sexta-feira, 22 de junho de 2012

Entrevista: Eng. Manuel Artur Taborda Guerra Junqueiro

(Esta entrevista foi realizada no verão de 2004. Foi uma entrevista fácil de fazer, que nos mostrou uma pessoa maravilhosa, única com a sinceridade e a sabedoria que só a idade pode proporcionar. Continua actual.)

É natural de Freixo de Espada à Cinta, distrito de Bragança, com o rio Douro ali ao pé, que lembranças guarda da sua meninice.

Tenho uma certa lembrança da ida à escola, de frequentar a escola primária. Fiz a escola primária em Freixo de Espada à Cinta. Só depois é que vim para Guimarães fazer o liceu mas, a escola foi toda em freixo de Espada à Cinta e tenho uma recordação desses tempos, do professor ou dos professores que havia. Eu tinha um mas havia dois e lembro-me perfeitamente deles. Coisas passadas nesse tempo não me ficaram bem, bem na memória mas tenho umas leves recordações.
Uma das coisas de que me lembro foi que a primeira vez que saí de Freixo para ir frequentar o Liceu em Guimarães, um colégio interno, a minha viagem foi a cavalo desde Freixo de Espada à Cinta até Barca de Alva e desci uma coisa que muita gente vai lá ver, a calçada de alpajares. Disso recordo-me perfeitamente e de ir a cavalo e que, em 1932 suponho eu, é a primeira saída que eu tenho de Freixo de Espada à Cinta.

E era um bom meio de transporte…

E eram uns bons meios de transporte. Eu, há pouco tempo, fiz uma viagem. Costumo ir ao Algarve todos os anos passar quinze dias com os filhos e com os netos e vim por Alcoutim. Fui ver Alcoutim, porque eu não conhecia Alcoutim e queria conhecer, bem como Barrancos. Estive em Alcoutim a ver aquilo e lembro-me, de aqui há uns anos, um secretário, um tesoureiro da fazenda pública que estava a dizer que quem fosse para Alcoutim ia para lá e só voltava a Vila Real de Santo António quando havia barco porque não havia outro transporte e eu disse assim: “Olhe, vocês aqui andavam de barco e eu andava de burro.”

Acaba a escola primária, a exemplo de muitos transmontanos e vai então estudar para fora. Foi para Guimarães, já nos falou, como aluno interno do Colégio Martins Sarmento. Como foi a mudança?

Foi uma mudança um bocado dolorosa. Houve dois dias que chorei. Um foi o dia em que um primo meu me deixou lá ficar, mas depois adaptei-me optimamente. Eu andava no Liceu Martins Sarmento mas estava no Internato de Guimarães, que era diferente. Tinha regras. Era num edifício em que o liceu era por baixo e o internato era por cima. Nós não vínhamos à rua. Nós descíamos umas escadas para ir para o liceu.

Concluiu os estudos de Engenharia Agrónoma em Lisboa mas quase a totalidade da sua vida profissional foi passada em Angola, na antiga colónia portuguesa. Sente-se um filho de duas pátrias?

Eu sentia-me angolano e nessa altura antes de haver o que houve. Amigos, colegas e veterinários que lá estavam, iriam fazer a vida toda por lá. Eu dizia que não o podia fazer, que vinha para cá tomar conta das coisas que o meu pai tinha e todos os anos ou, pelo menos de dois em dois anos, vinha a Portugal. Eu intitulava-me um angolano nascido na metrópole porque Angola é uma terra que nunca mais esqueço.

Fale-nos um pouco de Angola, os seus cheiros, os sabores, as gentes e também o estado de guerrilha permanente até à independência…
Ninguém faz ideia do que era a vida em Angola. Quando havia o terrorismo cheguei a fazer a viagem de Luanda até Sá da bandeira que são 1100 quilómetros, sozinho e de noite, toda a noite. Cheguei a fazer isso e ia para a zona de Serpa Pinto eu e o meu ajudante preto. Muitas vezes, pelo menos de três em três meses ia para a fronteira com a Namíbia no Cubango donde havia uma colonização com umas fazendas donde estavam radicados a grande maioria dos rapazes que foram para lá fazer a tropa e ficaram lá instalados e eu lembro-me perfeitamente. Ainda me lembro dele, já não o vejo há muitos anos, havia um rapaz que era aqui de Montezinho que esteve lá e depois esteve aqui em Bragança e contactei-o, quando estive como Governador Civil contactei muitas vezes com ele. Era uma vida completamente diferente. Eu digo muitas vezes, foi o sítio onde aprendi a ser homem. Foi lá porque me largaram no meio do mato, como a gente diz e tens que fazer isto e eu tinha que fazer, não havia ninguém a quem recorrer.
A minha vida particular, também a minha vida de casado… eu casei passado dois anos de lá estar e a minha mulher foi para lá e viveu no mato em pleno mato, viveu numa casa que tínhamos e éramos onze naquele sitio, onze ou doze funcionários brancos e ela adaptou-se perfeitamente e muita gente admirava-se de ela se ter adaptado àquilo. No fundo, também, era um bocado quase que a terra dela. Fomos para a Gabela, eu pedi uma licença ilimitada, fomos para uma companhia de café, chegou a ser o maior produtor de café do mundo, chegaram a produzir doze mil toneladas de café já pronto só era preciso torrá-lo, pronto para tomar mas, andava-se nas dez mil onze mil e estivemos lá quatro anos. Gostei imenso mas já não era bem aquela vida que a gente tinha da parte do Estado onde a gente trabalhava, porque íamos fazer assistência. Íamos e ficávamos lá e fazíamos a assistência, quer fossem brancos, quer fossem pretos. No colonato onde eu estive, era um colonato só de pretos eram oitocentos e tal pretos e, com as famílias todas, há volta de três mil e tal pessoas com mulheres e isso tudo e era com eles que eu funcionava. Tinha os capatazes brancos que me auxiliavam e o resto era tudo só com pretos e posso dizer que parte dos grandes amigos que eu tive em Angola, tive lá brancos de quem sou muito amigo ainda hoje, outros já faleceram eram os pretos. Eu tenho uma certa admiração por eles e tenho pena desses pretos que eu conheci que eram aqueles que viviam no mato que faziam a agricultura. A esses não lhe saiu a sorte grande, foi uma desgraça para eles.

Ficaram-lhe, com certeza, muitas marcas desse tempo?

Tenho episódios com eles. Há muita gente que sabe que havia lá os administrativos e os pretos iam pôr as suas queixas aos administradores e às vezes iam a mim e eu dizia: “Vocês vão ter com o administrador, ele é que vos vai resolver isso.” – “Não, não. O senhor engenheiro é que tem que resolver isso.” E era eu que tinha que resolver. Com os anos que eu lá vivi e muitas vezes a falar com os administradores punham-lhes certos problemas que lhe interessavam a eles e que me interessavam a mim mas resolvi muitos problemas, muitas “macas” como dizem os pretos.

Era uma espécie de advogado…

Não, de juiz. Eu fazia um tribunal em que aqueles que me iam fazer queixa, levavam uma quantidade de pretos e eram eles que faziam a sentença. Eu dizia muitas vezes “passou-se isto assim, assim.” “Pergunta lá. (Aquele que falasse a língua deles porque eu não falava a língua deles.) Agora ele tem que ser castigado e escolhe este castigo ou aquele.” E eram eles que lhe punham o castigo. Eu punha-lhe o castigo à vontade de poderem escolher que era ir embora ou serem castigados de outra maneira. Nunca houve um agricultor que me dissesse “Eu quero ir embora.” Preferiam ser castigados mas, também, havia uma coisa que eu fazia e a minha mulher, a princípio, preocupava-se. A minha casa só tinha uma luz eléctrica até às nove e depois não havia. Era de lanterna que chegavam a ir à minha porta à uma da manhã para eu os levar ao hospital que era a trinta quilómetros e eu levantava-me e ia levá-los e nunca tive problemas. A princípio, a minha mulher, quando me batiam à porta ela ficava aflita. “- Desculpa, descansa porque eu sei quem é que são pelo falar. Já sei quem são.” Principalmente eram aqueles que estavam mais perto de mim e por isso é que eu tenho por esses pretos uma amizade muito grande.

Foi difícil a adaptação depois de regressar de Angola?

Foi, porque eu nunca me convenci e a adaptação foi de tal maneira que eu decidi reformar-me. Eu podia ter ido para outro lado qualquer mas reformei-me. Não estava para aturar mais ninguém. Hoje talvez pudesse ter feito mais alguma coisa mas, pelo desenvolvimento que eu via nos serviços de agricultura… nunca me convenceram grandemente.

Foi Governador Civil de Bragança no período que vai de 1978 até 1981. Que recordações guarda desses tempos?

Eu, desse tempo, guardo as melhores recordações porque eu praticamente não conhecia Bragança. Tinha vindo cá uma ou duas vezes e fiquei a gostar de Bragança e das gentes de Bragança. Arranjei cá amigos, dei-me bem com toda a gente e naquela época era impossível fazer qualquer coisa mas lá se ia tratando. Havia uma grande união entre o Governador Civil e os Presidentes das Câmaras. Não sei se essa união continua ou se não. Entre eles sei que não há porque, naquela altura, os presidentes das câmaras juntavam-se uns com os outros e resolviam os problemas em comum. Se um tinha um problema os outros ajudavam e eu, hoje, não vejo isso. Parece que cada um puxa para seu lado… lembro-me que numa ocasião veio cá o General Ramalho Eanes, Presidente da República e andou a visitar o distrito todo de helicóptero. Em todos os concelhos se juntaram os Presidentes de Câmara todos. Lembro-me que o de Torre de Moncorvo, que morreu há algum tempo, esteve comigo em Mogadouro e quando o Presidente da República chegou a Moncorvo ele já lá estava à espera dele: “Mas você já está aqui?” “Já sim senhor! Eu vim à frente para o esperar a si.” Porque eles não queriam que ninguém falasse com o Presidente, só eles é que podiam falar. Havia uma certa união entre eles todos e estou convencido que foi um período muito bom. Eu bem sei que não havia obras a fazer, pois não havia dinheiro, mas fizeram muitas obras porque havia uma certa união entre eles, havia um certo bairrismo pelo distrito, que julgo que é capaz de não haver agora. Dá-me a ideia de que não o haverá agora. Eu estou afastado disto tudo mas julgo que não há.

O nome Guerra Junqueiro tem um grande prestígio em Portugal. Quem é, para si, Abílio Manuel Guerra Junqueiro?

Era o irmão do meu avô. O nome Guerra Junqueiro, que muita gente não sabe, nasce com Guerra Junqueiro e os irmãos de Guerra Junqueiro. Foi o pai de Guerra Junqueiro que se chamava Junqueiro, que era de Ligares, que veio para Freixo de Espada à Cinta como marçano para trabalhar no comércio do senhor Guerra e casou com a filha do senhor Guerra. Nasceram os Guerra Junqueiro, porque antes não havia a junção de Guerra com Junqueiro. Depois a mãe do Guerra Junqueiro, isso sabe-se que faleceu quando ele tinha três ou quatro anos e o velho Junqueiro voltou a casar com uma irmã, uma cunhada e nascem três ou quatro raparigas e um rapaz. Esse rapaz é o meu avô que é irmão do Guerra Junqueiro e claro que eu não o conheci. Ele morreu tinha eu dois ou três anos, não o conheci. Conheci muito bem e muitas vezes estive com ela em casa, a mulher, a Filomena e a filha dela a Maria Isabel, muitas vezes estive em casa com elas, almoçava com elas e tinha uma certa admiração pela mulher do Guerra Junqueiro, a Filomena.

Nasceu dois anos antes do desaparecimento do poeta Guerra Junqueira. Sentiu ou sente, de alguma forma, a sua influência?

Não. Há algum tempo foram a Freixo, não sei que rádio e fizeram-me umas perguntas e que eu recitasse algum poema. Eu sou capaz de os saber mas tem que ser com calma e devagar porque eu lembro-me de uma quantidade de versos que sabia e claro que isso tudo desapareceu. Sei o começo de alguns. A ele não o conheci mas, tinha uma certa admiração e pela mulher dele pela Filomena, também. Eu tenho a obra toda dele, uma obra que foi editada aqui há uns anos em papel bíblico e que é um volume grande que tem as obras todas dele, foram publicados em mil novecentos e cinquenta e tal, foram as obras dele e as obras de Eça de Queiroz. Saíram esses dois livros e eu comprei-os.

A câmara de Freixo tem vindo a realizar um bom trabalho a nível da divulgação e preservação de memória do seu ilustre poeta, nomeadamente com um concurso literário que promove. No entanto, que mais se poderá ainda fazer? Em sua opinião, que outros caminhos podemos seguir?

Eles têm feito tudo o que é possível do ponto de vista literário, para a projecção do nome Guerra Junqueiro pelo país. Freixo de Espada à Cinta fica no calcanhar de Portugal, nas terras do fim do mundo como a gente dizia em Angola. O que se poderia fazer mais era arranjar como deve ser, o museu de Guerra Junqueiro lá em Freixo. O ano passado ou este ano houve também uma coisa sobre o Guerra Junqueiro, que já não tenho presente o que é que foi e convidaram-me como representante. Estavam lá outros primos meus mas como eu era o mais velho mandaram-me a mim para a mesa. A princípio pediram-me para falar e eu disse: “Não tenho nada para dizer.” Mas depois, conforme aquilo decorreu, quis falar e lancei o repto à Câmara Municipal de Freixo e à direcção da Casa Museu Guerra Junqueiro para que se recuperasse a casa que o Guerra Junqueiro tinha na Quinta da Batoca em Barca d’Alva. Tem lá uma varanda que é posterior à casa e que era o sítio onde a mulher do Guerra Junqueiro, com as mulheres que partiam a amêndoa, britavam a amêndoa. Ainda me lembro de as ver lá e nas paredes há frases feitas por Guerra Junqueiro e assinadas por ele. Há algumas que não são. Suponho que umas duas ou três são assinadas pelo pai do Guerra Junqueiro. Há muitos anos falei disso à filha, à Maria Isabel e disse: “Ó Maria Isabel podia fazer isto assim, assim para ver se aquilo não se perde.” “Ah está bem, hei-de fazer…” e nunca fizeram nada e agora lancei o repto à câmara e à direcção da casa museu. Era para ver se recuperavam a casa porque a casa é esplêndida, sobranceira ao rio e merecia ser adaptada, para ser visitada por pessoas que quisessem ir lá.

Fala-se muito da falta de acessibilidades e da desertificação desta região. Estaremos condenados a desaparecer do mapa, mesmo estando muito bem localizados frente à Europa comunitária?

Nós estamos no extremo da Europa. Desculpem o termo. É o termo que se usa numa região de África. Estamos no corno, tal como existe o corno de África que é a Etiópia e é aquela parte da Somália, nós estamos da mesma maneira. Eu digo muitas vezes que Portugal, se a gente olhar para o mapa da Europa, Portugal é um tapete onde os americanos passam, limpam os pés e depois é que entram em África e na Europa. Não temos projecção absolutamente nenhuma. Quando nós tínhamos o ultramar nessa altura éramos o maior país da NATO. Hoje não somos nada, somos o país mais pequeno da Europa e nessa altura éramos o maior país da NATO. Para mim os políticos, a grande parte deles, senão todos não olham para Portugal, olham para o umbigo deles e para o próprio partido e é isso que me custa. Eu, como muitos outros, demos o nosso trabalho em África e foi um trabalho duro. Houve muita gente que teve lá um trabalho duro. Deixamos aquilo, viemos para cá e ninguém quer saber deste país. Todos querem resolver os problemas de cada um e mais nada.

Em sua opinião o que mais poderá ser feito para tornar esta região mais próspera?

O único sítio onde poderemos apostar, é na parte agrícola, que é o que nós temos aqui no nordeste transmontano. Não tem mais nada. A única coisa que ainda tem uma certa projecção, são os três ou quatro concelhos do fundo do distrito: Carrazeda, Vila Flor, Moncorvo e Freixo com o vinho generoso. O resto, as produções são muito pequenas…

Mas a castanha também tem alguma força…

Também tem alguma força mas parece-me que já se perdeu muito do mercado da castanha no Brasil. Tenho essa impressão porque, aqui há uns anos o meu pai vendia um vinho, que era para o Ramos Pinto e lembro-me que era vinho branco. Eu estive à frente da Adega Cooperativa de Freixo. Um senhor que comprava vinho, o senhor Acácio Monteiro, da Régua, uma ocasião encontrou-me na Régua e perguntou-me se eu tinha vinho na adega e eu disse: “Sim, tenho vinho para vender. Então o que é que quer senhor Acácio?” “Queremos vinho tinto.” “Eu tenho vinho tinto e tenho vinho branco. Vocês têm que me levar sempre uma percentagem de vinho branco.” “Eu vendo mais vinho tinto. Vinho branco não nos interessa.” E eu disse assim: “Oh senhor Acácio, porque é que aqui há alguns anos vocês só queriam vinho branco?” “É que nós tínhamos um mercado de vinho branco do Brasil.”
Acabou e esse vinho acabou também. Não sei se com a castanha será a mesma coisa e depois temos o problema dos castanheiros que, no fundo, não está resolvido. É um dos problemas que eu ponho aos serviços. Não é daqui de Mirandela, é de lá de cima. Não vejo as pessoas a trabalhar como deve ser. Aqui há uns dez ou onze anos houve uma reunião sobre a amendoeira em Moncorvo e um colega meu que fazia programas sobre agricultura na TV, o engenheiro Veloso chamou-me para ir fazer, juntamente com outros técnicos aqui em Mirandela e com os espanhóis, uma conversa, fora das palestras. Perguntou-me: “Ó Guerra você o que é que diz? “Ó Veloso, eu digo-lhe isto: nós temos a nossa amêndoa e a nossa amêndoa quando dá um rendimento de 18% já é muito bom. Ora bem, eu já falei aqui com um nosso colega, um Espanhol e ele já tem um rendimento de 27 por cento. Ele disse-me que está a trabalhar no melhoramento da amêndoa. Nós, para termos amendoais que produzam alguma coisa temos que importar as amendoeiras como eu já fiz. O actual Governador Civil de Bragança importou amendoeiras de Espanha ou de França. O problema do castanheiro, a doença que tem é uma doença difícil. Não sei se estão a trabalhar a cem por cento porque é um rendimento aqui no norte do distrito, assim como a azeitona, amêndoa e vinho o são do sul do distrito. O gado também é importante e as raças autóctones igualmente.

Acha que para esta região prosperar o Instituto Politécnico de Bragança foi uma boa aposta?

Eu também tenho outra opinião sobre os institutos e sobre os institutos todos e sobre as universidades que estão a abrir. No outro dia vim do Porto e há dois dias fui à Póvoa de Lanhoso e fiquei muito admirado de lá ver uma universidade e um politécnico. Estão a pôr politécnicos por todos os sítios e depois o que observamos todos os anos? Não há colocação para essa gente. Para que é que estamos a fazer técnicos se não os podemos absorver?
Claro que me podem dizer assim: “Antigamente só estudavam aqueles que tinham posses.” Está bem, mas não eram só esses. Também havia muita gente que estudava sem ter posses, mas havia a determinação de dizer assim: “Aqui em Agronomia entram cento e cinquenta. Acabou-se.” E é assim que nós temos de fazer porque aqui, quando se abriu o Politécnico, que começou ainda comigo para se comprar a quinta e lembro-me que, quando aquilo arrancou eram práticas agrícolas, tem agora outro nome, estava como governador civil o Dr. Moreno e uma ocasião fui falar com ele: “Agora vamos ter os problemas dos técnicos resolvidos aqui nesta região. Esta gente veio para cá, rapazes agricultores estudar e eles depois vão para a terra deles…”
“Ó Doutor, está enganado. Esta gente veio para cá, ficaram com uma formação técnica, sabem mais, mas o que vêm é depois pedir um lugar para trabalhar. Não é para ir para a terra deles. Isso não vão de certeza.”
Estamos a ver que é isso que está a suceder. Por isso, havia outras coisas que era preciso fazer, as antigas escolas técnicas. Isso é que era preciso, industriais e técnicas. Em Freixo de Espada à Cinta, não há sapateiro, acabou o sapateiro, e eu levei umas botas para me arranjarem no Porto e estive lá com a minha filha e diz-me ela assim: “Não tem mãos a medir.” Pois não, não há mais ninguém. E é isso que a gente precisa. Temos que pagar melhor.

A actual situação política do país causa-lhe alguma preocupação?

Causa, como deve causar a toda a gente, porque parece-me que já não acredito em ninguém. Por causa da situação política actual, outro dia com os meus filhos, punha-se-nos um problema por causa das novas eleições. O Presidente da República, eu isso não discuto nem posso discutir, demitiu o governo. O principal era o Primeiro-ministro. Agora, pergunto ao Presidente da República: Vai haver eleições. Suponhamos que ganha o PSD e que é o Dr. Santana Lopes indicado para Primeiro-ministro…

Para terminar, que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?

A mim, marcaram-me personalidades em Angola. Os técnicos de Angola, o trabalho que eles lá deixaram e não só os técnicos. Era a população branca que estava destinada para aquela Angola, porque quem fez o povoamento de Angola foram os comerciantes brancos de Angola, juntamente com as missões católicas, porque havia comerciantes que estavam em cascos de rolha e os serviços técnicos não iam lá. Eram eles que resolviam os problemas, cediam as sementes aos pretos e essa história toda… Eu apercebi-me de que os serviços oficiais fizeram muito, mas havia certos sítios do território onde era o comerciante branco, que diziam que roubava o preto, mas não. Isso era uma ilusão muito grande, que fazia esse fomento do preto e que fez o fomento, uma coisa extraordinária, assim como as missões católicas que também deixaram um serviço exemplar por Angola fora.

Estamos-lhe muito agradecidos pela sua presença no “Nordeste com Carinho”. Muito obrigados Senhor Engenheiro.

Obrigado eu por este bocadinho que passei aqui com vocês e até me fez bem que, como eu disse, sou um angolano nascido na metrópole. Desabafei um bocado sobre as coisas de Angola com Portugal. O que era Portugal antigamente e o que é agora, este bocadinho de terreno que nós temos.

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