segunda-feira, 18 de junho de 2012

Ainda a alma transmontana, em jeito de resposta à Idalina

Idalina, o comentário que tiveste a gentileza de nos enviar sobre a alma transmontana, está fantástico. Define muito bem a nossa transmontaneidade. Aqui deixo um pequeno texto com a minha versão, ou melhor, uma das minhas versões.

Quanto a almas, a nossa é diferente de todas as outras! Somos portugueses e transmontanos até ao tutano.
E somo-lo com mais intensidade, quanto mais distantes estamos da nossa terra, da luz que nos viu nascer.
Saí daqui muito novinha, quase bebé, sem mais vivências do que as histórias à lareira, o chilreio dos passarinhos, os brincos de cereja, o rumorejar da água nas pedras do ribeiro, o cantarolar da água nas pequenas cachoeiras do Tuela, ao qual pertenço, por osmose...
Com os meus pais e irmão, fui para o Brasil. Acolhi São Paulo dentro de mim como se dali fosse, como se nunca tivesse conhecido outro chão.
São Paulo é uma imensidão, na imensidão brasileira. Ali me encontrei, sem as verdes paisagens a que os meus olhos se haviam habituado. Ali cresci, estudei, vivi, calidamente amei... aprendi a ser quem sou, mas nem mesmo a vastidão oceânica que me separava da minha terra, de que mal me lembrava, conseguiu depurar a minha alma transmontana.
As lágrimas, imperiosas, rolavam pela minha face quando ouvia os acordes do meu hino, quando vislumbrava as cores da minha bandeira...
Na escola descobri os poetas portugueses que intrinsecamente conhecia.
Na faculdade descobri Miguel Torga, Miguéis, Eça, Guerra Junqueiro, Cesário Verde, Camões, Bocage, Pessoa...
Amo o Brasil, profundamente. Amo profundamente, Trás-os-Montes e Portugal.
A minha alma bipartida, em conflito permanente é, com com certeza, transmontana.
Regressei, acabrunhada de incertezas, de saudades, de lágrimas... sem mimos, sem carinhos até ali pródigos e profícuos. Sofri o desterro pela primeira vez por não saber quem, verdadeiramente, deveria ser.
Afiz-me, aclimatei-me, dei-me tempo e esperei que tudo voltasse à normalidade.
Não voltou. A alma continua dividida, imensa, incomensurável e é devido a essa incomensurabilidade que nela posso abarcar tudo e todos e ser quem, hipoteticamente, sou.
Trás-os-Montes é o mundo que eu quero conhecer, seja a Austrália ou a África primeva, pois essa é a herança de todos os transmontanos: ser cidadãos do mundo sem nunca negarem quem verdadeiramente são.

Mara Cepeda

1 comentário:

  1. Mª Idalina A. Brito19 de junho de 2012 às 15:53

    Olá Mara;
    Gostei muito do teu testemunho. Comungo contigo esse sentimento duplo da existência: estou longe e tão perto, e estou tão perto na distância de tão longe.
    Ao ler o que tu escrevestes, lembrei-me de uma pequena passagem que do meu livro, aliás está na contracapa do livro "Na margem esquerda da ribeira" que vou transcrever, se me permites: ..." E, penso muitas vezes, que este meu amor ao campo é idêntico ao amor que muitas pessoas têm pelo mar ou pela cidade. Aqueles, porque nasceram, viveram ou vivem junto àquela imensidão azul e verde, branca e salgada, agitada, buliçosa, que os encanta, perturba ou atormenta. Estes, pelo movimento, ação, barulho, vida, mudança, agitação frenética, stress, que os faz viver, respirar, cansar, suar, mas que "morreriam" sem esse conforto diário.
    Já vivi nesses cenários. Amei-os enquanto duraram e, me foram imprescindíveis à minha existência e construção do meu futuro.
    Porém, à minha alma campesina, faltava o ar frio e leve, quente e abafado, faltavam as serras, as montanhas, os vales, o imenso planalto, que a chamavam diariamente e, a atraíam sempre. Ela, não poderia viver sem o "seu Trás-os-Montes" e, longe, uma saudade imensa assolava-a, atormentava-a, que só terminou quando, definitivamente, regressou para aqui viver.
    Sou camponesa, com apenas os primeiros anos da minha infância. Mas aprendi, nesse curto periodo da minha vida, a amar o campo e, quem aprende a amá-lo, jamais o esquece. Amá-lo-á sempre, por mais longínquo que possa estar e por mais agitada, movimentada ou atarefefada a sua existência...".
    Um grande abç para vós. Boa noite. Mª Idalina Brito

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