sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista: Dr.ª Fátima Castanheira - Diretora da Pastoral dos Ciganos

“No encalço da integração”

Fale-nos, por favor, do princípio, ou seja, da sua infância e juventude. Como foi nascer e crescer em Vinhais?

O meu pai é de Vinhais, a minha mãe é de uma aldeia bastante próxima, Brito de Baixo. Cresci em Vinhais, tive uns percursos pela Figueira da Foz onde fiz a quarta classe. Depois, toda a minha escolarização foi feita em Vinhais. No décimo segundo ano vim para Bragança, uma vez que, em Vinhais não havia essa resposta e depois acabei também por fazer a licenciatura em Português Francês e desde aí vivo em Bragança.

Foi mãe ainda muito jovem. Foi difícil conciliar o papel de mãe e esposa com o de estudante?

Sim, bastante difícil. Quando a minha filha nasceu, tinha ela quatro meses quando entrei para o curso. Foi ser mãe estudante, trabalhadora… foi muito difícil na altura. Tive todo o apoio de amigos e superei com alguma facilidade.

Enveredou pelo ensino. Foi uma vocação?

Penso que sim. Inicialmente não senti essa vocação, isto ainda, como estudante mas, depois, pelo contacto com os alunos, o meu dia-a-dia na escola, senti que realmente era isto. É isto que eu quero fazer e é isto que eu gosto.

É difícil ser professor em Portugal?

Bastante difícil. Cada dia que passa, as dificuldades dos professores aumentam. Eu pertenço a um quadro de vinculação e esta inconstância de sabermos qual é o nosso futuro, como será o dia de amanhã… Será que temos alguma estabilidade profissional, independentemente de pertencermos a um quadro? Não temos essa certeza e vivemos sempre nessa expectativa. Eu estive em Mondim de Bastos. Adorei essa experiência, não conhecia Mondim de Bastos, tive lá vivências muito particulares. Estive esses dois anos, também, a dar uma área de bordados. Curiosamente Mondim de Bastos fica na fronteira entre Minho e Trás-os-Montes e é uma zona de bastante produção de linho e ninguém sabia bordar. Eu apeguei-me a isso, tinha algum saber, fui aperfeiçoando e fiz um curso que foi uma experiência impressionante. Tive sessenta alunas nesse ano. Foi uma coisa muito bonita. Penso que ainda hoje subsiste alguma raiz daquilo que ensinei.

É também um pouco vida de cigano a vida de professor?
Muito! Acho que se assemelha bastante, porque andamos sempre com a casa às costas. A dedicação que temos de dar à nossa família é sempre condicionada. As férias que dizem que são tantas, não são nenhumas para colmatar todas as falhas que temos com a família e isso tem reflexos e tem custos muito pesados em termos familiares e afectivos.

A sua personalidade carrega uma enorme vertente solidária. Sempre se preocupou com o bem-estar dos menos favorecidos. De alguns anos a esta parte abraçou a causa da etnia cigana. Porquê os ciganos?

Durante o tempo em que vivi em Vinhais, os meus pais tinham alguns vizinhos ciganos. Acho que cresci a brincar com as ciganinhas pequeninas. Eram as minhas bonecas. Eu penteava-as e vestia-as tentava ajudá-las e fazia delas as minhas bonequinhas e elas ficavam lindíssimas com os penteados e com as roupinhas que eu lhes fazia. Isso foi uma das predestinações. Depois, por via profissional, ligada ao ensino, apanhei várias turmas de etnia cigana. Eu fazia projectos a nível do ensino recorrente de alfabetização de adultos e a primeira experiência profissional que tive com ciganos foi no bairro de São Sebastião onde iniciei com trinta e quatro ciganos, alunos de etnia cigana que, no início foi assustador, tenho que dizê-lo, mas acabou por revelar-se uma experiência muito gratificante. Eles não iam à escola porque queriam, estavam a ser abrangidos pelo antigo programa de rendimento mínimo garantido e então tinham que estar na escola. Era uma contrapartida para promover a inserção social e profissional deles e então foi aquele boom em 1999, em que muitos dos ciganos tinham que estar na escola e calhou-me a mim, estavam comigo e, como lhe digo, no início foi muito difícil, foi complicado. Os primeiros tempos foram de adaptação deles a mim, de mim a eles. A própria adaptação ao ambiente fechado, à escola. Muitos nunca tinham pisado numa escola, não faziam ideia do que era. Para eles, escrever o nome era uma grande conquista, enquanto para nós é uma coisa quase automática. Para eles, já adultos, escrever o nome é muito importante e foi o trabalho que fizemos esse ano; depois, como era uma turma demasiado grande, no ano seguinte foi desmembrada. O projecto continuou no Campo Redondo e aí já com dezassete ciganos. Estávamos num pavilhão da escola do Campo Redondo onde nos mantivemos três anos. A escola acabou por ser muito útil para a etnia cigana porque criou uma tradição, criou um espaço de convívio, um lugar onde eles podiam estar e conversar e foi bom, foi gratificante e houve muito bons resultados. Eu já não tenho conta ao número de alunos que alfabetizei nestes anos mas, foram muitos e fico muito feliz sempre que eles me relatam o quanto foi importante aprender a ler e a escrever. Ainda há dias falava com um e ele dizia-me que quando não sabia ler nem escrever era muito difícil. Eles vão muito para Espanha, têm muitos familiares, e então um deles dizia-me: “Olhe, às vezes, tinha que acordar o garoto mais velho para me ler as placas para saber onde estava e agora já não é necessário, já leio eu. No inicio ainda parava em frente da placa para ler devagarinho e conseguir saber onde estava, agora não, já faço isso com muita facilidade”. Isso é muito positivo.

O que se sabe da cultura cigana e que nos chega é envolto em lenda. É mesmo verdade que eles são um povo originário da Índia?

Da Índia, do Egipto. Há várias lendas. Eu não sou ninguém para dar dados concretos sobre isso mas, a verdade, é que existe um misticismo muito grande à volta da cultura cigana, da forma de vida do povo cigano. Eles dizem que, como ninguém os quer, têm que andar sempre em deslocação e nomadismo, de um lado para o outro mas, talvez os dados históricos não comprovem isso.

Quantos ciganos existem em Portugal?

Os últimos dados a que tive acesso falam em cerca de sessenta mil. Já sabe que não pode haver dados concretos porque as próprias características deles impedem que haja um número correcto. Aqui em termos de Bragança teremos cerca de trezentos sabendo que no distrito são cerca de quatro mil.

Há vários grupos de ciganos em Portugal muito diferentes entre si. A que se devem essas diferenças?

Penso que as grandes maiorias que eu registo e que basta olhar para eles para vermos que são diferentes, é da própria região de onde eles são oriundos. Nós, em termos de Secretariado, temos mais ou menos identificados, três grupos de ciganos. Temos o cigano trasmontano que é este cigano que nós conhecemos e que sempre viveu em Trás-os-Montes, que não tinha grandes afazeres. Dedicava-se ao negócio dos burros, vendia nas feiras os burros, cestas, etc. Esse é o cigano transmontano que sempre povoou as nossas aldeias. O facto de virem viver para a cidade é um fenómeno recente. Depois há um segundo grupo que também reside em Bragança e no próprio distrito que são os chamados caldeireiros ou latoeiros que eram ciganos nómadas que andavam de terra em terra, compunham os latos, as panelas, os tachos, isto em tempos idos e depois há o cigano quitano que é o cigano que vende nas feiras. É o cigano feirante que vende roupas e nós não temos essa tradição aqui na região. Nós não temos ciganos quitanos originários daqui. Não há essa tradição nos nossos ciganos. Já falamos com muitos ciganos antigos, os mais idosos e esse negócio nunca foi deles. É um fenómeno recente a existência de ciganos quitanos na região. Esse grupo que vende nas feiras e que reside aqui, em Bragança e noutros pontos do distrito é da zona de Braga, do Alentejo, do Porto também. Não são nascidos em Trás-os-Montes.

Quais são as principais características do cigano transmontano?

O cigano transmontano é o cigano que usa aquele chapéu típico, que cumpre ainda, muito fortemente, aqueles rituais de luto. Quando está de luto veste-se de preto não faz a barba, não bebe. O cigano quitano, também tem o luto, mas não tão acentuado como o cigano transmontano. Nas mulheres as diferenças são notórias. A cigana quitana é aquela cigana que se pinta, pode até fumar, usa mais ouro, é talvez mais exuberante. A cigana transmontana não usa decotes, as saias têm que ser muito por baixo do joelho, não se pinta, não fuma. O próprio facto de ela se pintar ou fumar já é um motivo de exclusão dentro do próprio clã.

É o que se passa também com a antiga mulher transmontana…

Exactamente. Penso que há muitos aspectos que se cruzam com a mulher transmontana.

O que é a Pastoral?

A Pastoral é um movimento. São organizações ligadas à igreja que se ocupam desta causa. A preocupação com a etnia cigana é constante. Isto porque há motivos para preocupação. O ideal era que não existisse. Seria esse o ideal porque assim não precisava, de alguma forma, entender melhor a etnia cigana mas, as pastorais existem para dar resposta a alguns problemas que são diagnosticados, que são identificados e é uma tentativa  de ajudar a sociedade a resolvê-los.

Que perspectivas tem e quais são as maiores dificuldades com que tem de lutar para alcançar os objectivos definidos?     

Os nossos estatutos são bastante abrangentes. Nós assumimos o papel de mediação. Fazemos a ponte, a ligação entre a etnia cigana e a sociedade maioritária. Tentamos ajudá-los, a eles próprios, a resolver problemas; problemas legais. Fazer-lhe entender o que são os papéis institucionais… esse é um problema gravíssimo e cada vez mais são exigidos, documentos para isto e para aquilo e eles não entendem, não lêem e nós tentamos fazer esse trabalho. Temos também uma parte a que nos dedicamos muito profundamente que é a evangelização. Tentamos levar os ciganos à igreja, fazê-los entender o que é isto da Pastoral dos Ciganos; qual a postura que eles devem ter como elementos numa sociedade. O saber estar, o saber ser na sociedade, o saber ser também na igreja. Esse trabalho também é feito por nós não como gostaríamos que fosse pois somos poucos elementos e lidamos com esse problema. Apelamos ao voluntariado. Para ser sincera, nós, nesta causa, estamos muito sós. É muito difícil. As pessoas não estão disponíveis e não reagem muito bem a esta convivência tão estreita com a etnia cigana para os tentar ajudar.

Ao longo dos anos tem dado a conhecer os ciganos e a sua cultura a fim de os integrar na sociedade. Por isso tem realizado vários cursos de formação e outras actividades das quais destaco as “Jornadas da Pastoral dos Ciganos. Fale-nos dessa vertente.

Por intermédio da irmã Zulmira, entretanto falecida que esteve por detrás da formação e da constituição desta equipa da pastoral, foi-nos proposto esse desafio. O Dr. Folgado é o nosso assistente religioso. Foi-nos dito: “Porque não, pensam em fazer algum encontro, em algum lugar, um momento de reflexão sobre o que se passa em termos do distrito de Bragança com a etnia cigana, tentando que isso seja um momento positivo?”. Fizemos, então, as primeiras jornadas em 2003. Designámo-las de Inserção e Escolarização. O diagnóstico que fizemos mostrou-nos que havia muitos problemas para resolver nas crianças ciganas. Em termos de Ensino Recorrente chegavam até nós miúdos de dezasseis, dezassete anos sem saber ler nem escrever. Como é que estas crianças fogem à escola e chegam a esta idade sem nunca ter posto os pés na escola? Tentamos colocar os professores a par dessas jornadas. Tivemos vários oradores, gente fundamental que veio ter connosco e também uma equipa de Pamplona, uma equipa técnica ligada à segurança social de Pamplona e também a Pastoral dos Ciganos onde estão duzentos e trinta ciganos transmontanos, familiares dos que estão aqui em Bragança e eles vêm contar a experiência deles. Nós tentámos trazê-los para que se abrissem os horizontes, que a experiência deles fosse talvez copiada ou adaptada ao nosso caso, uma vez que até eram familiares dos nossos aqui. Porquê é que resultou tão bem a inserção desses duzentos e trinta ciganos em Pamplona e não resulta aqui em Bragança? Tentámos questionar isso. Tivemos várias pessoas que intervieram nessas jornadas. O ponto alto foi a vinda de várias personalidades que nós conseguimos trazer para além dos espanhóis. Tivemos o senhor João Quaresma, que é director financeiro da Santa Casa da Misericórdia, Anabela Abreu que é uma mediadora cigana que tem feito um trabalho excelente na zona de Lisboa, veio também contar-nos a sua experiência e tentar ajudar-nos a encontrar soluções. Grande momento destas primeiras jornadas, Maio de 2003 foi, sem dúvida, uma eucaristia presidida por Dom António Nunes que desde a primeira hora nos tem dado todo o apoio. Nessa eucaristia foram realizadas comunhões e baptizados de elementos de etnia cigana. Foi um momento muito bonito porque foi na catedral. Nenhum dos ciganos que lá incluímos tinha estado, algum dia, na catedral. Foi um abrir da catedral à etnia cigana. Nesse dia fizemos vinte e nove comunhões e baptizamos três criancinhas. Foi o reflexo de um trabalho de catequização, e de evangelização que eu e as colegas da Pastoral fizemos. Foi um trabalho bastante difícil. Fizemos catequese na Sarzeda, Rebordãos, na própria escola no Campo Redondo. Era também um espaço de evangelização e essas crianças todas fizeram a primeira comunhão nesse dia. Tivemos também a Tuna da Santa Casa, da Casa do Trabalho que foi apresentada aos ciganos. O hino dos ciganos foi muito bonito. Essa equipa de Pamplona deu-nos esse hino que era uma coisa que eles nunca tinham ouvido, nem sequer sabiam que existia e que partilhamos com eles.

Há exemplos de ciganos perfeitamente integrados como o Ricardo Quaresma, eleito recentemente como o melhor jogador do ano em Portugal, na selecção sub 21. Um cigano espanhol que foi deputado no parlamento espanhol e neste momento é um dos elementos do parlamento europeu. Outros que dão cartas na música e na dança, no entanto, continuam a ser a excepção. Porquê?

Os ciganos, realmente, são excelentes músicos. Aqui na nossa região não se dedicam muito à música. Não conheço muitos casos em que saibam tocar viola, guitarra. Não têm essa vertente. São pessoas alegres, são pessoas que têm muito para dar. Que têm muito para partilhar. Será preciso que se vejam de outra forma e que a integração seja feita. Que as instituições se unam, se agrupem esforços e se direccionem para essa causa porque, por exemplo, exclusivamente a segurança social, ou qualquer outra instituição sozinha, nada pode fazer, em conjunto e em diálogo com os ciganos porque eles também têm uma palavra muito importante a dizer no seu processo de integração e porque tem de ser negociado com eles. É necessário dar os primeiros passos porque, acho que nem sequer os primeiros passos foram dados. Por exemplo, aqui na cidade de Bragança. Repare que temos ciganos que estão excluídos que vivem numa situação muito marginal, vivem em barracas e há um grande grupo deles que vive em barracas e não é só o facto de viverem em barracas, vivem numa lixeira. Há uma exclusão que é flagrante. Esse grupo, há dezassete anos que vive numa lixeira. Qual será também a nossa legitimidade de lhes pedirmos alguma coisa em troca quando eles não têm nada e estão postos à margem de qualquer contacto ou envolvimento social? O próprio sistema não está a dar resposta e eles, cada vez, estão a ser mais excluídos. Repare que estes núcleos que nós temos em Bragança… temos três grandes acampamentos em Bragança, no cruzamento de Donai, nos Formarigos, mesmo ali em São Sebastião, no Beco Sem Saída, são grupos onde nós temos ciganos que querem mudar de vida, querem melhorar e muitos deles já adquiriram capacidades, já se alfabetizaram, já têm alguns instrumentos de inserção profissional. Agora, será que alguém lhes quer dar emprego? Ou será que nós não teremos que partir primeiro para um ponto importantíssimo que era o realojamento deles? Dar-lhes condições de vida e depois, sim, exigir deles, alguma coisa em troca. Nós não temos força para exigir que estes grupos de ciganos consigam, saibam estar e saibam ser cidadãos de pleno direito quando os temos a viver em barracas onde só há ratos, onde é desumano viver.

Voltando um pouco atrás… estávamos a falar do Primeiro Congresso da Pastoral mas, sabemos que decorreu o segundo congresso o ano passado (2005).

Sim, nós fazemos as jornadas de dois em dois anos. Fizemos em 2003 e em 2005. Em 2005 foi subordinado ao tema “Realidades interculturais sobre inclusão social”. Tivemos, nestas jornadas, o apoio de muita gente, inclusivamente, o pároco António Vaz Pinto, esteve connosco. Deu-nos muitas lições de vida, ensinou-nos como lidar com esta problemática. O Dr. Lino Ferreira. O padre Vítor Feitor Pinto esteve também. Estava previsto um workshop com o jogador Ricardo Quaresma que ia fazer um workshop nas escolas. Não pode vir mas ficou a ideia; transmitimos isso aos miúdos que estavam para o receber. Tivemos, depois, um momento alto no Teatro Municipal onde contámos com Paco Soares, um maestro cigano, orquestra europeia de música cigana. Foi fascinante ouvir esse cigano, que é assim que ele gosta que o tratem, que trouxe a Bragança um espectáculo de mérito porque é um espectáculo que raramente estaria em Bragança, já que são espectáculos caríssimos e que o próprio Paco Soares se disponibilizou a vir cá por influências pessoais e pedidos pessoais ele veio ter connosco. Trouxemos, também, a Orquestra Expoarte de Mirandela, a Tuna de Santo António da Casa do Trabalho também esteve nesse espectáculo. Foi um momento muito alto e muito bonito.

Temos impressão de que os ciganos espanhóis são mais ciosos da sua cultura e estão melhor integrados que os nossos. Porquê esta diferença tão grande entre uns e os outros?

Provavelmente porque, à semelhança desse caso de que lhe falei, de Pamplona, quando há necessidades especiais graves, eles criam centros de acompanhamento. Repare que o centro de acompanhamento em Pamplona esteve a funcionar durante trinta anos e conseguiu envolver as pessoas, conseguiu dar-lhe habilitações, qualificações pessoais, profissionais. Conseguiu inseri-los. Se calhar, devíamos copiar essas politicas porque, provavelmente, essas politicas envolvem um conjunto de esforços de todas as instituições, todas as forças vivas locais, no fundo, compartilham essa vontade de se produzir a mudança e têm bons resultados em Espanha. Aqui, se calhar, ainda nunca houve uma actuação concertada. Aquilo que se faz é pontual. Por exemplo, estou a lembrar-me de cursos de formação esporádicos. Estou a lembrar-me do RESI, Rendimento Social de Inserção, que podem estar a recebê-lo durante uns meses e depois deixam de o receber. Portanto, é um avança e recua e as famílias, os agregados familiares, não evoluem porque não há um apoio constante e com objectivos muito precisos.

Teria que ser mais forte e mais prolongado…

Mais prolongado… e mais prolongado e com mais articulação.

A pastoral está a desenvolver, em conjunto com outras entidades, um projecto de realojamento da população cigana de Bragança. Em que consiste este projecto?

Este projecto partiu já de um projecto inicial de Setembro de 2004. A ideia era diagnosticar com os ciganos, eventualmente, onde eles gostariam de viver e a forma como gostariam de viver e, a partir daí, seleccionar locais, por exemplo, aldeias, que eles referiram como potenciais lugares onde gostariam de viver e pegar nas casas velhas ou nos barracos ou em terrenos nas aldeias e realojar uma família por aldeia, dentro daquelas aldeias que eles elegeram. Esse projecto não teve sucesso, quer dizer, parte desse projecto acabou por ter que se por de lado e estamos agora com outra tentativa de realojamento. A câmara está a fazer o levantamento para uma candidatura num programa especial que é o PRODEP, através do INH para se tentar fazer o realojamento destas vinte e cinco famílias. Repare que em Bragança apenas vivem vinte e cinco famílias em barracas. Este projecto, convêm dizê-lo, não se destina exclusivamente à população de etnia cigana, mas a pessoas residentes em barracas. Coincide que sejam ciganas as pessoas que, neste momento, vivem em barracas na cidade de Bragança e no concelho, por isso é que este projecto está a ser bastante polémico. Pensamos que a câmara terá pronto todo o processo de candidatura em Outubro. As famílias foram diagnosticadas com a parceria da Segurança Social. Vão ser envolvidas, talvez, as juntas de freguesia e será um projecto financiado a cinquenta por cento. Estamos cheios de esperar. Os ciganos também. Que seja desta que as coisas avancem porque isto tem sido um continuar de promessas e mais promessas e eles próprios já desacreditam. Quando nós, da Pastoral, lhe falamos - “Mas vai ser desta. Tenham esperança que vai ser desta.” Eles já não acreditam. Agora há uma luz ao fundo do túnel. Vamos tentar que isso se concretize e quanto a nós, Pastoral dos Ciganos, esse será o passo fundamental para que, realmente, os ciganos mostrem o que valem. Mostrem que são pessoas capazes de viver em sociedade. Capazes de serem pessoas válidas, profissionalmente, socialmente. Capazes de conduzirem as suas crianças de outra forma e de terem outra vida que os pais não tiveram.

Quais são as maiores dificuldades que tem encontrado neste caminho?

As dificuldades são financeiras, essencialmente e, depois, o próprio estigma cigano está muito presente e o que aconteceu nalgumas aldeias é que bastou o facto de se dizer, o diz que diz que, porque não se efectuou nada, que iria para lá uma família de etnia cigana que “aqui del rei que vamo-nos unir e eles não podem vir para cá”. Foi essa a posição de algumas aldeias seleccionadas por nós.

A população cigana é muito renitente no que concerne à sua escolarização. Será que o problema é só deles ou nós também temos culpa?

Eu acho que sim, que nós também temos culpa. A própria escola é muito culpada. Repare numa coisa. Eu falo, às vezes, neste exemplo: Houve um índio da Selva Amazónica que foi colocado, assim de um momento para o outro em Paris. Ele teve um ataque cardíaco. Repare, é o que está a acontecer, praticamente, às nossas crianças ciganas que, com seis anos, são retiradas das barracas e colocadas numa escola, um mundo que lhes é completamente alheio. Repare que são crianças que nunca brincaram com uma criança de etnia não cigana. O choque é terrível e a escola, provavelmente, não está a saber colmatar esse choque. Ao invés da escola se preparar para esse momento, porque é logo nos primeiros momentos que as crianças ciganas rejeitam a escola, não o faz. Chegam ali e nada lhes é familiar. Não conhecem ninguém. Vão para uma realidade completamente desconhecida e assustadora. Porque é assustador para uma criança que vive em barracas, que não conhece ninguém, ver-se num mundo diferente de um dia para o outro e a escola tem um papel muito importante. Nós já tivemos algumas experiências para tentar diminuir esse impacto, esse choque, através do ensino recorrente que tem feito um trabalho muito meritório com a etnia cigana e muito de apoio e muito próximo. Houve um projecto que era uma sala de estudo, uma turma, onde nós pegávamos nas crianças pequeninas, três, quatro, cinco anos e tentávamos levá-las para a escola juntamente com os pais para que se fossem preparando para a entrada na escola. Foi um projecto bastante bem sucedido. Funcionou durante quatro anos e era financiado pelo programa do rendimento mínimo da Segurança Social, mas que depois deixou de ter verbas. Era um projecto em que nós acreditávamos porque tivemos o feedback dessa experiência e vimos que as crianças que estavam nessa sala de estudo nocturna tinham já uma forma diferente de ver a escola e conseguiram mais sucesso escolar do que as outras que nunca tinham entrado numa.

Queriam estudar…

Queriam estudar e sentiam-se bem na escola. É uma necessidade urgente ser a escola a colmatar muitas das falhas que estas crianças têm. Quando lhes dizemos: “Vão para a escola.” e o professor marca os trabalhos de casa… ali são trabalhos de barraca e é uma barraca onde nem sequer tem luz eléctrica. Como é que nós podemos pedir a uma criança de etnia cigana que faça os trabalhos de casa quando nem sequer tem casa nem luz eléctrica, nem tem apoio? A mãe e o pai não têm noção de ler nem escrever como é que é possível essa criança ter a mesma igualdade de oportunidades em relação a outra? Não pode, é impossível porque ela já vai com uma desigualdade tão grande que, chega à escola e o insucesso é quase garantido.

Que novos projectos tem a Pastoral para a integração da comunidade cigana na nossa região?

A nossa luta é, essencialmente, esta do realojamento porque é este aspecto que bloqueia e condiciona todas as outras acções que tentamos promover. Nós, enquanto não tivermos este grupo inserido em casas… o ideal da casa dos ciganos até é uma coisa muito simples muito barata, desde que tenha um tecto, luz eléctrica, telhas. Não é barracas com chapas que, com a ventania e com o rigor dos Invernos, aquilo cai constantemente pondo em risco as crianças, os adultos. Enquanto não for resolvido esse problema não conseguimos ajudar a etnia cigana. Não conseguimos ajudá-los a mudar porque eles, também, querem mudar porque, repare, os ciganos vivem pior agora do que viviam há vinte anos atrás. Eles dizem-nos isso. Há vinte anos atrás eles dedicavam-se ao negócio. Faziam as suas cestas, faziam as albardas, compunham os guarda-chuvas, vendiam as burras nas feiras. Havia alguma coisa a que eles se dedicavam, onde podiam ir buscar alguma coisa pelo menos para o pão, algum rendimento. Neste momento, o próprio burro está em extinção. É fatal o destino desta população. O burro está em extinção, por consequência, eles já não fazem aquilo que sabiam fazer, já não precisam de fazer as albardas, nem as cestas, nem essas coisas. Acho que a sociedade não soube reencaminhá-los ou pegar naquilo que eles sabem fazer e reajustá-lo, reciclá-lo e adaptá-lo a outras competências.

A exemplo do que acontece com a comunidade cigana, também Trás-os-Montes está com graves problemas. O que é que poderemos fazer para que esta região não desapareça do mapa?

Se é possível fazer alguma coisa? Não tenho essa resposta. Era bem que alguma coisa fosse feita porque eu, como transmontana, considero que esta zona é lindíssima. Haveria tanto para fazer… Eu acho que Trás-os-Montes, tal como os ciganos, também, tem sido esquecida. Em termos de acessibilidades, precisávamos urgentemente, de nos aproximar do resto do mundo. Em termos de turismo, podemos fazer do turismo o nosso sangue para dinamizar, para rejuvenescer esta região. Há tanta coisa bonita que nós podemos vender. Nós temos sol para vender, nós temos simpatia, temos acolhimento, temos paisagens lindíssimas e tudo isso se vende…

E os montes…

Os montes também se vendem.  Era tudo muito bonito de vender ao turismo para ser mostrado, com infra-estruturas com condições atractivas que pessoas de todo o mundo pudessem vir, ver, estar e descansar. Ar puro, sol, temos coisas especiais. Depois será o governo a ter que definir um projecto para esta região…

De integração no resto do país…

De integração no resto do país tal como nós. A Pastoral gostaria que a etnia cigana fosse integrada, também, nós transmontanos, gostaríamos de ser inseridos a nível do país. Deixamos aqui o apelo aos nossos governantes.

Para o final da emissão do “Nordeste com Carinho” fazemos uma questão que é a mais pessoal de todas. Que personalidade ou personalidades a marcaram mais ao longo da sua vida?

A nível familiar, a minha mãe; uma pessoa que me orientou da melhor forma e eu cada vez entendo mais isso e cada vez vejo mais que a minha mãe é, realmente, a pedra fundamental da minha vida e da pessoa que sou. Acho que lhe devo tudo e que tudo o que me ensinou tem sido útil dia após dia.

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