Vamos chamar à sua entrevista “À procura da magia do Inverno Transmontano”. Tiza, nasceu em Varge, concelho de Bragança. Que recordações guarda da sua meninice e da sua juventude?
Guardo bonitas recordações da aldeia, sobretudo da aldeia porquê, a partir dos dez, onze anos tive que me deslocar para o seminário, onde a vida para uma criança, um adolescente e um jovem não era muito atraente, de forma que as recordações mais bonitas que guardo são, de facto, aquelas que me vêm do lugar onde nasci.
Foi uma mudança muito radical…
Foi uma mudança muito radical. Foi uma mudança de cento e oitenta graus. Uma criança que, naquele tempo, praticamente nunca tinha saído da aldeia a não ser ter vindo a Bragança, uma vez ou outra, como por exemplo, vir fazer a quarta classe a Bragança porquê, nessa altura havia exame de quarta classe e fazia-se na sede do concelho a que a escola pertencia. Vim fazer, também, a admissão ao liceu porquê, pelo sim pelo não, o meu ai quis que eu fizesse a admissão ao liceu para se, eventualmente, eu desistisse de ir para o seminário, teria sempre a possibilidade de poder começar a frequentar o liceu, começando no chamado primeiro ano de liceu.
Essa mudança foi, de facto, muito grande. De uma vida da aldeia, com total liberdade, que uma criança tinha e tem e que é assim que deve ser, de andar pelos campos, jogar à bola, jogar à pedrada, ir para o rio, dar um mergulho no rio, andar por ali completamente à vontade atrás dos passarinhos, atrás das vacas e fazer tudo o que lhe apetecia e, de repente, ver-se encurralado entre quatro paredes numa instituição austera em que tudo era rígido, tudo era controlado é, de facto, uma mudança muito grande. Não dá para explicar, só vivendo é que se pode entender o que se sente nessa mudança tão radical.
De que forma o facto de ter nascido nesta região o marcou?
Marcou-me, como penso eu que nos marca a todos, o nosso modo de ser de transmontano. Penso que o transmontano é de facto uma pessoa íntegra no seu modo de pensar e, sobretudo, no seu modo de agir e age justamente em concordância com aquilo que pensa. Não haverá discrepância entre uma coisa e a outra. Há, aqui, uma integridade que funciona e foi isso que herdei. É isso que eu sinto que tenho e que me faz ser aquilo que sou. Penso que se passará isso um pouco com os nossos conterrâneos embora, como em tudo na vida, há sempre alguns que tresmalham um pouco mas, enfim, são as coisas da vida mas, o que define um transmontano é isso e foi isso que eu herdei.
Quando deixou a sua aldeia veio para o seminário. Porquê?
Foi por vontade minha, embora, influenciado. Sofri a influência de um homem que era, nada mais, nada menos, que o pároco da minha freguesia e, também, professor no seminário em Bragança, o Dr. Francisco Vale. Nessa altura, vendo o exemplo daquele homem, fiquei motivado para ser como ele, alguém que fizesse aquilo que ele estava a fazer e que nós, como crianças, sentíamos que ali havia qualquer coisa que nos atraia e eu manifestei esse desejo em casa, o que muito agradou à minha mãe e também ao meu pai e foi aquilo que eles mais quiseram ouvir, que eu manifestasse esse desejo de ser padre. Eu posso dizer que fui de livre vontade muito embora eu não soubesse o que me esperava.
A sua vida profissional está, obviamente, ligada à sua formação académica. Tem desenvolvido uma actividade multifacetada a nível profissional. Fale-nos um pouco desse seu percurso.
Multifacetada é verdade, embora, a maior parte destes anos de vida profissional, que já são muitos, a maior parte deles estejam ligados ao ensino. Desenvolvo e desenvolvi, também, outro tipo de actividades que não estão tão ligadas ao ensino. Posso dizer que se a dada altura decidi não seguir a carreira de sacerdócio porque houve também um percalço na minha vida já no final da carreira que me levou a abandonar, o mesmo já não posso dizer relativamente à minha vocação de educador, de professor… de facto, sinto-me bem neste trabalho e sinto-me realizado, embora haja coisas que não me agradem mas, isso creio que também acontecerá em qualquer outra actividade profissional. Comecei por ser professor na Escola do Magistério Primário um pouco antes dessas escolas acabarem para dar lugar às actuais escolas superiores de educação. Fui professor ai durante dois anos, digamos que foi o baptismo. Começar por ser professor para formar outros professores não era pêra doce, na medida, em que eu próprio não me sentia bem formado como professor. Limitava-me um pouco e quase, exclusivamente, à minha disciplina e à disciplina que eu orientava e tenho boas recordações desse tempo e os alunos que, hoje, são colegas recordam-me e recordamo-nos todos com muita saudade e muita satisfação de tudo o que fizemos e do trabalho que desenvolvemos na força da juventude na altura com 24, 25 anos tudo era muito risonho e as coisas aconteciam de facto…
Por mais que sejam hoje colegas, o professor é sempre o professor…
Sim. Não havia nessa altura… foi já depois do 25 de Abril, justamente em 75, as barreiras, para além da idade que era quase a mesma, para mim enquanto professor e eles, alunos, para além disso as barreiras caíram. O professor austero e os alunos que tinham que estar ali submissos, isso caiu. Eu posso dizer que muitos deles me tratavam por tu, não dentro da sala de aulas mas, cá fora. Era uma situação perfeitamente normal. Depois fiz o estágio, chamado profissionalização em exercício no, então, ensino preparatório que também não era muito fácil, foram dois anos de muito labor, muito trabalho. Éramos um grupo de três colegas da mesma área disciplinar porque havia outros colegas de outros grupos com quem também trabalhávamos. De qualquer forma, foi um período muito bonito, muito interessante porquê, além do trabalho, havia um convívio entre nós muito grande, uma amizade e tudo isso ajudou a vencer as dificuldades que sentíamos e a dureza do trabalho que tínhamos que produzir, que realizar.
Como foi a sua passagem pela Presidência da Região de Turismo do Nordeste Transmontano?
Foi uma passagem. Foi um mandato de quatro anos que eu considero que foi, em termos pessoais, muito interessante. Em termos de valorização pessoal, de aquisição de contactos que estabeleci com muita gente e muitas instituições e aprender a lidar com situações ao mais alto nível, de facto, foi muito enriquecedor e por isso não estou minimamente arrependido de me ter candidatado e de ter assumido essas funções. Em termos do trabalho que eu fiz, obviamente que não seria eu a pessoa mais indicada para o avaliar, em todo o caso, devo dizer que não me senti cem por cento realizado porquê, isso nunca me aconteceu e creio que não acontece a ninguém. Nós, como seres humanos que somos, sentimos sempre que há alguma coisa que falta e queremos sempre mais do que aquilo que fazemos e, portanto, posso dizer o mesmo. Há coisas que, de facto, eu quis fazer e não consegui, por limitações de vária ordem mas, também posso dizer que houve muitos projectos que consegui realizar e julgo que com algum sucesso e, nessa medida, posso dizer que, quanto a mim e na minha modesta avaliação posso dizer, sem falsas humildades, que o saldo foi favorável.
Tem dedicado grande parte da sua vida à etnografia transmontana. Isso deve-se ao facto de ter nascido em Varge?
Talvez sim. O facto de ter nascido em Varge, o facto de ter nascido numa região ainda muito rica culturalmente… não é só Varge, temos que pensar que Varge é uma aldeia rica em tradições mas não apenas ela. Temos toda a lombada que é muito rica em tradições, as terras de Miranda, Mogadouro, Vinhais, Macedo, Mirandela, certas zonas de pequenas micro regiões que conservam características culturais muito autênticas e foi isso que me levou a interessar-me por aprofundar essa riqueza que ainda temos e que pode perder-se e, enquanto não se perde, que se faça o registo adequado do que temos para que depois, pelo menos daqui a algum tempo, os vindouros tomem conhecimento através do que fica escrito, do que fica registado, do que fica gravado nos vários tipos de suporte que hoje existem, que estão ao nosso alcance, em que eu próprio estou, também, a trabalhar não só no suporte papel, computador, mas também em suporte digital e áudio visual.
O que distingue os caretos de Varge dos de Podence e de outros que ainda existem nesta região?
Há muitas semelhanças e muitas diferenças entre estes e outros caretos que existem nesta região. O que os distingue, não é fácil dizer assim, de repente. Eu teria que falar em todos, teria que falar nos caretos de Varge, teria que falar nos caretos de Ouzilhão e depois passar dos de Bragança para os de Miranda e depois passar dos de Miranda para os de Mogadouro e depois chegar aos de Mirandela, Torre de Dona Chama… Todos eles são únicos e têm a sua época, uns no Natal, outros no Carnaval. Alguns acontecem no período do solstício de Inverno, durante doze dias entre o 25 de Dezembro e o 2 de Janeiro que é o chamado período dos doze dias. Não é fácil notar as diferenças entre eles a menos que nos cingíssemos, concretamente, aos de Varge e aos de Podence e então diremos que fisicamente não são muito diferentes, a máscara até é igual, uma máscara de latão pintada, sensivelmente com as mesmas cores, os fatos são diferentes. Os fatos de Varge já não são o que eram no passado e neste momento são fatos feitos com tiras de serapilheira das mais garridas cores, contrariamente, os fatos de Podence são peças autênticas do tear, de lã muito bem trabalhadas, muito bem apresentadas, muito mais ricas… o fato em si é realmente muito mais rico que os de Varge, no entanto, também podemos assinalar diferenças naquilo que constituem as suas funções e aqui é mais interessante, ainda, discutir esta questão. Os de Varge têm uma determinada função, aparecem num determinado momento do ano que é o solstício de Inverno e aí aparecem a desempenhar determinadas funções.
E essas funções quais são? São de fazer a crítica social à comunidade, trazendo a público nesse dia. No dia 25 de Dezembro todos os acontecimentos ou pelo menos os mais ridículos, os mais dignos de serem criticados, mais cómicos, são apresentados ao público, criticando realmente as pessoas, chamando pelos nomes e apontando-os, criticando, publicamente, os actos mais reprováveis que aconteceram durante o ano na comunidade.
Uma forma de alertar as pessoas para que sejam melhores…
Alertar as pessoas para que sejam melhores e, sobretudo, prevenir para que esses erros não voltem a acontecer no ano seguinte, não se repitam. Há uma função profilática, no sentido de prevenir, de acautelar futuros erros.
Contrariamente, os de Podence terão uma outra função, que é a função de chocalhar as mulheres e chocalhando as mulheres significa, segundo o Abade de Baçal, e reportando-se o Abade de Baçal, às antigas festas pagãs, a 15 de Fevereiro, reportando-se às festas agrárias em honra do deus Pan, em que os pastores também batiam com os chicotes nas mulheres, julgando eles que com essas chicotadas as fecundavam. É um ritual de fecundação. E é exactamente isso que os caretos de Podence fazem neste momento, conscientemente ou não, provavelmente os mais esclarecidos encararam como mais uma brincadeira. Batendo com os chocalhos castigam as mulheres e segundo ritos dos sacerdotes do deus Pan isso significava fecundá-las.
As festas de Inverno são reminiscências celtas ou do paganismo Greco-romano?
A minha opinião é que tem a ver com tudo. Tem os dois elementos. Tem aspectos da cultura Greco-romana já que, se pensarmos por exemplo, no período do solstício de Inverno, logo a partir do 15 de Dezembro até ao final do mês de Dezembro, aconteciam um conjunto de festas, todas elas agrárias, dedicadas a divindades relacionadas com a actividade agrária, começando a 15 de Dezembro, depois passando para o dia 21 de Dezembro em que acontecia outra festividade, depois no dia 24 de Dezembro em que acontecia outra festividade chamado jovenalia ou seja festas desenvolvidas pelos jovens que são, exactamente, as nossas festas desenvolvidas pelos rapazes e, depois, no dia 25, a festa dedicada ao deus Sol, também é um festa pagã até chegar depois à festa do ano novo.
Repare que a festa do deus Sol, a festa do Natal existia já no paganismo, na cultura romana e não é por acaso que a igreja a vai colocar exactamente no dia 25, em que acontecia a festa dedicada ao deus Sol, vai colocar a festa do nascimento de Cristo que é como quem diz vamos celebrar a divindade do Sol, só que agora o Sol não é a estrela mas, sim, o Menino Jesus. Este é o novo sol, portanto, até faz todo o sentido, esta substituição inteligente, quanto a mim. Só que terá conseguido substituir e aniquilar os rituais que aconteciam dedicados ao culto do sol em todo o universo do império romano e, mais tarde, quando o império romano se desfez, em todo o universo da cristandade, excepto aqui, justamente aqui, nunca a igreja conseguiu eliminar esses resquícios de paganismo.
A diabolização, chamemos-lhe assim, dos mascarados é um acto de purificação?
A diabolizaçao não. A diabolizaçao é um fenómeno que se deve à igreja. Foi a igreja, nas suas intervenções, através dos seus representantes nas localidades, nas paróquias que incentivaram a diabolizaçao do careto, atribuindo-lhe funções do diabo, que é como quem diz: “ele é o diabo, vamos procurar afastar o diabo e afastá-lo sobretudo dos locais sagrados, da igreja… ele não pode entrar na igreja. Na realidade, o que se passava antes do cristianismo é que o mascarado não era diabo. O mascarado era uma personagem mítica que se transformava para executar determinados ritos, que tinham a ver com o culto ao deus Sol, com o culto à Mãe Natureza. Eram uns sacerdotes que assim se vestiam e se mascaravam, para com essas vestes e com essas máscaras, estarem em condições perfeitas para poderem desenvolver todo o seu ritual e, sobretudo, para poderem fazerem a ligação entre o natural e o sobrenatural, entre os vivos e os mortos, entre o humano e o divino. Eram esses os mascarados da antiguidade. Tinham exactamente essa função e, portanto, não eram diabos, eram exactamente o contrário. Eram sacerdotes, só que a igreja vem diabolizá-los, convinha diabolizar o elemento pagão, diabolizar o mascarado para o afastar, para o aniquilar. A verdade é que o foi conseguindo, excepto aqui.
Lançou recentemente o livro “Ritos do Inverno mágico de Trás-os-Montes”. Foi um trabalho de doze anos que, penso, o deverá ter deixado satisfeito. Sente o dever cumprido ou ainda há muito a fazer?
Cumpri. Penso que cumpri uma parte do meu dever mas, há muito que fazer. Há muito que fazer por parte dos etnólogos que deveriam aprofundar mais, todo este simbolismo, que está escrito nestes rituais todos, com bases históricas e com bases científicas, para que possamos compreender, cabalmente, de facto, os rituais que se desenvolvem e que muitas vezes não sabemos. Lançamos hipóteses. Eu lancei várias hipóteses, mais ou menos, fundadas. Se calhar, não passam disso mesmo. Há, aqui, um trabalho grande a desenvolver mas, para além dos etnólogos há um importante trabalho dos antropólogos que devem fazer esse estudo no sentido de saber qual o interesse que têm os rituais na vida de uma comunidade, mais ou menos, fechada sobre si mesma. Os sociólogos a mesma coisa… há um trabalho que os sociólogos deviam fazer, no sentido de saber, também, quais as funções que estes rituais desenvolvem e desempenham dentro de uma comunidade rural, como é a nossa. Os próprios teólogos que, ao longo do tempo, tentaram aniquilar, tentaram espezinhar estas manifestações, porque não eram manifestações cristãs, eram manifestações pagãs. Não encaixavam na teologia cristã. Deixo o desafio de, eles próprios, se debruçarem sobre isso e verificarem até que ponto esses ritos não têm um significado profundo teológico, de ligação entre o natural e o sobrenatural, do humano ao divino etc.
Existem vários ritos de Carnaval em Bragança, Vinhais e também noutras zonas de Trás-os-Montes que, infelizmente, estão a desaparecer. Fale-nos da morte, do diabo e da censura, típicos da nossa cidade.
A morte, o diabo e a censura assim como os diabos de Vinhais não aparecem no dia de Carnaval, aparecem no dia seguinte ao Carnaval e, isto, é que tem de facto um elemento curioso e diferente daquilo que acontece nas outras localidades e regiões em que, de facto, o Carnaval termina à meia-noite de terça-feira e a partir daí entra-se na Quaresma e não há mais brincadeiras. É assim no Brasil e em toda a parte, por maiores que sejam os festejos que lá se realizem. Aqui em Bragança e em Vinhais dá ideia que há mais um dia de Carnaval. A quarta-feira ainda é dia de Carnaval, só que é um Carnaval diferente. Já não tem muito a ver com terça-feira e, por isso, é que aparecem essas figuras, a morte, o diabo e a censura justamente para alertarem as pessoas para isso mesmo: “agora como acabou o Carnaval vamos dar-vos umas chicotadas valentes, vamos perseguir-vos, vamos castigar-vos, sobretudo às mulheres, que é para que fiqueis bem purificadas para dar início ao período de quarenta dias que é o período da Quaresma em que deveis todos jejuar, deveis todos fazer penitência, deveis todos mortificar-vos e preparar-vos para a eventualidade de a morte poder vir”. Por isso é que aparece a morte, para lembrar aos cristãos que um dia há-de vir e trazer a gadanha, há-de vir com a sua gadanha e ceifar-nos a vida. O diabo também, como castigador e, também, a lembrar o inferno. A censura, um elemento profilático, a censurar os actos, a denunciar o erro o pecado.
São estas três figuras que realmente aqui aparecem, ainda este ano apareceram, embora tenham estado alguns anos sem entrarem em actividade. Este ano apareceram, eu fiz algum esforço nesse sentido e espero que o meu esforço, junto de algumas pessoas que desempenhavam esses papéis, que esse meu esforço não se perca e que continue. Tivemos que fazer as máscaras porque já não havia, já tinham desaparecido e foi necessário fazer isto tudo, com auxílio da Câmara e estão lançadas as bases para que as coisas retornem.
Em Vinhais aparecia, antigamente, a morte que também deixou de aparecer. A morte era uma só figura e apareciam umas largas dezenas de diabos e também houve um período, recente em que deixaram de aparecer e agora estão, novamente, a aparecer. Creio que é um trabalho da Câmara Municipal e, não sei se da misericórdia de Vinhais, também. Se calhar, de alguma associação… O que eu sei é que, de facto, eles retomaram a tradição em Vinhais, o que é bom.
Quer comentar a bienal da máscara e outras actividades desenvolvidas no âmbito dos ritos de Inverno?
A bienal da máscara é uma iniciativa digna de todo o mérito porque vem chamar a atenção para um elemento que é muito nosso e que deve ser valorizado em todos os aspectos até, inclusivamente, sob a perspectiva económica. É uma iniciativa que eu julgo do maior interesse para a região porquê, este elemento, a máscara, é fundamental para a caracterização da nossa cultura. É importante que tenha acontecido e espero que continue e alargue os seus horizontes.
Como professor que é, não posso deixar de lhe fazer esta questão. Concorda com a passagem do IPB a universidade?
Concordo que haja universidade mas, penso que o IPB tem o seu lugar em Bragança porque está cá. A formação de técnicos superiores é fundamental para o desenvolvimento de uma região e do país mas, isso, não invalida que, ao mesmo tempo, Bragança não deva ter a sua universidade com cursos adequados à realidade da região do nordeste. Duas realidades a coexistir e ambas a contribuir para o desenvolvimento da região que, sem isso, também, já pouco temos em termos de serviços, que afirme Bragança e a região como uma cidade voltada para a formação, para o ensino, para a ciência e para a cultura e é fundamental que exista uma universidade.
Bragança está no bom caminho em direcção ao futuro ou ainda há muita coisa a fazer?
Bragança está no bom caminho embora, haja muito que fazer no domínio que acabámos de referir, no domínio da educação, da formação superior. Há muito que fazer relativamente à valorização dos produtos que são nossos e muitos deles quase só nossos, por exemplo a castanha, o azeite que é um azeite de muita qualidade e deve ser valorizado e há que agarrar tudo isto e isto passa por nós próprios.
Não podemos estar à espera que sejam os governos a fazê-lo. O que deveria acontecer é que, não sendo o governo central deveria ser um governo regional e aqui é que está a questão. Bragança, distrito, Trás-os-Montes, região deveriam avançar para uma região e então seriam os responsáveis por essa região e os cidadãos a colaborarem, todos no mesmo sentido, e a sentirem-se motivados porque estão a colaborar para a sua região e a gerar riqueza para si próprios e para os seus.
Para finalizar, que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?
Houve alguns professores que me marcaram positivamente e outros negativamente. Claro que não vou referir os que me marcaram negativamente e também não vou referir os outros. De facto, houve alguns que, pelo seu exemplo, pela sua postura, pela sua integridade me marcaram e até fizeram com que eu, por exemplo, tivesse chegado ao fim do curso de teologia e depois no último momento o tivesse deixado, porque se não tivesse havido isso, a orientação desses professores, isso não teria acontecido. Por outro lado, houve, realmente, alguns cuja recordação me entristece e me revolta. Mais tarde houve outras personalidades que me marcaram nomeadamente João XXIII, um Papa extraordinário que lançou a reforma da igreja em que hoje estamos e outros professores ao nível da Faculdade também me marcaram e alguns políticos e alguns filósofos, Agostinho da Silva, por exemplo, um filósofo que é um exemplo; um homem livre e que assumiu a sua liberdade por inteiro e a viveu ao longo da sua vida e, penso que é um exemplo que, se calhar, não é fácil seguir mas, pelo menos, que sirva como orientação a todos nós, marcou-me sem dúvida. Mário Soares, também, por ser um lutador pela liberdade e que continua a marcar-me, sempre.
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