O entrevistado de hoje é o Professor Doutor José Paulo Matias, professor do Instituto Politécnico de Bragança. Como habitualmente, começamos pelo princípio: diga-nos, por favor, onde nasceu.
Cresci nos subúrbios de Lisboa, mais concretamente em Almada e Barreiro, onde passei toda a minha infância, onde estudei, na Escola Secundária do Barreiro. Mais tarde escolhi ir para a faculdade, Instituto Superior Técnico em 1983, donde sai 5 anos mais tarde.
Como foi a sua vida de estudante?
Olhe, foi uma vida muito dedicada. Na altura eram estudos muito difíceis, enfim, que exigiam bastante concentração, exigiam saber temas difíceis. Para mim foi uma grande mudança em relação ao ensino secundário, porque estamos mais entregues a nós próprios. Mas foi a vida de um estudante normal. Não era muito de festas e de vida académica como se costuma dizer.
O que o levou a enveredar pelo curso de Engenharia Electrotécnica e Computadores?
Penso que, na altura, resultou do meu gosto pelas disciplinas de matemática e física. Também por aquilo que eu pensava que era, digamos, o meu horizonte de possibilidades e, na altura, pareceu-me indicado ir para um curso de engenharia, também, influenciado pelos meus pais, preocupação com algo bom para o mercado de trabalho…
Da engenharia para a fusão nuclear foi um salto bastante grande. Fale-nos sobre essa experiência.
Foi, de certa forma, algo natural que resultou daquilo que fiz na parte final do meu curso, pois apercebi-me que, talvez, não quisesse enveredar pela área técnica da engenharia o que me levaria, enfim, a actividades que talvez não me interessassem muito, como vendas, actividades de gestão e comecei a dirigir-me para temas mais teóricos, para o lado da física. Havia uma certa possibilidade de, nos cursos de Engenharia Electrotécnica, me orientar para temas mais teóricos, mais para o lado da física. Trabalhei com vários professores no trabalho final de curso e, ofereceram-me uma proposta para fazer um estágio em Inglaterra que aceitei com muito gosto. A partir daí surgiu a possibilidade de trabalhar num projecto, que foi dos primeiros projectos comunitários que apareceram no Instituto Superior Técnico e decidi ir trabalhar para a Alemanha com uma equipa de investigadores da minha faculdade. Foi a primeira actividade que surgiu, de forma natural, e que resultou naquilo que fiz durante o curso.
Com que olhos vê a energia nuclear?
Primeiro é preciso dizer que a área onde eu trabalhei, fusão nuclear, tem a ver com um princípio diferente do que é aplicado nas centrais de fissão nuclear, que é de onde vem a energia nuclear conforme a conhecemos. A fusão nuclear é uma área que está a ser investigada, que está em desenvolvimento, do qual ainda não existem aplicações práticas. Consiste não em partir núcleos de partículas e átomos, mas sim em fusioná-los, ou seja, imitar em terra aquilo que se passa nas estrelas; juntar átomos e com essa junção há libertação de energia. Portanto, o que se está a tentar fazer na fusão nuclear é controlar o processo e colocar esse processo ao serviço de produção de energia. Não há os perigos de fissão nuclear que nós conhecemos. Seria uma forma de obter energia muito eficaz, bastante mais segura do que a actual energia nuclear.
Que atormenta muita gente, principalmente os transmontanos...
Sim... aqui perto da fronteira.
O seu percurso profissional é deveras interessante. Da licenciatura em engenharia passou por um mestrado em astronomia. Como foi que a astronomia chegou à sua vida?
Bom, para já sempre fui muito interessado pelo tema da astronomia. Li muitos livros sobre o assunto. Era um fã dos documentários do Carl Sagan e, de certa forma, penso que nunca fez parte do meu horizonte de expectativas aprender astronomia porque, na altura, em Portugal, era praticamente inexistente. Havia um ramo no Porto de que eu nem tinha conhecimento, de astronomia, mas como aplicação de matemática. Enfim, algo muito pouco divulgado e, havia muito poucas pessoas a fazer pós graduação no pais e no estrangeiro. Na altura, as possibilidades eram ir para fora do país, que era uma coisa que me interessava. E de facto comecei a pensar, durante a estadia em Munique. Conheci algumas pessoas ligadas à astronomia, porque o local onde eu trabalhei era muito perto do observatório e, na altura, surgiu uma possibilidade cada vez mais interessante de fazer um grau académico nessa área e foi assim que comecei a equacionar, comecei a consultar universidades em Inglaterra e em França e acabei por me decidir por França.
Fale-nos brevemente do trabalho desenvolvido por si no âmbito da Astronomia Estrelar ou Astrofísica Estelar.
Astronomia e Astrofísica são ciências parecidas. Neste caso chama-se Estelar, relativo a estrela, sem ter o r, mas não é relevante. De qualquer forma a Astrofísica e a Astronomia têm por objecto os mesmos objectos, a mesma ciência.
A Astronomia talvez se possa classificar como mais descritiva, a Astrofísica é mais a interpretação dos objectos que nós vemos no espaço, num céu sem nuvens e interpretá-los à luz das leis, que são as mesmas que operam em terra, que são as leis da física, leis da energia, leis da conservação da energia, leis de conservação da massa. Enfim, todas as leis que nós conhecemos que se aplicam aos objectos que estão no espaço. Portanto, o trabalho de um astrofísico e de um astrónomo que, neste caso, tem a ver com a observação, pois a astronomia aplica-se a muitos fins e são envolvidas uma série de ciências, desde análise de imagens, à física, à matemática… é uma área muito transversal em termos de conhecimentos a que faz referência.
Concretamente, o meu trabalho na astronomia e astrofísica estelar têm a ver com a construção de modelos de estrelas. O que nós fazemos é descrever matematicamente, com as leis da física, do movimento, dos fluidos, etc.; construir modelos que reproduzam as características que nós observamos para os objectos: uma estrela é uma coisa que do ponto de vista matemático e físico é muito simples. Descreve-se através de equações que damos na nossa escola, equações diferenciais que a descrevem, enfim, todo um historial de aprendizagem que está por detrás dessas matérias.
No fundo, são leis de física e técnicas de matemática que também se aplicam noutros campos do conhecimento. Portanto, tem a ver com a construção de modelos matemáticos e físicos que reproduzem, depois, as características que nós observamos nas estrelas, nomeadamente, as características de temperatura, de densidade, de luminosidade e tentamos acertar os nossos modelos por forma a ter uma ideia do seu funcionamento a ter, digamos, uma história que conte como essa estrela funcione.
Mais que a beleza, têm muito que contar...
A ciência é precisamente o conjunto de métodos que nos permitem ir além daquilo que é legítimo, que é toda a poesia que nós podemos imaginar quando olhamos para um céu sem nuvens. Mas a ciência permite-nos ir para além dessa contemplação, dessa admiração pela beleza que o universo tem.
A vossa vida depende também das condições climatéricas, não é?
Sim, não é por acaso que os observatórios estão colocados em locais especiais. São locais que têm basicamente dois tipos de características: primeiro, permitem um número de noites de observação muito grande durante o ano, por exemplo em desertos muito secos, onde raramente chove, onde há poucas nuvens. Basicamente, os astrónomos chegam lá e têm grandes possibilidades de ter uma noite fantástica de observação. Segundo, a altitude que seja considerável. Porquê? Porque se conseguem turbulências atmosféricas muito mais consideráveis, imagens mais nítidas e, portanto, há toda uma utilidade em os observatórios serem construídos em locais altos.
É nesses locais que se descobrem novas estrelas, novos planetas...
Claro! Em observatórios profissionais, normalmente, situados em locais remotos do planeta e muito especiais como o Havaí, o deserto do Chile em que se fazem descobertas e, também, no espaço que, como sabe, também existem observatórios astronómicos que têm as suas vantagens. Estão para além da atmosfera terrestre e permitem-nos ter acesso a outro tipo de objectos com uma nitidez muito superior ao que se conseguiria na Terra.
Os astrónomos conhecem melhor o céu ou a terra? O mapa...
Isso é uma questão recorrente que as pessoas me colocam muitas vezes. Há que distinguir claramente o que é uma ciência duma não ciência. A astronomia, a astrofísica são ciências que obedecem a critérios e a métodos, aliás, aproveitava para sublinhar o facto de que se me fosse pedida uma definição de ciência, diria que a ciência é um conjunto de métodos e, não propriamente, um conjunto de factos. Os factos, na ciência, são menos importantes. O que é importante na ciência, é perceber como se chega aos factos. Perceber o pensamento, os métodos que um cientista segue para chegar às suas conclusões e às suas teorias sobre a realidade.
Como é que veio parar ao Instituto Politécnico de Bragança?
Bem… Foi uma história muito simples. Cheguei ao final do meu tempo em França e, na altura, decidi voltar para Portugal e candidatar-me a uma instituição de ensino superior. Foi muito rápido. Respondi a alguns anúncios, consultei o Diário da República pois estava em Lisboa nessa altura e recebi um telefonema do Instituto Politécnico em 1996 a pedir-me para vir urgentemente, já amanhã. Basicamente, vim. Falei com o Engenheiro Alcino Miguel e aqui comecei a minha carreira. Inicialmente, estive dois anos a trabalhar no departamento informático, por estar mais de acordo com a licenciatura que, na altura, tinha algum relevo. Depois fui transferido para o departamento informático, que é uma das ciências bases que utilizo no meu trabalho, junto com a física.
E o Centro de Ciência Viva de Bragança?
Bom… o Centro de Ciência Viva de Bragança, pretende ser uma espécie de museu, mas um museu com umas características um pouco diferentes daquilo que as pessoas estão habituadas. Os museus, habitualmente clássicos, pretendem ser espaços, obviamente, de divulgação da ciência, pensamento científico, dos factos científicos, mas tendem a ser locais com informação um pouco estática, com muito texto.
Acontece que se percebeu, um pouco em virtude dos novos tempos, das novas tecnologias disponíveis, que se podiam fazer espaços muito mais atractivos, que apelassem à interacção dos visitantes, à experimentação… No fundo, que as pessoas tivessem um contacto mais intenso e mais próximo com a ciência, do que é a realidade da experiência. Um cientista estuda muito mas, também, experimenta, testa e, enfim, pretende-se fazer do Centro de Ciência Viva um museu menos convencional, tendo como referência os museus de ciência clássica, mas que seja mais apelativo para os visitantes.
Que chame a atenção e desperte a curiosidade das pessoas...
Que mostre aos visitantes o que é uma experiência científica, onde as pessoas possam interagir com botões, mexer em objectos, enfim… estou a lembrar-me, que vamos ter actividades dirigidas a todos os tipos de público. Imagine, para uma criança da primeira classe, o entusiasmo que não deverá sentir, poder mexer, estar num local que não está cheio de texto, poder interagir com objectos, poder experimentar e ver as consequências das suas acções. Portanto, o Centro de Ciência Viva, trabalhará muito perto das escolas, com os programas escolares e, para todos os tipos de público. Pretende, precisamente, introduzir essa vertente da informalidade, da interacção dos conteúdos que vão ficar expostos, com os visitantes.
E as actividades de divulgação científica em que tem participado nas escolas secundárias?
São consequência daquilo que faço na minha área de investigação. Tenho colaborado regularmente com escolas secundárias em programas de astronomia de verão que, por sinal, também são programas conduzidos pela agência científica que, já agora, convém lembrar que o Centro de Ciência Viva se integra numa rede de centros de ciências nacionais que, embora, diferentes nos conteúdos e na forma de abordagem dos conteúdos, perseguem o mesmo objectivo que é divulgar a ciência.
Portanto, nesse âmbito, colaborei com a escola Miguel Torga. O ano passado estive a dar uma pequena palestra sobre astronomia e métodos científicos na escola Emílio Garcia, na semana da ciência, que é uma semana no final de Novembro, em que se faz uma divulgação mais massiva da ciência.
E essas participações são enriquecedoras?
Com certeza...
Para si e para os outros?
Permite-me ver uma realidade diferente daquela que é o meu dia-a-dia. Permite-me ver como reagem os jovens de outras idades, daquelas que estou habituado a lidar no Instituto Politécnico de Bragança e contactar com outros meus colegas, que estão noutros níveis de ensino e perceber exactamente como as coisas funcionam. Claro que isso nos ajuda a ter uma ideia mais concreta.
Participa na elaboração da proposta de construção de um observatório astronómico na Serra de Montesinho, num local alto como falou há pouco, mais precisamente em Lama Grande. Quer comentar?
Na altura, fui algumas vezes de visita lúdica ao alto da serra e, de uma das vezes, penso que o professor Dinis já perseguia esta intenção há muitos anos, surgiu a ideia de construir um observatório no alto da Serra de Montesinho, porque tem condições que parecem interessantes, mas depois era preciso consolidar essa proposta. A proposta foi feita por uma pessoa que estava a estudar astronomia fora de Portugal e que reuniu uma série de elementos técnicos, pormenores técnicos e eu tratei apenas de deduzir alguns elementos que tinham que ver com pedagogia, aplicações pedagógicas que se podiam fazer desse observatório.
De facto, Montesinho e a serra têm condições excelentes para os astrónomos amadores, primeiro que tudo. Há que distinguir um bocadinho os propósitos da astronomia. A astronomia observacional amadora, que pertence a uma categoria de observação. Depois, existe a astronomia profissional, para fins de investigação que exige meios completamente diferentes, em termos financeiros e uma série de meios físicos que têm que ter qualidade para essa astronomia profissional. Essas coisas custam caríssimo e foi essa a questão que se pôs e penso que foi bem colocada, na altura, estamos a falar de 1988. Essa proposta seguiu para o Ministério da Ciência, directamente para o ministro Mariano Gago. E, de facto, Montesinho tem características para construir um observatório de média dimensão, onde possam ser feitos e executados programas científicos, não ao nível de programas científicos de observatórios profissionais mas, mesmo assim, com muito interesse, por exemplo, para estudos que exijam observações prolongadas no tempo. É muito difícil conseguir tempo de observação nos melhores observatórios telescópicos do mundo.
Porquê? Porque são todos os astrónomos do mundo a candidatarem-se com programas, todos muito interessantes e todos muito importantes para tempo de observação. O tempo é cuidadosamente repartido, com critérios muito apertados. Portanto, muitas vezes é muito difícil aceder a esses telescópios profissionais e, há determinado tipo de estudos que se podem fazer, que são muito interessantes com um observatório de média dimensão, que foi o que na altura se propôs. Havia a característica da atmosfera ser muito limpa, pouca turbulência atmosférica, boas características, que depois teria de ser concretizado através de testes e, foi isso que se propôs de facto.
Agora, em relação à astronomia amadora, digo-vos que as condições são excelentes. Há grupos de astrónomos que vêm regularmente à serra, vêm com interesse, fazem essencialmente astrofísica, vêm com técnicas de astronomia amadora bastante sofisticadas. Não é simplesmente apontar o telescópio para um objecto e registá-lo. É um local, do ponto de vista amador, muitíssimo interessante e, para alguns estudos profissionais, poderia ser, também, de grande interesse.
Os astrónomos trabalham, essencialmente, à noite, não é?
Sim. Há um astro que se pode observar durante o dia que é o sol. Os astrónomos podem funcionar durante o dia, pois há muitas coisas que se podem ver no sol durante o dia e, portanto, o sol é a nossa estrela mais próxima e, por conseguinte, para o astrónomo, o seu palco favorito é a noite. Se for ver qual é a vida de um astrónomo amador quando vem a Montesinho, a noite é passada de gorros e casacos no frio transmontano que tão bom é para as condições atmosféricas, mas tão agreste é para quem não tenha gosto por aquilo.
E para um profissional, o dia serve para fazer as tais contas...
Repare, o trabalho na astronomia e na astrofísica está longe de ser um trabalho só de observação. O trabalho de observação profissional é feito em condições que não têm nada a ver com o frio da noite. A pessoa está, tem acesso a medições em ecrãs, bandas magnéticas, dados que leva do observatório. Na astronomia amadora a ideia é, precisamente, trabalhar durante a noite e recolher, fazer fotografias que depois possa tratar através de programas de análise de imagem, em casa durante o dia.
Para consumo próprio...
No caso do astrónomo amador, sim.
Porque acontecem os eclipses?
O eclipse é um fenómeno muito frequente no cosmos e é, simplesmente, um objecto que passa à frente de outro. Quando é que temos um eclipse da lua? Quando a lua fica fica tapada, a terra fica entre o sol e a lua e, nesse caso obscurece a luminosidade da lua, que não é senão a reflexão da luminosidade do sol. Um eclipse do sol é, obviamente, uma ocultação do sol através do corpo celeste que se pode interpor entre nós e o sol que é a lua.
Não é mais que a rotação dos astros...
Tem a ver com os movimentos. Nós aqui tínhamos que entrar um bocadinho em pormenores matemáticos mas, com a órbita da Lua em torno da Terra, está num plano muito próximo da órbita da Terra em torno do Sol. Em determinadas circunstâncias há um cruzamento tal, dos três astros em que um dos corpos oculta outro e, nesse caso, dá-se um eclipse.
Os mais espectaculares, os eclipses do Sol, nós já tivemos aqui, salvo erro, dois, um deles, as observações foram conduzidos através do Centro de Ciência e Vida que, embora não exista fisicamente, já se responsabilizou por uma série de actividades nesse dia. Foi em Outubro de 2005, se não estou em erro, dia 4 ou dia 5, em que tivemos muita sorte com os eclipses. A ocultação não ocorre no mesmo local da terra, depende da posição relativa dos três astros. Fomos bafejados pela sorte, tivemos um eclipse anular. Anular, porque mais uma vez, a natureza do eclipse e a forma do eclipse e, aquilo que nós podemos ver, depende dessa tal posição relativa dos astros. Nem sempre há uma interposição precisa da Lua entre nós e o Sol, de modo que nesse caso vimos. A Lua estava a uma distância tal, que se podia ver apenas um anel do lado exterior do Sol. Claro que os mais espectaculares são os eclipses totais do Sol, que se dão quando a Lua está mais próxima da Terra e, de facto há uma ocultação completa do disco solar e são, de facto, fenómenos espectaculares, que duram apenas o tempo de trânsito do objecto que se está a interpor entre nós e aquele que é ocultado.
Por que razão foi despromovido Plutão?
Sim, este é um tema muito actual. É o último planeta do sistema solar. Foi devido a uma… Repare, essa classificação, como tudo em ciência, está dependente de definições, critérios por nós definidos… Repare, a forma como nós definimos os objectos… Por exemplo, posso dizer que um planeta é uma estrela que nunca foi estrela, uma estrela pequena, falhada, abortada. É um corpo que nunca juntou massa suficiente para haver reacções nucleares no seu interior… e para ser estrela.
Uma estrela pequena…
…uma estrela falhada. Há uma grande diferença entre um planeta e uma estrela, que é o facto de haver reacções termonucleares no seu interior. Agora, essa distinção entre dois corpos, que nós damos a dois corpos, não é assim tão grande. No fundo é, simplesmente, que naquele local não se conseguiu reunir massa suficiente para que, sob o peso da gravidade, originasse temperaturas no interior que fossem suficientes para activar as reacções nucleares. Mas, deixe-me acabar a sua pergunta, que é porque Plutão foi despromovido de planeta principal para planeta anão, creio eu.
Foi devido ao facto de os cientistas terem refeito o critério pelo qual se chamou planeta. Tem a ver com a razão entre a massa do objecto e a massa de uma série de pequenos calhaus, se assim podemos dizer, que rodeiam a sua órbita. Tem a ver com a capacidade do corpo conseguir limpar, digamos, da sua órbita ou próximo da sua órbita, uma série de pequenos objectos que nós conhecemos por asteroides, meteoros, etc., está a ver? Tem a ver com essa razão.
Os planetas estão numa ordem em que essa razão é muito elevada, na ordem de 100 e, depois, o novo planeta que foi descoberto e Plutão estão numa categoria completamente distinta. Portanto, a razão entre a massa do corpo e o conjunto dos calhaus que estão à sua volta, digamos assim, é de uma razão muito pequena.
A terra está sulcada de várias crateras feitas pela queda de meteoritos. O que provoca esse fenómeno?
Simplesmente o acaso. Pelo espaço viajam todo o tipo de calhaus, se assim se pode dizer, rochas e, ocasionalmente, há um encontro de um desses objectos com um dos planetas, sobretudo aqueles que não têm atmosferas. Muitas vezes estão ocultados por gelo, por quaisquer outros materiais, mas são planetas que foram durante a sua história, bombardeados por todo o tipo de objectos. Não se esqueça que o sistema solar tem uma vida que ronda os 5 biliões de anos, portanto, há muito tempo para haver esse tipo de encontros raros à escala da nossa vida na Terra mas que, de facto, acontecem à escala da vida do sistema solar.
O que são estrelas cadentes?
As estrelas cadentes são, obviamente, motivo para muita poesia mas, a estrela cadente é, simplesmente, o impacto de uma pequena poeira que se encontra na imediação da atmosfera terrestre e que, no seu encontro com a terra, se torna incandescente. É, simplesmente, isso. Imagine um grau na ordem de milímetros ou centímetros, que encontra na atmosfera terrestre, camadas altas e que depois, a atravessa e o atrito faz precisamente o efeito luminoso que nós vemos. É muito engraçado reparar no nome, porque o nome, enfim, revela aquilo que foi o pensamento há muito tempo das pessoas quando lhe deram o nome de estrelas cadentes. Pensavam que eram estrelas a cair e, de facto, não tem nada a ver com isso. Em ciência há imensos exemplos de fenómenos que são mal interpretados ou que são interpretados incorrectamente e que depois, se percebe que o nome que está associado a essa interpretação não faz qualquer sentido.
É como as chuvas de estrelas cadentes...
As chuvas de estrelas cadentes é, apenas, esse fenómeno multiplicado por muitos objectos. Se, por exemplo, a Terra, na sua viagem pelo espaço, encontrar uma zona onde existam poeiras, normalmente, os jornalistas precipitam-se dizendo que vai haver uma chuva de estrelas cadentes. Às vezes enganam-se porque, de facto, é difícil saber a quantidade dessas poeiras que vai interagir com a atmosfera. Portanto, isso é um fenómeno que se pode classificar em termos de probalidades. O que se pode dizer é que há maiores probalidades de haver um número grande de partículas que chocam com a atmosfera...
Mas é um fenómeno fabuloso.
É um fenómeno fabuloso quando, realmente, tem a forma de uma chuva de estrelas e, nessas alturas, os astrónomos aproveitam para tentar interessar as pessoas por esses fenómenos.
Uma das teorias da extinção dos dinossauros foi a queda de um meteoro. Fale-nos disso.
Falo daquilo que souber. Conheço relativamente mal, mas penso que a ideia base é a seguinte: Há sinais de impactos na Terra, embora camuflados por vegetação. Na Lua é muito mais visível, porque a luz do sol permite ver esses impactos com muito mais facilidade. Para além disso, não há atmosfera. Não se esqueçam que a atmosfera na Terra tem um efeito protector. Digamos que qualquer corpo de quaisquer dimensões que se aproxime da Terra, por fricção nas camadas da atmosfera, desintegra-se e, aquilo que chega cá em baixo, normalmente, são fragmentos mais pequenos. Acontece que, na Lua, como não há essa atmosfera, os impactos tendem a ser muito mais fortes e daí, que se acredite e se sabe que na Lua há muitas mais crateras que na Terra, apesar de na Terra haver crateras grandes.
Agora, a teoria da extinção dos dinossauros, enfim, baseia-se no seguinte: Teria havido um acaso de um choque de um meteoro de grandes dimensões com a atmosfera da Terra, de tal forma que, pelo menos um dos fragmentos, foi suficientemente grande para provocar uma mudança climática que alterou uma série de relações que havia nos ecossistemas na Terra, nomeadamente, falta de alimento. Digamos que não foi um meteoro que caiu em cima da cabeça dos dinossauros. As pessoas podem, de uma forma infantil, acreditar, mas houve um fenómeno de obstrução da atmosfera que nos rodeia de partículas, que provocou um efeito de menos luz para o nosso planeta, que provocou, também, uma série de consequências na cadeia de subsistência de todos os animais e de todas as plantas.
Para quando o fim do universo tal como o conhecemos?
Para quando o fim, ninguém sabe. Ninguém sabe dar resposta a essa pergunta.
Fala-se de um impacto enorme que pode acontecer...
Que tipo de impacto?
Da Terra com um meteoro.
Bom… Se acontecesse um impacto de um meteoro na Terra, isso não seria o fim do universo. Seria o fim da Terra, que é uma coisa pequenina, enfim, no universo. De facto, isso é um problema que já foi pensado por várias pessoas. Existem vários tipos de especialistas que se debruçaram sobre essa questão. A possibilidade de impacto de um corpo sobre a Terra é muito pequena, mas não é nula e, portanto, é um problema real. Há formas de tentar desintegrar esse corpo antes de chegar ao nosso planeta que já foram pensadas por pessoas dessas áreas, mas isso não tem a ver com o fim do universo. O universo continuará. Nós, na nossa pequenez, ninguém dará conta do que seria uma tragédia para a espécie humana na Terra.
E se o Sol “se apagar”?
Se o Sol se apagar!? O Sol não se vai apagar. É uma das coisas que mais pode confiar, é que o Sol não se vai apagar. O Sol é uma estrela média. Digamos que podemos ir à praia tomar banho e apanhar sol durante mais 5 biliões de anos. Digamos que é a vida estimada que o Sol ainda terá daquilo que está a acontecer no seu interior que é, no fundo, a transformação de elementos químicos em outros elementos químicos, produzindo energia. Esse processo vai a meio. O Sol é uma estrela perfeitamente média, é um jovem com 35, 40 anos à escala humana, que tem ainda muita energia para produzir.
Então, nos próximos 5 biliões de anos podemos continuar a apanhar sol descansados. Voltamos agora para a terra. Na sua opinião o que tem de ser feito pelos transmontanos para que Trás-os-Montes não pesca o comboio do desenvolvimento?
Isso é uma questão muito complexa. Depende de muitos factores. Muitos pensadores já se ocuparam desta questão.
Na minha perspectiva temos que tentar criar aqui, condições que permitam ser interessante trabalhar aqui, fazer ciência aqui que, de facto, haja interesse aqui, na região, pelas questões científicas, pelo ensino.
Repare, nós podemos sempre ter ideias daquilo que poderá ser bom para a região, mas nunca podemos agir mais do que localmente e, localmente, é todos os dias na nossa profissão, naquilo que nós fazemos no nosso trabalho de investigação, o trabalho com os nossos alunos, mantê-los interessados, para os manter aqui, para lhes mostrarmos as vantagens de viver numa terra como Trás-os-Montes, porque elas existem.
Não tenham dúvidas. Eu já vivi em cidades grandes e reconheço muitas vantagens em viver em Trás-os-Montes e algumas desvantagens também. Mas devemos mostrar-lhes o lado bom e encorajá-los a trabalhar seriamente, com entusiasmo naquilo que decidirem.
Para terminar, que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?
Bom… Alguns investigadores, nomeadamente, aqueles que fazem bem a divulgação científica.
Alguns professores que tive na faculdade que, de facto, eram excelentes comunicadores, pessoas que se destacaram com um entusiasmo muito grande, em comunicar com os alunos, em que nós nos sentíamos bem depois de ir a uma aula desse professor.
Tudo o que tem a ver com a divulgação da ciência. Lembro-me, por exemplo, dos livros de Carl Sagan ou do programa de televisão.
Lembro-me, por exemplo, de um físico de que gosto muito, que faleceu há pouco tempo, prémio Nobel da Física, que era um comunicador extraordinário chamado Richard, que tem a ver com personalidades ligadas à ciência, que me marcaram pelo entusiasmo que põem nas suas actividades.
Obrigada Doutor pela sua entrevista ao“Nordeste Com Carinho”. Estamos-lhe muito gratos.
Eu é que agradeço.
P. S. Esta entrevista foi realizada em 2006
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