domingo, 29 de julho de 2012

Inferno

Era verão, quente, como é normal em Trás-os-Montes. A rapariga vinha apressada, pelo calor da tarde, abrasador. Parecia ter asas nos pés, tal era a velocidade que só a sua juventude poderia imprimir à marcha. Chorava. As lágrimas misturavam-se com o suor que lhe escorria pelo rosto afogueado.
"Acudam, acudam. Venham depressa antes que seja tarde."
Logo um magote de pessoas, novas e velhas, cercava a rapariga que mal conseguia falar.
"Um fogo enorme está a queimar tudo no Souto Velho." O Francisco está lá a tentar apagá-lo. Já se queimou. Tenho medo que o fogo o cerque.
O sino tocou a rebate. O povo juntou-se com foices, ceitouras, enxadas e outras ferramentas que pudessem ajudar a parar o fogo.
Todos à uma, voaram em direção ao fogo que se preparava para destruir o trabalho de uma vida. Já se viam as labaredas, já se cheirava o fumo nefasto da destruição.
"O meu Francisco! Que Deus ajude o meu Francisco!", ouviu-se uma voz angustiada de mãe.
Alguém foi ao posto público ligar para os bombeiros. Não sabiam se chegariam a tempo ou se viriam. O desespero tomava conta do ambiente. As crianças foram proibidas de sair da aldeia. Os muito velhos rezavam e tentavam controlar as crianças mais atrevidas.
Em poucos minutos o povo se encontrou com o fogo que já havia varrido o Souto. Castanheiros centenários pareciam negros fantasmas. O vento ajudava as labaredas na sua ânsia devoradora. O calor era insuportável. Água não havia. A única esperança era poder parar o fogo com a abertura de valas. Ouvia-se o ritmo cadenciado dos homens com as ferramentas a lutar pelas vidas de todos.
Da aldeia erguiam-se vozes que, das aldeias vizinhas, se vinham juntar.
Os corações aliviaram e agradeceram a Deus mais esta tão necessária ajuda.
"Se ao menos os bombeiros viessem..."
Os aventais das mulheres cobriam-lhe as cabeças e a boca. Os homens faziam o mesmo com as camisas. Os braços sentiam o ardor das chamas cada vez mais próximas.
A luta parecia perdida. O fogo lavrava como se tudo fosse seu. As mulheres gritavam preces aos seus santos. O cansaço pesa mais do que a vontade. Entrega-se a Deus a alma e pede-se mais força para continuar a lutar.
Finalmente a sirene dos bombeiros enche o ar. Chora-se e ri-se de alegria e alívio. Dois autotanques encarregam-se de serenar os ânimos das línguas de fogo que tudo querem comer.
Ninguém desiste da luta. Todos são poucos para combater este inimigo.
Que calor! A pele mais exposta arde, abrasada pelo fogo. Os cabelos cheiram a chamusco.  Vislumbra-se um abrandamento das labaredas. Os olhos ardem pela força do fumo.
Já se ouve um ou outro riso. Abranda-se o ritmo diabólico que até ali lutava contra a força das chamas.
O Francisco, completamente exausto, completamente abrasado, uma ou outra queimadura nas mãos e na face tisnada, senta-se numa pedra à beira do caminho, esconde a cara nas mãos e chora, finalmente chora.

Mara Cepeda
   

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