Apesar do
significativo número de vestígios arqueológicos conhecidos no atual concelho de
Bragança, o sítio da Torre Velha / Terras de S. Sebastião, em Castro
de Avelãs, é
seguramente um dos que mais se destaca pelo carácter excecional dos achados aqui
efetuados, sendo igualmente um dos mais citados na bibliografia arqueológica
relativa a toda a região transmontana.
Com efeito, tanto alguns dos vestígios aqui identificados, sobretudo de natureza epigráfica, como aqueles revelados pelas escavações realizadas, em finais do séc. XIX, sob direção de José Henriques Pinheiro, têm permitido a vários investigadores interpretar o local como possível capital dos Zoelas (ou Zelas), ou seja, como sede da civitas Zoelarum (circunscrição administrativa em época romana).
Os Zoelas, mencionados por Plínio (autor romano, do séc. I) a propósito do seu linho de excecional qualidade que terá chegado a Itália, eram um povo ou etnia de origem pré-romana, localizável no Nordeste Transmontano e integrável no grupo dos Ástures Augustanos, de acordo com as fontes epigráficas e literárias antigas. Este povo estenderia o seu território por uma vasta região, prolongando-se até às serranias
atualmente espanholas, a norte, e avistando o vale do Douro e do Sabor, mais para sul.
Com efeito, tanto alguns dos vestígios aqui identificados, sobretudo de natureza epigráfica, como aqueles revelados pelas escavações realizadas, em finais do séc. XIX, sob direção de José Henriques Pinheiro, têm permitido a vários investigadores interpretar o local como possível capital dos Zoelas (ou Zelas), ou seja, como sede da civitas Zoelarum (circunscrição administrativa em época romana).
Os Zoelas, mencionados por Plínio (autor romano, do séc. I) a propósito do seu linho de excecional qualidade que terá chegado a Itália, eram um povo ou etnia de origem pré-romana, localizável no Nordeste Transmontano e integrável no grupo dos Ástures Augustanos, de acordo com as fontes epigráficas e literárias antigas. Este povo estenderia o seu território por uma vasta região, prolongando-se até às serranias
atualmente espanholas, a norte, e avistando o vale do Douro e do Sabor, mais para sul.
A sua capital, como referimos,
poderia situar-se precisamente neste sítio da Torre Velha, situado no corredor de
passagem de uma importante via romana que ligava Aquae Flaviae (Chaves) e
Asturica Augusta (Astorga), a designada Via XVII do Itinerário de Antonino.
Foi precisamente a importância atribuída a este lugar que justificou a intervenção arqueológica que decorreu ao longo de todo o verão de 2012, na qual participaram cerca de 40 alunos da licenciatura e do mestrado em Arqueologia da Universidade de Coimbra. Para a elaboração e concretização desse projeto de investigação, a Autarquia de Bragança e a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra estabeleceram uma parceria (que enquadrará também os trabalhos a desenvolver no decurso do corrente ano – 2013), conscientes que estão da importância que os elementos fornecidos pela Arqueologia têm quer para a afirmação de identidades, quer para a construção do conhecimento da História local e regional.
Mas para que os trabalhos de escavação arqueológica prossigam, será igualmente
importante que possamos continuar a contar com a colaboração e a necessária autorização dos proprietários dos terrenos.
Fruto dos trabalhos agora desenvolvidos, este lugar emblemático da arqueologia transmontana começou a revelar mais algumas das suas características.
Foi precisamente a importância atribuída a este lugar que justificou a intervenção arqueológica que decorreu ao longo de todo o verão de 2012, na qual participaram cerca de 40 alunos da licenciatura e do mestrado em Arqueologia da Universidade de Coimbra. Para a elaboração e concretização desse projeto de investigação, a Autarquia de Bragança e a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra estabeleceram uma parceria (que enquadrará também os trabalhos a desenvolver no decurso do corrente ano – 2013), conscientes que estão da importância que os elementos fornecidos pela Arqueologia têm quer para a afirmação de identidades, quer para a construção do conhecimento da História local e regional.
Mas para que os trabalhos de escavação arqueológica prossigam, será igualmente
importante que possamos continuar a contar com a colaboração e a necessária autorização dos proprietários dos terrenos.
Fruto dos trabalhos agora desenvolvidos, este lugar emblemático da arqueologia transmontana começou a revelar mais algumas das suas características.
Na verdade, os resultados
obtidos durante a primeira campanha de escavações arqueológicas não permitem
ainda responder de modo inequívoco à pergunta inicial que nos trouxe a este lugar:
localizar-se-ia aqui a capital dos Zoelas?, mas permitem já esboçar a face de uma outra
realidade que permanecia soterrada e que, com a continuidade dos trabalhos,
poderá revelar com mais clareza o perfil da população que, na antiguidade, viveu
neste local.
Seja como for, os resultados até agora obtidos, quer durante o trabalho de campo, quer no decurso do trabalho laboratorial que se lhe seguiu, mostram que este lugar, no passado, ocupou vários hectares e foi habitado pelo menos durante cerca de mil anos. Com efeito, para além de se ter registado uma importante ocupação romana (séc. I-V d.C.), e de ser inclusivamente possível o registo de uma ocupação anterior, pré-romana (inscrita na proto-história), este lugar revelou importantes vestígios do período suevo-visigótico e também dos séculos seguintes, que antecederam a formação do reino de Portugal.
Seja como for, os resultados até agora obtidos, quer durante o trabalho de campo, quer no decurso do trabalho laboratorial que se lhe seguiu, mostram que este lugar, no passado, ocupou vários hectares e foi habitado pelo menos durante cerca de mil anos. Com efeito, para além de se ter registado uma importante ocupação romana (séc. I-V d.C.), e de ser inclusivamente possível o registo de uma ocupação anterior, pré-romana (inscrita na proto-história), este lugar revelou importantes vestígios do período suevo-visigótico e também dos séculos seguintes, que antecederam a formação do reino de Portugal.
Ao período romano pertencem
algumas das estruturas habitacionais identificadas em escavação,
para além de vários tipos de materiais associados ao quotidiano dos seus
habitantes, desde as habituais cerâmicas às raras moedas, alguns dos quais serão inclusivamente
importados, de paragens mais ou menos longínquas, como sejam, entre outros, as
cerâmicas finas de servir à mesa (terra sigillata) ou a pedra de um anel habilmente
gravada com um curioso cavalo com rabo de peixe; contando-se, ainda, entre os
achados, algumas epígrafes e objetos relacionados com atividades
artesanais.
Mas este lugar sobreviveu à queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Provam-no alguns vestígios de carácter habitacional e, sobretudo, um extenso espaço funerário, com múltiplos enterramentos, cujas datações, obtidas pelo método do C14 (no laboratório Beta Analytic, em Londres), permitem inscrever genericamente essa necrópole do período alto-medieval.
A confirmação de uma importante ocupação da Torre Velha / Terras de S. Sebastião nos alvores da Idade Média remete-nos para uma outra problemática muito interessante, que continua em aberto, e para a resolução da qual esta intervenção poderá, eventualmente, contribuir: onde se situaria a paróquia suevo-visigótica de Brigantia?
Mas este lugar sobreviveu à queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Provam-no alguns vestígios de carácter habitacional e, sobretudo, um extenso espaço funerário, com múltiplos enterramentos, cujas datações, obtidas pelo método do C14 (no laboratório Beta Analytic, em Londres), permitem inscrever genericamente essa necrópole do período alto-medieval.
A confirmação de uma importante ocupação da Torre Velha / Terras de S. Sebastião nos alvores da Idade Média remete-nos para uma outra problemática muito interessante, que continua em aberto, e para a resolução da qual esta intervenção poderá, eventualmente, contribuir: onde se situaria a paróquia suevo-visigótica de Brigantia?
À civitas dos Zoelae, em época
sueva, poderá ter sucedido o pagus Brigantia, mencionado no Parochiale
Suevum, redigido já na segunda metade do séc. VI. Na verdade, entre a lista
apresentada de bispados e respetivas paróquias, conta-se o pagus de Brigantia, cuja sede,
como tem sido proposto, poderia situar-se em Castro de Avelãs ou mesmo em Bragança. A
primeira hipótese, tendo como pressuposto a capitalidade do local em época
romana, parece-nos plausível – tal como, neste caso, também não se pode descartar a
hipótese de Brigantia ser já o nome da capital dos Zoelae. Mas a segunda
hipótese, que recua a capitalidade da atual Bragança para um período bem anterior ao da
formação do reino de Portugal, também não se pode rejeitar liminarmente,
sobretudo a partir do momento em que se registaram, no centro histórico de Bragança,
vestígios aparentemente expressivos da época romana.
Seja como for, este tempo é
marcado por um outro cenário (e por uma organização eclesiástica e
administrativa distinta) em que Brigantia, inscrita no território da diocese sediada
em Braga, faria parte do reino dos Suevos, o qual se estendia, a oriente, até esta
região de Bragança. Estamos perante, assim sendo, o início de outro meio milénio
de história, marcado a dada altura (séc. VIII-XI) pela incorporação desta região no
reino astúr-leonês. Este lugar em Castro de Avelãs continuou então a ser
habitado, mantendo possivelmente alguma importância, desde logo pelo facto de ser servido
por vias importantes, incluindo a estrada então designada de “colimbriana”,
ligando as terras leonesas às regiões mais meridionais.
A importância da povoação de Castro de Avelãs durante o período medieval encontra-se depois claramente atestada pela presença do mosteiro beneditino de S. Salvador, classificado como Monumento Nacional em 1910, ainda que tenha sido construído no vale, já algo afastado do núcleo original de ocupação situado na Torre Velha.
A importância da povoação de Castro de Avelãs durante o período medieval encontra-se depois claramente atestada pela presença do mosteiro beneditino de S. Salvador, classificado como Monumento Nacional em 1910, ainda que tenha sido construído no vale, já algo afastado do núcleo original de ocupação situado na Torre Velha.
Também pelo significado que
esta importância e centralidade poderão encerrar, o Mosteiro de Castro
de Avelãs não pode ser ignorado no quadro teórico da nossa pesquisa. Seria
importante sobretudo determinar a data da sua fundação – terá só sido fundado no séc.
XI-XII, quando o sítio da Torre Velha já estaria provavelmente desabitado, passando o
mosteiro agora a constituir o núcleo central do espaço religioso e funerário que
antes se localizaria mais a sul, na área por nós escavada em 2012? Ou o seu núcleo
edificado original recuará alguns séculos, sendo contemporâneo da ocupação
atestada para a Torre Velha e, nessa medida, estabelecendo com ela algum
tipo de relação?
Seja como for, a importância deste mosteiro beneditino para a região de Bragança durante toda a Idade Média pode não deixar de constituir um reflexo, mesmo que indireto ou herdado, da centralidade deste lugar de Castro de Avelãs.
Também é certo que ainda no séc. XII a capitalidade desta região é assumida por Bragança (e precisamente num momento seguinte ao do provável abandono da Torre Velha) – um novo tempo que então se iniciava exigia uma novo posicionamento topográfico para o núcleo central amuralhado. Mas a eventual centralidade do período
anterior (romano e suevo-visigótico) poderá nos alvores da Idade Média, perante um novo e substantivo reordenamento político do espaço, ter então assumido outras formas, de cunho eminentemente religioso, corporizadas pelo mosteiro, agora símbolo maior desse passado. A memória desse espaço e da sua centralidade, ao longo de pelo menos um milénio, teria assim ficado assegurada com a construção do mosteiro.
Seja como for, a importância deste mosteiro beneditino para a região de Bragança durante toda a Idade Média pode não deixar de constituir um reflexo, mesmo que indireto ou herdado, da centralidade deste lugar de Castro de Avelãs.
Também é certo que ainda no séc. XII a capitalidade desta região é assumida por Bragança (e precisamente num momento seguinte ao do provável abandono da Torre Velha) – um novo tempo que então se iniciava exigia uma novo posicionamento topográfico para o núcleo central amuralhado. Mas a eventual centralidade do período
anterior (romano e suevo-visigótico) poderá nos alvores da Idade Média, perante um novo e substantivo reordenamento político do espaço, ter então assumido outras formas, de cunho eminentemente religioso, corporizadas pelo mosteiro, agora símbolo maior desse passado. A memória desse espaço e da sua centralidade, ao longo de pelo menos um milénio, teria assim ficado assegurada com a construção do mosteiro.
Ao mesmo tempo, num quadro
assim hipoteticamente esboçado, poder-se-ia ter assistido a uma
deslocalização da capital para Bragança – e a uma deslocalização de escassos
quilómetros, desde o sítio da Torre Velha, possível capital da civitas
dos Zoelas em
época romana e sede da paróquia suevo-visigótica de Brigantia.
Esta é, porém, uma hipótese que continua em aberto mas que a investigação em curso procurará esclarecer, ao abrigo do protocolo que, em boa hora, a Autarquia de Bragança e a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, souberam celebrar.
Pedro C. Carvalho (Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
Clara André (Arqueóloga da Câmara Municipal de Bragança)
Sofia Tereso (Arqueóloga e Antropóloga)
Miguel Costa (Arqueólogo)
Bragança,
10 de março de 2013
in:cm-braganca.pt
Esta é, porém, uma hipótese que continua em aberto mas que a investigação em curso procurará esclarecer, ao abrigo do protocolo que, em boa hora, a Autarquia de Bragança e a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, souberam celebrar.
Pedro C. Carvalho (Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
Clara André (Arqueóloga da Câmara Municipal de Bragança)
Sofia Tereso (Arqueóloga e Antropóloga)
Miguel Costa (Arqueólogo)
Bragança,
10 de março de 2013
in:cm-braganca.pt
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