sexta-feira, 16 de março de 2012

Entrevista: Veterinário Dr. Duarte Diz Lopes


Nasceu em Bragança na freguesia da Sé. Como foi a sua meninice e juventude?

É verdade, sou com muito orgulho natural de Bragança, mas na realidade também tenho uma ligação afectiva muito forte com o concelho de Vinhais porque a minha memória de infância está toda no concelho de Vinhais. A minha mãe era professora primária e na altura os professores primários residiam nas aldeias onde leccionavam e recordo-me muito bem, ainda antes de entrar para a primária, da minha vivência na aldeia de Soeira e mais tarde a escola primária que frequentei na aldeia de Paçó também no concelho de Vinhais e, portanto, a minha vivência de infância está muito ligada a uma realidade rural onde, como referia, os professores e os filhos dos professores tinham que residir nas aldeias e é uma realidade que está muito impregnada, hoje ainda, naquilo que eu sou.

Eram realidades de outros tempos ainda relativamente próximos…

Eram realidades, exactamente. No caso de Paçó, era uma aldeia particularmente agreste, que fica na serra da Coroa. Tenho bem presente os Invernos rigorosos, o desconforto daquelas casas antigas mas, também, por outro lado, os afectos daquela gente, as tradições que também ainda estão muito marcadas nas nossas aldeias e que na altura, dado também a quantidade de pessoas que ainda vivia nesta aldeia em particular, esses afectos eram muito marcados. Recordo-me, por exemplo, que na escola primária eram as quatro turmas numa única sala e que éramos quarenta alunos, cada fila sua classe. Era um grande desafio para o professor o ensinar as quatro classes simultaneamente e para os alunos também acarretava alguma dificuldade acrescida porque, obviamente, tínhamos que assistir às aulas das classes todas.

O facto de ser transmontano marcou-o de alguma forma?

Sim, muito. Mais tarde, depois desta vivência na aldeia da escola primária, por força de circunstâncias profissionais dos meus pais, migrámos em direcção a Lisboa. Recordo-me que, na altura, éramos perfeitamente distinguidos pelo nosso sotaque, pela nossa forma particular de falar que nos distinguia dos demais, sobretudo na região da grande Lisboa, onde esse contraste é maior, mas sempre me assumi como um transmontano, não obstante uma vivência prolongada na área de Lisboa até ao momento de concluir a licenciatura. Sempre pensei em regressar e poder acrescentar algo, aqui, à região.

Regressou, então, à terra que o viu nascer. Não se deixou seduzir pela capital…

Não, de todo, também atendendo à especificidade da minha profissão. Não que não pudesse exercê-la na área de Lisboa, mas sempre tive intenção de actuar na área também do desenvolvimento rural e com esta identificação com Trás-os-Montes e um bocadinho com o apelo da terra e com muitas memórias vivas também, que eu tinha aqui na região, nomeadamente os avós e muitos familiares, portanto acabei por tomar a decisão. Na altura, felizmente, podíamos decidir para onde é que queríamos ir trabalhar. Hoje não é bem assim. Estou a recuar dezasseis anos apenas mas, na altura, pude optar e vim trabalhar para Vinhais que, no fundo, era aquilo que eu queria.

A sua vida profissional tem-se desenvolvido num dos mais desertificados concelhos do distrito de Bragança, Vinhais, que tem apostado na revitalização de espécies autóctones, como por exemplo o porco bísaro. É esse o caminho a seguir?
Eu penso que sim. Nós temos que valorizar o que é nosso. Eu acho que, hoje, na aldeia global em que vivemos e mesmo considerando em particular toda a situação, todo o contexto agrícola em que nos encontramos no seio da União Europeia, eu acho que temos que nos agarrar ao que é nosso, que é autêntico e eu orgulho-me também de ter ajudado, de ter contribuído para desenvolver esse processo em Vinhais numa altura em que se percebeu e, falamos de 1994, que o caminho para a valorização e qualificação do fumeiro passava pela raça, pela matéria-prima. Nessa altura, também, desafiados pela Direcção Regional de Agricultura que nos apoiou bastante, lançámo-nos com esse desafio no sentido de instalar, em Vinhais, a Associação Nacional dos Criadores que tem, desde essa data, desenvolvido um trabalho meritório que hoje tem um quadro de pessoal significativo e que tem desenvolvido imensas acções, imensas actividades em prol da raça bísara mas, também, em última instância, da melhoria da qualidade do fumeiro.

O matadouro de Vinhais é um caso de sucesso. A que se deve essa situação?

O matadouro foi também um dos grandes desafios que se nos colocou em determinada altura e eu não posso desligar do que referi anteriormente porque nós, obviamente, necessitávamos de uma unidade de abate para os suínos da raça bísara. Após a instalação da Associação foi desenvolvido também um projecto de fomento da raça que possibilitou a instalação no concelho de cerca de setenta pocilgas familiares. Tínhamos algumas unidades, também, do fabrico do fumeiro e faltava-nos ali um ponto de ligação entre a produção e a transformação que era uma unidade de abate para termos o tal fumeiro que garantisse a qualidade e a segurança alimentar e, portanto, esse meio era o matadouro. Na altura, essa ideia surgiu e tenho que referir aqui o empenho determinante do Presidente José Carlos Taveira que cumpriu aqui um papel primordial. Eu acompanhei a vertente técnica e conseguimos romper com algo que até aqui, há uns anos atrás, era considerado impensável, construir um matadouro na região porque todas as informações que nos chegavam eram que o peso do matadouro do Cachão era asfixiante para o resto da região, isto é, o matadouro do Cachão tinha uma capacidade instalada de abate que dava para abater todos os animais da região. Essa circunstância asfixiava, limitava a instalação de novos matadouros na região. Nós não entendemos assim e avançamos com esse projecto. Tivemos o privilégio de trabalhar com uma empresa que se mostrou muito receptiva à nossa ideia e rompemos com o conceito de matadouro industrial para um conceito novo e o nosso foi mesmo o primeiro com conceito de matadouro de montanha onde, numa única linha de abate, se podem abater as três espécies que, até à data, não existia em Portugal.
Recordo um momento dramático que foi, após a apresentação do projecto, recebemos uma notificação da Direcção Regional de Veterinária referindo que o projecto não tinha viabilidade e havia quarenta e três pontos do projecto que tinham que ser rectificados e, nessa altura, quase que desanimamos mas não… não… quisemos continuar a reivindicar essa solução para Vinhais porque, tecnicamente, o projecto estava mais que justificado. Depois houve uma componente política onde, tal como referi, o nosso presidente Carlos Taveira foi determinante para a concretização do projecto.

Realizou-se há pouco tempo a feira do fumeiro. Até que ponto foi importante a certificação desses produtos?

Este ano realizou-se a vigésima quinta-feira. Foram as bodas de prata da Feira do Fumeiro de Vinhais. O processo iniciou-se há vinte e cinco anos atrás. Há dez anos atrás, com a questão da raça bisara, foi possível acertar um caminho que permitisse, então, a protecção comunitária e a posterior certificação dos produtos. Esse trabalho foi posteriormente desenvolvido pela Associação de Criadores de Suínos de Raça Bísara e, hoje, é com muito agrado que vemos, que constatamos na feira do fumeiro que já temos muito fumeiro que está, obviamente, com a protecção comunitária. Hoje o fumeiro é mais homogéneo, mais uniforme porque também conseguimos trabalhar um bocadinho na parte da matéria-prima. Temos uma matéria-prima mais uniforme que é o porco bísaro. Eu, sobre a Feira do Fumeiro também podia referir que temos a realidade dos produtores individuais. A feira nasceu há vinte e cinco anos atrás com o pequeno produtor artesanal. Esse produtor ainda se mantém. Este ano tivemos noventa e oito produtores. Houve doze produtoras, porque a produção do fumeiro está mais ligado, obviamente, às senhoras, ao lado feminino da casa e tivemos doze produtoras que fizeram as bodas de prata, que há vinte e cinco anos acompanham a feira do fumeiro e também foram homenageadas. Tem sido todo um caminhar, todos os anos há sempre um ou outro aspecto que tem que ser rectificado, que tem que ser corrigido, tem que ser melhorado mas, é uma realidade que já está muito bem cimentada no concelho.

O seu papel em todo este processo foi e é fundamental. Todos os vinhaenses têm uma dívida para consigo, não apenas no que ao matadouro e à Feira do Fumeiro concerne mas, ainda, noutros aspectos. Fale-nos do cão de gado transmontano.

O cão de gado transmontano foi, também, outro projecto em que nos envolvemos e, curiosamente, a primeira exposição do cão de gado surgiu numa Feira do Fumeiro. Numa feira do fumeiro em 1994 e resultou de algo que nos parecia que era importante promover. Temos cá um cão de gado. Este cão de gado não estava registado como raça. Não fazia muito sentido que não estivesse registado como raça, então lançámos a ideia de começar a promover as exposições e concursos de cão de gado. A partir de 95 entendemos que cão e fumeiro não ligavam muito bem e, nessa altura… também gostaria de destacar uma participação muito activa do Parque Natural de Montesinho neste projecto, então avançámos para a Moimenta, para a Feira Franca da Moimenta que se realiza no último Domingo de Abril e desde 95 o concurso tem ocorrido na Moimenta. Entretanto, como este cão, geneticamente, está muito próximo de outras raças nacionais porque ele deriva do tronco do mastim ibérico, foi difícil estabelecer um estalão, que é um conjunto de caracteres morfológicos e fisionómicos, que distinguisse a raça das outras, embora, ela seja perfeitamente distinguível. Se conhecermos as outras raças que também derivam do tronco do mastim, quer o serra da estrela de pêlo curto que é o mais próximo, quer o rafeiro do Alentejo, quer o castro laboreiro, os cães são todos muito semelhantes, têm uma base genética comum mas, o nosso cão é diferente, resultou de um adaptação ao longo dos séculos, deste cão à região e a essas funções de protecção dos rebanhos do seu predador, o lobo.
Como havia esta indefinição quanto à questão de a considerar ou não, raça, houve um período de interregno do concurso entre 1999 e 2003 e em 2003 também mercê de todo o trabalho que o Parque Natural de Montesinho tem feito no seu programa de cão do gado, que é um programa que importa referir e que tem como objectivo a colocação de cachorros em rebanhos para fazer então a protecção contra o lobo.

Existem inclusive criadores seleccionados pelo Parque…

Exactamente. Há todo um trabalho que o Parque tem feito e o Parque não tem deixado de fazer esse trabalho, isso também permitiu termos, já, um conjunto de exemplares significativo em 2003, quando retomamos o concurso da Moimenta e que nos surpreendeu, a nós e a quem organizou o concurso, a quantidade e a qualidade dos cães presentes. Esse ano tivemos a oportunidade de convencer a Direcção do Clube de Canicultura Português a vir a Vinhais e, neste caso, à Moimenta. Veio a Direcção em força com a presidente, Carla Molinari e constataram que tínhamos aqui material genético que podia usar-se para o registo de uma raça. Entre Abril de 2003 e dois de Abril de 2004, em menos de um ano, conseguiu-se o registo oficial da raça. Posso dizer-lhe que, em seis meses, estava definido qual era o estalão da raça. Houve um envolvimento muito grande, sem dúvida, do Clube Português de Canicultura. O Clube Português de Canicultura verificou que não fazia sentido nenhum que nós tivéssemos cá um cão que é importante e que tem um aspecto funcional muito importante que não estivesse registado. Esse papel é determinante na defesa do lobo.

Faltava um empurrãozinho…

Cada um de nós deu um empurrãozinho e conseguimos algo que eu acho que nos orgulha hoje que é ter um cão de gado transmontano. Não é o cão de gado de Vinhais, não é o cão de gado de Bragança, é um cão de gado de Trás-os-Montes.

É um cão de gado que começa a ser também um cão para ter em casa para defesa…

Nós, aí, gostamos sempre de informar que, como animal de companhia há, também, que cumprir alguns requisitos porque é um cão que precisa de espaço. Aliás, nós gostamos de referir que é a maior das raças portuguesas, já agora que tenhamos alguma coisa em Trás-os-Montes que é a maior em qualquer coisa, nós aqui temos o cão. É o maior cão das raças portuguesas. São animais que precisam de muito espaço, não é um cão que nós aconselhamos para colocar num quintal. É um cão mais de quinta, de espaço que tem de percorrer, é o tal lado funcional de um cão que é importante. Para um quintal seria mais uma fêmea, acaba por ser mais dócil. Começar pela cadela e depois, se gostarem, então passar para o cão. E atenção que elas parem muitos cães. Temos ninhadas aqui, ainda uma das últimas que pudemos acompanhar, uma cachorra teve catorze cachorrinhos, claro que é impossível criar catorze cachorrinhos.

A carne mirandesa é conhecida no país inteiro. O que é necessário fazer para que se torne um factor importante de desenvolvimento para toda a região?

Eu aí não posso… posso falar como técnico ligado ao sector mas, aí nessa área quem tem vindo a desenvolver um trabalho muito importante é a Associação de Criadores de Raça Mirandesa que está sediada em Malhadas. O concelho de Vinhais é o segundo concelho em número de animais e temos um efectivo pecuário de raça mirandesa muito importante. No início da entrevista referi a aldeia de Paçó. Paçó, que é uma aldeia de serra é a aldeia do concelho que tem um maior efectivo de bovinos de raça mirandesa. Tenho acompanhado o trabalho da Associação e do agrupamento e os produtores que integraram o agrupamento e que neste momento estão a comercializar os seus animais no âmbito do agrupamento estão satisfeitos, estão a ver o resultado do seu trabalho compensado porque o preço da carne está a ser pago a um preço mais elevado que a carne de outros bovinos, que não da raça mirandesa.

As raças autóctones transmontanas têm-se mostrado de vital importância. O que é necessário fazer para se rentabilizar ainda mais esta riqueza?

O grande problema aqui é, sempre, o problema da comercialização. Nós produzimos e depois o que se torna difícil é comercializar aquilo que se produz. São necessários canais de comercialização mas, por outro lado também temos outra dificuldade que tem a ver com a dimensão. É muito difícil. Falando dos nossos produtos autóctones, é muito difícil estabelecer contratos com as grandes superfícies porque nós não produzimos em quantidade, a nossa produção é mais uma produção de qualidade, temos que apostar mais em nichos de mercado, mais em canais especializados.

Comércio tradicional, talvez…

Exacto. Que tem acontecido. Dou um exemplo entre muitos, no caso em particular do fumeiro. Neste caso há uma das fábricas de Vinhais que já abriu uma loja de produtos em Lisboa. Nós temos que apostar noutro tipo de canais para a comercialização. Há uma certa dificuldade nos canais das grandes superfícies. As grandes superfícies não correspondem àquilo que entendemos que seja o mais fácil para a comercialização.

Se calhar, em pequenas comercializações elas não podem fazer um preço tão acessível…

Exacto. Mas os contratos são por vezes inaplicáveis. Não só pelas quantidades, pelas condições que impõem, pelos prazos de pagamento. Há muita dificuldade em colocar este tipo de produção numa grande superfície.

O que pensa das tradicionais matanças de porco tão enraizadas nas nossas tradições?

Eu, sobre isso, tenho uma opinião que é a seguinte: a matança tradicional enquanto festa, a mim, não me repugna nada, sinceramente. A matança tradicional tem o seu lugar enquanto festa, que é uma festa de Inverno com todo o peso da tradição que representa. Agora, aquilo com o qual eu já não posso concordar, aquilo que, excepcionalmente, é uma festa, possa depois ser repetida, digamos, como método de matança, de abate para suínos para produção de enchidos e é aquilo que nós temos vindo a aconselhar aos produtores no concelho de Vinhais. Nós dispomos de um matadouro que, como referi, foi complicado instalar em Vinhais. Até posso falar com um pouco mais de autoridade porque sou eu o responsável pela emissão das guias de trânsito. Nós permitimos todos os produtores individuais, que queiram abater um porco, um leitão no matadouro, podem fazê-lo. Nós permitimos que o possam fazer, legalmente, não há qualquer tipo de impedimento. Nós entendemos que deverá começar a ser privilegiado este canal de abate, o matadouro, quando se trata de fazer produção de enchidos. Também o próprio bem-estar do animal. Hoje somos muito mais sensíveis às questões relacionadas com o bem-estar. Claro que a morte do animal, a matança tradicional é muito violenta, essas questões do bem-estar animal, as questões de higiene, as questões de segurança alimentar… por todas essas razões temos vindo a sensibilizar os produtores para recorrerem ao matadouro.

Está-se a trabalhar no sentido de evitar a extinção do burro mirandês. Concorda com as medidas que estão a ser tomadas?

Eu, por acaso, também registo com muito agrado, todo o trabalho que está a ser feito ali em Sendim com a Associação para a Protecção do Gado Asinino e, pelo que tenho acompanhado e pelo contacto pessoal que já tive com alguns dos técnicos, nomeadamente, com um colega que está ligado a esse projecto, eles estão a fazer um trabalho meritório e é também um dos patrimónios genéticos da nossa região, o burro mirandês. Conheço algumas das actividades que já foram feitas, nomeadamente, os passeios, o trabalho com crianças, a asinino terapia que é uma das iniciativas por eles tomadas. Sei que eles estão com uma boa dinâmica e é uma raça que nós temos registada como natural de Trás-os-Montes.

Os lagostins do rio Angueira desapareceram. Concorda com a sua reintrodução?

Por acaso, sobre essa matéria, não tenho opinião formada. Repare. Tudo o que seja reintrodução de espécies autóctones, concordo, porque até é importante para a biodiversidade que existam, agora, a reintrodução em concreto, de espécies exóticas ou espécies que não sejam daqui originárias, quanto a isso não. Espécies autóctones tudo bem, espécies não autóctones não. Importadas não. Isso é um bocado como a história da perdiz. Quando se fazem introduções com caça que não seja autóctone, isso transporta riscos enormes sobre o ponto de vista sanitário, sobre o ponto de vista genético. Muitas vezes são essas raças não autóctones que acabam por absorver as espécies autóctones. Há que ter muito cuidado. Eu, pessoalmente, não sou muito favorável a esse tipo de introduções.

As trutas e as enguias que antes abundavam nos nossos rios estão, hoje, praticamente extintas. Na sua opinião o que se deve fazer para evitar um desfecho tão trágico?

Eu vou ser sincero, não é bem a minha especialidade… Cães de gado, fumeiro tudo bem… mas trutas e enguias não é bem a minha especialidade. Não sou pescador embora tenha uma cana de pesca lá em casa. As tentativas que fiz não foram muito bem sucedidas então decidi-me a arrumar a cana.
O que se nota… no caso do concelho de Vinhais, que tem rios trutícolas, o Rabaçal, o Tuela, têm sido instaladas as mini hídricas e eu suponho que tem havido uma preocupação em termos do impacto ambiental, do impacto na fauna. São rios onde há esta riqueza piscícola e, claro, que é fundamental preservar no caso concreto das trutas e, por outro lado, também entendo que, à semelhança do que se fez com a caça, julgo que foi um passo importante quando se avançou para a ordenação do território, zonas de caça associativas, zonas de caça municipal. Penso que o caminho da pesca vai ter de ser necessariamente este, ordenar os nossos rios. Vamos ter que limitar o acesso a esses rios. Noto que neste caso concreto destes dois rios de Vinhais a pressão dos pescadores, em determinadas épocas, é muito grande, então há que condicionar um pouco o acesso e acho que a ordenação dos rios é também um caminho…

No caso da enguia é um pouco mais complicado por causa da desova…

Tem a ver com os canais de ligação, quando se fazem as barragens deverão ser sempre contemplados esses canais que, suponho, estarão a ser instalados, mas aquilo que tem acontecido… há um acréscimo significativo de mini hídricas e de barragens na área do concelho de Vinhais que, sendo positivo porque é uma energia limpa e num país com a energia tão deficitária como a nossa, é bom que isso aconteça, agora, não podemos com o pretexto de ter energia limpa, esquecer que há uma fauna que tem de ser preservada.

Não se pode evoluir sem ter em conta os aspectos da nossa riqueza natural… Fala-se muito de acessibilidades e da desertificação da nossa região. Que podemos fazer nós, transmontanos, para resolver estes problemas?

Nós, para além de protestarmos, ainda não fizemos nenhum corte de estradas. Temo-nos portado muito bem, somos um povo muito pacífico, se calhar pacífico demais para com o desencravamento da região mas, a verdade é que é fundamental para ter boas acessibilidades. Aqui, na nossa região é por demais falado a questão do IC5 e eu noto isso. O planalto está numa situação de isolamento muito marcado. No caso concreto de Vinhais uma das reivindicações feita de algum tempo para cá é a possibilidade de que o IP2 vá de Macedo para Vinhais, que é uma coisa que eu acho que toda a gente que olhe para o mapa vê que o percurso natural do IP2 é seguir para Vinhais o que viria desencravar Vinhais. Julgo que todo este contexto rural de que temos falado passa, também, pela questão de boas acessibilidades. As acessibilidades poderão melhorar toda a ligação da região e nós poderíamos, aqui, na Terra Fria, capitalizar com toda a dinâmica que neste momento está a ser instalada no Douro que, em termos turísticos tem um património muito valioso, com o conjunto de investimentos que estão ali sendo realizados, se nós pudéssemos também… mas, tem de haver boas acessibilidades.

Mas o Douro é património mundial…

É património mundial mas, nós somos património natural. Claro que tem essa designação, esse título que lhe foi atribuído, muito importante, em termos turísticos mas, o que eu refiro é que se fosse mais fácil fluir dentro da região, nós poderíamos beneficiar imenso e, se calhar, mesmo em termos turísticos temos de pensar na região como um todo. Não podemos pensar em Terra Fria, em Terra Quente, no Douro, não podemos pensar … e era muito mais fácil pensar, mesmo do ponto de vista do turista do Douro, que é possível vir, também, comer o fumeiro a Vinhais e passar por Bragança e comer a posta…

Até porque somos tão poucos, temos é que nos unir. Privilegiar a qualidade dos nossos recursos poderá ser importante para o desenvolvimento sustentado?

Sem dúvida, é mesmo o caminho, tal como referíamos. O caminho é mesmo o da qualidade, da autenticidade dos nossos produtos autóctones. Terá que ser por aí necessariamente.

Podemos pensar num futuro risonho para o Nordeste Transmontano?

Eu sou optimista. Acredito que vamos resistir. Estamos a passar por um mau momento mas acho que vamos resistir e essa resistência vai acontecer, também, na parte produtiva por essa diferenciação qualitativa que nós temos e que reside nos nossos produtos autóctones, nos nossos recursos endógenos. A questão da castanha que é uma das produções que, infelizmente, com toda a importância económica que tem na região, ainda não consegui organizar-se de forma a encontrar canais de comercialização mais eficazes. Outra área onde nós temos um potencial enorme, é a área das florestas e das madeiras. Um dos projectos que está a se desenvolvido em Vinhais é nessa área das madeiras, um projecto que esperamos vir a concretizar dentro de pouco tempo e que, julgamos, pode actuar a montante com o fomento da floresta. Eu acho que, com os recursos florestais da região há muito a fazer. Se calhar cometeram-se muitos erros nos últimos anos e, quando falo de floresta, falo da nossa floresta autóctone, o carvalho, com todos os problemas sanitários que tem, o castanheiro, tem que se encontrar obviamente uma solução para estes problemas fito sanitários do castanheiro. Temos aqui os nossos centros de saber da região, seja o Politécnico, seja a Universidade e tem que haver um empenho muito grande para conseguir limitar estas questões sanitárias relacionadas com o castanheiro. Temos o nosso carvalho que tem não só este potencial paisagístico, as florestas de carvalho lindíssimas, mas a madeira. É uma das áreas em que eu julgo que vamos ter futuro na área da floresta.

Para terminar, que personalidade ou personalidades o marcaram mais ao longo da sua vida?

As personalidades da infância. Uma das personalidades mais fortes terá sido o meu avô materno que, curiosamente, também era da minha área profissional. Era castrador à moda antiga mas, diplomado. Foi uma das personalidades que me marcou na minha infância. Agora distinguir personalidades actualmente… Claro que os pais, também, são as personalidades que nos marcam e que nos moldam e eu julgo que para nós conseguirmos ter algum sucesso na nossa vida também temos que ter uma retaguarda que é a nossa família. A minha mulher e os meus filhos são as personalidades que mais  me marcam agora e que dão esse suporte para que eu possa manter algum alento no meu desempenho profissional.

Dr. Duarte muito obrigados pela sua presença, foi um prazer ter estado à conversa consigo. 

1 comentário:

  1. Como independente que sou,estive a ler esta entrevista, sem saber que força política apoia esta candidatura. Mas gostei e aprecio os pontos de vista expostos, principalmente por serem ideias válidas, positivas e práticas,não direcionadas contra ninguém. Aí tenho as minhas raízes, mas estou sem voto, por força da residência. Sublinho o amor profundo a essa região, que transparece em toda a entrevista.(Natural de Moimenta).

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