Ontem, sábado, um belo dia soalheiro, fui à minha aldeia. O calor, perfeitamente suportável, uma aragem fresca, o sol brincando ao esconde-esconde, zonas de sombra e de luz
Eu e a minha mãe, com a nobre missão de verificar se haveria azeitonas suficientes para fazer alguns litros de "ouro líquido" e a auscultar dos ouriços dos castanheiros, se muitos, se poucos, se graúdos, se miúdos...
Os campos ainda negros do último incêndio do verão, mostram as rochas nuas, aleatoriamente semeadas por um qualquer ciclope mitológico.
Inunda-se-me o olhar de tristeza. Que negritude!
Ao Souto, um souto novo e vigoroso foi consumido pelas chamas inclementes. Cem castanheiros novos, outros já centenários, morreram de pé, orgulhosamente. Ali não fomos. Já lá havíamos ido e sentido a dor de nada poder fazer, senão chorar.
No termo do Brito com o Vilar, outro ainda, pequeno este... apenas dezoito, todos jovens, tristemente queimados. Não darão castanhas.
Felizmente, houve sobreviventes. Ó Poulo, À Casa, À Roda, junto do Tuela, milagrosamente salvos pelo trabalho árduo e heroico dos nossos bombeiros e de toda a população.
Esses, alguns carregados de ouriços, diz a minha mãe que pequenos por falta de chuva no verão, outros, preguiçosos, quase nada têm e há os que ainda teimam em ser valentes e estão como deve ser para uma boa produção.
De um que a minha mãe diz "do cedo", trouxe meia dúzia de castanhas já caídas, dádivas doces de ouriços espinhosos.
E dali partimos para ver as oliveiras, espalhadas por várias terras, meia dúzia aqui, duas ou três ali, um pouco mais acolá, todas carregadinhas de azeitonas. Este ano haverá azeite.
Faz-me alguma impressão o tamanho de algumas leiras, tão compartimentadas, onde só cabem, às vezes, duas ou três árvores.
Vimos silvas, muitas silvas. As nossas aldeias estão cobertas de silvas que nem amoras têm. O verão seco queimou as tão famosas amoras do distrito de Bragança. Nem nisso foi amigo dos poucos velhos que ainda insistem em não abandonar as pequenas terras herdadas dos pais.
Sinto-me incapaz, impotente. Não tenho dinheiro que me permita uma intervenção musculada na minha pequenina aldeia e nas poucas terras que os meus pais herdaram e tratam com um carinho desmedido, com o coração turvado pelo abandono a que não as conseguem resgatar.
Sinto-me triste. Vejo a mágoa estampada nos seus olhos e não consigo que se desvaneça. Sinto a assunção da sua incapacidade para fazer mais e melhor.
"A silvas tomam conta de tudo. Ainda bem que o Zé não veio. Ia ficar mais triste ainda.", diz a minha mãe.
O deserto humano é cada vez mais denso nestas pequenas aldeias. Não há gente. Não há sacrifícios. Não há o amor antigo e a teimosia de um amor inquestionável.
Sinto-me absolutamente incapaz e egoistamente só, abandonada como um solitário castanheiro num campo de centeio.
Na terra, entre folhas secas de castanheiro do outono anterior, uma roca, de copa aberta, "frade" chamou-lhe a minha mãe, com a simplicidade natural da sua breve existência.
Mara Cepeda
Sem comentários:
Enviar um comentário