Hoje posso ficar. Não, não há problema. Amanhã será um novo dia. Nem melhor nem pior. Apenas novo. Se tu assim entenderes, podemos conversar, noite fora, como se amanhã não tivéssemos tempo para respeitar.
Claro. A vida tem sido difícil, complicada, algo madrasta, dessas madrastas más dos contos de fadas. Na realidade, não sei a razão de se chamar madrasta à vida.
A vida é vida. Só e apenas isso. Não vale a pena tentarmos enfeitar o céu de azul se ele insiste em se mostrar cinzento, com castelos de nuvens a ameaçarem chuva.
Se estou amarga? Não. Apenas realista. Cansei de florear os dias e noites que me tem cabido viver. Ainda espraio o olhar, agora triste, pela paisagem que amo, apesar de tudo. Ela não tem culpa e mesmo que lha pudesse atribuir, tanto se lhe dava, não é?
É paisagem, linda, bela, perfumada, colorida... que apeteceria calcorrear se o meu olhar não fosse, hoje, tão triste.
Queres que me vá embora? Deves ter razão. A minha voz é um lamento, um gemido de pena própria.
Não, não serei uma boa companhia para ninguém, hoje. Nem mesmo para mim.
A alegria decidiu que basta o calor de junho para que tudo aconteça. Deve estar enganada. Nunca... não. Minto. Tantos dias tenho tido tão tristes ou mais do que o de hoje. Diferentes porque não fora a alegria que havia tirado férias.
Fora a minha boa vida que, transmutada em tristeza e dor, aferroava a minha alma que eu queria pura e limpa de tormentos como um campo em flor.
Não chores. Não vale a pena. O teu olhar resplandece de alegre expectativa. Sim. Sei que já não tarda que o teu amor regresse, ansioso, ardente, corpo em chama que tu hás-de, qual bálsamo sagrado, apagar.
Que ansiedade! Calma! Já raia o sol na janela da sala. Que tarde... ou cedo, sei lá!
Afinal fiquei. Escondi os meus olhos tristes na almofada verde que gentilmente me ofereceste. Lembras-te?
Não dormiste. A ansiedade não deixou. O amanhã já é hoje.
São horas de ir. Precisas de tempo, o tempo que não queriamos. Toma um banho de imersão, perfumado com óleos essenciais. Usa o teu melhor gel de banho. Mima-te. Envolve o teu corpo de mulher num creme de veludo. Veste o teu mais sexy vestido. Embeleza as tuas longas e belas pernas e calça os teus sapatos altos. Penteia-te com cuidado e esmero, maquilha-te como se para ti fosse. Olha-te ao espelho. Admira-te. Faz com que inveje a tua beleza de amor e paixão.
Ele não demora. O tempo não parará.
Levo o meu olhar, triste e sem esperança. Os nossos dias começam quando ainda não acabaram.
O teu será azul, radioso e quente.
O meu... logo se verá.
Mara Cepeda
Um único raio de sol é suficiente para afastar muitas sombras.
ResponderEliminarÀs vezes, Henrique, não chega.
ResponderEliminarSão necessários mais, radiosos e quentes.
Claro que as sombras se tornam menos densas, menos dolorosas.
Obrigada
Mara