sábado, 1 de dezembro de 2012

Entrevista: Isabel Ferreira, investigadora e professora da Escola Superior Agrária do IPB

Apesar de ser ainda muito jovem tem apenas 32 anos guarda, com certeza, algumas lembranças da sua infância. Fale-nos um pouco dessas vivências. (Neste momento tem 38 anos. A entrevista foi realizada em 2006)


Claro. Eu nasci e cresci em Bragança. Vivi sempre aqui. Os únicos anos da minha vida em que estive fora foi o período em que fiz a licenciatura e depois regressei logo, imediatamente. Em termos de infância eu recordo todos os anos que passei no Colégio Sagrado Coração de Jesus, onde fiz a minha escola primária e a seguir, no básico e depois todo o ensino secundário, fiz na Escola Secundária Miguel Torga, portanto, recordo-me de todas as vivências pelas quais se passa durante esse tempo: as brincadeiras, o estudo… em termos de hobbieslembro-me de participar na Associação Guias de Portugal, que é, para quem não sabe, um movimento de escutistas mas só para raparigas e que também é muito conhecido aqui em Bragança. São algumas das que me ocorrem, agora, salientar.


Como foi a sua vida de estudante até ir para a universidade?


Eu era muito estudiosa. Era aquela estudante que os colegas dizem e que intitulam a marrona. Era efectivamente e reconheço. Era mesmo muito aplicada, sempre estudei muito. Fiz o secundário com muitas boas notas, acho que as máximas do distrito na altura e ganhei até um prémio por isso, atribuído pelo governo civil. Foi o percurso normal de qualquer estudante antes de ir para a universidade, mas com essa particularidade.

Normal?

Efectivamente, eu vivia muito para o estudo e continuo a viver até hoje.

Um percurso normal para os estudantes aplicadíssimos… Escolheu o curso de Bioquímica na universidade do Porto. Algum motivo especial?

Bom, a Bioquímica foi essencialmente pelo gosto que fui adquirindo, pelas duas disciplinas base, digamos assim, que compõem esta licenciatura. Por um lado, era a Biologia e por outro lado era a Química. Portanto, eu, no secundário, optei pela área de ciências e vim adquirindo este gosto por estas duas áreas que tomaram ainda mais significado no 12º ano. Na altura o 12º ano funcionava com apenas três disciplinas. Eu tinha biologia, química e matemática e foi o culminar daquele percurso todo em que eu penso que até atingi o auge como estudante. O meu 12º ano foi espectacular do ponto de vista académico, com muito sucesso e, portanto, achei que o que eu queria era continuar. Então, o que é que eu posso escolher? Bioquímica era um curso que se aproximava muito dessas temáticas e era um curso inovador. Tudo à minha volta, em termos de investigação, em termos de descoberta, em termos de Prémio Nobel, tocavam na bioquímica e, portanto, achei que era um curso interessante e foi isso que me seduziu.

O Porto foi porque, realmente, na altura, só havia em três universidades: Porto, Coimbra e Lisboa. Para uma pessoa de Bragança, o Porto fica sempre mais perto mas, além disso, era uma universidade em que o curso era prestigiado. A média era bastante alta, era a mais alta das três universidades. Foi por essas duas razões: por um lado a proximidade e por outro lado a qualidade que eu sabia que o curso tinha nessa universidade.


O seu percurso académico é deveras impressionante. Acabou a licenciatura com 22 anos, aos 25 tinha o mestrado e aos 29 estava doutorada. Fale-nos desses intensos anos de estudo.





Eu até aqui falei do meu ensino secundário que, efectivamente, foi muito bom e quando eu digo que foi o auge, foi efectivamente, porque eu confesso que detestei os anos de licenciatura. Detestei e que me perdoem os leitores se ferir alguma susceptibilidade, mas detestei viver no Porto e, portanto, para mim foi um grande choque, talvez por estar habituada a viver em Bragança em que tudo se passa de uma forma muito mais caseira e muito mais pequena e, quando aos 18 anos, fui para o Porto sozinha, sem a família, custou-me imenso. Nunca ultrapassei e decidi, depois de lá estar e chorar constantemente, chorar, chorar, chorar, de estar nas aulas a chorar e ir para casa a chorar, decidi fazer o curso o mais rápido possível para voltar para Bragança e assim foi. Acabei o curso e, entretanto, achei que nesta área da Bioquímica, aquilo que eu queria ser e efectivamente sempre quis ser foi seguir a carreira de ensino superior associada à investigação. Aliás, lembro-me quando acabei o curso e vou fazer, aqui, uma inconfidência, passar nas portas do Instituto Politécnico e dizer: “Meu Deus, eu quero tanto trabalhar aqui!” Porque, efectivamente, em Bragança era a única possibilidade que eu tinha, de concretizar o meu sonho.


E ficar na terra…


Efectivamente, ficando na terra o ideal era trabalhar no Instituto Politécnico, portanto, lembro-me de passar imensas vezes e dizer isso e comentar com os meus pais essa mesma situação. Entretanto, uma vez que pretendia essa carreira, era imperativo o mestrado e o doutoramento e, também, por uma questão familiar porque, efectivamente, sou muito ligada à família e porque tinha um irmão em Braga a viver, optei e só por isso, pela Universidade do Minho. Foi mesmo só por isso. Fui para a Universidade do Minho, procurei um mestrado que me interessasse na área da Bioquímica e fi-lo. Quando acabei o mestrado continuei na mesma área e com as mesmas pessoas e continuei logo no projecto de doutoramento. Assim foi até 2003.


Entrou para a Escola Superior Agrária em 2000. Foi um percurso natural na sua trajectória de vida?


Foi como eu lhe acabei de explicar. Ainda trabalhei noutros sítios, pois comecei logo a trabalhar. Quando acabei o curso aos 22 anos fui professora na Escola Secundária Miguel Torga, durante dois anos. Depois estive no ISLA, também, durante um ano e meio até concretizar o tal sonho. Foi nesse período que eu, ao passar à frente do Politécnico dizia: Tenho de concorrer para aqui. Tenho de conseguir entrar. Em 2000 houve um concurso a que concorri e fui admitida.


Fale-nos brevemente da sua área de actividade neste momento, a Bioactividade.


Esta opção pela investigação que faço neste momento foi o resultado de várias circunstâncias. No meu doutoramento trabalhei em Bioactividade de compostos sintéticos, aquilo a que chamamos fármacos. Compostos que, eventualmente, possam depois ser utilizados em medicamentos. No entanto, quando vim para o Instituto Politécnico de Bragança, para a Escola Superior Agrária, senti a necessidade de aplicar a investigação que estava a fazer, à realidade da escola, ao facto de ser uma escola superior agrária e ter associado um centro de investigação, o Centro de Investigação de Montanha (CIMO), que tinha já linhas de investigação definidas e, portanto, tive essa necessidade de aplicar todas as técnicas que eu tinha aprendido, a matrizes que fizessem mais sentido no contexto de uma escola superior agrária, nomeadamente, produtos alimentares.

Aquilo que eu faço agora é estudar essa mesma bioactividade, que se entende pelas propriedades biológicas e químicas ou propriedades medicinais só que, em vez de serem de compostos sintéticos, são produtos naturais, obtidos a partir de alimentos.


Ganhou o prémio Gulbenkian em investigação científica na área de síntese química. O que significa, para si, essa distinção?


Foi um dos momentos mais importantes da minha vida porque, efectivamente, foi um prémio a nível nacional e nós todos conhecemos o historial dos prémios Gulbenkian. Normalmente, ficam centrados na Universidade de Lisboa e nas pessoas da Universidade de Lisboa ou em universidades mais fortes, portanto, foi uma grande honra ser distinguida por esse prémio. Foi, também, um reconhecimento do meu trabalho de doutoramento porque, esse prémio foi no âmbito, embora fossem trabalhos independentes, do doutoramento. Vinha um pouco no âmbito do trabalho daquilo que eu fazia em termos de investigação. Foi o reconhecimento de todas as técnicas que se utilizava, o reconhecimento de que se tratava de uma investigação de ponta e foi um momento único.


Fale-nos, por favor, sobre o trabalho desenvolvido e dos benefícios que essa investigação pode trazer para a ciência actual.


Quem faz investigação, penso que tem sempre, na sua consciência essa pergunta. “Porquê é que eu estou a fazer isto? Que benefícios traz para a ciência? Que vai trazer esta minha investigação para a humanidade?” Todos nós pensamos nos grandes investigadores, naquilo que eles deixaram, na forma como eles são citados… Então, quando nós fazemos a nossa pequena investigação, pensamos: Estamos aqui. Estamos a gastar dinheiro, para fazer a investigação. Será que isto vai ter aplicação? Será que isto é importante? Todos os dias eu penso nisso. Obviamente que há investigação mais fundamental, investigação mais aplicada. Eu tento fazer uma investigação mais aplicada. De qualquer forma, há sempre um percurso a seguir quando estamos a falar em bioactividade, ou em propriedades biológicas de compostos pró-fármacos que depois possam ser, eventualmente, utilizados como medicamentos. Existe sempre um grande percurso até chegar à fase final. De qualquer forma, independentemente, das aplicações que puderem ter a longo prazo, acho que é importante nós conhecermos, em relação a produtos alimentares, nomeadamente, os cogumelos que é uma área onde eu trabalho, saber, por exemplo, qual é o seu valor nutricional. Saber se têm ou não têm propriedades medicinais. Acho que é um contributo, em primeiro lugar, para a região e depois para todo o país e todo o mundo, porque há vários investigadores, de diferentes países, que fazem uma investigação parecida com a minha e, portanto, aplicações tem. Tentamos sempre que seja uma investigação aplicada e acho que a tendência do país é um pouco essa. Em termos de impacto final, só o tempo o dirá.


Na sua área de investigação a bioquímica esta ligada a medicina…


A bioquímica é muito transversal, agora, quase todas as formações no domínio da ciência, no domínio das tecnologias, no domínio das engenharias, têm a bioquímica mas, efectivamente, a minha especialização tem sido muito ligada à medicina, desde o meu estágio curricular que fiz na licenciatura, feito num hospital, num laboratório de química clínica e depois, de alguma forma, a investigação que faço, tem sido aplicada nessa área, tendo começado no doutoramento, em que sintetizámos compostos novos, que não eram conhecidos e que eram análogos de uns compostos anticancerígenos mas que tinham efeitos secundários e que foram utilizados durante muito tempo como anticancerígenos. Como se manifestaram com efeitos secundários significativos, deixaram de ser comercializados, portanto, o que nos tentámos analisar foi o efeito da relação estrutura/actividade. Isto é: mudando a estrutura, pequenos pormenores na estrutura química daquele composto, para ver se a actividade medicinal mudava. Portanto, nessa perspectiva, sim, está ligada à medicina porque fizemos e continuamos a fazer pesquisa anticancerígena, em linhas celulares, em linhas tumorais mas, de qualquer forma, a bioquímica tem muitas outras aplicações.


Que resultados tem conseguido com os estudos dos cogumelos?


Bom, nós já estudámos algumas espécies. Já temos a caracterização química de cinco ou seis espécies. Já sabemos exactamente quais são os ácidos gordos que têm, os açúcares, as proteínas, os hidratos de carbono, o valor energético e estamos agora a ultimar um estudo que analisa a influência de vários tipos de processamento nesse valor nutricional, nomeadamente, cozinhar o cogumelo, de o desidratar, de o congelar, etc. Em termos de propriedades antioxidantes temos verificado que compostos extraídos a partir dos cogumelos conseguem inibir, a hemolise, que é a ruptura da membrana de glóbulos vermelhos do sangue e temos, também, feito estudos com células cerebrais de porco, em que verificámos que os cogumelos inibem a peroxidação lipídica dessas células. A peroxidação lipídica é o fenómeno que conduz à destruição das células e, portanto, que depois resulta, no caso do homem, no envelhecimento, por exemplo.


Durante o triénio de 2005/2008 é coordenadora de dois projectos de investigação científica financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Fale-nos brevemente de que tratam esses projectos.


O facto de ter estes dois projectos, se calhar, vai parecer a quem nos lê, que são projectos totalmente diferentes e se eu disse-se o nome, efectivamente, eram totalmente diferentes mas, no fundo, aplicam as mesmas técnicas e têm a mesma investigação de fundo, a diferença entre os dois é que um trata com produtos sintéticos que vem desde aquilo que eu faço no meu doutoramento e não quis deixar de fazer outro é aplicar as mesmas técnicas mas agora, numa realidade de Escola Superior Agrária há produtos alimentares, este último chama-se Propriedades Bioactivas de Cogumelos Silvestres Comestíveis e, portanto, tem como principais objectivos avaliar as propriedades antioxidantes destes alimentos uma vez que são alimentos ricos em vários compostos que têm já, reconhecidamente, actividade antioxidante e também por outro lado, conhecer melhor qual é o valor nutricional destes alimentos e qual é a sua composição química em termos de gordura, de ácidos gordos, de açúcares, de proteínas, etc. o outro projecto vai na mesma linha, com a avaliação das mesmas actividades, só que para além da actividade antioxidante é, também, actividades anti tumorais mas, agora, em vez de ser de produtos alimentares de produtos sintetizados por nós, quimicamente, destas propriedades bioactivas aquela que nós estudamos mais é, efectivamente, a actividade antioxidante porque, também, se sabe que a maior parte dos anti tumorais funcionam como antioxidantes, portanto, o facto de bloquear a produção de radicais livres pode evitar a proliferação de alguns tumores e, portanto, daí insistir na avaliação das propriedades antioxidantes.


Projectos que ainda vão demorar algum tempo a estar concluídos…


Sim, o financiamento inicial vai até 2008. De qualquer forma há sempre atrasos, portanto, até 2009/2010, seguramente que ainda estarão em curso. De qualquer forma, há sempre concursos, eu própria tenho no último concurso que houve para financiamento de projectos submeti-me a outro, portanto, espero que não acabe o financiamento nesta área e que possa continuar a fazer a investigação.


Para além de toda a actividade que desenvolve como docente e investigadora, ainda tem tempo para colaborar em trinta publicações científicas internacionais. Como é que consegue?


Isso é uma consequência porque, quando nós fazemos investigação, importa que depois sistematizemos os resultados e os divulguemos. Portanto, a forma de publicação é o meio que temos de divulgar os resultados para o resto da comunidade científica. Sempre que vamos tendo resultados relevantes, vamo-los agrupando e fazemos essas publicações. Se calhar, até há quem considere que a divulgação é muito fechada. Efectivamente, essas publicações de que fala são muitas delas internacionais e mais lidas só pela comunidade científica


São específicas.


Sim, e nem toda a gente tem acesso de uma forma fácil mas, efectivamente, é um dos indicadores, inclusivamente, para saber qual é o progresso de um projecto. Quando fazemos uma candidatura para obter financiamento, temos de dizer quais são os indicadores que esperamos obter, nesses projectos e um dos indicadores que são mais significativos é, precisamente, a publicação de artigos em revistas científicas da especialidade que mais relevância têm, nomeadamente, para a Fundação para a Ciência e Tecnologia na aprovação desses mesmos projectos. É uma forma de sistematizar, de ficarem registados os resultados e de os divulgar.


É uma forma de registar como vossa, a descoberta…


Com certeza e é importante. Eu própria, quando estou a escrever um artigo com os resultados que obtive numa determinada parte da investigação, é-me extremamente útil quando faço uma pesquisa bibliográfica, aceder aos artigos internacionais de investigadores de todo o mundo. Dá para saber quais são os investigadores que trabalham naquela área e se estão a fazer trabalhos parecidos, se são iguais, se tiveram os mesmos resultados, porque, às vezes, até podem ser as mesmas técnicas, mas basta, por exemplo, ser um composto diferente, ser uma espécie diferente, já dá resultados diferentes, portanto, é importante fazer essa comparação.


Esses resultados, depois de publicados, ficam a disposição de qualquer cientista para poder usar, sem solicitar quaisquer direitos?


Sim, podem consultar. Inclusivamente, quando nós preparamos uma publicação, podemos incluir na introdução desse artigo, uma revisão bibliográfica em que citamos outros autores e outros autores nos citam a nós e, portanto, é perfeitamente livre nesse sentido e pretende-se, inclusivamente, que a comunidade científica tenha o acesso mais vasto possível e de forma mais facilitada possível, a essas publicações.


Além de escrever estas publicações todas, tem também a revisão de textos científicos. Fale-nos dessa actividade também.


Bom, quando nós preparamos uma publicação, normalmente, temos de escolher qual é a revista em que nos interessa publicar aqueles resultados. Temos de ver qual é a revista que melhor se adequa àqueles resultados, portanto, fazemos uma submissão do artigo, o que exige um processo de revisão. Não é garantido, obviamente, que por se submeter um artigo, que ele seja publicado. Tem de passar por uma comissão de revisão, que vai fazer a revisão e que depois darão a sua opinião. Se consideram que o artigo é para ser publicado naquela revista, se deve ir para outra. Se é publicado podem, inclusivamente, sugerir correcções. É um processo algo moroso. Portanto, tal como eu submeto os meus artigos e estou sujeita à revisão de outras pessoas, também eu própria tenho revisto e tenho sido convidada para rever artigos de outros investigadores nacionais e estrangeiros.


Neste momento é coorientadora de dois alunos de doutoramento e membro de vários júris de mestrado. Nota-se um grande incremento nos doutoramentos e mestrados em Portugal. Este facto é benéfico?


Sim, claro, na minha opinião é benéfico porque, efectivamente, é assim que a ciência se desenvolve. É assim que os resultados se disseminam, portanto é a ordem natural das coisas. Eu fui aluna de doutoramento, agora tenho alunos de doutoramento. Fico contente se os meus alunos de doutoramento tiverem a seguir, ainda mais alunos de doutoramento, porque isso é sinal de que nós estamos a evoluir cada vez mais do ponto de vista científico, e que estamos a produzir cada vez mais ciência em Portugal.

A investigação científica, em Portugal, está no bom caminho?


Eu acho que tem vindo a melhorar significativamente, porque nós também tínhamos muito poucos investigadores. De qualquer forma, há sempre um problema característico do nosso país que não se põe noutros países. É que a investigação está muito associada ao ensino superior. Portanto, quem faz investigação em Portugal são os professores do ensino superior. Há alguns, mas muito poucos que estão apenas na carreira da investigação, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos ou noutros países da Europa em que há muitos mais investigadores independentes e, também, onde a relação entre quem financia a investigação e quem faz a investigação é diferente. Em Portugal, normalmente, quem financia a investigação é o Ministério. Em muitos países da Europa e do estrangeiro temos, por exemplo, uma indústria muito forte que aposta em investigação. Isso não acontece em Portugal. Acho que esse é um caminho que ainda nos falta percorrer e que era importante que começasse a haver interesse por parte do sector privado em financiar projectos de investigação.


Não existe em Portugal falta de investigadores, existe falta de apoio, é isso?


Também temos falta de investigadores porque, até aqui, as pessoas faziam a sua licenciatura e não queriam continuar ligados, nem à universidade, nem ao instituto politécnico, nem as escolas queriam ir para o mercado de trabalho. Hoje em dia começam a ver-se situações de alunos licenciados que querem fazer os seus estágios dentro das universidades, dentro dos institutos politécnicos, que querem ficar integrados em projectos de investigação como bolseiros e já encaram isso como uma forma de fazer o seu percurso profissional. Até aqui não. Até aqui não queriam ser bolseiros, não havia uma carreira regulamentada para bolseiros. Hoje em dia existe isso tudo. Começa a haver mais investigação. De qualquer forma, mantém-se o problema do apoio porque, efectivamente, é pouco o dinheiro que existe disponível para investigação. São, sempre, imensas candidaturas, imensas porque, felizmente, nós temos uma população de ensino superior que faz investigação, que está sempre atenta a esses projectos, que concorre em força. Depois, o financiamento acaba por não dar vazão a todas essas pessoas que tem vontade de desenvolver os seus projectos e a taxa de aprovação é sempre muito reduzida.


E em termos de equipamento?


Em termos de equipamento, obviamente, que cada local tem a sua realidade. No caso particular do Instituto Politécnico de Bragança e da Escola Superior Agrária, temos um equipamento bastante considerável, que surpreenderia, tenho a certeza, qualquer pessoa que nos quisesse visitar. Ficaria, com certeza, agradavelmente surpreendido porque, efectivamente, temos bastante equipamento e tem-se investido muito nesse sentido. De qualquer forma, é óbvio que há sempre coisas a adquirir, há sempre equipamento que é impossível ter numa determinada universidade ou num determinado instituto, por não se justificar em termos de volume de análise. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um equipamento que eu utilizava muito na Universidade do Minho, no meu doutoramento, na área da síntese química que era um RMN. É um aparelho que custa milhares e milhares de contos, e que não faz sentido se for uma só pessoa a utilizar, teria de ser um grupo de pessoas a utilizar. Depois, também, tem a ver com estratégias das próprias universidades ou de cada instituto.


Que tipo de investigação faz o Centro de Investigação de Montanha (CIMO)?


O Centro de Investigação de Montanha é um projecto muito importante dentro da Escola Superior Agrária, uma vez que era uma realidade quase exclusiva das universidades. Não havia centros de investigação acoplados em institutos politécnicos e o Instituto Politécnico de Bragança, nomeadamente, a Agrária conseguiu ter um centro de investigação financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

O CIMO tem, fundamentalmente, duas linhas de investigação. Aquela que eu conheço melhor, aquela onde me insiro, que é aquela que se chama valorização de agro aquo sistemas, ecossistemas, em que aparecem pessoas que fazem investigação na área da valorização dos produtos do ponto de vista da sua bioactividade, mas há um grande número de investigadores que fazem trabalhos de investigação muito diferentes, desde a área do ambiente, desde da área da paisagem, da área da química, da área da biologia, da área dos solos, enfim, temos investigadores com uma grande diversidade quer em termos de investigação académica que depois se repercute nas linhas de investigação do centro, mas que acaba por ser saudável porque abrange vários pontos da ciência.


Em sua opinião, em que áreas deveremos actuar nós, transmontanos, para fomentar o desenvolvimento desta região?


Bom, eu acho que nós devemos tentar aproveitar tudo aquilo que conseguirmos porque, efectivamente, somos a região mais afastada, mais isolada. Devemos tentar rentabilizar tudo aquilo que temos, desde os produtos alimentares, desde a agricultura, tentar criar alguma indústria. Do ponto de vista científico, apostar na investigação, tentar aplicá-la a produtos locais que é, um pouco, o que nós fazemos no Politécnico, tentamos criar essa ligação, essa ponte, entre a comunidade e as estratégias do Instituto. Acho que deve ser por ai. Tentar aproveitar tudo aquilo que temos de bom e desenvolvê-lo de forma a conseguir impor-nos e marcar algum território a nível nacional e é possível fazê-lo.


Não se sente algo frustrada por não ver a sua investigação utilizada em prol dos produtos da região e da região, a produzirem riqueza para todos nós?


Claro que lamento essa situação, mas não vejo que seja uma realidade muito diferente daquilo que se passa no resto do país. Como eu já expliquei e na minha opinião, há efectivamente essa falta de ligação entre a investigação e o sector privado, as indústrias, por exemplo, entre quem trabalha na área farmacêutica, e as empresas farmacêuticas, entre quem trabalha no tratamento de águas e depois uma empresa qualquer de corantes têxteis. Não há, efectivamente, essa ligação. Penso que não é um problema específico, desta região, mas sim do país.


Para terminar, qual a personalidade ou personalidades que mais a marcaram ao longo da sua, ainda, curta vida.


Eu escolheria três, em vertentes diferentes. A primeira, a minha orientadora de mestrado e de doutoramento, Dr.ªMaria João Queiroz porque, efectivamente, foi uma pessoa que, enquanto orientadora, me ensinou a descobrir todo este munda da investigação e é aquilo que se espera, verdadeiramente, de um orientador. Era como se fosse uma tutora. Era uma pessoa sempre presente, que me acompanhava muito diariamente, talvez por ser das poucas pessoas que está na carreira de investigação, está completamente dedicada a esse mundo. Uma pessoa muito presente, que não passava um dia sem que ela quisesse saber os resultados, que vivia intensamente essa sofreguidão, essa ansiedade dos resultados. Depois, soube deixar-me crescer e deixou-me realizar os meus projectos sozinha e quando eu me doutorei e quis concorrer a projectos em áreas diferentes, ela ficou contente com isso, apoiou-me, e deixou-me voar, digamos assim.

Outra personalidade o John Mitchel, que foi um investigador que ganhou um prémio Nobel quando descobriu como se processa toda a síntese de ATP na cadeia respiratória. Era bioquímico.

A terceira personalidade foi a Rainha Santa Isabel, talvez porque se chamasse Isabel. Porque era uma pessoa que tinha tudo e soube compartilhar com todos as duas coisas mais importantes que temos: o pão e as rosas que simbolizam o amor e a amizade por todos.

Muito obrigada pela sua entrevista ao nordeste com carinho.

Eu é que agradeço.

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