sexta-feira, 23 de março de 2012

Entrevista: Eng. Cruz Oliveira

Nasceu em Bragança e aqui viveu e estudou até ir para o ensino superior; como era ser estudante nesse tempo?

Eu diria que estudei numa altura muito agradável. A grande maioria dos professores do Liceu Nacional de Bragança, onde estudei, eram professores do quadro. Portanto, nós habituávamo-nos, como alunos que, quando tínhamos um professor de matemática no antigo 4º ano, tínhamo-lo até ao 7º. Essa estabilidade do ponto de vista docente, foi algo que se perdeu no tempo e perdeu-se com os professores que variavam todos os anos, de local para local. Portanto, nesse aspecto e referindo-me ao meu tempo, a maior agradabilidade era sabermos que aquele professor, gostássemos ou não gostássemos, estamos a falar também nesse aspecto negativo que eu não vou agora importantizar de maneira nenhuma, a maioria dos nossos professores de que gostávamos, sabíamos que nos acompanhavam até ao 7º ano. Este facto, do ponto de vista da docência, é o mais importante pela sua agradabilidade.
Quero dizer-lhe o seguinte: era um pouco mais difícil do que actualmente. Recordo-me que nos meses de Inverno ir, morava na Praça da Sé, para o liceu demorava cerca de um quarto de hora à chuva e ao frio. Não havia transportes, não havia casas a partir de um determinado passo do percurso e, portanto, as dificuldades diria, logísticas, de acesso ao liceu que hoje está no centro da cidade, há 25 anos atrás estava na periferia da cidade e, portanto, passávamos algumas dificuldades. Em segundo lugar, em termos de evolução social, oh que gratificante é o mundo hoje! Nós tínhamos uma sala de convívio onde convivíamos com as meninas nos intervalos, mas havia a ala dos rapazes e a das meninas portanto, hoje, esta ligação fortíssima e que busca o desenvolvimento do ser humano integrando as meninas e os meninos e prepara os jovens de maneira mais sóbria, muito mais forte, definindo o carácter muito mais precoces do que era no meu tempo. Nós convivíamos com as meninas e ansiávamos o baile do 1º de Dezembro. Era um dos pontos de contacto mais físico com as meninas, fora outros tipos de bailes que havia. Hoje o contacto é diário permanente e, portanto, desenvolve o homem, desenvolve a mulher, desenvolve todas as nossas personalidades o que significa que os jovens de hoje, em conclusão na minha perspectiva, estão muito mais preparados do que nós estávamos, porque eles hoje assumem com 18, 19 anos, funções de responsabilidade que nós assumíamos só de barba rija, (não é?) mais tarde, e eles hoje estão melhor preparados, não tenho dúvidas de isso.

Bragança, em todos os aspectos, mudou muito desde então…

Não tenho dúvidas sobre isso. Mudou sobre o ponto de vista de desenvolvimento, mudou sobre o ponto de vista de estratégia. Acho que Bragança esta a caminho do seu reencontro. Deixe-me dizer-lhe assim: Bragança é uma cidade de serviços. Como capital de distrito, tem o governo civil, a câmara municipal, a maioria dos serviços, como segurança social, polícia, enfim, todos os serviços que giram a volta de uma capital de distrito. Esses serviços, é sabido que estão a diminuir. Alguns estão a desconcentrar-se para outras regiões e, portanto, Bragança tem que se reencontrar com ela mesma, no sentido de dizer “Que especialidade eu vou tomar?”. Portanto, essa especialidade ligada ao turismo, ao desenvolvimento de uma cidade ecológica, como o Eng. Jorge Nunes, presidente da câmara de Bragança, pretende ou noutro tipo, como qualquer tema que venha a ser encontrado mas, Bragança tem de se encontrar, tem que se redefinir… têm de decidir qual é o seu objectivo, dado que há uma coisa que é certa, à maioria dos serviços públicos que hoje sustentam Bragança e vila Real, em cada 100 habitantes da cidade, trinta e oito são funcionários públicos em Bragança, e trinta e sete em Vila Real. Este número está a descer, nunca mais vai subir, portanto significa, na prática, que temos que buscar outras alternativas de sustento da própria cidade. Por outro lado, a estabilização dada por uma câmara municipal durante alguns anos, está a diminuir. A maioria dos serviços oferecidos pelas autarquias, estão a ser privatizados, por exemplo, os serviços dos recintos locais, a jardinagem, etc.
A tendência, hoje, normal e natural é privatizar a maioria dos serviços porque saem mais baratos e saem melhor qualificados para o utente. Nesse sentido, Bragança tem de se encontrar, e já vimos que o comércio tradicional não foi uma solução feliz porque, notoriamente, está a diminuir, algum está a manter-se, mas com grande dificuldade, portanto, há que encontrar uma especialidade para esta terra e eu quero deixar o meu juízo valor. Esta terra tem um caminho que é o tal turismo da tranquilidade. O turismo do Algarve é o turismo das massas. Hoje, devemos apostar num turismo de selectividade que vamos ter a muito curto prazo, nós transmontanos… não estou a dizer a câmara, nem o governo civil. Não! Estou a dizer, nós, cidadãos de Bragança… temos de encontrar alternativas e uma delas é o turismo… hotéis de melhor qualidade, quantos mais vierem melhor, porque não é a concorrência que já vimos que faz diminuir, pelo contrário, fá-los aumentar em termos de gratificação para quem os utiliza e equilíbrios de preços. Temos que encontrar investigadores que venham fazer campos de jogos, que venham permitir trazer pessoas…

O golfe que está na moda…

Exactamente, e era a esse que me queria referir. O campo de golfe mais próximo daqui, é o do Vidago. É um campo de 9 buracos, é um campo que, neste momento, já não sustenta os grandes jogadores. Todos querem um campo de 18 buracos. Bragança tem espaço, tranquilidade, vivência e bom tempo para essas situações. Essas especificidades, obviamente, Bragança tem que as encontrar e, a par dessas, outras ideias que venham.

O que o levou a seguir engenharia agrícola?

É engraçada a sua pergunta. Tenho de lhe dizer o seguinte: não tinha nenhuma vocação agrícola, nenhuma, é apenas uma tradição, da minha casa. O meu tio Martins da Cruz é uma pessoa que se formou em agronomia em Lisboa. A minha tia, casada com ele e que se conheceram em agronomia, infelizmente já falecida, também cursou agronomia e, no decorrer das conversas, sabemos o que é a influência dos mais velhos, daqueles que nós admiramos, que gostamos, no sentido de alguma forma, dar alguma perspectiva aos mais novos. Sempre tive no meu tio uma conduta a seguir. O meu tio era aquela pessoa que saía de Bragança para Lisboa, que conduzia o seu próprio carro… era aquele que eu gostava de imitar e, portanto, naturalmente, aconteceu que, quando me fizeram uma pergunta, aquelas perguntas que os professores fazem na turma, “o que é que tu queres seres quando fores grande, quando fores para a universidade?”, naturalmente respondi “Quero ser agrónomo.”
Eu próprio me espantei, porque não tinha nunca pensado nisso, mas era no subconsciente, a conduta de imitação do meu tio; digo-lhe que foi quase por acaso, esta situação. Na realidade dei-me muito bem, sendo que, dentro da área de agronomia, há diversas especializações e a especialização que, inicialmente, fiz foi a de mecanização porque gosto da mecânica. Busquei a minha especialização na mecânica mas o decurso da vida levou-me, infelizmente, a nunca mais trabalhar em mecânica e a trabalhar na área de recursos humanos. Hoje tenho uma boa formação. Por isso é que entendi fazer o mestrado de relações internacionais, porque a minha busca foi compensar uma lacuna, que eu tinha, na minha formação académica.
Quando iniciei a minha carreira na função pública, não me senti limitado nos conhecimentos, para mim foi limitante a forma de como tratar as pessoas e, por isso, fui buscar uma compensação para esta lacuna que tinha, recursos humanos. A dificuldade foi como entender as pessoas, as dificuldades, as suas lacunas, como tentar dar-lhe mais energia, motivá-las, exercer uma liderança. Eu sentia que a vida académica nada me tinha preparado para isso. Foi a situação que eu defrontei, a primeira vez nos serviços agrícolas, em que aparecem aqueles casos em que fulano zanga-se com fulano e, como é que se resolve isto? Como é que se encontra uma situação de estabilidade? Como é que se compensa emocionalmente alguém, que é nosso parceiro de trabalho e, dentro da sua família, está com problemas? Este tema de equilíbrios, foi algo onde sempre tive uma enorme sensibilidade e, olhando para trás, infelizmente, a vida académica não nos prepara para resolver estas situações.
Deixe-me só dizer-lhe o seguinte: Acho extremamente importante o facto de este governo ter decidido que o inglês era uma disciplina básica e essencial a nível do nosso ensino. Eu quero que as relações humanas, a ética comportamental, possa vir a ser algo que também seja essencial, a nível da nossa formação, para que os nossos jovens entendam a forma de se ligar e de aceitarem as diferenças no trabalho, na vida completa das pessoas… eu senti essa lacuna.

Como engenheiro agrícola, reconhece com certeza, muitos problemas na agricultura transmontana, entre os quais destaco, o cancro do castanheiro. O que se poderá fazer para resolver este grave problema?
Estamos a entrar num domínio, que é domínio da investigação. Vamos tocar numa ferida extremamente interessante. Relativamente à forma como a investigação é feita, pouco vale se ela não for passada para o exterior. Não tenho dúvidas nenhumas de que as unidades de investigação que temos aqui a nível de todo Trás-os-Montes e Alto Douro, o caso da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o caso do Instituto Politécnico de Bragança, têm conhecimento e capacidade para poderem prevenir e poderem, de alguma forma, defender-se, não só sobre esta situação que me colocou.
A questão da tinta dos castanheiros, que é extremamente importante, porque a nossa mancha de castanheiros é algo que tem tanta importância, que sustenta uma parte importantíssima da população agrícola e, de tal forma, que culminou numa secção vertical, em aparecer uma unidade de transformação que é a Sortegel, que trabalha hoje só na castanha, a nível de nordeste transmontano, indo buscar castanha, não só ao distrito de Bragança, como também ao distrito de Vila Real e aí pode ver-se a importância com que ela está hoje e a importância desta cultura.
Voltando atrás, o meu raciocínio é claro. De nada vale investigar se não conseguirmos passar essa investigação para o exterior. De que é que valeria a Pasteur, descobrir a penicilina, se não a tivesse divulgado? Hoje, a preços baratos, podermos tomar a penicilina, e curarmos qualquer infecção. A verdade é que a informação que eu tenho, a informação vinculada por responsáveis das duas instituições, quer o politécnico quer a universidade de Trás-os-Montes, é que há técnicas capazes de poderem diminuir essa probabilidade de doenças dos castanheiros.
Na prática, sem qualquer tipo de crítica feita agora de alguma forma suave, sentado no sofá aqui convosco, a verdade é que a prática nos diz que esta informação não chega ao agricultor. O que é que falha? O que é que há ali?
Aquilo que eu tenho visto, é que anda aqui um género de bola de pingue-pongue. As unidades universitárias, o caso do politécnico e da universidade Trás-os-Montes e Alto Douro dizem que a responsabilidade da extensão de informação não é deles, é do Ministério de Agricultura.
A verdade é que o ministério da agricultura, diz que há um divórcio enorme entre estas unidades e, no meio disto tudo, o agricultor fica sem informação e os castanheiros morrem. Cada vez mais há maior diminuição e, entretanto, qualquer dia estamos perante uma situação de não sabermos o que é que aproveitamos.
Na realidade, além do papel local da câmara municipal, do instituto politécnico, da universidade, há o papel do governo, do ministério da agricultura. O governo, através das suas tutelas, juntamente com o ministério da ciência e tecnologia tem que obrigar-se a justificar a sua existência para que valha a pena, a nós cidadãos. Coloco-me agora no papel de um agricultor normal em me mostram belas salas de investigação, qualquer que seja a unidade. Dizem-me três ou quatro coisas, face a determinadas condutas agrícolas para que nada disto se venha a passar. “Utilize este tipo de castanheiros que não são certificados e que não têm doença.”. Nem isto o agricultor sabe porque vão ser vendidos todos os dias (no caso de Bragança a 3, 12 e 21, que são as feiras aqui realizadas), são vendidos castanheiros que nós não sabemos se são ou não são possuidores da doença do castanheiro. Para haver essa informação, teria que haver exigências nos mercados, certificação de qualidade.
Por exemplo, eu quando vou a uma farmácia tenho a certeza que os remédios que lá são vendidos passam por uma entidade que se chama Infarmed que é o que autoriza a venda. Porque é que eu quando vou a uma feira não tenho a certeza de que os castanheiros que lá são vendidos são certificados, têm ou não doença?
Isso compete às autoridades locais. Se não o conseguem fazer e, pelos vistos, não conseguem… há não sei quantos anos existe o politécnico de Bragança, há não sei quantos anos é que existe a UTAD em Vila Real e basta fazer a pergunta a qualquer agricultor “O senhor sabe aonde é que pode comprar castanheiros certificados, isentos de doença? Sabe quais são as técnicas que deve fazer e deve praticar para que não haja doença.” Esta resposta tem ficado no vazio e basta que haja um agricultor a dizer que não consegue.
Porquê? Porque lhes falta informação e, portanto, nesse aspecto, suponho que o passo a seguir já não é só completar as docências, os mestrados, os bacharelatos, os doutoramentos que são essenciais para que uma escola se concilie não tenho dúvidas nenhumas mas, agora, é tempo de passar essa informação para fora. É tempo das unidades de investigação dialogarem com a realidade que as envolve.
Esse diálogo não é só através de dias abertos, não é só através de mostrar a instituição às pessoas de fora. É dialogar com os agricultores, com as outras entidades… é dizer o que nós lhes podemos ofertar, o que é que nós podemos fazer no sentido de melhorarem e, neste caso, o instituto politécnico, dado que tem três escolas, a Escola Agrária, a Escola de Tecnologia e Gestão e a Escola Superior de Educação, têm que dialogar com as restantes entidades no sentido de melhorar essa qualidade.
Estou aqui para ir buscar esta expressão apenas e só porque, estando ligado a uma instituição, ligado aos empresários através de um núcleo empresarial da região de Bragança, notoriamente, a ligação desta entidade com o politécnico, devia ser uma ligação, quase diria, umbilical, para dizer que é que os empresários de Bragança, em termo, podem beneficiar. Por exemplo, cortem melhor o alumínio, como é que se harmoniza, o que é que devem fazer no sentido de melhorar a sua competitividade e não estarem à espera que os espanhóis cheguem e lhes apresentem as novidades a preços mais baratos.

Há investigação, mas não há depois a passagem dessa descoberta para quem precisa dela.

Exactamente. Os dias abertos da instituição, os dias de ligação a essa instituição de investigação, devem ser a normalidade da instituição. Uma instituição de investigação não pode estar apenas a fazer formação superior aos seus alunos, tem que os integrar. A melhor maneira de os integrar é chamar os empresários, mostrar aos empresários as novas técnicas para fazer esse quotidiano da vida.
Deixe-me dizer-lhe isto de outra forma. Que rentabilidade é que o estado português tira dos estágios profissionais dos jovens licenciados, quando alguns deles vão para as empresas tirar fotocópias, enviar faxes e enviar e-mails quando, o que eles deveriam fazer nos estágios profissionais, era colocar algum do seu saber académico dirigido às empresas, para que os empresários sentissem a necessidade de dizer assim: “Eu, empresário que tenho a 4ª classe ou tenho o 9º ano sinto que tenho necessidade de ter um licenciado ao pé de mim, pois o ganho não é só para ele, mas aumenta-me também o meu rendimento”.
Essa é que é a lógica, porque não há nenhum empresário que junte um jovem ao seu lado sem lhe trazer rendimento. Claro que não traz pois as empresas não são para fazer serviço social. Isso fazem as santas casas e outras entidades do género, agora, as empresas são para dar lucro e esse lucro vem do trabalho, pela produtividade. Logicamente, o empresário que tenha só formação académica de base, precisa do jovem licenciado, mas só quando este lhe traga mais rendimento, mais produtividade. A escola não pode estar a abandonar os seus jovens como o está a fazer agora. Esta escola chama-se politécnico, UTAD, ou outra qualquer do Porto. Os jovens não podem ir para as empresas tirar faxes, mandarem e-mails pois essa não é a sua função.

A terra fria é rica em produtos de grande qualidade e especificidade, a castanha, talvez, a mais importante mas, também, os grelos de nabos do concelho de vinhais que estão a fazer sucesso pelas terras de França e todos os outros produtos de excelência que, felizmente, possuímos. Fale-nos disso.

Os exemplos que aqui vou dar integram-se todos numa grande vertente que são os chamados produtos biológicos e é verdade que hoje se defende com grande expressão o produto biológico, ou seja, aquele produto que não necessita de nutrientes químicos para poder crescer, desenvolver-se e aparecer no tempo em que o mercado o recebe.
A verdade é que nós temos uma enorme sorte, só que ainda não a desenvolvemos, que é o facto de a grande maioria dos nossos produtos serem biológicos, pois a grande maioria dos produtores não trata os produtos com nutrientes em excesso.
Porque? Porque nós não temos uma política de produção violentíssima, como faz a Espanha, em que rega o terreno com produtos químicos para que antes do tempo apareça o produto. Todos nós sabemos naturalmente que o nosso morango só aparece em finais de Maio, em tempo normal. Quando aparece em Janeiro é porque é produzido em estufas, vitaminado através de nutrientes de forma intensiva, regado e acondicionado. Esse morango não é biológico, é o morango produzido para responder às necessidades do mercado em determinado tempo. Hoje, a grande moda, cada vez mais, porque se procura a saúde, procura-se a defesa de valores, de uma tranquilidade de vida e de uma qualidade de vida, defende uma regra alimentar que se baseia em alimentos que tenham condicionantes e esses condicionantes são poucos nutrientes químicos e, de alguma forma, produzidos pela própria natureza. Significa que Trás-os-Montes, quase todo ele, está incluído nessa grande mancha em que ainda produzimos produtos biológicos. Portanto, quem compra esses produtos biológicos são os mercados urbanos, notoriamente.
Então os grelos, os nabos, deste sítio ou daquele estão a ser adquiridos no mercado Francês, ou no mercado Espanhol ou noutro sítio qualquer. Claro!
Há mais de 20 anos que o centeio de Bragança é recuperado através de uma moagem local e vai para Espanha, porquê? Porque, em Espanha, hoje dá-se valor ao pão natural e o pão natural é o pão de centeio. Quando nós andávamos nestes 20 anos à procura do molete, cada vez mais branco, já os espanhóis andavam a procura do pão cinzento que é o pão de centeio, com sabor e hoje estamos a regressar um pouco às origens.
O que é necessário é criar o canal comercial da produção local mas, colocá-lo em pequenos mercados, que estes mercados nos grandes centros urbanos estão disponíveis para pagar um alto preço. Pagam a mão-de-obra local, pagam o produto considerado produto biológico é evidente. Nesses mercados é que é necessário fazê-lo.
Deixe-me dizer-lhe o seguinte. É por isso que existe hoje uma cadeia de hipermercados que criou o clube dos produtores, ou seja, é quase o dois em um. Os grandes hipermercados vendem quantidades mas, lá dentro, há um pequeno espaço que diz assim: “Este espaço vende do clube de produtores.”
E o que é o clube dos produtores? É o Sr. Manuel, o Sr. Joaquim é a Adelaide… são produtores que produzem determinadas produtos que são lá colocados, que são biológicos ou foram produzidos de forma perfeitamente determinada, em que sabemos que aquele produto vem do produtor para o consumidor por um canal comercial.
Esse é o grande futuro de Bragança, da mesma maneira que temos um sucesso com a autarquia de vinhais que promoveu o fumeiro local, feito com um caderno de encargos bem definido, apoiados numa unidade de investigação, como é o caso da UTAD, um belo exemplo de sucesso. Criou depois um canal comercial que é uma feira de grande sucesso. Este tipo de feiras permite-nos entrar nos grandes mercados, com determinados produtos, onde não temos qualquer tipo de concorrência. Não há concorrência para o fumeiro de Vinhais e para o fumeiro de Montalegre. Não vai haver concorrência para a castanha de Bragança. É preciso especializar-nos nesse tipo de produtos e depois levá-los aos mercados de grande consumo, o caso do Porto, Lisboa e o caso do estrangeiro, como é óbvio.

O nosso lúpulo é sem dúvida um produto de grande qualidade, no entanto não parece ser atractivo para os nossos agricultores. A que se deverá essa situação?

Bem, essa é uma pergunta interessantíssima. Do ponto de vista pessoal é gratificante até, devo dizer-lhe. O lúpulo, a grande quantidade de lúpulo, que era produzida aqui em Bragança, chegamos a ter quase cento e dezassete hectares de lúpulo a nível do concelho de Bragança e ainda uma manchazinha muito pequena passando para Vinhais, teve uma produção de grande vitalidade e entretanto começou a cair e, aliás, quero dizer isto, especialmente, para quem me possa ler, que só havia duas zonas em Portugal a produzir lúpulo, Bragança e Braga. Já agora, com uma questão de coincidência técnica, dar-lhe a seguinte: se imaginar uma linha que liga Bragança e Braga, os nossos ouvintes compreenderão, que o lúpulo começa a produzir a partir do momento que cessa a produção do vinho. Esta linha, que de alguma forma, nos pode unir, a produção da vitris-vinifera (a planta do vinho), precisa de uma certa quantidade de calor e de dias de sol que começa a extinguir-se nesta zona pelas cotas de altitude e é a partir daqui que o lúpulo se começa a desenvolver. Não é por acaso que em Espanha, a zona de maior produção é a zona de León, com cerca de cento e cinquenta a duzentos quilómetros a norte de Bragança.
Vamos às coisas práticas: até cerca de 1985 o lúpulo teve uma grande dispersão em Bragança e a partir daí começou a diminuir. A pergunta que se faz é qual a razão ou as razões principais para isto se passar. Há diversas razões, uma das principais que não é controlável pelos produtores, é que a variedade que nós produzíamos em Bragança é uma variedade com a designação de “briolgold”, que tem o valor de acidez, em termos de cerveja, extremamente elevado e, ainda por cima, é uma variedade de amargo e o gosto dos consumidores, a nível de cerveja, variou e o consumo de cerveja a nível mundial mudou também, sendo que os jovens gostam da cerveja com menos amargo e um pouco mais doce, as chamadas beater, então significa que o nosso lúpulo entrou em diminuição de concorrência a nível do mercado mundial. Este não seria um problema muito grave se houvesse, mais uma vez, investigação técnica e dizer ao agricultor de Bragança que “a variedade de lúpulo que vocês têm não tem saída.” Qual é a alternativa? Temos aqui alguma alternativa a planear? Bem, a verdade é que não houve alternativa, quando veio a alternativa, o nosso lúpulo já não tinha qualquer cotação no mercado, pois é um problema de desfasamento temporal.
A forma como se planta um hectare de lúpulo significa que, entre tirar a variedade que já não presta ou que já não tem validade comercial e colocar a nova, distam três a cinco anos. Havia que estabelecer protocolos e figuras financeiras para sustentar estes agricultores durante cinco anos, porque eles tinham que fazer as regas, as montas, as sachas, iam fazer tudo igual, só que não tinham produção… e como é que se sustentam? Sustentam-se através do subsídio do estado. Pois bem, isso tudo foi feito mas, infelizmente, foi feito com tal atraso que a grande maioria dos agricultores não conseguiu sustentar-se e abandonou a cultura.
Também é verdade que a grande empresa que era a Lupulex, estou a falar em diversos argumentos, só estou a falar nos mais importantes, porque há outros mas o tempo é escasso e, portanto, vamos aos mais importantes. A empresa Lupulex, de alguma forma, era uma empresa comercial que não era sustentada pelo estado e que não consegue aguentar-se se não houver lúpulo, como é normal. Tem um quadro técnico de apoio de armazém em Braga e em Bragança, já estava confinado a Bragança. Mas, entretanto, se não há lúpulo o estado podia ajudar os agricultores, mas como a Lupulex é uma empresa privada, não recebeu ajuda e, como não teve senão outra alternativa, ela própria não encontrou solução e a produção começou a definhar, de tal forma que, quando começa a haver alternativas, a Lupulex está reduzida a um quadro de técnicos a nível de Bragança. Os produtores de lúpulo querem voltar, mas só aparecem meia dúzia deles e portanto deixa de ter expressão. Em suma, direi que neste momento, não é, infelizmente, um quadro de possibilidades para o regresso à produção de lúpulo, até com os mercados abertos como nós estamos na Europa comunitária e com o acordo que foi feito com a China que exporta o lúpulo a um preço, como exporta bicicletas e como exporta tudo, obviamente, para o continente europeu e exporta lúpulo a um preço que nós não conseguimos produzir, estamos perante uma situação em que um colega me poderia fazer esta pergunta: “Será que a produção de lúpulo pode vir algum dia?”
Só se fecharem as fronteiras há China e se a exportação da China for considerada uma exportação em que pague algo, com os direitos de entrada, porque, neste momento, produzir lúpulo em Bragança ou em Braga face à exportação que vem da China, muitíssimo mais barata, não temos hipótese.
A terminar digo-lhe o seguinte. Estou, com alguma angústia a descrever este quadro, porque era a cultura que em 1985, tinha a maior rentabilidade no distrito de Bragança. Nós, fruto destas questões que acabei de descrever, acabámos por perder a cultura de maior rentabilidade, com investimentos fortíssimos que tinham sido feitos.

Outro exemplo, mais remoto, o concelho de Vinhais cujo nome indica terra de vinho, que neste momento só produz vinho para consumo particular. O que terá conduzido a esta situação?

Vamos lá ver. A especialização das próprias produções leva a que, na realidade, a produção de qualquer coisa, qualquer coisa seja vinho, seja outro tipo de produção, seja feita em unidades mínimas de rentabilidade. Quando havia excesso de mão-de-obra, no século passado, até 1950, obviamente que era possível produzir a custos baratos nas pequenas leiras, como lhe chamamos nas nossas terras porque era mão-de-obra intensiva.
O distrito de Bragança chegou a ter duzentas e cinquenta e cinco mil pessoas, hoje, está reduzido a cento e cinquenta mil, tem menos 100 mil habitantes, o que significa menos capacidade de trabalho da própria terra. Por isso é que, falando com gente de sessenta e setenta anos, eles nos apontam para as cabeças dos montes e dizem-nos que ali semearam cereal. Hoje está abandonado, estão lá as estevas, esta lá mata, porquê?
Porque, na realidade essa mão-de-obra que foi para o Luxemburgo, para Paris, enfim para toda a Europa, largando Trás-os-Montes, a imigração fez a diminuição desse trabalho. Para o sustento das próprias famílias era necessário produzir vinho, azeite, etc.
Outro problema muito grave deve-se à partição da terra. Um pai com quatro filhos dividia o olival em quatro, a vinha em quatro… como consequência, a unidade mínima de cultura não se consegue encontrar, porque está tudo partilhado. É uma questão de cultura da partilha, porquê?
Porque a visão cultural desse pai, quando fazia as partilhas era dar o sustento mínimo a cada um dos seus filhos, dar-lhe um bocadinho de vinho, dar-lhe um bocadinho de azeite, um bocadinho de terra para a lenha e um bocadinho de lameiro, etc.
Hoje, estamos perante uma expectativa que é totalmente diferente. Quer dizer, eu não vou desgraçar quatro filhos, dando-lhes unidades que não conseguem ser rentáveis. Vamos ver qual deles tem perfil para ser agricultor, para ficar com as terras todas e os outros vão ser professores, vão ser trabalhadores para qualquer sítio porque, dividindo a terra como era dividida, não dava essa unidade de cultura.
No caso de Vinhais, com um concelho fortissimamente povoado, há cinquenta, sessenta anos atrás, era óbvio que encontravam diversos tipos de situações que, notoriamente, hoje desapareceram e que vão continuar a desaparecer. Espero que nas próximas gerações, daqui a quatro ou cinco gerações, haja possibilidade de a média, no distrito de Bragança, passar de 6,3 hectares por agricultor para 15 ou 20 hectares porque, esses sim, esses agricultores com 15 ou 20 hectares podem ser rentáveis.
Hoje, o termo lavrador desapareceu da nossa terra, porque não há lavradores, não há terra, temos meia dúzia deles ou seja, o lavrador é aquele que vive da própria terra. Hoje desapareceu por causa da partilha da terra, mas quero acreditar que, daqui a algum tempo, aqueles que decidirem ser lavradores possam ficar com unidades de rentabilidade. Porque é uma profissão de prestígio, de dignidade, coisa que no nosso tempo desapareceu devido a capacidade financeira dos lavradores e dos agricultores.

Caminhando agora pela terra quente, vem-nos à cabeça a oliveira, a amendoeira, a cerejeira e muitas outras árvores de fruto, de grande qualidade. O que deveremos fazer para que desta riqueza e diversidade possamos tirar o melhor proveito?

Faz-me uma pergunta directa e eu vou responder directamente, de uma forma rápida. Os azeites têm que ser protegidos a nível da terra quente porque são o ex-libris de toda a terra quente. O azeite transmontano tem qualidade e já tem, neste momento, caminhos comerciais que lhe garantem o seu sucesso em qualquer área de hipermercado da nossa terra. Aqui em Bragança encontram-se azeites do Prolagar. Estou a falar em nomes comerciais, que me perdoem os outros azeites de boa marca, como o que encontro em Alfândega de Maria do Carmo Aragão já disponível em qualquer hipermercado.
Com muito orgulho o digo, porque sendo de Bragança, sou transmontano e fui encontrar fora do pais, num encontro em Madrid um azeite, em que um espanhol me diz com alguma satisfação, (ele trata-me por António, pois somos colegas da mesma área)… dizia-me “António, vem aqui ver um azeite da tua terra”, e o azeite que eu fui encontrar é uma garrafa que estava a ser perfeitamente admirada, por ser diferente de todas as outras que estavam lá, e estavam representantes da comunidade europeia, mas aquele era distinto, porque era o primeiro azeite que tinha um rótulo em Braille. Era um azeite de Alfândega da Fé, da empresa Maria do Carmo Aragão e, portanto, essa foi uma distinção que me honrou, pela natureza da minha terra e este é o caminho a seguir.
Falou aí da amêndoa, que é um produto de alta qualidade mas, quando os americanos decidem exportar amêndoa para a Europa, o preço baixa muitíssimo e os nossos produtores ficam objectivamente em dificuldades. Que caminho seguir perguntarão. Não podemos impedir que os americanos coloquem aqui a sua amêndoa mas, agora pergunto: Quando vou aos restaurantes da nossa terra, Bragança, Macedo, Mirandela, Moncorvo, Alfandega, põem-me me o pudim de Abade de Priscos, que é o de Braga, põem-me outros pudins e outros doces de outras terras, porque é que não aparecem os bolos de amêndoa? Dou um exemplo. Há um restaurante em Mirandela que oferece uns bombons de azeite. Ouviram bem, uns bombons cujo recheio é de azeite, um azeite de baixíssima graduação, que na mistura com o chocolate faz um ligação perfeita e desenvolve um produto que notoriamente, Mirandela pretende seguir. É este desenvolvimento que nós temos que fazer.
Moncorvo encontrou a especialização através da amêndoa torrada que hoje é o ex-libris a nível nacional. Pois bem, Alfândega, Macedo, Mirandela, Vila Flor tem que buscar esses ex-libris. Como lhe digo, deve haver uma carta de doces com produtos naturais da região.
Que venham a Trás-os-Montes porque se come uma boa posta, temos boas alheiras de entrada e há aqui uma doçaria que é uma doçaria típica; eu gosto muito do pudim abade Priscos, mas não é da minha terra, da minha terra, notoriamente, são os doces à base de amêndoa, que são deliciosos em qualquer casa mas, depois, não passam para o restaurante. Toda a gente em casa sabe fazer belíssimos doces de amêndoa, mas depois para a produção comercial, para o canal não saem, e é isso que objectivamente nós temos que fazer.

O Vale da Vilariça é referido a nível nacional como sendo um paraíso agrícola, no entanto, a mais valia que representa ainda não é uma aposta completamente ganha, porquê?

Como tantas outras coisas, no vale da Vilariça temos exemplos fortíssimos de sucesso e olhamos para aquele panorama agrícola e perguntamo-nos porque é que não se desenvolve mais. Por exemplo, há uma associação de jovens a nível de Vilarelhos que na realidade, hoje, exportam melão e outro tipo de produtos para grandes cadeias de hipermercados e fazem desse canal comercial o sustento da sua empresa. Hoje, no vale da Vilariça, já temos pequenos empresários agrícolas a viverem exclusivamente de produtos que colhem e que conseguem colocar nos canais comerciais. Ora, eu aqui quero fazer uma interrupção. Esses grandes hipermercados não compram pelos bonitos olhos dos empresários, compram, sim, porque o produto tem qualidade. Significa que, se esses jovens têm sucesso, outros podem vir a tê-lo. Pergunta mas porque é que não vêm?
 Não vêm porque, na realidade, há algo que falta por parte do estado e algo que falta por parte dos particulares.
 Vamos ao estado: já se fizeram duas barragens a nível da Vilariça e, perdoem-me esta pequena comparação. Eu entrei para o ministério da agricultura em 1979. Já na altura se falava na conclusão da rede primária e secundária de rega do Vale da Vilariça que, ainda hoje, não esta concluída. É das tais coisas que vale a pena dizer, não me doa a mim a cabeça até lá porque, se calhar, vai-me doer durante um tempo mas, infelizmente, como tantas outras coisas, esta sucedeu e, portanto, o estado aqui tem um papel primordial. Tem que colocar disponibilidades de água para que os agricultores e os empresários possam fazer os seus investimentos.
Na área dos empresários, é necessário que tenham consciência de que na realidade, quando o estado, através do dinheiro dos contribuintes, põe água para fazer investimentos, essa água tem que ser paga não pode ser gratuita. Não podem pagá-la integralmente com os custos da bombagem, mas têm de pagar uma parte e, portanto, isso é algo que o estado também tem que frontalmente assumir.
Direi de outra forma. Se quando eu estou em Lisboa, ao pagar um bilhete de metro, só pago 50% do preço real, também quando estou na Vilariça, ao utilizar um metro cúbico de água, não terei obrigação de o pagar literalmente, mas terei que pagar uma parte dele. Se há custos sociais e subsídios para a gente de Lisboa para andar no metro e nos autocarros, também tem que haver subsídios para que os transmontanos possam fazer a viabilidade de alguns dos seus produtos. Isto para mim é claro.
Tenho que entender que do lado transmontano dos produtores tem de aparecer algum atrevimento, algum risco dos jovens, têm de fazer qualidade e levarem-na aos privados para a comprarem. É necessário prover a renovação de gerações. O Vale de Vilariça é igual à terra fria e à terra quente e ao vale mirandês. A média de idades dos agricultores é extremamente elevada. Não se pode pedir a alguém com sessenta ou setenta anos que arrisque, e que vá ao banco, e que assine, culturalmente não pode. Mas, por outro lado, também não se pode pedir a gente de sessenta e setenta anos que largue a terra, que a entregue a outro, já que é o seu único sustento. Ainda estamos nesta fase de geração de difícil passagem para o lado de lá, agora não vamos ficar sentados à espera.
Acho que há, neste momento, um grande espaço de manobra para que os institutos de investigação e o ministério da agricultura, e as associações comerciais do nosso distrito, as associações não podem ser só associações comerciais, tem que ser também câmaras de agricultura, que apoiem esses jovens, incentivem esses jovens no sentido de eles virem a aparecer, porque há muita boa gente que anda aí a trabalhar no Porto e em Lisboa na construção civil, forçados e que gostariam de vir para a sua terra desde que tivessem um caminho, que lhe dessem um caminho. Por vezes, esse caminho às vezes tem de ser ajudado, tem que ser outros mais velhos, mais experientes a saber os canais.

Fale-nos agora, deixando a agricultura de lado, da sua experiência enquanto governador civil?

Já lá vão uns anos… em 1995, já lá vão dez anos. A experiência como governador civil foi gratificante do ponto de vista do exercício do cargo. Recordo com saudade, do ponto de vista de realização. Estes dez anos levam-me a dizer que, na realidade, o cargo de Governador Civil é um cargo exaustivo, não só pelo trabalho que tem que se fazer para se conseguir impor junto de Lisboa. Estou a falar pelo meu caso, não falo pelos restantes. Lisboa nomeou um Governador Civil como um delegado no governo e depois pretende que esse delegado local seja sossegado, tranquilo e de alguma forma seja um amortecimento das críticas, não só de Lisboa para Bragança mas, também, de Bragança para Lisboa. Isto é extremamente difícil no país que nós temos.
Ser Governador Civil em Lisboa é fácil, deixe-me comparar. Porque está lá todo o governo, um governador civil só vai às falhas pequenas. Ser governador civil de Bragança é ser o representante de todo o governo não para as coisas boas, porque quando acontecem coisas boas vêm os membros do governo anunciar, mas para as coisas más que é necessário dizer como por exemplo “tirar o comboio, não fazem aquela escola, vão dar um subsídio que prometeram e é dividido em quatro”. É esta expressão que normalmente Lisboa pretende, que a continuação do seu representante a execute bem.
Temos que aceitar esta regra, temos que lhe dar a volta como o fazemos nas coisas desagradáveis da vida e fazer boa cara, andar a falar para Lisboa no sentido de vir mais dinheiro aqui para cima para resolver um problema. Portanto, é um cargo na realidade que acaba por ser um cargo vazio ou bem preenchido, de acordo com a personalidade que está em causa, o governador civil pode nada fazer porque o seu governo diz-lhe para estar sossegado ou pode ser irrequieto, mexido, no sentido de ir buscar a Lisboa aquilo que Lisboa tende demorar a dar. Todos nós, na vida, temos experiências boas ou más. Houve membros do governo durante o exercício do meu cargo que, durante a noite lhes telefonava. Havia algum problema e eu pedia ajuda para resolver e tive outros membros do governo que nem com o chefe de gabinete conseguia falar.
Era difícil, isto vai do feitio das pessoas, não podia dizer nada na altura porque não nos ficava bem, não nos restava outra saída. Hoje posso dizer que, na realidade, um governo é como tudo o demais na vida, funciona de acordo com as personalidades, com os caracteres, são seres humanos e, portanto, têm as suas quebras e os seus problemas como todos nós temos. Olha-se para um governador e se lhe dessem objectivos, se lhe dessem uma estratégia, mas infelizmente o governo não dá esses objectivos, têm que ser definidos pelo próprio detentor do cargo, e portanto, nesse aspecto eu critico a manutenção dos governadores civis tal como estão neste momento, tal como eu exerci. Suponho que ainda o exerci, deixe-me fazer esta comparação, em bom tempo. Como se costuma dizer em Trás-os-Montes e porque eu me recordo do ex. Primeiro-ministro António Guterres quando deu posse aos governadores civis no primeiro exercício do cargo dele, nessa secção ele disse: “Eu estou a nomear os últimos governadores civis “. Eu achei erradíssima essa expressão, porquê? Porque era retirar a autoridade a um governador civil, que tutela as autoridades policiais. Não se pode entrar num lugar e dizer sois os últimos, portanto ide embora, porque ninguém lhe reconhece autoridade, então não vale a pena nomear nesse aspecto. Mais grave isto fica quando, a seguir, vem outro governo de outra cor política (PSD), e mantém os governadores civis quando tinha dito o contrário que, também, era para extinguir e a seguir vem um governo do partido socialista e continua a nomear governadores civis, em que não aumentou nem uma responsabilidade e continua a não dar dinheiro, então o que é que pretendem afinal?
Repare, há uma situação aqui que pergunta o que é que fazem hoje os governadores civis, eu digo-lhe claramente, poderiam fazer muitíssimo mais. O quarto quadro comunitário de apoio que vai começar a ser exercido em 2007, 2013. Que é que se passa relativamente a isso? Passa-se uma situação clara, estamos a definir as verbas para as regiões. Neste momento cada presidente da câmara não sabe o que se passa, tinha que haver aqui um traço de união, quem era esse traço de união era o governador civil, não é tido nem achado neste processo, enfim esta era a minha ideia em relação a isto.

Assim, já em jeito de resposta rápida, como deputado da assembleia da república, sentiu as dificuldades para lutar pelo bem dos transmontanos, que no entanto continuam esquecidos, estava na mão dos políticos a luta pela sobrevivência desta região?

Não tenha dúvidas que sim, também não tenho dúvidas que nós, nos últimos anos, Bragança e Vila Real têm ficado completamente à margem dos processos decisivos, relativamente a nível de grandes investimentos do país; até pela razão de, neste momento, sendo eu militante de um partido, mas estando retirado da vida politica, digo-lhe que, após a saída do Dr. Domingos Duarte Lima, há cerca de sete anos atrás e após a saída de cena de Armando Vara do PS, o distrito de Bragança perdeu credibilidade a nível de Lisboa e perdeu autoridade. Não temos dúvidas nenhumas disso e basta perceber uma coisa clara, os grandes investimentos desta região desde essa altura desapareceram.
Passei quatro anos na Assembleia da República e tenho orgulho de, durante esse tempo, ter sido o deputado que mais perguntas fez ao governo sobre questões que na realidade eram necessárias para o distrito de Bragança mas, também, tenho a certeza de que não foi por eu fazer estas questões que o governo se incomodou a resolvê-las, também tenho essa certeza. E dizer-lhe, com alguma amargura que, quando foi necessário, havendo dois políticos do distrito de Bragança, do PSD na Assembleia, quando foi necessário fazer uma intervenção para defender e contrariar os interesses espanhóis para colocar a central nuclear em Miranda do Douro, quem falou foi um deputado do Alentejo. Isso expressa bem a solidariedade que, às vezes, os grupos parlamentares têm com os deputados do distrito. Interessava-me que aquele deputado brilhasse. Nós, deputados do distrito, fomos esquecidos e não fomos falar daquilo que era o nosso distrito. Isso é o exemplo de que, por vezes, a pequena política interna, altera aquilo que são os desígnios a nível do próprio parlamento. Portanto, não acredito num parlamento que não tenha capacidade muito menos a imposição da defesa intransigente daquilo que sejam os grandes investimentos para o distrito de Bragança, não acredito.

Para finalizar, qual a personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?

Bem, quero-lhe dizer o seguinte, para não ser ingrato com ninguém. Deixe-me falar da minha vida profissional. Acabei por lhe dar já a primeira personalidade que foi aquela que me orientou de alguma forma para a minha formação académica, o meu tio. Notoriamente, foi a pessoa que me influenciou, foi a pessoa que me deu os discos do Zeca Afonso, a ouvir. Foi a pessoa que notoriamente me deu algumas escolhas. Inclusive recordo-me que o primeiro perfume que eu utilizei foi o Paco Rabane, porque o meu tio usava o Paco Rabane. Veja a sensibilidade que eu tinha para o mais velho, porque não tinha opções definidas e foi a figura que me marcou.
Em termos do Ministério da Agricultura, a minha primeira profissão, foram, na realidade, as pessoas que me acompanharam. O meu primeiro chefe, uma pessoa com exigência, com rigor, mas com ligações afectivas, que nunca mais me esqueci. O engenheiro Fernando Madureira, foi uma pessoa com tal rigor e a sistematicidade de trabalho que me permitia dizer, o que é que eu sou capaz e dizer não quando não sou capaz e eu aprendi isso desde muito cedo, o que foi muito bom para a minha vida, não prometer tudo a todos, mas prometer aquilo que eu achava ser razoável e que era capaz de realizar, notoriamente foi algo que me marcou.
Além da nossa formação de casa e eu sou aqueles que tenho sorte, porque me afastei o tempo necessário para sair de casa para estudar, mas depois regressei, hoje Graças a Deus, ainda tenho os meus pais comigo, com enorme qualidade de saúde o que permite dizer que eu sou daqueles que tem a sorte, de receber telefonemas diários da minha mãe e do meu pai, para saber como estou ou não estou, para alguém que chega aos 50 anos e que tem essa sorte e continuar a contar com a retaguarda dos pais, é um enorme conforto, portanto eles são outros ex-libris na minha vida, o que permitirá manter para o meu filho, uma ligação que venha permitir-lhe essa relação. Quando não recebo o telefonema é algo que me faz falta.
Depois há sempre complementos. Eu tenho que olhar para mim e ver-me não só com a capacidade e a força que eu tenho, mas também com as minhas fraquezas. Eu sou daqueles que notoriamente, aparentando alguma fortaleza, nalgumas coisas eu tenho que ter um núcleo familiar muito forte. Eu tenho que ter a minha casa porque, nos desaires, é lá onde me encontro, portanto, eu tenho tido sorte nestes últimos 30 anos, eu sou casado desde os 20, de ter uma companheira que me ajuda, que me agarra naqueles momentos que eu sei está sempre comigo e, portanto, é uma pessoa com a qual eu sei que conto. Não pensamos da mesma maneira. Ela gosta de vermelho eu não, mas é esse complemento que eu acho a riqueza da minha vida. Quer dizer, o eu pensar de forma diferente, e às vezes as discussões, mas essa discussão é o sinónimo da força que nós somos para preencher os nossos argumentos e nesse aspecto julgo que caracterizei um pouco a minha vida.
Profissionalmente houve alguém que me fez e que me ajudou a fazer e depois tive a sorte, não só de casar jovem, mas manter esta ligação familiar que é o meu reduto e neste reduto eu sou extremamente exigente, porque é o reduto de paliçadas muito altas, quase como o castelo de Bragança. Eu resguardo a minha casa e resguardo a minha família de uma forma absoluta, porque esse é o meu reduto de tranquilidade e segurança.

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