de território e tu conquistaste a bancada inteira.” Eu achei graça porque ele fez questão de me relembrar que, como portuguesa, há coisas que nunca mudam e que eles, estrangeiros, estão sempre atentos para detectar as nossas pequenas características.
Em última instância, que vantagens traz o Programa Contacto para Portugal?
Traz vantagens e é uma pena que os portugueses, em geral, não reconheçam. Às vezes, vêem-se gestores de topo, portugueses de sucesso lá fora e é uma pena que as pessoas não saibam que esses portugueses foram ex “Contactos”. Nós todos fazemos parte de uma Network que se chama Network Contacto, em que ex “Contactos” que têm uma oportunidade de emprego, difundem pelos seus colegas e eu tenho uma noção de quantos ex “Contactos” estão espalhados por aí e alguns deles com muito sucesso.
O “Contacto”, penso que leva o bom nome dos profissionais e dos jovens portugueses lá para fora, o que, em tempos de tanto pessimismo, é extremamente importante que as pessoas saibam, que os portugueses não são cheios de defeitos os portugueses não são pouco produtivos e que se reconheça, lá fora, que Portugal não é um país assim tão pequeno, assim tão subdesenvolvido, assim tão pobre, informações que, por vezes, passam de uma forma um pouco exagerada e, também, tem a vantagem, não só, de passar uma imagem positiva de Portugal lá para fora mas, de também, trazer para cá, pessoas com uma mentalidade diferente, uma mentalidade mais aberta, que pensam em termos mais globais, que sabem gerir uma empresa tal como se faz lá fora.
Num período em que as empresas são maioritariamente multinacionais, já não são só portuguesas, inglesas, francesa… as empresas, hoje, competem a nível mundial. É importante que as pessoas tenham essa noção e que não giram as empresas de uma forma familiar, como se fosse um pequeno negócio. Entendo que há muitas vantagens, quer em termos de pessoas que vão lá para fora, quer em termos de pessoas que voltam cá para dentro.
Porquê deixou os Estados Unidos da América?
Eu podia ter continuado lá. Tinha essa oportunidade e tudo correu bem na minha experiência. Não tinha razão para regressar, mas voltei porque não me identificava com muitas das coisas do estilo de vida americano. Com certeza irei lá, aliás, já fui várias vezes de férias e para congressos mas, é extremamente longe. Eu não consigo desligar, de todo, das minhas raízes europeias mas, sobretudo, portuguesas e, agora, sempre que posso volto cá, coisa que me era impossível em San Diego porque demorava cerca de 22 horas a voar para Portugal mas, também, porque acho que devo vir para cá para construir alguma coisa que seja útil aqui. Nos Estados Unidos há imensas pessoas, não só americanas, com muitos recursos, muito dinheiro para investigar e já que eu tenho uma bolsa portuguesa, penso que devo aplicá-la na Europa, contribuir para o desenvolvimento da ciência na Europa. É a minha pequena contribuição, ínfima, mas é de boa vontade e, também, para estar mais perto e se, eventualmente, surgir uma oportunidade interessante em Portugal, estou mais integrada, vou tendo os meus contactos, não só profissionais mas, também, pessoais. É importante continuar em contacto com a minha família com os meus amigos. Vir cá sempre que posso.
Existe uma diferença assim tão grande da cultura europeia para a cultura americana?
Enorme! Na minha opinião é enorme e as pessoas que vão de férias não têm essa percepção. Os americanos são extremamente simpáticos, muito afectuosos, mas é tudo muito diferente em termos de valores, em termos de hábitos. Penso que na Europa se aceita muito melhor a diversidade, diferentes maneiras de pensar. Não sou uma pessoa que sobressaia por ser, extremamente, diferente ou ter uma maneira de pensar, extremamente, diferente mas lá, sem dúvida, a observação mais simples é completamente diferente daquela que os nossos colegas aceitam como sendo a normal no povo americano. Sinto-me muito mais integrada aqui. Para mim é mais fácil e sou mais feliz na Europa. Digo na Europa, porque acho que os europeus são todos bastante parecidos, se compararmos com os americanos.
Fale-nos do trabalho que desenvolve, neste momento, em Oxford.
O trabalho que eu faço, neste momento, em Oxford, é um pouco complementar do trabalho que eu comecei em San Diego. É do senso comum, que o dia tem um ciclo de 24 horas, em que várias coisas mudam e, então, ciclicamente, a temperatura, a humidade a luminosidade mudam e os organismos evoluíram no sentido de se adaptarem a essa mudança. Não faria sentido termos um comportamento aleatório porque, na natureza, certos animais caçam a certas horas. Sazonalmente, certos animais hibernam a dadas alturas do ano e, então, é preciso que o nosso comportamento esteja, de certa forma, organizado para que certos organismos coabitem um determinado período de tempo e, também, porque dormir é essencial para a vida animal. É preciso que, para que as coisas funcionem de forma organizada, esse acto de dormir, seja de alguma forma previsível e cíclico.
O que nós estamos a fazer em concreto, é estudar como é que o organismo percebe, num ciclo de 24 horas, em que hora exactamente está e de que forma é que deve ligar ou desligar certos genes ou todos os genes, praticamente, para regular a fisiologia.
Pondo as coisas de uma forma muito simples, por exemplo, a antecipação do acto de acordar, o organismo precisa de ligar certos genes e desligar outros para que os batimentos cardíacos aumentem ligeiramente, a tenção arterial suba ligeiramente, o fígado, quem diz o fígado, diz outros órgãos, a produzir determinadas coisas para se preparar para a digestão, para a primeira refeição do dia etc, etc, etc. Há vários processos de antecipação para o acordar, assim como há para o deitar.
O que nós estudamos é, como é que o organismo sabe como regular a fisiologia, no sentido de antecipar as mudanças do dia-a-dia. Até aqui pensava-se que era dependente da visão. Nós vemos que é dia ou que vai escurecer e preparamo-nos para ir dormir, mas é mais complexo que isso. É, sem dúvida, a luz, o input que informa o organismo de como se regular no ciclo de um dia e essa informação é dada através do olho, mas não através do sistema da visão. Há um sistema fotorreceptor dedicado a este fim.
Nós sabemos, por exemplo, que uma pessoa cega, com uma deslocação da retina que afecta só uma dada parte da retina, dos fotorreceptores clássicos, cones e bastonetes consegue perceber se é dia ou se é noite. À escala laboratorial, e foi o estudo que eu fiz nos Estados Unidos, um ratinho que seja cego, com este tipo de cegueira, se nós o submetermos a um feixe de luz no olho, ele contrai a pupila, o que quer dizer que ele consegue ver luz, embora seja cego. Não consegue perceber como uma imagem, mas consegue saber se é dia ou se é noite.
Isto levou a que, por volta do ano 2000, fosse descoberto um outro sistema que existe no olho só para perceber luz e é, exactamente, esse sistema que está localizado em algumas células da retina, que eu estou a estudar. Nessas células é produzida uma proteína chamada monopsina que funciona nesse momento. É a única função conhecida como fotorreceptor no olho. Se nós, a esses ratinhos, tirarmos, não só os fotorreceptores clássicos mas, também, a monopsina, eles ficam completamente incapazes de distinguir se é dia ou se é noite. Dormem aleatoriamente, ou dormem à hora errada do dia, se assim se pode dizer, e funcionam de acordo com o seu relógio biológico interno que não está alinhado com o tempo exterior, porque estes ratinhos não conseguem saber qual é o nível de luz cá fora e como é que se devem adaptar ao dia real, ao dia solar.
E se houver sempre luz?
Se tiver sempre luz, no caso dos ratinhos, eles são organismos nocturnos, vão estar sempre a dormir. Acordam, eventualmente, para comer, para beber, mas têm tendência a estar a dormir, isto nos primeiros dias. Passado esse choque de não terem a regulação luz/escuridão, eles vão fazer uma coisa que se chama em inglês “correr livremente”, isto é, vão ser regulados, apenas, pelo seu relógio interno, porque nós temos um ciclo interno ditado pelo relógio biológico, que é uma pequenina parte do cérebro chamada núcleo supra plasmático que tem um ciclo de, aproximadamente, 24 horas. No homem é, ligeiramente, superior a 24 horas.
O que quer dizer, que se nós não tivéssemos esta informação da menopsina, o que ia acontecer era que, como temos um dia ligeiramente superior a 24 horas, íamos ter um dia mais longo e cada dia íamos dormir mais tarde, progressivamente, portanto, eventualmente, íamos andar à volta do relógio, íamos deixar de ir dormir todos os dias à mesma hora e indo dormir cada dia mais tarde, íamos acabar por um dia, dormir quando as outras pessoas estivessem a acordar.
Que importância tem esta descoberta para o mundo?
Esta descoberta é um pequeno “achado” num campo que é vastíssimo e nós continuamos a trabalhar nele mas, sem dúvida, foi uma descoberta que é um ponto de viragem nesta área, que tem diversas aplicações, quer no reino animal, animais irracionais, quer em termos de farmacologia, aplicações para o homem. Hoje em dia que é tão fácil viajar, o problema do jet-lag é um problema muito sério. Pessoas que viajam constantemente entre Nova Iorque, Paris; Paris e Tóquio, que precisam de estar alerta o mais rapidamente possível para reuniões, etc., não se podem dar ao luxo de ficar no hotel dois dias a recuperar do seu jet-lag. Conhecer este sistema é extremamente importante no sentido de usá-lo como um alvo para um fármaco que ajude as pessoas a alinharem com o tempo local tão rápido quanto possível.
É, também, importante para pessoas que trabalham em jet-lag social, isto é, às pessoas que trabalham num turno nocturno, constantemente, ou pessoas que trabalham no turno nocturno e no turno diurno aleatoriamente. Pessoas que trabalham em plataformas de petróleo que precisam de estar extremamente concentradas e se, de facto, não estão alinhadas com o trabalhar num turno nocturno, estão muito mais propensas a sofrer acidentes etc.
Também, no reino animal, aplicações tão simples, como quando se transporta pandas da China para um zoológico. É o exemplo que está no artigo do Público. Londres que tem um ciclo dia/noite diferente, os animais tendem a não procriar ou é mais difícil, porque eles detectam que estão num sitio diferente, pensam que estão numa estação diferente do ano e então, seria extremamente útil e interessante poder utilizar isto para alinhar os seres vivos, sejam eles quais forem, ao sítio onde estão sem stress, sem sofrimento, sem jet-lag etc., já para não falar em pessoas, por exemplo cegas que, não tendo olhos suponhamos, não têm a mínima percepção em como alinhar a sua fisiologia e, nesse caso, seria extremamente importante poder-lhes ser administrado um fármaco que as ajudasse a simular essa input de luz que iria alinhá-los com o tempo externo.
Tem variadíssimas aplicações das mais importantes às mais práticas.
O certo é que é uma panóplia de bons resultados para a ciência e que pode trazer uma nova luz a quem não vê…
Eu julgo que sim. Agora resumiu, perfeitamente, as nossas expectativas em relação a esta área. Há muitas movimentações e toda a gente acha esta descoberta interessante. Eu penso que tem bastante potencial. Está a dar-me imenso prazer trabalhar nisto, mas estou muito optimista em relação às aplicações futuras desta área.
Depois de acabar o doutoramento pretende voltar para Portugal?
Essa é uma pergunta complicada que eu faço a mim própria todas as semanas. Penso que sim, não imediatamente. Talvez a minha área, no nosso país, ainda não esteja pronta para nos receber. Não digo a mim, mas a todos os meus colegas que trabalham lá fora nesta área. Quero regressar a Portugal mas não numa situação de desespero, na situação em que vejo alguns colegas meus de ficarem em casa sentindo-se extremamente frustrados, depois de anos e anos a investir na carreira académica. Eu quero voltar mas, com algo interessante para fazer. Os meus planos imediatos são acabar o doutoramento que já de si será uma missão herculiana, arranjar um trabalho interessante lá fora, bem remunerado coisa que, às vezes, em Portugal não existe e depois, calmamente, procurar algo que me satisfaça, que me motive em Portugal e aí sim, voltar. A resposta é clara. Claro que quero voltar, um dia.
Quais as principais diferenças que encontrou ao nível do ensino superior nos Estados Unidos da América e em Inglaterra, comparativamente, com Portugal?
Eu só tive essa percepção das diferenças quando fui lá para fora. Se bem que, já tinha a noção de que cá era bastante bom. Tive bastante mais prazer em fazer o meu curso na universidade do que tive, por exemplo, no secundário ou no preparatório. É uma fase que nós temos que passar mas faz-se com mais gosto na universidade quando os cursos são bons e tinha a ideia de que, de facto, tínhamos uma boa preparação nas nossas universidades. Quando cheguei lá fora, não posso, exactamente, precisar em relação a licenciaturas na universidade, mas sei que são bastante mais curtas do que aqui e sei, também, que agora, com o tratado de Bolonha, é certo que os cursos serão uniformizados na Europa toda.
Se me pergunta se estou de acordo? Julgo que não porque, durante o curso todo, não aprendi nem metade daquilo que eu gostaria de aprender e ficamos com uma ideia um tanto ou quanto superficial. Sabemos um bocadinho de várias coisas, não temos tempo para aprofundar mais coisas que seria importante aprofundar.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra os cursos são muito mais curtos, de três anos, mas motiva-se mais as pessoas a fazer o estudo pós graduado, fazer o mestrado, fazer doutoramento. No nosso caso temos uma formação mais sólida em termos de curso, licenciatura. Se ficarmos por aí, acho que estamos bem preparados para continuar, não temos a necessidade que há lá fora em todos nós de fazermos o mestrado. Eu aprecio bastante o modelo que nós tínhamos em Portugal que agora vai mudar. Vamos ver como irá resultar.
Lá fora investe-se bastante no estudo pós graduado, muito mais pessoas fazem mestrado, várias pessoas fazem doutoramento. Eu estive, antes de estar em Oxford, no IPO College onde a preparação é bastante boa. Em Oxford, estou espantada, porque achava que a universidade de Oxford era um bocadinho um cliché mas não. É extremamente exigente, a qualidade é muito boa mas, o nível também é muito elevado. Fazer um mestrado ou um doutoramento em Oxford que é uma universidade de renome, exige muito das pessoas.
Julgo que em Portugal tenhamos óptimas universidades, bons programas de doutoramento, mas estamos a um nível de exigência diferente. Lá fora é bastante difícil, o nível de exigência é grande. Eu penso que isso é bom. Acho que o facilitismo não é algo que devemos desejar. O facilitismo não nos faz dar o nosso melhor, faz-nos dar o suficiente para conseguir o nosso grau. Em termos de licenciatura é bastante bom cá mas, em termos de pós graduado, talvez devesse ser um pouquinho mais exigente.
E a nível da investigação?
A investigação que se faz em Portugal é, surpreendentemente, boa. Os poucos sítios em que se faz investigação a nível internacional talvez já não sejam assim tão poucos e com o dinheiro que nós dispomos a investigação é bastante boa. As pessoas que estão lá fora, os portugueses que estão lá fora têm muito bom nome, são apreciados, têm muito bom nome, são tidos como trabalhadores. Há muito boas pessoas a fazerem investigação lá fora. É uma pena que, por exemplo, muitas vezes tenha que se fazer o doutoramento, exclusivamente, fora de Portugal. Se nós estivéssemos a fazer o doutoramento ligados a Portugal era muito bom para nós e estaríamos mais satisfeitos com essa situação. No meu caso, procurei um laboratório para fazer uma colaboração em Portugal. Foi para isso que vim para cá, regressei dos Estados Unidos, porque gostava de ter alguma ligação ao meu país, mas não encontrei porque as pessoas achavam que esta área estava muito à frente daquilo em que eles trabalhavam, porque não estavam prontos para começar uma colaboração nova e eu optei por fazer o doutoramento lá fora, com pena minha, porque há sítios que eu conheço, por exemplo, o IPATIMUL que faz investigação em cancro, LBMC que faz investigação em várias coisas. O IBM, Instituto de Biologia Molecular em Lisboa é extremamente interessante, com investigadores muito bons, não só em Portugal mas, também, no estrangeiro, que produzem um grande número de publicações e um grande número de graus com bastante qualidade.
Que projectos tem para o futuro?
Como disse, neste momento, queria acabar o doutoramento. Estou a entrar no meu último ano. Tenho de escrever a minha tese e queria escrever uma tese, algo com qualidade. Estou, neste momento, a escrever um artigo. Espero escrever mais alguns até ao final do doutoramento. Isto é a minha prioridade, fazer algo que seja interessante para o meu laboratório, interessante para mim também e que satisfaça os planos que eu tinha quando comecei e, a seguir, quem sabe, procurar um trabalho, um pós doc ou um emprego como investigadora numa farmacêutica ou numa empresa de biotecnologia lá fora enquanto planeio, atempadamente, o regresso a Portugal. Gostava de experimentar a carreira académica. Gostava de experimentar o ensino cá, porque acho que está cada vez mais académico.
Era interessante ter pessoas jovens e dinâmicas a fazerem investigação, junto com pessoas com muito mais experiência, óptimos professores catedráticos que nós temos cá, mas pessoas que comecem a mudar algo, pessoas como os gestores de que falei há bocado, que tenham a visão de como as coisas são lá fora porque, cá em Portugal, é possível chegar a professor catedrático ou ao topo da carreira de investigação no ensino, sem nunca ter estado lá fora. Não digo que lá fora é que é bom e que quem esteve lá fora tem uma qualidade diferente… tem outra perspectiva, tem outra visão; então, que passe essa visão aos mais jovens.
Há um conhecimento global…
É um conhecimento e um conjunto de experiências também, portanto, gostava de experimentar essa área e poder passar o meu entusiasmo a quem ainda está a começar, a quem ainda está numa fase inicial da sua carreira de investigação.
Acha que Trás-os-Montes poderia desenvolver projectos de investigação tecnológica e científica?
Eu julgo que já se faz alguma investigação em Trás-os-Montes nas nossas escolas superiores, à escala que é possível, dado o dinheiro que essas escolas têm, porque a investigação é algo bastante dispendioso, que tem um retorno muitíssimo importante, mas que requer algum investimento inicial e eu penso que sim, que poderíamos fazer algo, aproveitando o nicho que esteja à nossa disposição.
Fazem-se coisas na nossa região que não se poderão fazer em Oxford como, por exemplo, apuramento de espécies, classificação de pólenes; alguns em termos de melhoramentos biotecnológicos de espécies para plantar etc. Penso que poderíamos aproveitar esse nicho para começar com alguns projectos em pequena escala, mas projectos interessantes que poderiam fazer a diferença lá fora.
Como, em sua opinião, se poderia desenvolver a região de Trás-os-Montes?
Eu acho que seria um bocadinho pretensioso da minha parte, ter a solução para esse problema. Não sei apresentar uma solução, mas acho que incentivar pessoas a voltarem para cá e dar instrumentos aos que cá estão para fazer mais e fazer melhor e não ter medo de arriscar, não ter receio do que as pessoas vão dizer, do que vão criticar.
Acho que seria um bom caminho, fazer programas como este em que dá-se a conhecer às pessoas que cá ficaram ou que cá estão, o que é que as outras andam a fazer por aí. Manter contacto, fazer networking… Era óptimo se Bragança fosse cada vez mais dinâmica.
Eu já vejo uma grande diferença em relação ao período de quando eu vivia cá. Acho que agora está bastante melhor, há mais coisas a acontecer mas penso que isso pode acontecer de forma ainda mais visível se se organizarem colóquios, se organizarem congressos, se houver workshops etc..
Conhecendo bem Trás-os-Montes, acha que isso passaria pelo turismo?
Também. Trás-os-Montes tem muitas características que podem atrair as pessoas e tem sido feito algum esforço nesse sentido. Há infra-estruturas, relativamente, recentes à disposição de quem quer visitar Trás-os-Montes. Há pouca divulgação, na minha opinião. É difícil para alguém que esteja em Lisboa e quiser organizar um fim-de-semana em Trás-os-Montes através da Internet, por exemplo, fazer uma reserva, saber as coisas que pode visitar em Bragança.
Tem que ter mais visibilidade, o turismo em Bragança. Não serei a pessoa ideal para criticar o que tem sido feito pois, quando venho cá, não venho como turista. As pessoas que trago a visitar, todos adoram mas, penso que podíamos ter mais visibilidade, divulgar mais o turismo em Trás-os-Montes porque sem dúvida tem coisas únicas que nós não podemos ver em outras zonas do país.
Que personalidades mais a marcaram ao longo da sua vida?
Eu estaria tentada a dizer a minha família, no geral, mas, sem dúvida, os responsáveis por eu ser assim, irrequieta, são os meus pais e seria injusto se eu não falasse neles nesse sentido porque, e tenho que referir isso, porque acho que foi um ponto de viragem na minha vida, teria eu cerca de dez anos quando o meu pai decidiu organizar uma viagem de jipe pela Europa, em que nós ficamos um mês a viajar na Europa de forma simples, mas a conhecer tantos países quanto conseguimos em um mês e isso abriu-me muitos horizontes. Eu tinha ido ao Porto, tinha ido a Lisboa, mas não fazia ideia da real dimensão do resto do mundo. Isso despertou em nós, em mim e na minha irmã, o bichinho pelas viagens por conhecer sítios, pelo conhecimento, pelo facto de sabermos que havia tanta diversidade de pessoas, de línguas, de aspectos etc… e eu acho que desde aí, essa foi a minha primeira grande viagem, com um sentido pedagógico muito grande e a partir daí nunca mais parei de querer viajar, de querer conhecer, de querer experimentar, sem receio de sair da minha própria cidade.
É claro que é sempre óptimo voltar, mas eu sou uma transmontana que se considera, um bocadinho, cidadã do mundo.
Obrigada pela sua entrevista. Esperamos ouvir falar dos seus feitos a nível da investigação científica nas melhores revistas científicas do mundo, assumindo-se como transmontana, orgulhosamente.
Eu é que agradeço.
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