sábado, 26 de maio de 2012

Entrevista: Prof. Dr. Fernando Peixinho Rodrigues

(Esta entrevista foi realizada em 2006. Não perdeu, no entanto, atualidade)

Nasceu me Bragança em 1962. Que recordações guarda da sua meninice e juventude?

Eu acho que, todos nós, à medida que o tempo vai passando, temos uma visão progressivamente mais romântica, mais terna, mais saudosista sobre aquilo que foi o nosso passado, sobre aquilo que foram as nossas vivências e a verdade é que eu tive, talvez, a sorte de nascer num período em que me foi dada a possibilidade de assistir a profundíssimas transformações, num período muito curto de tempo. A história nem sempre andou ao mesmo ritmo. Teve períodos em que foi bastante mais lerda, menos cadenciada mas, nesta fase da minha vida, ou seja nestes quarenta e quatro anos da minha vida, tive oportunidade de assistir ao aparecimento da televisão que, aliás, me lembro que quando comecei a ver televisão, com três ou quatro anos, a minha família já tinha televisão, uma televisão a preto e branco.
Brinquedos havia poucos. Quem tinha uma bola era um felizardo. Uma bicicleta, um triciclo… normalmente eram partilhados com todos os amigos do bairro porque nem todos tinham a possibilidade de ter, nem mesmo, uma bola. As condições de consumo eram bastante mais restritivas do que são hoje. O acesso aos bens e aos serviços era muito limitado mas, existia entre nós todos, entre os amigos, entre os companheiros de bairro, de escola, existia uma grande punção sentimental, uma grande força de partilhar, de fazer coisas juntos, de criar. Não havia nada que estivesse pronto a ser utilizado. Tinha que ser, praticamente, tudo inventado, as nossas brincadeiras, as nossas coboiadas, as nossas histórias. Isso também gerou, sem dúvida nenhuma, uma aprendizagem profunda sobre o que é a vida no seu sentido mais humano e de vivências mais fortes com os outros.
Reconheço que hoje as pessoas são mais individualistas, ficam mais viradas para a televisão para o computador; isolam-se mais, convivem menos e a sociedade criou uma espécie de guetos de luxo. Nós tínhamos um período de televisão relativamente curto. Lembro-me que durante o período da minha juventude a televisão abria por volta das seis da tarde, fechava às onze da noite que era quando tocava o hino nacional e, portanto, os programas que havia de televisão, ainda por cima só com um canal - só passamos a ter o segundo canal aqui em Bragança mais tarde - não eram propriamente programas de entretenimento para pessoas como eu, muito jovens. Nós jogávamos futebol, brincávamos uns com os outros, convivíamos muito, não tínhamos computadores, aliás, os primeiros computadores pessoais surgiram no final da década de oitenta. Eu fui para a faculdade no princípio da década de oitenta precisamente em 1980 e não tínhamos computadores, não tínhamos nada disso que existe hoje e, portanto, eu assisti a todas estas transformações o que me permite, de alguma forma, fazer uma leitura e uma avaliação sobre o mundo, as pessoas e a vida que, não sendo uma avaliação de todo apaixonada, é uma avaliação que tem alguns pontos de referência e alguns pontos de registo que eu acho que, se calhar, são a parte mais saliente de tudo aquilo que eu posso transmitir, como testemunho da minha infância e que tem a ver, essencialmente, com o seguinte: Nós tivemos um período que foi marcado por uma grande abertura no plano social, no plano cultural, que foi o período subsequente ao 25 de Abril e que havia grande vontade de intervir, grande vontade de participar, um grande envolvimento nas questões politico-partidárias e isso permitiu-nos abrir novos horizontes, criar outro tipo de expectativas, estabelecer outro tipo de diálogos, envolvermo-nos com outro tipo de discurso e, depois, tivemos a chamada fase em que fizemos a digestão de tudo isso e essa fase que é uma fase marcada por algumas crises económicas… estou-me a lembrar do final dos anos setenta, princípios dos anos oitenta, a inflação altíssima, défices orçamentais de três ou quatro por cento, na altura eram mais do dobro, taxas de inflação que rondavam os 35, 36, 37%. Tínhamos um problema complicado do ponto de vista económico. Depois, entretanto, aderimos à Europa, integrámo-nos na Europa e começou a entrar-se num ciclo de grande abundância, de grande facilidade de acesso a um conjunto de coisas que até ai não tinha havido e é aí que se dá, de facto, a grande mudança e esta mudança dá-se em praticamente todo o mundo e de uma forma mais sentida no mundo desenvolvido.
Estes problemas da globalização, estes problemas do crescimento do capitalismo de uma forma muito desregulada, digamos que, quando eu olho para trás, quando me tento posicionar a trinta, trinta e cinco anos atrás eu acho que havia coisas boas, sem dúvida. Nós vivíamos com conforto, vivíamos com felicidade, vivíamos uns com os outros, não tínhamos todavia acesso aos mesmos bens que há hoje. O balanço que eu tenho a fazer é que no plano do conforto material as coisas evoluíram muito bem. Hoje têm muito mais acesso à escola, muito mais acesso a um conjunto de coisas…

Não há tanto contacto pessoal…

No plano chamado de vivências pessoais, naqueles apelos que eram feitos para as pessoas serem criativas, para as pessoas terem a necessidade delas próprias criarem os seus focos de emprego aí, talvez, se tenha perdido. Hoje existe tudo. Nós hoje à distância de um clique temos acesso praticamente a todas as coisas. Está tudo feito. Não se diz com isto que as pessoas são menos criativas do que eram no meu tempo. A necessidade, hoje, é mais a de tentar distinguir o que se pretende consumir do que a necessidade de tentar inventar aquilo de que se precisa para utilizarmos ou para nos entretermos. Esta é que é, de facto, a grande diferença entre o passado de há vinte e cinco, trinta anos e o presente.

Frequentou o antigo Liceu Nacional, actual Escola Secundária Emídio Garcia, tendo sido eleito Presidente da Associação de Estudantes nos anos de 1977, 78 e 79. Como era ser estudante em Bragança nessa altura?

Eu faço parte da última carruagem, se me é permitida esta metáfora, da reforma, da última reforma do ensino que veio do Estado novo ou que veio do período anterior ao 25 de Abril. Eu ainda fiz o primeiro e o segundo anos do ciclo, ainda fiz o primeiro, segundo e terceiro anos do chamado curso geral dos liceus e fiz, depois, o primeiro ano e segundo anos do curso complementar dos liceus e, por fim, o ano propedêutico. Todos os meus amigos que têm menos um ano do que eu, já fizeram um ensino muito diferente e, portanto, na altura em que eu andei no liceu, ainda havia o liceu e havia a Escola Industrial e Comercial de Bragança, tanto que havia alguma distinção sobre o objecto de cada uma destas duas instituições. O liceu era mais para aqueles que quisessem seguir os estudos universitários, os estudos de especialização em algumas áreas do conhecimento; as escolas industriais e comerciais eram mais profissionalizantes permitiam acesso, também, aos chamados institutos de engenharia e aos institutos superiores de contabilidade, mas tinham uma vocação mais profissionalizada. Ser estudante, na altura, não era muito diferente, se quisermos, daquilo que é hoje. As pessoas tinham outras dificuldades. Muitos dos meus colegas vinham a pé destas aldeias mais próximas. A rede de transportes escolares começou a funcionar depois do 25 de Abril mas, não era com a mesma intensidade e eficácia que é hoje e, portanto, mesmo do ponto de vista do apoio social, a intervenção social que era feita para apoiar as pessoas mais desfavorecidas não tinha a mesma capacidade de resposta que tem hoje. Em todo o caso, posso dizer que, nessa altura, já se fazia sentir um grande afluxo de estudantes à escola. Já havia muito mais gente a estudar do que dez anos antes. Quando não estávamos nas aulas, brincávamos ali nas cercas, fazíamos uns jogos de futebol ou uns jogos de basquete, dávamos umas escapadelas ao café progresso para jogar o snooker e o pull, que era um jogo muito popular na altura, em que cada um jogava com uma bola e punha vinte e cinco tostões ou cinco escudos e depois havia uns que ganhavam e outros que perdiam… havia, ainda, os matraquilhos e as nossas possibilidades de diversão esgotavam-se, um pouco, nisso.
O Liceu fazia três ou quatro bailes por anos. Fazia um no 1º de Dezembro. Fazia outro no Carnaval. Esses momentos eram sempre momentos de confraternização e de grande apelo para todos nós porque não havia discotecas, praticamente. Eu lembro-me que a primeira discoteca que abriu em Bragança, com algum nível de frequência em termos de possibilidades de acesso, foi uma discoteca ali em Vale de Álvaro em 1975, 76 mas, a partir de 78, 79 é que começaram a abrir outras discotecas. Nós não tínhamos acesso a esse tipo de coisas. Só na fase final do liceu é que assim era. A nossa vida era uma vida um bocado mais restritiva do ponto de vista do entretenimento mas, em todo o caso, sempre cheia de alegria, sempre cheia de boa disposição.

Com apenas catorze anos ingressou na política e nunca mais saiu. O que o levou a percorrer esse caminho?

Eu fui muito sensível às transformações que ocorreram no 25 de Abril e, aliás, uma das coisas que tenho pena é de que hoje não haja uma pedagogia, como eu penso que deveria existir, para dizer às pessoas, sobretudo, a esta geração mais nova, a importância do 25 de Abril. Muitas vezes falo com a minha filha, a minha filha nasceu em 1989 e, portanto, falo com ela e por ela tiro mais ou menos o barómetro de qual é o sentimento das pessoas da geração dela e o 25 de Abril não lhes diz muito. Ela nasceu em liberdade. Nasceu em democracia, nasceu numa época em que as coisas já estavam estruturadas e consolidadas mas, a verdade, é que o 25 de Abril marcou, de facto, a grande ruptura em termos de valores, em termos de convivência cívica, em termos de intervenção e de participação e eu sou fruto daquilo que vi. Fruto, se calhar, de algumas emoções que me foi possível viver nesse tempo. Senti o apelo para me integrar naquele que me parecia ser o partido que respondia melhor aos meus sonhos, aquilo que eu achava ser um mundo diferente, um mundo melhor, um mundo mais justo e, confesso que fui, também, particularmente marcado pela personalidade do Dr. Mário Soares.
A primeira vez que eu ouvi um discurso do Dr. Mário Soares, numa das visitas que ele fez aqui a Bragança e suponho que no final de 1975, 76 integrado numa campanha eleitoral, foi um discurso mobilizador, um discurso que me tocou, um discurso que de facto eu achava que correspondia às expectativas que tinha do que devia ser o mundo, o país e, quando eu tive a oportunidade de me integrar numa organização partidária tipo juvenil, entrei para a juventude socialista no dia 29 de Abril de 1976 e fiz todo um percurso na juventude socialista até 1986, 87 até porque, quando fazemos trinta anos, temos que deixar a juventude socialista mas, eu deixei-a cinco anos antes. Estive na juventude socialista até aos vinte e cinco anos.
Ao fazer dezoito anos, também, me integrei no partido socialista, naturalmente e tive sempre uma intervenção política, umas vezes mais intensa, outras vezes menos intensa, depende dos ciclos porque, como se sabe, nos partidos há disputas internas. Umas vezes está-se com os que perdem, outras vezes está-se com os que ganham. Quando se está com os que perdem a nossa actividade fica um pouco mais arrefecida, quando se está com os que ganham, tem-se outras responsabilidades e é preciso dar outro tipo de respostas. A verdade é que eu sempre me mantive, desde há trinta anos, no partido socialista mas, também, lhe digo uma coisa: eu sou para o PS uma espécie de bombeiro voluntário. A minha actividade política e a minha atitude partidária foram sempre, num regime de voluntariado. Eu nunca exerci nenhum cargo de nomeação política. Confesso que, por opção. Já tive alguns convites, já tive algumas solicitações, algumas delas interessantes do ponto de vista do desempenho que podiam dar-me mas, por opção, nunca tive nenhum cargo de nomeação partidária. Aliás, a única representação pública que eu tive, foi como vereador da Câmara de Bragança. Eu fui vereador da câmara de Bragança no primeiro mandato em que o partido socialista ganhou a câmara, na presidência do Dr. Luís Mina. Depois não continuei, também, por opção. Na altura, disse ao Dr. Mina que não achava que houvesse condições para eu continuar. Eu acho que nós devemos fazer as coisas quando acreditamos nelas e quando achamos que a nossa capacidade interventiva pode ter algum resultado a favor dos outros porque, a vida pública é um acto de cidadania e, se nós conseguimos fazer qualquer coisa, para que no final o balanço seja mais positivo do que o era no princípio, vale a pena e senão, não vale a pena.
Sempre fiz parte da assembleia municipal. No último mandato e na última sessão da assembleia municipal despedi-me de todas as pessoas que lá estavam. Uma despedida de confraternização, uma despedida de saudade, mas disse que não voltaria a ser membro da assembleia municipal, nem de Bragança nem de outra assembleia municipal qualquer, enquanto a lei que regulamenta este tipo de órgãos não fosse alterada porque, acho que é uma coisa absolutamente inócua, sem qualquer capacidade interventiva. Vão para ali noventa e nove pessoas discutir mas, aquilo, funciona numa caixa fechada. Não tem a capacidade de modificar seja o que for e achava que a minha forma de protestar contra o estado em que as coisas estão a este nível, era não continuar. Como digo, as minhas funções partidárias têm sido muito pouco dadas a grandes representações públicas e por isso é que eu digo que estou na política no chamado regime de voluntariado.

Inaugurou uma nova era em Trás-os-Montes quando deu vida ao Domus Hipermercados. Sente-se orgulhoso desse facto?

Eu, tudo quanto fiz na minha vida, fi-lo porque achava que o que estava a fazer podia contribuir, por um lado, para a satisfação daquilo que eram as minhas motivações, as minhas ambições mas, ao mesmo tempo, por achar que o facto de estarmos em Bragança, não podíamos estar fora das chamadas rotas da modernidade. Aliás, o futuro veio-me a dar razão. Na altura, o Domus Hipermercado foi feito a partir da iniciativa de três ou quatro pessoas aqui da terra onde eu me integrei e, dada a nossa falta de experiência nesse tipo de negócio, pedimos a um grupo de dimensão nacional para que se nos associasse para podermos erguer o hipermercado e assim aconteceu. Todavia, as coisas não correrem como se esperava porque esse grupo tinha sido acabado de vender ao grupo Jerónimo Martins, não tinha grande estrutura, tinha pessoal a mais e plataformas de venda a menos e depois acabaram por ser vendidas as poucas unidades que ainda foram postas a funcionar, novamente, ao grupo Jerónimo Martins, dando depois lugar aos hipermercados Feira Nova. Esse período, um período de dois anos, foi rico em experiências, sobretudo, do ponto de vista humano. Um hipermercado é, essencialmente, um lugar onde chega muita gente: consumidores, pessoas que vão trabalhar pela primeira vez e que têm a possibilidade do seu primeiro emprego. É claro que, onde há muita gente, também há muitos conflitos ou, pelo menos, alguns conflitos e quando há conflitos é, também, mais fácil de nós apercebermos daquilo que normalmente motiva a natureza humana e eu devo dizer que foi uma experiência rica em variadíssimos níveis. Passei a conhecer de um negócio de que não sabia praticamente nada, passei a conhecer muitas pessoas que não conhecia e que fazem parte hoje do meu património, umas delas com maior proximidade, outras com menos e a verdade é que esse foi o primeiro hipermercado ou a primeira superfície de média dimensão que se instalou em Bragança e atrás dessa vieram instalar-se mais algumas o que quer dizer que nós abrimos o sinal verde para que a chamada distribuição ao nível dos sectores alimentar ou não alimentar ou ao nível dos produtos de grande consumo, se tivesse instalado e aberto em Bragança como, aliás, aconteceu em todo o país e como, aliás, acontece praticamente em todas as zonas do mundo. Em alguns países da Ásia, ou da África ainda não estarão nessa fase mas para lá caminharão. Este é, indiscutivelmente, o processo normal de evolução da chamada cadeia de valor ou cadeia de negócio entre a produção e o consumo. É a criação de grandes plataformas de distribuição onde há, de facto, algum esbatimento das margens e onde os consumidores podem entrar numa ponta e sair na outra e fazerem um abastecimento completo. No fundo, é essa a lógica que faz mover este tipo de negócios.

E a qualidade de vida também…

Sim e a qualidade de vida. A possibilidade de uma pessoa estacionar o carro e fazer as suas compras, abastecer a qualquer hora do dia, ao fim-de-semana, fazer todas as coisas no mesmo espaço, no mesmo espaço poder mandar lavar o carro, mandar lubrificar os pneus de uma forma mais ajustada às suas poucas disponibilidades de tempo.

Política, economia e ensino além de participar com artigos de opinião com várias publicações. Como consegue ter tempo para todas estas actividades e qual é que lhe dá mais prazer?

Eu acho que nós, não só eu como toda a gente, trata sempre das coisas mais urgentes e depois é que trata das importantes e eu, apesar de tudo, tenho procurado satisfazer aquilo que considero mais importante. Para mim, o mais importante são os amigos e eu não troco nada por um bom naco de convívio com os meus amigos. Eu tenho dito muitas vezes que o trabalho pode esperar, os amigos é que não, só que, muitas vezes, as solicitações do trabalho são de tal forma urgentes, que temos mesmo que sacrificar a espera dos amigos para, depois, também podermos confraternizar com eles de uma forma mais solta e mais prolongada. Eu tenho, ao longo da minha vida, procurado conciliar todos esses aspectos. Escrevo com regularidade na “Voz do Nordeste” porque gosto de escrever e acho que é, de facto, uma das formas de intervenção a que tenho acesso e que gosto de utilizar. Faço o meu trabalho profissional de revisor oficial de contas em várias empresas. Dou aulas no Instituto Politécnico de Bragança desde há dezoito anos.
Entrei para o Instituto Politécnico em 1988, faz agora dezoito anos e confesso que essa é, talvez, uma das missões mais gratificantes que eu tenho na minha vida. Eu gosto, particularmente, de ensinar e, sobretudo, gosto de ter uma relação de proximidade com os alunos, não só de ensinar mas, também, de aprender. Os alunos trazem-nos a alma das novas gerações que vão chegando e ensinam-nos, dão-nos alguns pontos de referência para nos posicionarmos em relação àquilo que são os sinais dos tempos, os ventos da mudança e eu, com os meus alunos, consigo perceber em que sentido é que o mundo está a mudar e com a minha experiência consigo dizer-lhes, dentro desse sentido, aquilo que a mim me parece que pode ser mais útil para que eles o aproveitem da melhor forma e, portanto, é este espaço de dialéctica que eu estabeleço com os alunos, que me faz sentir nesta função de docente, pelo menos, ao nível a que eu exerço, uma função extremamente gratificante. É das coisas que eu considero mais importantes na minha vida e nem por nada gostaria de deixar de dar aulas porque é, de facto, aquilo que eu faço com mais gosto. Se me perguntar se gosto da minha profissão? Gosto. Com certeza que gosto. Tem aspectos mais rotineiros, tem aspectos menos rotineiros e, portanto, mais estimulantes mas, gosto do que faço mas é, seguramente, menos gratificante do que a minha função de docente. Aí é que eu, de facto, encontro o espaço, diria quase, para me libertar das cargas de stress que acumulo nas outras funções que exerço.
Eu tenho dito, muitas vezes, e digo isto sem qualquer tipo de restrições que, às vezes, vou para as aulas aborrecido com qualquer problema que tenha tido e quando saio das aulas aquilo funciona como uma terapia e saio de lá relaxado. Posso sair cansado porque são duas horas a falar, duas horas a estar em pé, mas saio, do ponto de vista psicológico, emocional e mental, equilibrado que é uma coisa fundamental para que as pessoas se possam sentir bem. É a sensação de equilíbrio e é a sensação que eu tenho quando saio das aulas e acho que a função docente tem sempre muito a ganhar se as pessoas que a exercerem sentirem isso, também, como um espírito de missão. Não se pode fazer as coisas só pela retribuição. É evidente que a retribuição é fundamental porque é disso que a gente vive mas, pela retribuição que se obtém, têm de se fazer as coisas com paixão e, nestas coisas da educação, embora o slogan esteja um bocado gasto, a educação tem de ser vista com muita paixão porque educação é, do meu ponto de vista, o único factor que pode fazer diferenciar um país para o bem e para o mal.
Um país só se desenvolve se apostar na educação dos mais jovens e na reciclagem daqueles que, não sendo jovens, ainda estão em tempo de aprender. Só se pode fazer uma boa educação se aqueles que se propuserem monitorizar tudo aquilo que se prende com a educação e encararem como sendo uma missão e um desígnio. Isto, muitas vezes, não tem sido fácil até, porque nós sabemos, que a educação foi objecto de coisas muito más. Houve um período em que quem não sabia fazer mais nada ou quem não tinha mais nada para fazer dava aulas e isso mutilou, mutilou gerações, mutilou o país e agora, inclusivamente, criou alguma cultura que se institucionalizou, de alguma irresponsabilidade e fazer virar isto não é uma coisa que se faça por decreto. É, também, um processo cultural que se há-de ir conseguindo, sempre com muitos reveses, porque as pessoas são sempre muito retractivas em relação a tudo quanto as possa fazer mudar, no sentido de ter de investir mais esforço, mais dedicação para que as coisas sejam feitas, mas é algo que tem de ser feito e que se começa a ter que fazer e que se começa, também, a sentir que já se está a fazer para fazermos entrar no trilho certo.

A política sempre desempenhou um papel importante na sua vida. Será que os políticos sabem interpretar convenientemente a vontade da opinião pública?

Há de tudo. Eu acho que há bons políticos, há políticos assim, assim e há maus políticos mas, a verdade, é que também acho, da mesma forma que lhe falei para a educação, que a política não devia ser uma profissão. Eu acho que a política devia ser, acima de tudo, uma vocação e penso que todos aqueles que intervêm na actividade política devem ter uma profissão e darem do conhecimento que resulta da sua profissão, do conhecimento que resulta da sua interacção com o mundo, darem à política o melhor contributo para que as coisas funcionem e corram no sentido do interesse e do bem comum. Não tenho, do ponto de vista pessoal, nada contra as pessoas que são profissionais da política e só profissionais da política, agora, o que eu acho, é que os partidos têm que fazer um esforço grande no sentido de se abrirem e de trazerem aos seus foros, gente que exerce nos mais variados sectores e que pode trazer um contributo importante para que os partidos consigam aproximar-se das pessoas, consigam aproximar-se dos cidadãos e dos eleitores. Os partidos não podem ser aparelhos, não podem ser caixas fechadas e têm-no sido porque, ao estarem a fazer isso, estão exactamente contra aquilo que são os interesses do funcionamento e do aprofundamento da democracia. Estão contra os interesses daquilo que é a ética republicana e sobretudo estão a colocar em causa as próprias estruturas partidárias, porque os partidos não podem sobreviver se as pessoas não acreditarem neles e para que as pessoas acreditem nos partidos é preciso que percebam que quando se entra num partido e quando se aproxima de um partido não se é rejeitado mas, pelo contrário, se é solicitado, se é apelado e lhe são dadas as boas vindas.

Para quando um governo que se interesse, verdadeiramente, pelo nordeste transmontano?

Eu acho que nós temos de ter a capacidade para nos organizarmos. Nós somos poucos, é verdade, mas seremos menos se não nos organizarmos e se nos dividirmos. É fundamental que nós percebamos que só é possível que alguma coisa aconteça no nordeste transmontano e no interior do país, se as pessoas que lá vivem, se mobilizarem. Ninguém nos dá nada. A sociedade é uma permanente disputa como outra coisa qualquer. É verdade que em teoria o Estado deve exercer o poder regulador. Equilibrar é tirar onde há mais e por onde há menos mas, na realidade, o Estado é empurrado pelas mesmas forças que empurram a sociedade, que emergem da própria sociedade, tem a ver com forças de mercado, tem a ver com forças sócias, tem a ver com forças sindicais, tem a ver com forças políticas. O Estado é empurrado por essas forças para determinados sentidos e nós aqui, no interior do país e, particularmente, no nordeste transmontano, também temos que criar alguma capacidade de alavancagem, criar aqui alguma capacidade de organização, de nos organizarmos para que aqui sejam feitas e aconteçam, também, coisas que possam sustentar a manutenção da nossa sociedade local e regional porque as sociedades reproduzem-se, é preciso fazê-las reproduzir e fazer reproduzir uma sociedade é fazer com que as gerações mais novas continuem a ficar no sitio onde estão as mais antigas mas, para isso, é preciso que sejam criadas oportunidades a essas pessoas. Essas oportunidades, dificilmente, serão criadas de forma voluntária por alguém de fora. Tem de ser alguém de dentro que estimule alguém de fora a que se venha a associar aos que já cá estão. Todas as políticas de repovoamento, todas as políticas de dinamização económica estiveram subjacentes a atitudes deste tipo. É sempre preciso que aqueles que estão numa determinada região sejam capazes de apelar e de desenvolver iniciativas para que aqueles que estão fora também para lá venham e com isso começar a criar mais massa crítica e criar o entorno necessário para que se entre no tal patamar, a partir do qual, as coisas são sustentáveis mas, essa é que é a parte difícil, é que nós somos poucos e não nos sabemos organizar.

Partilha da opinião oficial do Partido Socialista em relação ao ensino superior em Bragança?

Eu tenho uma opinião em relação ao ensino superior em Bragança coincidente com algumas das opiniões do partido socialista e poderá, porventura, não ser coincidente com outras. Vou-lhe dizer aquilo que penso. Eu acho que Bragança perdeu uma oportunidade de ter ensino superior universitário quando, em 1999, existia uma proposta para criar o Instituto Universitário de Bragança e, portanto, o Instituto Universitário de Bragança, na altura, foi visto como uma ameaça para o Instituto Politécnico. Nunca seria uma ameaça se tivéssemos criado o Instituto Universitário. Estou convencido de que, hoje, aquilo que de melhor nós tivéssemos conseguido fazer, em termos de ensino superior, tinha uma qualificação universitária e o ensino politécnico teria assumido aquela que foi sempre a sua principal função para a qual nunca esteve muito motivado que era a de preparar de uma forma mais profissionalizante quadros médios e quadros superiores. Na altura isso não foi entendido, era aquilo que eu lhe dizia há bocado, nós somos poucos mas não nos temos sabido organizar. Achava-se que a solução seria fazer passar o instituto politécnico a universidade. Eu nunca acreditei nisso porque sempre achei que havendo dezoito institutos politécnicos no país, no dia em que transformassem o instituto politécnico de Bragança em universidade, os outros dezassete também queriam e se os outros dezassete também quisessem havia um problema político de uma dimensão tão gigantesca que não havia nenhum Ministro que o conseguisse suportar politicamente. Sempre achei que tudo isso era uma coisa irrealizável e fiz questão de afirmar e de dizer junto de algumas pessoas responsáveis: “Estamos a condenar o nosso futuro quando não aceitamos o Instituto Universitário.” Aquilo que eu acho, hoje, é que o instituto politécnico tem de ser capaz de se promover, criando novos apelos, criando novos públicos, estabelecendo parcerias com entidades que, não estando ligadas ao ensino, podem ser fundamentais para fortalecer o ensino superior politécnico. Porque é que o ensino superior politécnico não estabelece, por exemplo, uma parceria com associações empresariais no sentido de lhes prestar colaboração, de lhes prestar assessoria com outro tipo de associações, com os próprios organismos do Estado. O Estado, hoje, está a passar por uma profunda reforma ao nível dos procedimentos administrativos, ao nível dos procedimentos contabilísticos. Na maior parte dos casos, os funcionários públicos não têm preparação técnica e científica para poder dar resposta, de forma eficiente, a essas novas solicitações. O instituto politécnico tem, hoje, um corpo docente capaz de poder dar a essas pessoas a formação necessária para elas depois ficarem capacitadas para uma execução de bom nível das suas funções. Há um conjunto variadíssimo de possibilidades que o instituto politécnico tem de agarrar. O instituto politécnico tem de deixar de pensar só em si e olhar para dentro mas, também, olhar para fora. Eu sou uma pessoa que defendo, por princípio, sociedades abertas, organizações abertas, porque acho que é, abrindo as organizações, abrindo as sociedades que nós conseguimos crescer. Sempre que nós nos fechamos, ficamos mas diminuídos, ficamos com menos capacidade, mais limitados. É necessário que esta cultura de abertura, que esta cultura de grande capacidade de nos entrosarmos com o que está à nossa volta seja, também, interiorizada por quem dirige o instituto politécnico de Bragança e estou convencido que o está a ser.

Agora outra situação bastante querida às pessoas de Bragança. Para quando um verdadeiro hospital distrital em Bragança e a maternidade?

Eu acho que as alterações que estão a haver ao nível das políticas da saúde têm sido, do meu ponto de vista, mal explicadas por quem as quer executar e, porventura, aproveitadas de uma forma, se calhar, menos correcta por quem, por princípio, quer estar contra quem quer executar essas. Eu acho que não nos interessa ter muitas unidades de saúde se elas funcionarem todas mal. É preferível termos menos unidades de saúde que funcionem bem, com recursos humanos qualificados, capazes de nos atenderem em situações críticas do que termos muitas unidades de saúde com muitos equipamentos, mas onde os recursos humanos não conseguem tornar eficientes nem as instalações nem os equipamentos. No que tem a ver com os hospitais distritais, nós temos três hospitais distritais numa linha, separados no limite de sessenta quilómetros entre Bragança e Mirandela com um a meio que é o de Macedo de Cavaleiros. Aquilo que eu acho é que estes três hospitais estão, todos eles, deficitários de recursos humanos e também não tem sido fácil em consequência das políticas de ingresso nos cursos de medicina e nos cursos ligados às áreas da saúde. Não tem sido fácil preencher estes hospitais com recursos humanos adequados porque abrem-se concursos e os concursos têm ficado desertos, na maior parte dos casos, sobretudo para médicos e então o que é que será melhor? Não será melhor concentrarmos algumas especialidades nalguns hospitais e termos serviços que, podendo não ser de excelência, são serviços que podemos qualificar como bons ou andarmos aqui a satisfazer estes interesses bairristas que todos queremos ter um hospital de porta aberta, mas onde, depois, as pessoas chegam e não são bem atendidas? Do meu ponto de vista a primeira solução é a melhor.
Em relação à maternidade, eu nunca defendi, digo isto com total abertura, que houvesse duas maternidades no distrito. Não pode haver duas boas maternidades no distrito. Por exemplo, Mirandela tinha dois obstetras e mais um senhor, também obstetra, médico com setenta e oito anos, que fazia o favor de ali prestar serviço. Não é possível que estas coisas funcionem bem quando assim é, depois, às vezes, dizem, penso que se utiliza aqui alguma demagogia: “Bom, mas as taxas de mortalidade no hospital de Mirandela são menores que as do hospital de Santo António, do Hospital de São João.” Pudera! Quando há qualquer complicação mandam logo para o Hospital de São João ou para o Hospital de Santo António. O que é difícil não é feito lá, sai logo. O que é que será melhor? Será melhor nós podermos atender aqui, no nosso distrito, algo que está preparado para atender o que é difícil, o que é fácil, o que é assim, assim, ou termos várias coisas onde só atendemos o que é fácil e depois quando surge uma difícil temos de despachar para o Porto. Penso que é melhor nós termos uma coisa de forma que nos permita podermos atender tudo no distrito mas, para isso, não podemos ter muitas, só podemos ter uma e estas decisões políticas é que eu acho que têm de ser explicadas às pessoas com sentido pedagógico, como quem está a explicar um teorema, como quem está a explicar uma equação porque, de facto, isto é uma equação. Nós temos limitação de recursos financeiros, humanos e físicos, os nossos objectivos são estes: em função dos recursos, das limitações que temos e dos objectivos a que nos propomos o que é que podemos fazer? E é nessa base, é nesse tipo de entendimento que eu acho que vale a pena termos uma muito boa unidade de saúde no distrito de Bragança, com boas valências, com serviços de excelência, se possível, mas não andarmos a dispersar recursos.

Como economista, que pensa das medidas que o Governo está adoptar para a redução do deficit?

A redução do deficit não é propriamente algo que se resolva de forma simples e, sobretudo, num período em que a escalada dos preços do petróleo não pára. Nós temos que nos lembrar que há dois anos atrás o petróleo custava quarenta dólares o barril e hoje aproxima-se dos oitenta dólares. Num período em que as taxas de juro também já estão a subir, num período em que as principais economias da Europa com as quais nós nos relacionamos também teimam em não descolar, em não crescer e neste ambiente externo, não é fácil provocar a redução do deficit porque um deficit, no nosso caso, orçamental, só pode ser reduzido por duas vias: ou pela via da receita, aumentando as receitas e, para aumentarmos as receitas, tem de haver aumento do ritmo da actividade económica, tem de haver crescimento económico ou, diminuindo à despesa e há muita gente que diz: “Bom, mas podia diminuir-se a despesa, despediam-se funcionários públicos, cortavam-se nas despesas sociais, fazia-se isto e aquilo e aqueloutro.” Mas, é evidente que isso quem o diz, di-lo com total irresponsabilidade. Não se pode fazer, naturalmente. Primeiro, porque o despedir qualquer pessoa não alivia os encargos por princípio porque, depois, é preciso pagar subsídios de desemprego e é preciso ter outro tipo de suportes sociais para fazer face a essas necessidades e porque é preciso saber-se muito bem onde é que há serviços excedentários e onde é que não os há para se fazer a tal racionalização que é necessário fazer ao nível de toda a administração pública e, portanto, acho que as medidas que estão a ser tomadas para a redução do deficit e que passaram por uma auditoria exaustiva feita a todos os ministérios, para verificar onde é que havia excedentes, para verificar onde é que havia recursos mal alocados, para verificar, inclusivamente, onde é que havia duplicação de funções, que me parece um bom princípio e, de facto, os organismos internacionais, designadamente, a OCDE e a própria Comissão Europeia, dão boa nota e dão boa conta dos esforços que estão a ser seguidos por Portugal para controlar o deficit e para consolidar as contas públicas e as finanças públicas. As medidas que estão ser tomadas, tendencialmente, levar-nos-ão a uma diminuição progressiva do deficit. Essa diminuição não será seguramente no tempo que nós desejaríamos porque os factores internacionais que concorrem e que condicionam essa evolução, não estão de feição se, de facto, se nós começássemos a ter uma diminuição do preço do petróleo, se nós começássemos a ter um arranque mais visível das economias europeias, sobretudo, das mais fortes, da economia alemã, da economia francesa, seguramente, que as nossas possibilidades de consolidação orçamental seriam, seguramente, melhoradas. Assim vamos ter que ir apertando o cinto como o temos vindo a fazer. Vamos ter que ir gerindo os sacrifícios pedidos aos portugueses, equilibrando o plano social, para que as mazelas e as coisas não caiam sempre sobre os mais fracos e sobre os mais desfavorecidos e, com isso, procurarmos, por um lado, resolver o problema financeiro do Estado sem que os problemas sociais se agravem e para que haja um clima de paz social.

O que podemos fazer nós, transmontanos, para finalmente conseguirmos o desenvolvimento e a riqueza que merecemos?

Nós só conseguimos enriquecer, ou melhor, só conseguimos gerar mais riqueza e gerar mais emprego se conseguirmos promover novos investimentos. Tenho dito muitas vezes e penso que começa a haver alguma capacidade organizativa. As Câmaras municipais e os agentes económicos têm o dever de olhar para aquilo que são os nossos recursos endógenos e temos vários exemplos. Temos capacidade de produção energética ao nível das mini hídricas, ao nível da energia eólica, ao nível da própria biomassa e do biodiesel que não está aproveitada. É necessário que as Câmaras que têm andado a fazer rotundas por tudo quanto é sitio, pavilhões gimnodesportivos que já ninguém utiliza, piscinas aquecidas que têm pouca frequência e às vezes com separações de poucos quilómetros umas das outras, comecem a concentrar o seu esforço no sentido de criar condições de desenvolvimento económico nas regiões que governam e é necessário que as Câmaras se entendam porque, hoje, o desenvolvimento não é ao nível de cada município, é ao nível de uma região e, portanto, as Câmaras têm de se entender, têm de estabelecer parcerias público privadas, têm que ser chamados os investidores, os gestores e as pessoas que têm know how para que, tudo aquilo que são as nossas potencialidades, possam ser aproveitadas da melhor forma. Eu, há tempos, falava com uma pessoa que esteve na Comissão Europeia durante muitos anos e que foi eurodeputado, também, e dizia-me ele que nós, aqui, em Trás-os-Montes temos o melhor património genético do mundo. Ele não dizia do país, dizia do mundo. Nós produzimos as melhores maças, nós produzimos os melhores pêssegos, as chamadas pavias, nós produzimos os melhores grelos, nós produzimos as melhores batatas, nós produzimos os melhores enchidos. Nós temos as melhores raças autóctones ao nível dos ovinos, dos suínos, dos caprinos, dos bovinos e, portanto, o que é indispensável é que nós consigamos valorizar estes produtos porque, hoje, quando estudamos a cadeia de valor de um produto qualquer, o valor principal do produto não está na produção, está na comercialização e a comercialização de um produto exige circuitos de distribuição e exige marcas de referência. É indispensável que nós aqui, no nosso distrito, sejamos capazes de criar as chamadas arcas chapéu, por exemplo, uma marca “Produtos Nordeste” ou “Produtos Terra Fria” e esta marca ser divulgada no país e no estrangeiro, nos mais diferentes certames, aproveitando os apoios que existem para isso e, ao abrigo dessa marca, conseguirmos introduzir produtos de altíssima qualidade que, quando saem da produção, têm um valor relativamente pequeno mas, se forem divulgados e se forem conhecidos pelo grande público e pelos consumidores mais exigentes da Europa e do mundo, passam a ter um valor quatro, cinco, seis, dez vezes superior. A nossa aposta tem de ir por aqui. Tem de ir no sentido do aproveitamento daquilo que são as nossas riquezas e as nossas potencialidades. No sector do turismo nós temos grandes oportunidades, até porque temos uma vida selvagem, ainda mais ou menos virgem. Temos um ambiente que é um ambiente raro, temos uma paisagem absolutamente diversificada e de uma beleza indescritível e, portanto, tudo isto exige que nós nos consigamos organizar, poderes públicos, poderes privados, agentes sociais. Tem de haver um esforço de organização e este é, de facto, o nosso grande desafio porque, se nós não formos capazes, podemos convencer-nos de que ninguém o virá a fazer por nós.

Geograficamente, estamos mais perto da Europa do que qualquer outra região do país, no entanto, parece que o poder central não sabe nem quer saber desse facto. Em sua opinião o que se deve fazer a esse descaso?

Eu acho que, também aqui, nós temos que ter uma cultura de grande exigência. Eu acho que, por exemplo, no domínio das acessibilidades, a auto-estrada entre Amarante e Quintanilha, vem com muitos anos de atraso. É indispensável termos, aqui, um aeroporto regional porque, de facto, não é fácil dizer a um turista desses que nós queremos cativar, que são os turistas com grande poder de compra, que chegados ao Porto, têm de se meter num automóvel e fazer duas horas de curvas de um lado para o outro. Não. Temos de ter condições para dizer ao turista: “O senhor vai de avião e o avião aterra em Bragança ou em Mirandela. Aterra muito perto do sitio para onde o senhor se dirige.” E, depois, termos cá o aproveitamento daquilo que são as nossas actividades tradicionais, a nossa cultura, tudo aquilo que são os nossos valores para mostrar, o que é diferente e único. Nós não temos que mostrar ao turista os hotéis que ele tem na sua terra, não temos que mostrar ao turista os shows business que ele pode ver a cinco quilómetros da sua casa. Nós temos que mostrar ao turista a nossa cultura. Os nossos moinhos a trabalhar, a moer, os nossos bois a lavrar e a arar as terras como se fazia antigamente porque, de facto, hoje, a procura do turista mais exigente já não é a de sol e de praia. Também o é com certeza, mas não é só isso. É a procura e a descoberta dos costumes, das tradições, daquilo que, de facto, fez história ao longo dos anos. São as chamadas viagens ao passado, o regresso ao passado e é esse regresso ao passado, porque nós somos riquíssimos na nossa cultura, na nossa história, nos nossos hábitos, nas nossas tradições, na nossa paisagem, é esse regresso ao passado que é uma mais-valia da nossa região.
Como disse, temos que ter boas acessibilidades para beneficiarmos desta centralidade que é estarmos aqui mais perto da Europa do que estão as outras regiões do país. Temos que ter uma boa auto-estrada, temos que ter um aeroporto regional que nos dê condições de localização, senão excelentes, pelo menos compatíveis com aquilo que são as exigências do turista de hoje.

Que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?

Naturalmente que há sempre na nossa vida pessoas que nos marcam muito sobretudo pessoas da família. Os meus pais, indiscutivelmente, foram as pessoas que me transmitiram todos os valores. Os meus pais, os meus tios, as pessoas mais próximas… Depois, há um conjunto de pessoas com quem eu privei muito de perto que são amigos que eu preservo e que corria o risco, se começasse a dizer alguns nomes, de cometer a injustiça, que eu não quero cometer, de deixar algum de fora.
Se me falar em personagens ou personalidades que, enfim, fogem daquilo que é o nosso conhecimento pessoal há, de facto, pessoas que, pela sua trajectória, pela sua vida, pelo testemunho que deram de si, foram inquestionavelmente pessoas que eu reputo como sendo gente de referência. Eu gosto de me lembrar sempre do sonho do Che Guevara, da grande capacidade racional mas, ao mesmo tempo, emotiva, de Bill Clinton, de alguns líderes de movimentos africanos, nomeadamente, Nelson Mandela e todos eles foram pessoas que a história nunca conseguirá apagar. Pelo contrário a história dará sempre deles, quantos mais anos passarem, um testemunho mais neutral, um testemunho mais justo, porque a história começa a ser justa passados muitos anos. Perante tudo isso eu diria assim: “Aquilo que mais me marca a mim são as pessoas, embora eu ouça dizer muitas vezes, que a raça humana não é uma coisa de que a gente se possa gabar muito. Há, dentro da raça humana, coisas que são absolutamente transcendentes e… Olhe, uma vez que estamos para acabar, quero também deixar aqui outro testemunho deste casal fez o favor de me entrevistar, Marcolino e Mara. Eu conheço o Marcolino há mais anos do que conheço a Mara. O Marcolino é um daqueles amigos que, como dizia o Eça de Queiroz no “A cidade e as serras”, eu possuo preciosamente pela sua tenacidade, pela sua coragem, pela sua capacidade de resistência ao sofrimento que tem revelado ao longo da vida e que são, de facto, o testemunho que nós precisamos, o tónico que nós precisamos para continuar a achar que vale a pena viver e que vale a pena lutar e que vale a pena acreditar.

Ficámos sem palavras… Tudo o que dissermos será redundante. Obrigados Fernando.

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