sábado, 16 de junho de 2012

Entrevista: Paulo Vale - Cofundador da NEOFACE

O que faz um vimaranense em Bragança?

Eu costumo dizer que vim cá parar quase por acidente. Quando entrei para o ensino superior era mais uma opção o vir para Bragança. Calhou ser essa a que me coube na sorte e assim vim para cá. Entretanto estive cá a estudar quatro anos. Nesse quarto ano, comecei a trabalhar aqui numa empresa a desempenhar alguns serviços e depois decidi que já tinha o suficiente de Bragança e afastei-me. Fui para Guimarães de onde sou natural. Estive no Porto a trabalhar numa empresa… no total foram cinco anos e ao fim desse tempo surgiu-me uma oportunidade para voltar a Bragança. Havia uma oportunidade para desempenhar funções no Instituto Politécnico de Bragança, nomeadamente, na secção de informática que é a minha área. Fui contratado especificamente para desenvolver soluções para os alunos, nomeadamente, aqueles serviços que eles utilizam via Internet para se inscrever e etc.
Tendo estudado em Bragança, deixei cá amigos muito chegados. Nessa altura decidimos criar um projecto que nos levou àquilo que temos hoje: a empresa NEOFACE.

Os computadores têm um papel fundamental na sua vida. Porquê informática?

Muito importante. Absolutamente! Esse é o meu modo de vida. Hoje em dia, não só para os informáticos mas para a população em geral, os computadores são uma necessidade, não são uma opção. Aliás, basta começar por si. Se calhar, na sua actividade, precisa dos computadores para preparar as aulas, para fazer formação, relatórios... Comigo é uma necessidade muito mais efectiva porque toda a minha actividade profissional e mesmo alguns pontos de lazer, também passam pela informática. Eu gosto, além de ser o meu trabalho e daí passar muito tempo à frente de computadores, para o bem e para o mal.

E é bom fazer-se aquilo de que se gosta... É fundador, juntamente com João Ricardo Baptista de Oliveira e Renato Delgado Fernandes, da NEOFACE, empresa ligada ao desenvolvimento de software. Fale-nos deste projecto.

Como eu disse há pouco, eu voltei para Bragança há, sensivelmente, quatro, cinco anos. Já conhecia estes dois colegas. Já tínhamos uma ligação afectiva bastante importante, inclusivamente, já tínhamos morado juntos nos tempos em que estudávamos no Instituto Politécnico. Tínhamos ideias, discutíamos muito sobre essas ideias. Queríamos algo mais. Queríamos aplicar o conhecimento que tínhamos da própria tecnologia existente e queríamos fazer algo, porque neste área da informática, estar parado é quase morrer. É cair um pouco naquelas expressões mais comuns, mas é verdade. Nós tínhamos algumas ideias, tínhamos conhecimento de determinado tipo de tecnologias e, como eu disse, discutimos essas ideias. Achámos que valia a pena investir tempo, inicialmente, apenas tempo nestas ideias que tínhamos e assim foi. Desenvolvemos o conceito, que hoje praticamos, de software desenvolvido para empresas que utilizam como meio a Internet que abre logo muitas possibilidades às empresas. Possibilidade a nível de conhecimento principalmente e de retorno de investimento. Assim foi. Começámos a criar, a desenvolver essas ideias que tínhamos e, a partir de um determinado ponto, decidimos que estava na hora de apostar, comercialmente, nessas ideias e foi o que passamos a fazer nesse momento. Tivemos alguma exposição mediática mas, como empresa, em termos formais, já existimos há mais de um ano, há cerca de ano e meio. Como conceito, existimos há cerca de quatro, cinco anos.

O Paulo e os seus sócios, João Oliveira natural de Guimarães e Renato Delgado natural de Montalegre, são um exemplo a seguir já que sendo jovens e não sendo de cá, resolveram investir na cidade de Bragança. O que foi que o levou a ficar por aqui, além desse seu convite para voltar, o que é que os levou a ficar por aqui?
Foi a oportunidade. As coisas, às vezes, proporcionam-se. Eu poderia estar aqui a dizer que era o sítio ideal para criar um determinado projecto, se calhar até é, mas não foi esse o caso. Foi o caso da oportunidade. Nós todos tínhamos outras actividades e fomos desenvolvendo e maturando as ideias que tínhamos em mente e, a partir daí, as coisas foram-se concretizando. Obviamente, também conta muito o facto de eu próprio, e falo por mim mas, também, tenho conhecimento que assim se passa com os meus dois colegas, gostarmos, realmente, de Bragança porque senão nem cá estávamos. Ninguém vai para um sítio e mantém-se lá não sendo a sua terra natal se não gostar de lá viver. Eu gosto de viver em Bragança. Gosto bastante.

Ganharam um prémio, uma medalha de ouro a nível nacional, na área da inovação e tecnologia para pequenas e médias empresas. Fale-nos desse feito.

Foi uma surpresa para nós. Trata-se de uma iniciativa da Oracle Portugal empresa da qual somos parceiros. A Oracle criou uma iniciativa que pretendia premiar projectos inovadores na área das pequenas e médias empresas. Esse desafio estava proposto aos parceiros da Oracle Portugal. Nós concorremos. Na altura, tínhamos iniciado um projecto numa empresa cá de Bragança na área da gestão. Achámos esse projecto bastante interessante do nosso ponto de vista e decidimos submetê-lo. Não estávamos à espera de qualquer retribuição da Oracle. Procurámos ser interventivos e eventualmente conseguir algo, que foi o que veio a acontecer e conseguir, talvez, divulgar um pouco os nossos produtos. Felizmente isso aconteceu.
Quanto ao prémio, foi-nos entregue em Madrid, curiosamente, num encontro ibérico de parceiros da Oracle que é uma empresa internacional mas, como é sabido, tem delegações em vários países e nesse encontro foram atribuídos três prémios, um dos quais foi o nosso. Recebemos esse prémio com muita alegria, como é óbvio, alguma admiração porque não estávamos à espera que isso acontecesse e revelou-se bastante importante para nós.

Quando foram para esse encontro em Madrid não sabiam que tinham ganho o prémio?

Não. De todo. Foi mesmo uma surpresa. Aliás, quase todas as empresas que são parceiros da Oracle são de Lisboa e algumas do Porto, bastantes. Na altura, foi organizada uma viagem em que os parceiros iam de avião. Nós até optamos por ir de carro porque nos ficaria mais perto do que ir apanhar um avião a Lisboa para depois ir para Madrid e curiosamente atrasamo-nos porque havia bastante trânsito à entrada de Madrid e recebemos várias chamadas de responsáveis da Oracle a perguntar se íamos ou não. Na altura, achámos aquilo um pouco estranho, tanta atenção a uma empresa tão pequena. Nós somos o parceiro mais pequeno da Oracle em Portugal. Somos o único parceiro com sede no interior e achámos um pouco estranho mas, na altura, não associamos a nada…
No entanto, as coisas acabaram por correr bem e nós… aquilo foi durante um jantar em que houve uma apresentação e, curiosamente, na altura da entrega dos prémios fomos chamados. Achámos aquilo bastante interessante. Ficámos até nervosos e um pouco boquiabertos com a situação porque nos estavam a dar algum destaque.

Oracle é a maior empresa do mundo em desenvolvimento de software empresarial e de base de dados. Que importância pode ter este prémio para o futuro da NEOFACE?

A importância passa um pouco por aquilo que eu disse anteriormente que é a exposição mediática que isto acaba por nos trazer como empresa. Por outro lado, a Oracle, ao nos premiar desta forma, está-nos a dar credibilidade perante o mercado. Está a dizer ao mercado que é seguro apostar nas nossas soluções. Acho que não há maior reconhecimento que este. Uma empresa que é, na área das bases de dados, líder a nível mundial e na área das aplicações está muito bem posicionada e esta empresa diz: “Podem apostar na NEOFACE que é um investimento seguro.” É assim que encaramos isto e é assim que esperamos que os nossos futuros clientes possam vir a encarar uma parceria connosco.

O papel da informática no mundo é tão importante que já não é possível imaginarmos a nossa vida sem computadores. O que poderemos esperar no futuro?

Isso é um pouco difícil de dizer. A Internet abriu-nos a porta para um mundo diferente daquele que existia há dez anos atrás. Hoje em dia, qualquer negócio pode ser conduzido via Internet. Posso-lhe dizer que ao nível da nossa empresa, desenvolvemos soluções para o mercado das PME. Todo o nosso software funciona via Internet e a nossa própria assistência a clientes é feita de uma forma remota, o que quer dizer que não há problema nenhum em nós termos clientes nos Açores, na Madeira, em Fafe ou onde for porque nós temos um contacto quase como se fosse pessoal. Nada substitui o contacto pessoal como é óbvio mas, a nível do próprio funcionamento das aplicações, posso dizer-lhe que nós podemos intervir em qualquer um dos nossos clientes como se lá estivéssemos presencialmente. Isto garante qualidade de serviço aos clientes que vamos angariando.
Agora, para onde pode evoluir? Pode evoluir de muitas formas. Fala-se de muitas situações novas que podem surgir no mercado, no entanto, não quero estar agora a expandir-me nessa área, até porque existiria muito por onde pegar. Agora, do ponto de vista empresarial, sem dúvida que as empresas, cada vez mais, têm de olhar para a Internet como um meio de retribuição dos investimentos que fazem e nós, com as nossas soluções, fazemos com que esse tipo de investimento e de retorno de investimento seja possível.

Mas haverá muito ainda na informática por evoluir daqui para a frente?

Sem dúvida. Posso dizer-lhe que esta semana saiu uma notícia vinculada por um presidente de uma empresa muito importante a nível mundial que referia que o próximo passo era a eliminação dos teclados e dos ratos. Isto, em si, é uma evolução muito grande ou seja interagir gestualmente e por voz com as máquinas. Acho que é um passo importante por onde se pode avançar neste momento.

E em termos domésticos?

Há muito tempo que se fala nas casas inteligentes. É possível fazer muita coisa. Já existe muita coisa no mercado. É claro que para que se torne acessível a qualquer pessoa, ainda vai demorar alguns anos como em todas as áreas. Há muito que fazer, desde os frigoríficos inteligentes até… ainda agora, em Madrid, esta semana, houve uma feira de informática. Só para lhe dar um exemplo, estava um espelho de parede normal que, ao toque, se transforma num plasma. Nós podemos ter utensílios do dia-a-dia em nossa casa que têm uma segunda forma de existência e de relação com o utilizador da própria casa.

A evolução da tecnologia informática surpreende qualquer um, mesmo as pessoas que estão dentro dela… que a tratam por tu…

Como eu já disse anteriormente, a informática é uma área em que não se pode descansar. Nós somos uma empresa que procura estar sempre actual. Sempre que surge uma nova tecnologia, nós estamos dispostos a olhar para ela e, aliás, a maior parte das aplicações que desenvolvemos surgem através de tecnologias muito novas e recentes, tanto é que somos pouquíssimos a nível nacional a trabalhar nalgumas das tecnologias com que nós trabalhamos. Se nós descurarmos essa parte, a parte da investigação, a assimilação de novos conhecimentos, os nossos produtos deixam de ser competitivos.

Sempre que existem novos projectos de desenvolvimento no país, são aplicados maioritariamente em Lisboa, Porto, Braga e Aveiro. Veja-se, por exemplo, o protocolo que foi celebrado recentemente com uma universidade dos estados unidos da América. Sempre o litoral em primeiro lugar. Quando chegará a nossa vez?

É uma pergunta bastante interessante. Se calhar, deveria ser direccionada para alguém com responsabilidades. O que eu lhe posso dizer é que existe potencial numa cidade como a nossa para que haja determinado tipo de investimentos. Posso dizer-lhe que o Instituto Politécnico de Bragança tem uma tradição tecnológica muito forte. Apesar de ser uma instituição do interior, uma instituição que é pequena comparada com as universidades que existem no litoral. É uma instituição que consegue estar à frente em várias áreas. Digo-lhe, por exemplo, que no Projecto do Campus Virtual, um projecto a nível nacional, o IPB foi a primeira instituição a ter a funcionar toda a infra-estrutura. Muitas vezes não se dá o destaque devido e aqui, também posso apontar alguns defeitos à própria comunicação social local que, muitas vezes, opta por dar destaque a determinados aspectos negativos em vez de valorizar aquilo que realmente se faz nesta terra. Posso dizer-lhe que o sentimento que eu tenho, sendo uma pessoa de fora apesar de já ter a minha costela transmontana, já são muitos anos, a minha impressão é que as pessoas de cá dão pouco valor à terra e isto é uma coisa que se nota. Uma instituição como o IPB poderia ter muito maior destaque nesta região, mesmo na interacção que poderia ter com as empresas e noutras situações. Também lhe posso dizer, no caso concreto da actividade da minha empresa, que eu já perdi um negócio em Bragança para uma empresa de Lisboa, em que as condições oferecidas pela minha empresa eram muito mais vantajosas, tanto a nível financeiro como da solução em si.
Agora, pergunto-lhe porque é que a empresa optou pelo software da empresa de Lisboa? Já me disseram, numa altura em que eu tive mais uma reunião que ocorreu em Lisboa, em que estavam outros parceiros da Oracle e onde conversámos de forma informal e sempre que eu refiro que a minha empresa é de Bragança há sempre aquela exclamação, aquele pé atrás… lembro-me de uma expressão que foi utilizada nessa altura: “Bragança? Olhe que é preciso ter coragem para lançar uma empresa de software em Bragança”.
Pois, realmente, se calhar é preciso. De qualquer forma posso-lhe adiantar que nós não temos propriamente intenções de sair de Bragança. Já conversámos sobre isso. Existe a possibilidade de deslocalização de partes da empresa. Isso, penso que é importante e se quisermos crescer, vai passar muito por aí.
Falo, nomeadamente, de abrir no litoral. Ainda não está definido onde nem quando mas temos isso como projecto. Uma parte da empresa, uma delegação que pode funcionar, em termos comerciais e de suporte até, como já disse ainda há pouco, o contacto pessoal e presencial com os clientes é sempre importante, manter a relação é sempre importante. Em termos de produção e assistência a nível remoto pode sempre ficar em Bragança esta empresa. Aliás, já existe nesta área um bom exemplo que é o exemplo da PT com o seu Call center no mercado. O que é que perde a PT em ter cá esse Call center? Acho que não perde nada. E, principalmente, como eu já referi, o Instituto Politécnico criando novas pessoas formadas na área das tecnologias. Será que não há aqui, mão-de-obra para apostar em projectos desses? Parece-me que há. Como tal, não tenho o objectivo de tirar a minha empresa de Bragança. Espero que ela cresça e se mantenha cá. Vamos ver o que o futuro nos dirá… se é possível ou não.

Portugal é um pequeno país com grandes problemas. As assimetrias existentes são enormes se compararmos o litoral com o interior. Em sua opinião o que se poderá fazer para que as coisas comecem a mudar?

Muita coisa pode ser feita. Não sei o que poderá ser feito ao nível do que o governo pensa fazer mas, em termos potenciais, muito pode ser feito. Eu posso falar mais sobre à região em que nos encontramos e digo-lhe que, por exemplo, o turismo é uma área em que se deve apostar cada vez mais e penso que está a ser descurado esse aspecto. Há aqui uma falha e uma falha de Bragança, não do Governo porque há sempre a tendência de dizer que é o Governo. Neste caso é de Bragança.
Há muitas situações que podem ser potenciadas. Recebo, regularmente, visitas, quer de familiares, quer de amigos que não são de cá e eu gostaria de ter mais para lhes oferecer. Gostaria que quando eles fossem embora, fossem embora com uma boa impressão, que vão, mas gostaria que fossem com uma impressão ainda melhor e que tivessem vontade de cá voltar, independentemente, de eu estar cá ou não e isso só se consegue investindo no turismo, penso eu.
Tem que haver pontos de atracção que chamem as pessoas a Bragança e que as façam voltar mais do que uma vez porque trazer cá uma pessoa e depois? Fazer o quê com que ela para que volte? Temos que fazer com que elas venham cá quatro, cinco vezes.

Mas, não lhe parece que o Governo e o país apostam demasiado no Algarve, constantemente?

É algo que não lhe vou dizer que não. Aliás, posso começar por dizer o óbvio. Bragança, o distrito, tem cerca de cento e cinquenta mil habitantes. Continua a ser o único distrito que não tem um quilómetro de auto-estrada. Isto é um ponto chave, mesmo a nível empresarial, a nível de uma empresa como a minha que pretende prestar serviços. O mercado, em Bragança, é demasiado pequeno para nós. Nós temos noção que o número de clientes que cá poderemos ter é muito limitado, porque nem todas as empresas conseguem ter meios para usufruir de uma tecnologia avançada, uma tecnologia de ponta que nós fazemos mas, apesar de tudo, atenção que não estou a falar que é um produto muito caro, mas é um produto bastante barato, mesmo bastante barato tendo em conta a tecnologia que utiliza.
Tenho noção de que cá não existem empresas em número suficiente para que a minha empresa se possa cingir a este mercado. Como é óbvio, há necessidade de deslocações constantes à zona do Porto, distrito do Porto, de Braga. Ainda na semana passada estive em dois sítios no Porto. É custoso ter de fazer sempre uma viagem desconfortável. O IP4, apesar de tudo, já é bom em relação a alguns anos atrás. No primeiro contacto que tive com Bragança, isto era muito pior, não vamos comparar. Agora, quanto a mim, continua a fazer falta a auto-estrada. Está prometida, espero que seja concretizada o mais rápido possível. Para Lisboa ainda nos vamos socorrendo do avião. Tem sido um meio importante para que possamos ter contacto, apesar dos custos. Ao nível do norte é muito mau.

Pelo menos vamos ficando contentes com as promessas que nos fazem em épocas eleitorais. “O simples facto de dizermos que somos de Bragança já é limitativo.” Esta afirmação é sua. A interioridade é um factor que limita a competitividade?

Limita. A própria percepção das pessoas. Associar o interior à tecnologia não é fácil. Se eu lhe falar: “Tecnologia, diga-me cinco cidades.” Quantas vai dizer do interior? Não vai dizer nenhuma. É um factor limitativo. Eu posso, referi há pouco que as pessoas dão pouco valor à sua terra, o que eu acho pouco natural, mas acho natural que as pessoas de fora não dêem também o valor à terra. Ainda um contacto que tive na semana passada com um cliente do Porto de forma a apresentar as nossas soluções, teve a mesma reacção inicial, ele numa determinada fase perguntou-me de onde éramos e eu referi que tínhamos a sede em Bragança e ele disse: “Bragança, tão longe!” Eu expliquei que a tecnologia hoje em dia encurta muito as distâncias mas, mesmo assim, ficou um pouco… é limitativo.

Vendo por esse prisma, estamos a qualquer coisa como sessenta, setenta quilómetros de boas vias em Espanha. Já pensaram numa aposta no país vizinho, já que Madrid está tão perto como o Porto?

Já pensámos, já tivemos aqui há uns meses um contacto de um possível cliente para Espanha. Era importante conseguirmos o primeiro para, a partir dai, irmos conseguindo outros. Não se concretizou. Entretanto não fizemos uma aposta mesmo em Espanha mas, poderemos pensar nisso mais seriamente para o futuro. Estamos a tentar fazer que a empresa cresça porque ainda é muito pequena. Temos que angariar clientes para poder ter dimensão e, a partir daí, tendo dimensão é sempre uma porta que está ali aberta e que pode ser utilizada.

Relativamente a Trás-os-Montes, o que pensa que poderá ser feito para mudar a situação em que se encontra?

Como já disse, há muitas coisas que podem ser feitas. Nós estamos, neste momento, em negociações para fazer o alojamento das nossas aplicações. Para isso vamos precisar de um Call center e, muito provavelmente, vai ficar em Faro. Vai ficar longe, no entanto, é como eu disse, as distâncias são curtas para determinado tipo de serviços. Isto para dizer o seguinte: em termos tecnológicos, é possível apostar em determinadas áreas. Posso referir que, ao contrário, do que muita gente pensa, Bragança tem ligação de fibra óptica como o resto do país. Tem duas ligações de fibra óptica. Um serviço como um call center não poderia ser feito em Bragança? Podia se houvesse uma empresa disposta a investir nessa área. Qual era o problema de estarem cá, fisicamente, os servidores, o hardware informático e a nível de software, ele ser gerido e executado de forma remota. Isso é possível.
A nível geral existem muitas áreas onde se pode apostar. Penso que o turismo é fulcral como eu já referi. Podem-se potenciar perfeitamente as casas de turismo existentes. Apostar numa política de divulgação, se calhar, numa nova política de preços mais competitiva para chamar gente. Criar novas actividades. Mesmo o Parque Natural de Montesinho tem que ser capaz de atrair pessoas mais do que uma vez, porque eu vou ao Parque Natural de Montesinho. Eu gosto muito da natureza. Digo-lhe sinceramente e é um dos factores que me faz gostar de Bragança mas, isso não chega, não chega vir cá. Vou ao meio do monte, não vejo casas e tem-se uma sensação boa mas desaparece. Tem que haver algo mais.

Um elo de ligação…

Se calhar… Acho que o essencial é o investimento. Por exemplo, não sei se é possível nem se vou dizer uma asneira. Vejamos o caso de Macedo de Cavaleiros com o Azibo, aliás, isso já saiu nos jornais. Há pessoas de fora que são cativadas pelo interesse que ali foi criado e eu digo bem, criado, não existia, era uma barragem. Nós também temos uma barragem em Montesinho. Será que era possível fazer um projecto do género? Não sei mas, se fosse possível, era uma boa via para trazer cá pessoas.
Trazendo cá pessoas é possível mostrar outro tipo de iniciativas. Se alguém chegar, individualmente, a Montesinho e disser: “Vamos criar aqui uma infra-estrutura para isto”. Se calhar, não vai ter logo clientes no primeiro ano nem no segundo e vai acabar por fechar. No entanto, se forem criadas uma série de infra-estruturas que puxem as pessoas, que as façam lá ir. Se houver actividades complementares que possam ser lá desenvolvidas, aí já existem pernas para andar.
É uma questão de investimento. Estas questões nunca podem ser vistas do ponto de vista individual mas do ponto de vista colectivo. A nível das iniciativas têm que ser feitas, têm que ser pensadas de uma forma global e não pegar numa iniciativa e poder chegar ali a uma zona de Montesinho e dizer assim: “Vamos fazer aqui um projecto. Um parque equestre, vamos por aqui… actividades a cavalo e não sei quê”.
As pessoas vêm cá para ir aos cavalos? Podem vir como vão aos outros sítios mas era importante haver uma infra-estrutura de suporte a essas visitas. Algo que pudesse recolher as pessoas, locais agradáveis para elas dormirem. Haver sítios bons de forma a divulgar a gastronomia local que é outro dos pontes fortes da região. Posso dizer-lhe que quando eu falo que sou de Bragança as pessoas de fora falam logo na posta à mirandesa, acho que é positivo.
Bragança pode apostar nessas áreas onde é forte, na gastronomia, no frio, na sensação dos odores que cá se têm.
Quando vim a Bragança passados uns anos de cá ter estado senti um cheiro que me era familiar. Fazia-me recordar tempos em que cá tinha estado. Isto é daquelas coisas em que Bragança pode apostar. Bragança pode apostar em ser uma cidade do interior sendo ela própria uma cidade do interior. Podemos ver aqui o exemplo da habitação que tem sido construída em Bragança. Haverá necessidade de criar em Bragança prédios de sete andares? Infelizmente, é essa a oferta que nos têm dado. Acho que não há necessidade. Bragança é uma cidade que tem muito por onde crescer e era importante que crescesse com qualidade. Manter as pessoas cá, isso era importante e penso que Bragança tem que se afirmar como sendo uma cidade de interior.

Em que devemos apostar para que, sem perder as características mais marcantes de Trás-os-Montes, acompanharmos os avanços do mundo em que vivemos?

Isto vem ao encontro daquilo que tenho dito nestas duas últimas questões: a aposta no turismo. Repare há outras apostas que podem ser feitas. Vou dar-lhe um exemplo. Uma actividade na qual existem muitas pessoas a trabalhar em Bragança é a agricultura. A agricultura, de uma forma individual, a nível do agricultor pode não ser muito produtiva. A nível das associações de agricultores, já pode render qualquer coisa e Bragança pode apostar, perfeitamente, na associação de agricultores utilizando os meios tecnológicos que já existem. Pode perfeitamente disponibilizar os seus produtos ao país ou ao mundo utilizando essas vias, basta haver vontade. Existem muitas áreas por onde se pegar. Isto é só um exemplo.
Passa tudo por investimento. Passa por as pessoas acreditarem que é possível fazer isso cá. Se houver uma empresa que aposte num projecto que englobe a tecnologia e os agricultores juntos, estamos a oferecer Trás-os-Montes ao mundo. É uma grande oportunidade que Trás-os-Montes tem que não pode perder. Posso referir que, por exemplo, o próximo quadro comunitário de apoio, segundo me consta, vai privilegiar as apostas na tecnologia e vai dar grande ênfase aos projectos com dimensão e não aos projectos pequenos. Para ir buscar dinheiro é preciso que os agricultores se unam, criem um projecto comum e que, a partir daí, o apresentem para conseguir obter algum desse financiamento.

Agricultura latifundiária em Trás-os-Montes?

Não tem que ser latifúndio, podem ser pequenas agriculturas que produzem determinados produtos específicos e que juntas têm uma oferta mais global. Um agricultor sozinho, pode produzir apenas castanhas mas, se calhar, o vizinho já produz batatas e as batatas são muito famosas. Quando vou de fim-de-semana: “Hás-de trazer umas batatas transmontanas ou umas castanhas transmontanas”. Têm fama. Se os produtos têm fama porque não aproveitar essa fama. Já houve um projecto desse género no Instituto Politécnico. Não sei porque é que falhou. Na altura foi muito mediático, foi o rural net. Acho que é uma via onde se devia pensar em apostar.

Em suma, o litoral que nos rejeita em termos de infra-estruturas, pode acolher-nos em produtos.

Basta que não olhemos muito para as nossas limitações mas sim, para aquilo que podemos fazer. Nós podemos estar aqui com uma conversa interminável a dizer: “Olhe, eu sou do interior, eu tenho aqui um negócio muito pequeno, não tenho a quem vender.” Se olharmos sempre nesta perspectiva nunca vamos fazer nada. Se olharmos noutra perspectiva e dissermos: “Eu tenho estes produtos o que é que eu posso fazer com eles?” “Eu tenho estas terras o que é que eu posso fazer com elas?” Será que vale a pena investir só na castanha, na batata ou noutros produtos que cá se fazem? Se calhar, há outras áreas. Estou a falar um pouco de uma forma geral mas, há outras áreas, outros produtos onde se pode apostar porque cá existe muita terra para cultivar e depois, havendo meios tecnológicos que permitam disponibilizar esses produtos ao país, ao mundo… se calhar é um ponto a ter em conta.

Para terminar que personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?

Foi a pergunta mais difícil que me fez e deixou-a para o fim. Personalidades, eu podia dizer o meu pai que foi uma pessoa que mais me marcou, que me deu educação e permitiu ser a pessoa que sou hoje. Existem, a nível da tecnologia, mais do que personalidades, empresas. Olho mais ao nível colectivo do que ao nível individual. Existem empresas que são muito importantes e que podem vir a ter um papel muito importante ao nível da tecnologia. Um dos exemplos é esta empresa da qual somos parceiros, a Oracle, que todos os dias procura distribuir novos produtos, produtos inovadores que permitem transpor o seu negócio para algo mais à frente. Eu dou importância ao colectivo.

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