quinta-feira, 15 de março de 2012

Primavera

Os montes, vestidos de verdes novos salpicados de malmequeres brancos, enchem o olhar. Sonho. O simples facto de me fundir naquela paisagem transporta-me para outros mundos, para novos mundos tão próximos de mim.
Nos lameiros, junto aos veios de água, as pascoelas mostram todo o seu esplendor vestido de simplicidade. Transportam-me para quando era menina, livre como um pássaro, que corria sem parar, todos os cantos da aldeia quando chegava a primavera de verdes campos, da cor do limão, como disse Camões.
As ameixeiras cobertas de pequenas flores brancas pintalgavam a paisagem, aqui e ali, como bibelots de requintado gosto. Os pessegueiros, vestidos de rosa, deixavam-se beijar por uma infinidade de pequenos insetos voadores. As cerejeiras explodiam em cor pelos campos, misturadas com outras árvores, ainda despidas de folhas e flores.
O sol brilhava delicadamente, acariciando a pele ávida de calor. O inverno fora áspero e rude. O cantar da água nos regatos convidava à melancolia. O rio, lá ao fundo, corre ligeiro, galgando as pedras que no verão ficarão à mostra.
A energia que anda no ar é uma menina pequenina de olhos bem abertos para a vida que só agora começa. Ri-se sem razão, chora-se sem motivo aparente. Apetece correr pelos campos como um gatinho pequeno atrás de uma pequena rã.
O cabelo ao vento, suave brisa cálida, sente toda a sua liberdade que não é sua mas minha. Sou livre, tão menina descalça a chapinhar na água, ainda fria, do ribeiro da Calçada, que cascateia feliz da muita água que leva.
De repente, uma nuvem destaca-se no imenso azul do céu de Trás-os-Montes. Reparo que alguém parou para me apreciar. Timidamente, deixo-me nublar. Calço os sapatos que segurava nas mãos e sorrio.
"Continuas exatamente igual. Pareces uma borboleta azul a voejar de flor em flor. Que saudades de ti, rapariga!".
Olhava-me como se nunca tivesse deixado de me ver. Tantos anos passados, encarava-me com o mesmo olhar de quando escalávamos as Fragas Amarelas, cobertas de cravelinas multicores, nascidas sobre pedras que apenas continham vestígios ténues de terra, entregues ao vento que tudo fazia para as arrancar da sua precária casa.
"Que saudades! Tanto tempo sem saber de ti! Por onde tens andado?"
O tempo deixou de ter importância. Sentámo-nos os dois, lado a lado, nos degraus da igreja e falámos como se ainda ontem tivéssemos calcorreado montes, chapinhado rios, atrás de pássaros azuis, cantando primaveris melodias.

Mara

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