sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Entrevista a Sobrinho Teixeira





João AlbertoSobrinho Teixeira, presidente do Instituto Politécnico de Bragança, Nascido em Mirandela, num tempo em que ainda se podia brincar na rua. Que recordações guarda da sua infância?
Guardo exactamente as recordações que referiu. Nasci em Mirandela, num bairro e, portanto, ainda tenho aquela noção e a percepção do que era viver, do que era conviver num bairro. Tive uma infância feliz. Frequentei a escola primária em Mirandela e guardo aquela recordação do que é que era viver com alguma ruralidade e ao mesmo tempo numa cidade e o que era o espírito dos vizinhos serem vizinhos, pessoas serem pessoas e dos miúdos serem miúdos e de conhecermos toda a gente pelo nome e de todos significarem alguma coisa para nós.
Como foi a sua vida de estudante?
Eu fiz a escola primária em Mirandela. Frequentei depois o ciclo, os nomes agora estão em constante mutação. Muitas vezes, ainda falamos nos nomes que nos marcaram e como nós vivemos essas realidades. Fiz o ciclo em Mirandela e apanhei o 25 de Abril, tinha doze anos, estava no segundo ano do ciclo preparatório, agora o sexto ano. Foram anos conturbados para todos nós e frequentei o que é o actual sétimo e oitavo anos, também, em Mirandela mas, com uma grande deficiência de professores e com uma grande instabilidade em todo o sistema. Eu, no oitavo ano, recorda-me que eu tinha nove disciplinas. Só tive professores a quatro, que eram português, inglês, francês e geografia. Toda a área de ciências não tive um único professor e, na altura, os meus pais acharam por ventura que era melhor encarar outra solução e ingressei no colégio de Lamego, tinha catorze anos e fui lá fazer o actual nono ano e depois fiz o actual décimo, décimo primeiro e estive três anos no colégio de Lamego e foi, talvez, dos sítios que mais me marcou. É uma situação em que a gente abandona os pais, abandona os amigos e cria novas amizades e percebe-se aí, que a família são os amigos, o que é o sentimento de partilha, o que é estar sempre disponível para os outros e os outros disponíveis para nós próprios. Foi a situação que mais marcou a minha personalidade. Foi a minha estada no colégio de Lamego. Guardo as melhores recordações disso, os meus grandes amigos, os amigos que estão para sempre no coração continuam a ser os amigos do colégio de Lamego. Foi aí que vivi algumas peripécias engraçadas que todos nós passámos. Passei aí desde os catorze aos dezasseis anos, aos dezassete que é por ventura a altura que mais marca qualquer pessoa.
É uma fase de transição…
É uma fase de transição e de afirmação em que as referências deixam de ser os pais para passarem a ser o grupo de amigos, e a escolha e a forma como é que o grupo de amigos nos influencia, é marcante para o resto da vida e eu tive a felicidade de encontrar um bom grupo de amigos e uma boa escola de formação, com muitos valores e aí me fazer a personalidade e o homem que sou hoje. Depois frequentei o último ano do propedêutico no Porto, de preparação para a universidade. Os meus pais queriam muito que eu fosse para medicina. Modéstia à parte era muito bom aluno. Desde o meu nono ano fascinei-me sempre pela ciência e, concretamente, pela química e, com catorze anos, decidi que queria ir para Engenharia Química e foi esse o meu percurso. Fiz depois o propedêutico, fiz a candidatura à universidade e fiz o curso de engenharia química no Porto e, mais tarde, depois o doutoramento.
A Engenharia Química acabou por ser uma consequência lógica do seu percurso estudantil?
Acabou, embora, depois, o que não deixa de ser engraçado é que Engenharia Química, o nome, é enganoso. Engenharia Química tem muito pouca química e, actualmente, os próprios cursos e o curso que nós temos em Bragança estão a enveredar por ter muito mais química. Engenharia química era um curso que, até à década de quarenta, era um ramo de engenharia mecânica e estava muito mais desenhado para ser um engenheiro de projectos do que, propriamente, um engenheiro de laboratório. Ainda bem que assim foi, porque eu estava doido pela química e afinal apercebi-me que não gostava muito de química e que, se calhar, gostava mais das áreas da física e, portanto, o curso sendo muito semelhante à mecânica e, daí depois, a minha área de investigação ser um bocado oxigenação de águas que é uma área de fronteiras entre a engenharia mecânica e a engenharia química. Foi um curso de que gostei. Era um curso com alguma dificuldade mas é um curso com muita abrangência, que toca várias áreas do saber. Dá-nos uma formação, também, a nível profissional vasta. Há vários exemplos de engenheiros químicos em diversas áreas, não só em engenharia química: a área da gestão, a área da educação, o engenheiro Belmiro de Azevedo, por exemplo, é um desses exemplos. Vários Ministros que nós tivemos, João de Deus Pinheiro que eram todos engenheiros químicos. Dá uma formação vasta para preparar para a vida. Depois, é como lhe digo, engenharia química não tem muita química. Actualmente, começa a ter mais e era mais um curso da área da mecânica, da especialização da mecânica.
Tendo estudado no Porto, seria natural que quisesse ficar por lá. Porque o regresso às raízes?


Tocou, talvez, um dos pontos que mais marca a minha maneira de ser, a minha forma. Eu tenho um apego à região muito forte e penso que posso dizer: eu amo mesmo a região. Isso faz parte da minha maneira de ser. Eu estive seis anos no Porto, o ano propedêutico mais os cinco anos da universidade, a pensar no momento em que voltava para a região. Gostei de estar no Porto. Sou uma pessoa com alguma facilidade de adaptação e facilidade de comunicação, de fazer amigos mas era, ao mesmo tempo, um gosto e uma missão e eu achava que tinha a missão de ajudar a desenvolver a minha região e voltar para cá. Aliás, deu-se um caso até engraçado. Um professor meu ficou atónito quando nós, no quarto ano, fomos escolher a nossa especialização na engenharia química e havia outras especializações: petróleos, polímeros, plásticos, poluição e havia uma especialização nova que era bioengenharia e eu escolhi essa especialização e o professor dessa disciplina, na primeira aula, começa a perguntar a cada aluno porque é que tinha escolhido essa disciplina. A maior parte deles era por uma questão de gosto e eu disse: “Olhe, porque eu quero ir para Trás-os-Montes. Quero regressar à minha terra e a única empresa que me pode dar emprego é o Cachão.” Ele ficou muito atónito a pensar se eu estaria no exercício pleno de todas as minhas faculdades mentais para lhe dar uma resposta, à partida, tão descabida.
Para lhe responder, eu não encararia, a não ser para uma situação de absoluta necessidade, de diversos factores a saída da região. Isso, cada um tem a sua personalidade e cada um tem a sua maneira de ser. Há pessoas que têm prazer em fazer umas coisas e são muito bons a fazer essas coisas. O meu principal prazer será cumprir as missões que eu acho que devo fazer e tenho um prazer imenso em cumprir as missões e um prazer imenso no dever cumprido. Não quero parecer, com isso, histórico porque, se calhar, sou tão ou mais feliz que as outras pessoas que fazem as coisas que têm prazer. Cada um encontra as suas formas de prazer e cada um encontra as suas formas de compensação.
Depois de uma breve passagem pelo Complexo Agro-industrial do Cachão, a sua vida profissional está, desde 1986, ligada ao Instituto Politécnico de Bragança. Fale-nos brevemente deste percurso.
Eu, na altura, estava no Cachão. Acompanhei a mudança do Cachão de uma situação que era mais ligada à lavoura, na altura, o Presidente do Conselho de Administração era o engenheiro Meneres Manso, que tentou dar ali algum cariz empresarial ao próprio Cachão e veio uma administração do IPE e o Cachão começou a entrar numa fase de declínio e eu comecei a perceber que aquilo poderia entrar numa fase de declínio irremediável e, contra a vontade dos novos administradores, porque eu era um engenheiro de 24, 25 anos, cheio de vontade, altruísta, naturalmente, era uma pessoa em que eles gostavam de apostar e gostavam que eu continuasse e, mais uma vez, eu sou franco, se não fosse pelo apego que tenho à região, por ventura teria continuado no Cachão. Um dos administradores disse-me: “Se eu um dia sair daqui você vai comigo.” E foi exactamente a palavra que eu não queria ouvir porque eu não queria sair da região e, na altura, havia um concurso que foi aberto para bioquímica no Instituto Politécnico de Bragança, ainda não tinha começado as aulas e eu concorri e ganhei o concurso. Não estava na expectativa de ganhar daquela maneira. Ganhei e recebi, depois, uma nota do Conselho Cientifico a dizer que tinha ganho. Era Director da Escola Agrária o Professor Dionísio que um dia me chamou lá para eu começar a trabalhar, naquela maneira que todos conhecem, particular dele, me disse: “Bem, você entrou aqui para um curso de química, mas nós temos um curso de física mecânica que ninguém concorreu e está deserto. De maneira que, para a química já arranjamos outra pessoa, você como é engenheiro, vai dar a física e a mecânica e a outra pessoa que ficou a seguir a si vai dar a química. Mal sabia o Professor Dionísio que eu preferia dar a mecânica e a física, embora sendo engenheiro químico e, portanto, também me agradou aquela sugestão dele.
Foi Vice-presidente da equipa do Professor Dionísio Gonçalves e neste momento é o Presidente que o substituiu. É um papel difícil?
É. É um papel difícil. Fui Vice-presidente durante sete anos. É um papel muito trabalhoso que exige dedicação. O papel de Presidente é um papel difícil porque você sente a responsabilidade de tudo e é um papel desgastante.
Cai tudo nas costas do Presidente…
Mesmo que não caia, você sente-o em termos da função que faz e da missão que resolveu abraçar. Se os alunos diminuem o Presidente sente isso, se há um aluno a quem acontece alguma situação, o Presidente tem que responder sobre isso. Um docente qualquer que fez uma situação menos agradável, o Presidente tem que responder, ou seja, toda uma comunidade, seis mil alunos, quatrocentos professores e quase trezentos funcionários. O presidente sente a responsabilidade e sente a responsabilidade sobre o que eles fazem e sobre o que lhes acontece. É sobretudo isso que eu acho que é difícil, é muito desgastante porque sente a responsabilidade sobre tudo o que está inerente àquela casa.
O IPB tem celebrado protocolos com países lusófonos. Fale-nos brevemente dessa colaboração.
Nós temos celebrado protocolos e estamos com projectos que podem ser muito interessantes, quer para o Politécnico, para a região e para os próprios países lusófonos. Nós temos projectos muito fortes com o Brasil, com diversas universidades brasileiras que cada vez se cimenta mais e cada vez são mais ampliados. Temos um volume de circulação de alunos de vinte a trinta por ano. Alunos nossos que vão para o Brasil estagiar e alunos brasileiros que vêm para aqui. Aliás, a própria legislação favorece isso na medida em que os alunos portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal são considerados como sendo, como tendo a própria nacionalidade e podem usufruir de todos os sistemas de acção social que estão disponíveis, nomeadamente bolsas e residências e favorece esse intercâmbio. Esse intercâmbio está a cimentar e está a ser ampliado sem que seja necessário fazer um grande esforço para que isso aconteça. Relativamente aos PALOP, nós estamos, agora, muito empenhados e vamos ter projectos muito interessantes.
Há muitos anos começou-se um projecto com Moçambique na área das ciências agrárias. Aquilo, depois, teve alguns problemas ainda resultantes de resquícios da guerra com a FRETILIN e com a RENAMO e o próprio governo de Moçambique achar que as pessoas que estavam à frente dessa instituição para criar uma universidade privada, podiam ter ligações e iam fazer a própria universidade em territórios afectos à RENAMO e o processo tornou-se mais periclitante. Está agora a ser retomado novamente e as feridas da guerra já foram sanadas.
Temos depois um projecto em Cabo Verde que está a ser feito juntamente com o Politécnico de Bragança, o Politécnico de Lisboa, Viana e Setúbal onde se vão dar cursos, nomeadamente, na área de informática e de engenharia com o seguinte objectivo: É um projecto em que nós vamos entrar mesmo com a quota, vamos ser sócios dessa própria instituição meia pública, meia privada e em que o objectivo principal é formar técnicos cabo-verdianos para Cabo Verde os exportar para Africa e para África Ocidental. Cabo Verde, acho que é um dos melhores exemplos que nós temos a nível de como é possível vencer a pobreza com a cultura. Cabo Verde não tem recursos. Não tem recursos agrícolas, não tem recursos minerais, tem alguns recursos piscatórios mas, numa análise fria, não tem recursos a não ser o recurso da formação, da cultura daquela gente e é neste momento o quarto país de África em índice de desenvolvimento. Cabo Verde ainda gostaria de ter acesso a mais alguns fundos mas, havendo a perspectiva de deixar sair os países em vias de desenvolvimento, os países subdesenvolvidos, para outro patamar e eu refiro esse exemplo porque é um exemplo que eu vejo em como é que vale a pena apostar na cultura e na formação das pessoas. Está aí o exemplo vivo de que isso acontece e, portanto, a perspectiva é a de pegar agora nesse manancial de cultura e de formação e podê-lo rentabilizar para os próprios e para o próprio país no sentido de os exportar para a África Ocidental.
Estamos depois com um projecto tripartido, ou seja, são três projectos diferentes em Angola. Estamos com um projecto que já começou há algum tempo no antigo Novo Redondo onde a Escola Agrária vai ajudar a implementar uma Escola Agrária Pública a começar no ano de 2008. Já está tudo terminado, os vários encontros estão feitos, os currículos…Já seleccionamos os docentes que vão, de facto, para essa escola agrária. Há um projecto para criar uma Escola de Engenharia envolvendo os mesmos parceiros que eu referi há bocado, juntamente com a Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos. É, também, uma parceria público-privada, que irá ser efectuada no Uambo, na antiga Nova Lisboa. Esse projecto, penso que terá condições para arrancar para 2009, não antes. Já em Abril ou Maio irá arrancar um projecto em Benguela, no Lobito, entre o Lobito e Benguela, melhor dizendo. Na área de uma universidade privada que vai envolver diversas faculdades: medicina, direito, ciências e tecnologia, enfermagem, enfim, um leque variado, mas que é uma universidade privada com capital social português de empresas que nos dão confiança, nomeadamente a MOTAENGIL, a Caixa Geral de Depósitos e no qual o Politécnico de Bragança vai ter um papel muito forte, inclusive, irão ser alguns docentes do Politécnico de Bragança, directores das faculdades dessa universidade, onde docentes do Politécnico de Bragança irão dar, periodicamente, nos primeiros anos, aulas e módulos de cerca de um mês e onde alguns docentes do Politécnico de Bragança, tendo em conta a reorganização que vamos fazer, poderá haver, ou não, algum excesso de docentes e, porventura, alguns desses docentes irão para Angola. Estamos muito entusiasmados com esses projectos porque ao mesmo tempo é uma forma de expansão e de afirmação do instituto. Faz-se escola expandindo e, ao mesmo tempo, há uma atitude altruísta da parte do politécnico da região relativamente aos nossos irmãos angolanos e é também uma fonte de financiamento do instituto como é óbvio.
Quantos alunos, professores e funcionários tem, neste momento, o IPB e quantos cursos pode oferecer?
Este ano é um ano de alguma alegria e euforia no Politécnico de Bragança relativamente ao número de alunos. Nós, o ano passado, tínhamos 5300 alunos. O Ministério dava-nos uma previsão de 4900, uma quebra de 400 alunos. Eu estou muito orgulhoso da forma como a casa respondeu e da forma como a casa conseguiu captar novos alunos e o Instituto conseguiu ter um volume de 2000 novos alunos este ano, 1000 alunos pelas entradas do décimo segundo ano, pelo gabinete de ingresso e os outros mil, são cerca de quinhentos pelos maiores de 23 e os outros quinhentos pelo processo de Bolonha porque o Instituto trabalhou muito. Nós não só adequamos 35 licenciaturas dentro do Politécnico, que receberam os parabéns do Senhor Director Geral sobre a forma como foram apresentados e que foram todas aprovadas, e isso tornou as licenciaturas do Politécnico no curto prazo, pelo menos enquanto as outras instituições não respondem da mesma forma, muito apetecíveis e nós temos cerca de 500 alunos que são alunos que regressaram ao sistema de ensino, quer do Politécnico, quer de outras instituições de ensino superior, para completarem as suas licenciaturas e que eram também alunos que estavam tecnicamente perdidos, digamos assim, porque tinham frequentado o ensino superior durante dois, três anos, tinham tido algum desânimo e nós conseguimos ter uma campanha de marketing agressiva e de captação desses alunos.
Penso que é um serviço que estamos a dar à região e ao país. Claro que é um esforço muito grande para os docentes e eu estou muito agradecido à forma, e penso que não eu, mas toda a região tem de estar muito agradecida à forma como os docentes do Instituto Politécnico de Bragança responderam a este desafio. Tem sido uma sobrecarga enorme, estes novos desafios, para os docentes do Politécnico de Bragança. Nós, neste momento, respondemos com mais 1200 alunos do que aquilo que era a previsão do Ministério. Nessa medida, justiça seja feita, tive ocasião de receber os parabéns do Senhor Ministro da Ciência e Tecnologia pelo dinamismo e pela forma como o Instituto conseguiu ultrapassar aquilo que é o estigma da interioridade.
Além disso, temos cerca 380 professores e praticamente trezentos funcionários no Instituto. É uma comunidade muito vasta. É uma comunidade que ultrapassa as sete mil almas e numa região como esta tem um peso muito forte.
As várias escolas do IPB têm recebido diversos prémios ao longo da sua existência que, nem sempre chegam ao conhecimento público. Quer destacar algum?
Felizmente já são muitos. Eu, inclusive, vim até aqui com um copianço, digamos assim, para se quisessem uma descrição exaustiva deles todos, os poder mencionar. Ainda bem que assim não é, senão teríamos uma entrevista que daria para escrever um livro e, então, falarei só de alguns, que muito nos orgulham. Nomeadamente, posso dizer que durante dois anos consecutivos recebemos o prémio CUF de dois docentes da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, o Professor Luís Pais e o Professor Luís Amaral. O prémio CUF que é um prémio atribuído pela Fundação de Ciência e Tecnologia para o melhor doutoramento na área da engenharia química a nível nacional e, durante dois anos seguidos, nós recebemos esse prémio. Desde logo, demonstra a capacidade instalada aqui dentro do Instituto nessa área.
Temos, na Escola Agrária, um prémio recebido pela professora Isabel Ferreira. Um prémio Gulbenkian, de estímulo à investigação científica, para a investigação que foi feita em sínteses químicas de produtos que podem ser aproveitados para medicamentos e que recebeu o primeiro prémio a nível nacional.
Na Escola Superior de Educação temos o prémio da professora Alexandra Rodrigues que foi o prémio da Associação Portuguesa de Linguística, isto para mencionar alguns. Já agora deixe-me que mencione um, ganho pelos nossos alunos. Dois alunos de Engenharia Mecânica ganharam um prémio no Núcleo de Aeronáutica e Aeroespacial e Modelismo Nacional e receberam o segundo prémio na classe de aeroespecialistas e o terceiro prémio na classificação geral com todos os institutos de ensino superior a concorrer, com um protótipo de um avião, pelas particularidades e com os ganhos que esse protótipo demonstra. Temos também um prémio recebido por um funcionário, Paulo Vale, na área de informática. Há aqui um leque de prémios vasto que cobre as diversas áreas do saber e que são demonstrativos da capacidade do instituto.
Em tempo de contenção financeira, de que maneira o IPB pode ser afectado pelo corte de verbas?
Todas as instituições de ensino superior foram afectadas pelo corte de verba e, nesse aspecto, tenho uma opinião que é a seguinte: Numa altura em que todo o país está a fazer um esforço enorme para a contenção do deficit, penso que o ensino superior não pode ficar de fora deste esforço. Agora, esse esforço tem de ser comportável. Quando nos foi apresentado o orçamento, o Instituto Politécnico de Bragança sofreu uma redução de 5,8% no ano transacto, foi das instituições que menos cortes teve. A média andou nos 6,4%. Houve algumas instituições que foram aos 7,2% e isso ficou a dever-se, em grande parte, à qualidade e à competência dos professores, nomeadamente, em termos de graus de mestres e doutores que o Politécnico tem e que, nitidamente, se distingue das outras instituições de ensino superior politécnicas a nível nacional e de algumas universidades também.
Nessa medida, nós sofremos esse corte e, em função desse corte, tivemos que planear, também, a casa para o próximo ano. Teve que haver reajustamentos ao nível de despesas correntes e despesas de pessoal mas, digamos, o que nós temos previsto, é que o próximo ano decorra, com os cortes que foram feitos, dentro da normalidade. Mas, deixe, já agora, que lhe diga, que há alguma injustiça porventura, nos sistemas. Eu, obviamente, não vou mencionar as instituições mas, posso dizer-lhe que o Instituto Politécnico de Bragança tem um orçamento que anda à volta dos dezasseis milhões e quatrocentos mil euros do orçamento de Estado e tem depois o orçamento proveniente das propinas, onde o Politécnico de Bragança pratica a propina mínima e eu sou um defensor que continue a praticar a propina mínima, desde logo por questões sociais. Nós estamos inseridos numa região que, além de ser uma região com baixo índice demográfico, é uma região com fracos índices económicos também. Muitos dos nossos estudantes são provenientes de famílias que têm dificuldades e eu penso que nós temos que ter isso em atenção mas, ao mesmo tempo, acho que o facto de termos uma propina mínima é um factor de competitividade face a outras instituições e isso notou-se agora na própria captura de novos alunos. Nós, no processo de maiores de 23, tivemos 1153 candidaturas. É recorde a nível nacional e isso ficou a dever-se, por um lado, aos cursos do Instituto e à campanha que foi feita pelo próprio Instituto mas, por outro lado, também, ao facto de termos uma propina mínima que onera menos as famílias para adquirirem a formação que pretendem.
O instituto tem um orçamento de dezasseis milhões e quatrocentos mil euros, pratica a propina mínima e há instituições universitárias com menos alunos que o instituto, que recebem, praticamente, o dobro vinte e sete milhões, trinta milhões de euros. Em termos de prestação de serviços ao país, penso que o instituto é um exemplo e eu gostava que as pessoas percebessem isso porque, muitas vezes, tomam uma atitude comparável sobre quais são as capacidades que o instituto pode desenvolver e deve fazer mas, também, têm que saber os recursos que estão afectos a essas instituições e eu acho que nós fazemos muito, com pouco.
Que consequências podem advir da implementação do Processo de Bolonha?
Há consequências a diversos níveis. Desde logo, uma das consequências directas, há as consequências nacionais, internacionais… As consequências internacionais são óbvias. O Processo de Bolonha vai permitir uma comparabilidade das formações obtidas pelos diversos países e, dessa maneira, vai permitir que qualquer estudante tire um curso em Portugal e que esse curso seja acreditado. (Há aquele processo, digamos, de cadeia. Os cursos têm que ser acreditados pela nossa agência de acreditação a nossa agência de acreditação vai ter de estar acreditada junto de uma agência de acreditação europeia para haver um acervo de qualidade no meio disto.) Isto vai permitir aos alunos que qualquer curso tirado num país em que a agência de acreditação seja reconhecida e esse curso seja reconhecido, seja reconhecido automaticamente na Europa. Julgo que o Processo de Bolonha teve dois grandes objectivos aqui: Por um lado teve o objectivo da uniformização do ensino, por outro lado, também de conseguir fazer o mesmo em menos tempo e mais barato que hoje em dia. Nos próximos anos os Estados europeus vão estar muito estrangulados pela manutenção do modelo social europeu e grande parte dos recursos vão ir para aí. Tem de se poupar noutro lado. Penso que há aqui uma agenda mais ou menos escondida, que é tornar a Europa competitiva a nível do ensino superior face aos Estados Unidos e, nomeadamente, há outros programas complementares para além do Processo de Bolonha, como o Programa Erasmus Mundus o qual o Politécnico, também, vai abraçar porque acho que tem vantagens competitivas. Tenho pena que o tempo da entrevista seja curto para poder explicar isso mas, hoje em dia, grande parte dos cérebros da China, da Índia, da América Latina, vão fazer a inovação e vão fazer aumentar a produtividade dos Estados Unidos. Nós vemos muitos prémios Nobéis, muitas da universidades que estão com prémios nobéis, esses trabalhos estão a ser feitos por pessoas desses países e a Europa, resultante desta torre de Babel em que vivia, em função dos sistemas de ensino, não era competitiva. Há aqui o objectivo claro de trazer esses cérebros do terceiro mundo para a Europa, para gerar essa competitividade, para ajudar ao desenvolvimento.
Ao nível interno, o objectivo é conseguir fazer mais, em menos tempo e isto vai ser um grande desafio para os professores porque vai haver uma mudança completa. Só é possível fazer o mesmo em menos tempo havendo uma mudança das metodologias de ensino. O ensino não vai ser baseado na transmissão de saber do professor mas mais, na aquisição de competências por parte do aluno.
Quais as implicações do ingresso de alunos maiores de 23 para a instituição?
Vai ser um desafio extraordinário. As implicações, tenho que ser sincero, ainda eu próprio e nós próprios, hoje, não as sabemos e, se calhar, vai ter de ser um bocadinho como o estádio do Braga quando foi desenhado pelo arquitecto. Ele foi sendo moldado à medida que ia sendo construído. Nós até podemos chegar a um ponto em que parte do Instituto se especialize nesse tipo de formação e consigamos ter um grande número de alunos de fora dos distritos de Bragança e de Vila Real e poderemos chegar a um ponto em que parte do Instituto se especialize nesse tipo de formação. Quando nos lançamos nesta campanha, o objectivo era conseguir à volta de 250, 300 alunos. Não estávamos à espera de um boom destes. Isto está a mudar as próprias mentalidades. Tenho conversado com os docentes mais antigos que estão a achar esta experiência fascinante. Entendem que são os alunos mais dedicados, mais motivados e que assim vale a pena ser professor. Há exemplos de vários professores que estão a dar aulas extraordinárias sem que isso conte para o horário, para responder às solicitações desses alunos. O desafio feito às escolas olhar para estes alunos e fazer um exemplo nacional e acho que vamos ganhar essa aposta também. Temos que pensar em horários adequados a este tipo de alunos o que vai obrigar a um esforço redobrado por parte dos professores num orçamento tão baixo. Um dos nossos objectivos no próximo ano era, por ventura, conseguirmos fazer algo deste género: O principal problema do estudante trabalhador, eu não estou a falar dos alunos de Bragança, Macedo que se nós fizermos aulas nocturnas eles podem vir às aulas todos os dias. Nós temos muitos alunos em Murça, em Valpaços e recebi uma carta do Senhor Presidente da Câmara de Murça a pedir para adequar os horários porque tinha dezassete administrativos da câmara no processo dos Maiores de 23 e agora permita-me só que faça aqui um parênteses: O mais importante é o que é que pode vir a acontecer à região com este processo dos Maiores de 23. Quando vejo o Presidente da Câmara de Murça a dizer-me que 17 dos seus administrativos estão a obter formação superior no Instituto… outro dia estive numa reunião sobre o Centro Tecnológico com a Câmara de Bragança e, a alturas tantas, estavam presentes muitos empresários e começávamos a falar do Instituto, do processo dos Maiores de 23 porque, mais de metade dos empresários que estavam ali, estavam matriculados no Instituto nesse processo. É evidente que se nós tivemos 1153 candidaturas numa região com tão baixo índice demográfico, teve que atingir quase todas as pessoas disponíveis. Isto vai ter consequências grandes para a região porque, já referi exemplos de que o futuro se ganha com a formação e estou orgulhoso do Instituto, da região e dos meus alunos maiores de 23, porque demonstram, desde logo, uma grande vontade de aprender. Os nossos empresários, os funcionários públicos que estão desejosos de aprender e progredir coisa que não se viu, se calhar, noutras regiões e isto demonstra que os nordestinos e os transmontanos têm uma grande vontade de se tornarem cultos e alfabetizados ao mais alto nível e vai ter consequências para a região porque, provavelmente, vamos transformar esta região na região com maior índice de competitividade e com maior índice de formação a nível nacional.
Mas não teme que os patrões ou a entidade patronal possam por em causa esse querer aprender de alguns funcionários?
Isso vai ao encontro do resto da resposta que eu lhe queria dar. A legislação permite cinco horas semanais de dispensa mais os períodos de exames e eu estava a falar-lhe que, para nós era fácil responder para os alunos de Bragança e de Macedo que estão aqui mais perto, mas nós temos que responder a todos os outros e temos que ter aqui outra perspectiva no próximo ano. O próprio Politécnico, para manter o número de alunos que teve este ano, o que será muito difícil, porque foi um volume tremendo, temos de continuar a ser agressivos e a ser imaginativos e o desfio está feito às escolas: conseguirmos, ao mesmo tempo, dar resposta aos estudantes daqui e conseguir captar alunos e ser atractivos na captação de alunos para além do distrito de Bragança e Vila Real e qual é o desenho que estamos a estabelecer? Porventura passar os cursos para os estudantes que assim o desejassem de três anos para quatro ou cinco anos com o mesmo curso, o mesmo currículo, só que mais estendido no tempo e poder dar as aulas de quinze em quinze dias durante dois dias, sexta-feira e sábado em full time, indo ao encontro da actual legislação que permite dez horas de quinze em quinze dias. Nós só precisaríamos de sete horas por parte do patrão e isso permitiria aos alunos frequentarem todas as aulas que fossem ministradas. Durante o resto do tempo nós expandíamos formação a nível de tecnologias de informação aos nossos alunos, que seriam acompanhados, via Internet, na elaboração de trabalhos. Isto responderia a toda essa gente que vem de Miranda, de Chaves, de Valpaços, de Murça, Mirandela e permitiria tornar este processo atractivo para Peso da Régua, Amarante. Muitos dos meus docentes e outros foram tirar mestrados à Universidade do Minho ou do Porto em situações que funcionavam, exactamente, à sexta e ao sábado e acharam atractivo porque permitia continuar a trabalhar e era ao fim-de-semana que eram ministradas essas aulas. Claro que isto vai ser um esforço enorme, acrescido, para todos nós e a mim custa-me mais uma vez, que com tão pouco tenhamos de fazer tanto e vai ser essa a motivação que o Presidente do Instituto vai dar ao resto da instituição para continuar a trabalhar dessa maneira.
Que futuro podemos esperar para o Instituto Politécnico?
É um futuro de luta. Qualquer pessoa que pense que pode ser uma estratégia para dizer que nos próximos dez, quinze anos podemos dormir descansados, que o Politécnico de Bragança vai ficar bem, perdeu o futuro, literalmente. O futuro é um futuro de luta, de imaginação e de criatividade em cada momento e, há bocado, estive a dar-lhe o exemplo, do esforço que vamos fazer para a captação de Maiores de 23. Alguns dos meus docentes disseram: “Bom, mas depois, passado algum tempo, as outras instituições vão copiar o que a gente está a fazer.” É óbvio que vão, mas nós temos que estar a pensar já noutra situação. Temos que estar a inovar, temos que estar na linha da frente para conseguir manter esta instituição. Naturalmente, é sempre a lei da vida. Os mais necessitados, os mais pobres, são aqueles que têm que ser mais argutos e nós somos filhos de uma região pobre e como amamos muito a nossa região, temos que ser mais argutos para nos mantermos a nós próprios e à nossa região.
O futuro do Instituto passa todo pelo espírito que consiga dar àquela instituição, de ter essa capacidade de se superar a si própria e a capacidade de conseguir inovar a cada momento. Sendo agora mais prático, penso que se nós tivermos essa capacidade, que o futuro é prometedor. Face ao panorama nacional, nós também temos algumas vantagens que foram criadas ao longo deste tempo, nomeadamente pelo anterior Presidente, o Professor Dionísio. O Politécnico de Bragança é, de longe, a instituição politécnica a nível nacional, com maior qualificação de pessoal docente. Nós estamos à espera da aprovação dos mestrados e eu sou sincero, estou à espera de um número de mestrados aprovados que distinga, claramente, esta instituição da maior parte das outras. Apesar de vivermos numa região desfavorecida como muitas outras instituições de ensino superior, nós temos a nosso favor, desde logo, a qualidade da formação do corpo docente e a afirmação científica que o Instituto conseguiu a nível nacional e está a ser distinguida pelo próprio Ministro que tem tido atitudes positivas na afirmação dessa qualidade relativamente ao Instituto. Se além disso conseguimos incutir essa capacidade de acharmos que nunca temos o problema resolvido e que estamos sempre a necessitar de conseguir fazer mais alguma coisa para o Instituto e para a região, penso que o futuro será prometedor.
Concorda com o estudo divulgado pela OCDE sobre o ensino superior?
Nas suas grandes linhas concordo. O relatório da OCDE é o que se estaria à espera e muita gente estava à espera de que houvesse aqui um processo de fusão das instituições do qual sou abertamente contra, porque o que eu acho que estava em cima da mesa não era um processo de fusão de instituições, era um processo de take over das universidades sobre os politécnicos por uma razão muito simples: Já se percebeu que o orçamento não vai aumentar nos próximos anos. O país não tem capacidade para aumentar o orçamento para o ensino superior. O orçamento do ensino superior esta indexado ao PIB. Só quando aumentarmos o nosso PIB, obviamente, é que poderemos ter mais orçamento para o ensino superior. As instituições estão estranguladas, estão obrigadas a fazer uma gestão muito apertada e o princípio que havia aqui, era fazer uma ocupação take over sobre os politécnicos, para depois os reduzir, para que o mesmo dinheiro fosse dividido por menos, e eu digo isto com toda a frontalidade, porque estou absolutamente convicto que era assim. Eu não sei se a OCDE entendeu que era assim, mas acho que entendeu. Também entendeu os riscos dessa operação e o que ela preconiza. Contrariamente aquilo que se diz que há gente a mais, que há licenciados a mais, o que a OCDE veio dizer é que temos gente a menos e que o sistema tem que engordar. Nós temos 10,9% da população activa no ensino superior. A Espanha tem 26% e a média dos 25 países da União Europeia é de 25,5%. Temos um atraso estrutural terrível.Isto passa por formarmos, não só a nossa juventude mas, também, os actuais activos e este esforço que o Instituto fez, nomeadamente, no Processo dos Maiores de 23 é um esforço louvável a nível nacional, porque converge para essa situação, podermos ter os nossos trabalhadores mais qualificados.
Numa altura em que estados muito agressivos, como Singapura, em que já não medem a riqueza do país pelo PIB per capita mas, pelo número de engenheiros por habitante, porque é o know how disponível para fazer evoluir o país. Penso que, face a estas médias, que é criminoso estar-se a dizer que o país tem licenciados a mais, ou que tem doutores a mais. Aliás, vou dizer-lhe, com alguma frontalidade que, só se destrói o país dos doutores, fazendo tantos doutores que, ser doutor não signifique mais do que ter uma formação necessária para poder exercer uma profissão como deve ser.
O ser-se doutor, neste país, durante muito tempo, foi uma carta de alforria para se ter bom estatuto social, ganhar-se bom dinheiro, ter-se um bom emprego e fazer-se pouco e nenhum país consegue evoluir dessa maneira Hoje em dia já nem tanto mas, se calhar, há algum tempo atrás, você passava na rua e alguém perguntava: “Quem é aquele?” E alguém respondia: “É doutor”. E alguém perguntava: “O que é que faz aquele?” E o outro respondia: “É doutor.” Não dizia o que fazia, só que era doutor. Eu espero que daqui a uns anos, quando alguém passar na rua e perguntarem o que é que faz aquele? “Faz isto, aquilo e aqueloutro e parece que tem esta formação.” A formação que ele tem é uma relação adicional para aquilo que ele exerce e cada vez mais tem que se ver o ensino superior, não como um fim em si mesmo, mas como uma forma de conseguir competências para se exercer a profissão que se tem, que se quer ter no futuro.
Trás-os-Montes continua esquecido e abandonado à sua própria sorte. A que se deverá, em sua opinião, este estado de coisas?
Para se desenvolver o interior só é preciso uma coisa: Ter-se vontade de desenvolver o interior. Podemos continuar a falar em planos estratégicos em planos disto e daquilo… Primeiro tem que haver este objectivo claro que é desenvolver o interior, é preciso ter-se vontade de desenvolver o interior e isso tem que estar perfeitamente claro. Sinceramente, acho que não há muita vontade de desenvolver o interior. Não se desenvolve o interior de uma forma organizada. Eu até já tenho dito, em brincadeira, às pessoas que me são mais próximas, que devia ser criado um ministério do interior, não o antigo Ministério do Interior do tempo do Salazar, mas um Ministério do Interior em que, de facto, se olhasse para o interior e não se sangrasse o interior da forma que se está a fazer e, muitas vezes, até posso admitir que não é com o objectivo claro de fazer isto mas, vou-lhe dar um exemplo: Cada ministério está sujeito a restrições orçamentais muito fortes e cada ministério, na medida em que precisa fazer essas restrições orçamentais, vai fazer as contas e chega à conclusão que no interior é onde faz menos sentido ter as coisas. Nós temos que admitir que, se pensarmos só em números, porventura, isso faz sentido mas, de bola em bola, de situação em situação, o interior vai sendo sangrado daquilo que tem e, naturalmente, se não houver uma vontade política e se não houvesse um ministro do interior que diga: “Não vocês não podem extinguir esses serviços porque eles são necessários ao desenvolvimento do interior.” Penso que a região ficará cada vez mais depauperada e, portanto, até costumo dizer isto, para mostrar àqueles que fazem contas, que não se podem fazer contas. Se fizermos contas, chegamos à conclusão de que nós não temos razão para existir. Nós existimos, somos transmontanos, temos uma força enorme, nós e o resto do interior e queremos continuar a existir. Certamente que o país não nos quer abandonar mas, quando a gente vê tanta gente a lutar pelas Faixa de Gaza e pela Sijordania, terras desertas, e que se luta pela terra e pelos valores que lhe estão inerentes, muito para além da economia, penso que é criminoso não se olhar para isto no país e, repare que, a própria OCDE também viu isso, na medida em que diz lá, explicitamente, e vai mais longe, até, do que aquilo que eu próprio acho que porventura, seria obrigada a ir, ao dizer que as instituições de ensino superior, existentes no interior, são autênticos baluartes de defesa desse mesmo interior e que o Estado tem obrigação de arranjar formas de as tornar sustentáveis.
Penso que, além do Estado, nós próprios temos a obrigatoriedade de sermos agressivos e ajudarmos a essa sustentabilidade. Não noto, face ao que se avizinha, nomeadamente, no Programa Norte 2015… temo que mais uma vez o interior venha a ser depauperado relativamente a esse processo. Acho até, um bocadinho escandaloso e entendo que a região devia levantar-se e agir relativamente a esse processo. Os próximos subsídios do Programa Norte 2015 vão ser atribuídos para a Região Norte. Fez-se uma grande Região Norte e fomos nós, com a nossa pobreza, que contribuímos para que a Região Norte Atlântico tivesse, juntamente connosco, índices abaixo da média comunitária para poder ter acesso a esses fundos senão, já não tinha e eu não vejo mal nenhum que os transmontanos contribuam para o benefício de todo o Norte. Agora, o que não acho que esteja correcto, é que depois, ao menos a parte que nos calharia se nós ficássemos região única, não seja transferida, directamente, como fundo para os nossos empresários e que os nossos empresários e que as nossas instituições sejam obrigadas a competir em pé de igualdade com as instituições muito mais favorecidas, com muito maior concentração de massa critica que existem na Região Norte Atlântico.
Eu pergunto se o país estaria disponível para aceitar uma situação destas, para aceitar que a União Europeia dissesse: “Não há mais discriminação positiva para país nenhum e, portanto, vai haver fundos de desenvolvimento para toda a Europa para tornar a Europa competitiva face aos Estados Unidos e face à China e, portanto, os empresários portugueses, se quiserem, que vão concorrer contra os empresários alemães.” O país aceitava isso?
E então os transmontanos são obrigados a aceitar que têm que concorrer com o seu parco tecido empresarial em situação de igualdade com todo o resto do tecido empresarial da Região Norte? Penso que há no país, uma atitude cínica, que exige da União Europeia que seja solidária para com as regiões mais desfavorecidas e não praticamos essa solidariedade dentro do país.
Acho que as instituições transmontanas e o Presidente do Instituto Politécnico de Bragança, na parte que lhe cabe, e não lhe é conhecida conotação partidária, mas tem opinião e tem opinião sobre as questões regionais e acho que todos nós temos que levantar a voz na defesa da nossa região e na defesa das nossas gentes.
Para terminar que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?
Três personalidades por situações diferentes. Um tio meu, o Padre Abel Sobrinho. Escolheria, ainda, o Professor Dionísio e escolheria duas personalidades que podem resumir-se numa só, Xanana Gusmão e Nelson Mandela.
O Padre Abel Sobrinho foi meu tio, era irmão da minha mãe e foi a pessoa que me marcou e a pessoa mais altruísta que conheci. Era uma pessoa que fazia muito bem a muita gente e, portanto, muitas pessoas devotas canalizaram para ele muitos recursos financeiros e ele pôs a estudar muitos jovens, nomeadamente, em Penafiel, Leça da Palmeira, nas cidades onde ele trabalhou, muita dessa juventude ele pôs a trabalhar e era uma pessoa que eu conheci com um traje de frade, completamente roto e cosido várias vezes, mas o que mais me fascinava quando conversava com ele, contrariamente, àquilo que se pensa, ele era uma pessoa feliz, ou seja, nem sempre aqueles que são estóicos são infelizes. Ele sentia-se feliz em ser altruísta e conversar com ele era sempre… transmitia sempre uma imagem de uma paz interior muito grande e de um estar bem consigo próprio muito forte. Pode-se ser feliz dando aos outros, sendo altruísta, sem que isso traga infelicidade.
O Professor Dionísio marcou-me por ser uma personalidade com uma capacidade de visão a longo prazo impressionante. Só quem trabalha com ele e vive com ele é que percebe isso. É uma pessoa que tece as metas, percebe quais são os grandes desafios e para ali canaliza. Há, depois, as situações do dia-a-dia que ele vai vendo mas nunca se desvia. É, nitidamente, um corredor de fundo, um corredor da légua ou se quisermos da maratona. Há muitos anos, contra todas as perspectivas e contra todas as opiniões, ele canalizou o Instituto Politécnico de Bragança para ser neste momento uma instituição que, a nível de formação do corpo docente, é a mais categorizada a nível politécnico e mais categorizada que algumas universidades e daí, uma pessoa como o Senhor Ministro da Ciência e Tecnologia, Professor Mariano Gago, ter vindo à homenagem do professor Dionísio. Ele veio prestar homenagem ao homem e à obra porque reconheceu que foi um homem que, naquela altura em que toda a gente lhe dizia que era uma estratégia errada, seguiu a estratégia que hoje está a ser extremamente benéfica para o Instituto. Era um visionário e era um homem que via muito longe.
Xanana Gusmão e Nelson Mandela, pela capacidade que têm de lutar por uma causa e não abandonarem essa causa quando a causa parece perdida. Lutar por causas que parecem possíveis e reais eu penso que é fácil, é ter vontade e determinação, agora, lutar por causas quando mais ninguém acredita nelas e nós acreditamos e continuamos a acreditar quando nos parecem que elas próprias são irrealizáveis, essas são as verdadeiras causas e o exemplo, quer da independência de Timor Leste que ninguém acreditava, quer mesmo o exemplo da transição pacifica que houve na Africa do Sul, que ninguém acreditava, demonstra a capacidade dessas personalidades. Como é que alguém que esteve num cárcere durante 25 anos, como Nelson Mandela, motivado pelo apartheid, consegue ser a única personalidade a ter a capacidade de perdoar a quem o meteu no cárcere durante 25 anos e ser o único recurso que havia naquele país, para a manutenção da paz e da visão futura daquela nação?
Nota: Esta entrevista foi realizada em 2006.



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