Começamos por lhe perguntar, tendo nascido em Bemposta, Mogadouro cedo abandonou a sua terra natal. Fale-nos da sua meninice e juventude.
Olhe, a minha meninice e a minha juventude foram passadas um pouco em bolandas, aí dos três aos dezanove, vinte anos. Sou descendente de um trabalhador de barragens, ex mineiro que fez, ou pelo menos trabalhou em quase todas as barragens do Douro Internacional, Miranda, Bemposta, Picote, Batelo e, portanto, foi uma meninice um bocado atribulada. Por isso, apesar de ser um bocado atribulada, permitiu-me conhecer muita gente, fazer toneladas de amigos por esse país fora porque, depois, a essas atribulações de barragista juntou-se um espírito um bocado aventureiro. Fui voluntário para a Força Aérea. Da Região Norte fui para outras bolandas mais a Sul e Açores. Não me considero propriamente um saltimbanco porque, a partir dos dezassete anos comecei a andar sozinho. Não tinha a família toda atrás. Por onde andei fui crescendo, acho que me deu uma maturidade grande todo esse percurso de andar de um lado para o outro e no fundo, devo isso a esse espírito aventureiro que me veio do facto de descender de uma família de barragistas que também contribuiu para a profissão que desempenho hoje. Eu fui agarrando esta oportunidade aqui, aquela ali e fui crescendo dessa forma. O contacto com pessoas de diferentes culturas, diferentes localidades do país permitiu-me adquirir bons conhecimentos, uma situação muito equilibrada em termos mentais, em termos comportamentais, devido sobretudo a termos educacionais. Um grande respeito que tenho pelas outras pessoas, acho que advém desse percurso todo de lidar com muita gente, com filhos de muitas mães e hoje dou-me por satisfeito pelo percurso que tenho realizado ao longo da minha vida que chegou agora aos quarenta e dois anos.
Como já referiu, aos dezassete anos ofereceu-se como voluntário da Força Aérea. Como foi essa experiência?
Eu tinha quinze quando o meu pai faleceu e na minha família somos oito irmãos. Nasceram primeiro quatro raparigas e depois quatro rapazes, se tivesse sido ao contrário possivelmente teria sido mais confortável para a minha mãe. Ficou com quatro rapazes, depois morreu o meu pai e eu aos dezassete anos achei que estava na altura de tentar alguma independência. Estava prestes a concluir o décimo ano e não sei muito bem porquê, fiz-me à vida e fui para a força aérea como voluntário. Não que fosse um encargo, em termos financeiros, para a minha mãe mas, uma vez que ela ficou sozinha, eu achei que estava na hora. Dava oportunidade, eventualmente, ao meu irmão mais novo, de prosseguir os estudos em melhores condições e fui para a força aérea, pura e simplesmente porque também a especialidade que eu queria desempenhar na força aérea atraía-me. Tinha amigos que estavam na força aérea a desempenhar as funções de operadores de radar, que implicava a vigilância do espaço aéreo nacional e eu achava aquilo engraçado enquanto miúdo de dezassete anos. Não tinha barba, fui para a força aérea e era praxado por não ter barba. Era, na altura, o cabo especialista mais novo da força aérea. Queriam que eu fosse para o curso de sargentos e passados alguns anos, mais precisamente três anos de força aérea, comecei a chegar à conclusão que afinal, aquelas funções que desempenhava e de que gostava muito, gostava imenso, (o meu turno estava em Paços de Ferreira e foi louvado pelo comando pelo desempenho que tinha) e foi pena porque eu cheguei à conclusão que não estávamos ali a fazer grande coisa.
Os aviões que nós tínhamos de identificar, algumas vezes, não eram identificados. Deviam ser tomados determinados procedimentos face a essa não identificação e não eram tomados e eu… apareceu mais uma vez, um dia, uma ordem de serviço a pedir voluntários para ir para os Açores e eu lá pus o meu nome nessa ordem de serviço. Fui para a Rádio Renascença, não tenho a certeza se dois meses e meio, se três meses e meio, fazer o estágio e o pedido dessa ordem de serviço, fez com que eu fosse parar à rádio Lajes, a voz da Força Aérea Portuguesa que fica na Base Aérea Nº 4, nos Açores e fiquei bastante contente. Há dias estive com um amigo das relações públicas da Força Aérea e ele disse-me que a rádio ia ser posta na Internet que ia ter esse tipo de emissão e que estava já toda reformulada. Eu, quando estive lá era um emissor de onda média que nós tínhamos de ligar quinze minutos antes de abrir a emissão. Era das sete da manhã à meia-noite e meia e aquilo começou por ser muito engraçado.
Os primeiros três, quatro meses foi tudo muito engraçado e depois tive sorte porque encontrei lá algumas pessoas com grandes capacidades em termos de rádio e fui ganhando uma paixão ainda maior em relação à rádio, à informação em termos concretos e essa situação da rádio, essa paixão que eu já tinha pela rádio, que eu já tinha há muitos anos…era um miúdo com catorze, quinze anos já ouvia muita rádio, os programas do Luís Filipe Barros, enfim uma série de programas e de informação também. Foi ao longo do tempo crescendo e depois isso enraizou-se na rádio Lages. Estive lá três anos, comecei a fazer reportagem pelas ilhas e pronto, fui andando por ai. Depois fui convidado, fiz rádio pirata três anos e depois fomos obrigados a fazer aquela interrupção que a lei obrigou. Nessa altura pediram-me para assumir uma rádio ali em Paredes que era onde eu tinha a família e fui até lá.
Fica sempre uma lágrima no canto do olho quando se matam as saudades do bichinho da rádio… o Alves Mateus começou na rádio Lages e o regresso ao continente trouxe-o para a rádio de Paredes onde desenvolveu muito trabalho na rádio e jornais regionais. Vamos agora falar e desenvolver um pouco mais essa experiência.
É extremamente agradável e não é que provoque mesmo uma lágrima mas, pelo menos deixa bastante saudade.
Esta transição de uma rádio que era dos ramos das Forças Armadas para uma rádio de vão de escada onde havia uma pessoa com uma ventoinha virada para nós e para os aparelhos para que aquilo não ardesse. Era impensável, para mim, ir trabalhar para uma coisa daquelas, no entanto, isso acontece. Primeiro porque eu já estava há três anos na base aérea, na ilha Terceira e estava com saudades da família, dos amigos, de conviver mais tempo com eles porque eu só vinha cá de seis em seis meses, praticamente. Tinha um mês de férias e vinha cá ver a família no Natal e na passagem de anos três ou quatro dias. Juntou-se tudo. A autorização de eu sair um ano antes de terminar o contrato que tinha com a Força Aérea. Aconteceu o convite dos dirigentes dessa rádio pirata que era a rádio Paredes. Eu aceitei, vim para cá para Paredes e começámos ali a tentar fazer algo mais e um pouco melhor. e de facto são momentos que eu recordo com muita saudades. Era impressionante o feedback que tínhamos das pessoas e obviamente que se devia ao facto de ser novidade e as pessoas encontrarem uma rádio local com pessoas que conheciam e ficavam ali e não mexiam mais no sintonizador do rádio. Era extremamente agradável nas principais épocas festivas as pessoas entrarem pelas instalações da rádio cheias de coisas para comer, para beber. Não gostavam que ficasse ninguém sozinho no Natal, na Páscoa. Era impressionante o convívio que se gerava e as coisas que se conseguiam organizar à volta de uma rádio pirata.
Esta transição de uma rádio que era dos ramos das Forças Armadas para uma rádio de vão de escada onde havia uma pessoa com uma ventoinha virada para nós e para os aparelhos para que aquilo não ardesse. Era impensável, para mim, ir trabalhar para uma coisa daquelas, no entanto, isso acontece. Primeiro porque eu já estava há três anos na base aérea, na ilha Terceira e estava com saudades da família, dos amigos, de conviver mais tempo com eles porque eu só vinha cá de seis em seis meses, praticamente. Tinha um mês de férias e vinha cá ver a família no Natal e na passagem de anos três ou quatro dias. Juntou-se tudo. A autorização de eu sair um ano antes de terminar o contrato que tinha com a Força Aérea. Aconteceu o convite dos dirigentes dessa rádio pirata que era a rádio Paredes. Eu aceitei, vim para cá para Paredes e começámos ali a tentar fazer algo mais e um pouco melhor. e de facto são momentos que eu recordo com muita saudades. Era impressionante o feedback que tínhamos das pessoas e obviamente que se devia ao facto de ser novidade e as pessoas encontrarem uma rádio local com pessoas que conheciam e ficavam ali e não mexiam mais no sintonizador do rádio. Era extremamente agradável nas principais épocas festivas as pessoas entrarem pelas instalações da rádio cheias de coisas para comer, para beber. Não gostavam que ficasse ninguém sozinho no Natal, na Páscoa. Era impressionante o convívio que se gerava e as coisas que se conseguiam organizar à volta de uma rádio pirata.
Ao fim de sete ou oito meses de estar na rádio, as próprias pessoas que ali estavam e que me tinham acabado por contratar para organizar a rádio, enquanto director de programas e de informação, manifestaram esse apreço porque sentiam essa proximidade das pessoas e, Paredes, é um concelho com vinte e quatro freguesias que fica a trinta e cinco quilómetros do Porto. A nossa emissão ouvia-se em praticamente toda a cidade do Porto. Ligávamos o emissor, durante a “piratice” era até onde desse. Toda a gente fazia isso. Era preferível pagar uma coimazita e ter a emissão até Aveiro. Tínhamos a antena numa montanha bastante alta e, portanto, era impressionante o feedback que havia. Durante esse período surgiram alguns profissionais muito bons, gente a fazer coisas muito boas quer na área do desporto, quer em termos de animação de cabine. Havia gente que conseguiu, em muito pouco tempo, mostrar que tinha grandes capacidades e potencialidades para fazer rádio e então começou a surgir o interesse em ganhar algo com isso.
Na situação em que se estava, enquanto rádio pirata, era extremamente complicado porque a rádio estava inserida na Assembleia Desportiva de Paredes. Era uma espécie de clube de amigos e as condições financeiras que tinham não eram muitas mas, a partir do momento em que se conseguiu começar a vender publicidade, conseguiu-se pagar algo a toda a gente que trabalhava lá, que fazia rádio. Quando as pessoas apareciam lá – “Deixe-me fazer rádio!” ”Não, não podes! Tu não sabes fazer rádio!” Depois íamos ver e ”Vamos lá ver como é que é!” Pediam para fazer rádio mas depois já pediam algum dinheiro porque sabiam que faziam bem. Da Rádio Paredes ainda saiu muita gente para rádios, não vou dizer que foram todos para rádios nacionais mas houve muita gente que saiu da rádio Paredes e depois da outra rádio que nós criamos, para órgãos de comunicação social de âmbito nacional.
Depois na rádio Paredes dá-se o processo de encerramento. Eu e outra pessoa fizémos um projecto de rádio que se chamou Rádio Terra Verde. Foi aprovada em Paredes com emissor na Serra de Baltar. Então criámos uma sociedade por quotas. Arranjámos sete investidores que, se não estou em erro, colocaram mil contos cada um. Comprámos instalações, comprámos equipamentos. Claro que fizemos aquilo que eu penso que muitas rádios fizeram naquela altura, e não sei se ainda hoje o farão, com permutas de publicidade. Instalavam o equipamento, os emissores, o empreiteiro também fez publicidade. A única coisa que pagámos com dinheiro vivo foi o espaço onde instalámos a rádio.
Durante esse percurso houve, da minha parte, uma grande participação em jornais, quer de âmbito regional, quer de âmbito nacional: o Jornal de Noticias, o Comércio, o Primeiro de Janeiro, na fase em que o primeiro de Janeiro estava de rastos e deu-me bastante gozo trabalhar para o Janeiro, precisamente, por isso. Quase todos os dias me ligavam para ir buscar as avenças e eu nunca fui buscar avenças nenhumas ao Primeiro de Janeiro porque tinha lá uma pessoa que recordo com saudade, Júlio Magalhães, que era o homem dos cadernos regionais. Era fantástico! Conseguia motivar as pessoas mesmo sabendo ou dizendo às pessoas que o jornal não estava bem.
Voltando à rádio, fomos buscar o nome para a rádio a um livro de Monsenhor Moreira das Neves. Foi uma coisa que“colou” bastante bem na região. Havia rádio em Felgueiras, em Paços de Ferreira, em Amarante, em Cinfães em Marco de Canaveses, no Alto e Baixo Tâmega. Chegámos a uma situação em que houve grande estabilidade. Ao fim de um ano, a rádio tinha uma grande estabilidade em termos financeiros e estava completamente fedilizada, sobretudo, por rádios como a Rádio Nova, a Rádio Press para quem nós, frequentemente, fazíamos trabalhos. As pessoas que estavam a trabalhar na Rádio Terra Verde também tinham bastante valor porque, ao mesmo tempo, tinham a possibilidade de se mostrar mais além do que apenas na nossa rádio.
Não é preciso ir muito longe, passaram pela Rádio Paredes e pela Rádio Terra Verde pessoas que estão à frente dos principais órgãos de comunicação do país. Falo do Carlos Daniel que é sub-director de informação da RTP no Porto, falo do Rui Orlando, que é director da Sport TV no Porto, o Ricardo Mota delegado da RTP em Moçambique, já esteve em São Tomé , já esteve em montes de sítios, já representou a RTP em vários pontos do globo e outros que estão… o António Crespo que está na TVI em Coimbra. Enfim uma panóplia enorme de pessoas que aquela rádio fez e isso dá-me um gozo tremendo.
A partir de determinada altura foi-se interessando por outros caminhos e acabou por chegar à RTP. Havia aí uma desilusão com a rádio ou foi apenas um percurso natural e normal?
Eu acho… acho não, tenho a certeza de que foi um percurso natural, por uma razão simples: se eu disser que quero fazer um programa de rádio basta ligar o microfone e arranjar um computador com umas músicas e faço um programa de rádio de imediato. Se tiver condições para isso, faço-o de imediato. Tenho umas saudades doídas de fazer rádio. Aos anos que eu não me sento com um microfone e com uns auscultadores na cabeça! Tenho umas saudades doidas disso.
Penso que foi bastante natural porque eu estava a trabalhar na Rádio Terra Verde, depois saí porque houve alguns desentendimentos, entre aspas, com a direcção da rádio porque, entretanto, foi necessário vender quatro quotas e um empresário tomou conta daquilo. Pensava que a rádio era uma espécie de “empresa de confecções” e eu acabei por me ir embora e fui para outra rádio, também, no concelho com o objectivo com que cheguei à rádio a Paredes ainda na piratarice. Foi organizar uma rádio que estava completamente desorganizada, desde o início, que é a rádio jornal, também, de Paredes. Estive lá um ano e meio. Durante esse ano e meio surgiu um convite para apresentar um programa temático na RTP, um programa sobre agricultura, programa que apresentei durante três anos, findos os quais, fui convidado para trabalhar na informação diária da RTP no Porto, como colaborador. Assinei um contrato e o director de informação, na altura, disse-me que gostavam de contar comigo. Fui trabalhando à peça e estive nesta situação oito anos, a trabalhar com recibo verde, digamos assim.
Tentei conciliar a rádio com a RTP mas era bastante difícil. Acabei por optar, já na parte final da apresentação do programa de agricultura. Entretanto, fui fazendo colaborações nos jornais, quer locais, quer nacionais até que surgiu esse convite. As coisas não correram muito mal. Comecei a fazer reportagem para a RTP… estava a tentar recordar-me do ano mas não consigo. No entanto, o trabalho que fui apresentando enquanto jornalista agradou. Fui ficando por lá. Oito anos depois fomos integrados no quadro porque, como eu, havia inúmeras pessoas como eu a trabalhar à peça. Eu estou no quadro da RTP como jornalista há oito anos, oito anos e meio, sensivelmente (a entrevista foi feita em 2007).
Antes do 25 de Abril a RTP transmitia mais programas culturais, da ópera ao teatro, passando pela música, pela poesia, inclusive, mas hoje as coisas já estão bastante diferentes. Na sua opinião o que pode ser feito para aproximar as pessoas da cultura?
Tanta coisa! Eu luto com um dilema imenso que é aquilo que eu vou vendo no meu dia-a-dia e que é proposto sobretudo pelas autarquias aos cidadãos. Em termos de televisão, acho que, apesar de tudo, a RTP vai fazendo alguma coisa. Nós temos, quer na RTP 1, quer na 2, temos bastantes programas ligados à cultura. Deveria, eventualmente, haver mais, mas penso que, sobretudo, as pessoas não deviam ficar-se apenas pela superficialidade das coisas. Se para mim é uma posição cómoda ler uma história aos quadradinhos vamos imaginar, há pessoas que preferem ler um bom livro e não quer dizer que a história aos quadradinhos não tenha o seu lugar mas, se eu conseguir gostar de telenovelas… até pode ser assim… se eu gostar de telenovelas mas, se gostar de ir ao teatro, por exemplo, eu vejo aqui mesmo, em Bragança, as propostas que são feitas pelo município em termos culturais. A agenda cultural é riquíssima se comparada, por exemplo, com a agenda de Paredes. Tem uma diferença muito grande para melhor aqui em Bragança do que em Paredes.
Paredes está a trinta quilómetros do Porto. Não é fácil, também percebo, que não seria fácil gerir aspectos culturais numa localidade que apenas está a quinze minutos do Porto. Esta situação é muito bem explorada pelas Câmaras da região. Todos os dias, enquanto coordenador da RTP, recebo actividades, inúmeras actividades culturais que são levadas a cabo. Tenho pena que, por vezes, nós vamos fazer algumas reportagens sobre essas actividades e que se chegue lá e a maioria dos lugares estejam quase sempre vazios. Assiste-se isto com muita frequência, ou vem alguém que é sobejamente conhecido e atrai as pessoas ou elas não vão. Há dias entrei no centro comercial e havia uma multidão, uma coisa incrível, tudo cheio. Ouvi dizer que estavam lá duas pessoas que fazem parte de uma telenovela que está a dar na TVI. Acho que isto explica muito.
Nós temos uma deficiência grande em termos culturais, problemas de aquisição de conhecimentos por parte das pessoas. Parece-me que é mais fácil ver uma telenovela do que ir ver uma boa peça de teatro ou ver um bom concerto. Se formos ver as agendas culturais da maioria das câmaras da região de Trás-os-Montes, e estou a falar do distrito de Bragança e de Vila Real, uma vez que me chega informação dessas Câmaras todas, há componentes culturais todas as semanas, sempre com exposições. É incrível chegar a essas exposições e vê-las, permanentemente, às moscas e já agora aproveitava para dizer, por exemplo, que a RTP esteve aqui em Bragança sem operador de imagem desde que cessaram as emissões locais do Regiões. Foi quanto bastou para se pensar que a RTP em Bragança não tinha mais ninguém. Para a generalidade das populações da região, a RTP fechou em Bragança. É um dos ecos que eu tenho no meu regresso a Bragança. Saí por um curto período de tempo… globalmente dá-me a ideia que as pessoas se acomodam muito. Nós, se formos ver em termos globais, a maioria dos problemas em Portugal acabam todos por entroncarem em questões culturais. É a minha perspectiva.
Falou do Regiões e de as pessoas pensarem que tinha acabado mas, com esse programa a informação regional tinha muito mais tempo de antena. Agora esse tempo está muito reduzido. Que fazer para dar mais voz àqueles que não a têm?
Sim, há de facto… havia cerca de vinte minutos, todos os dias, sobre Bragança. O que é certo é que só eram vistos em Bragança e Vila Real. Esses vinte minutos eram exclusivamente para, digamos, transmontano ver porque as emissões eram todas diferentes. Havia Porto, Bragança, Coimbra, Lisboa, Faro e Évora e havia também à mesma hora nos Açores e na Madeira. Eram emissões bastante localizadas. Eu penso que tem vantagens. As pessoas gostam de se ver na televisão, gostam de ver a terra onde nasceram, na televisão. Hoje há um programa que se chama “Portugal em directo” que tem um cariz nacional. Globalmente, o Centro de Informação Regional de Bragança da RTP, raro é o dia que não inclui nesse programa três, quatro reportagens sobre a região.
Mas o tipo de trabalho era completamente diferente.
Claro, claro… nós mostrávamos, por exemplo, mais exposições, mostrávamos se calhar muito mais actividades culturais, também se calhar mostrávamos muitas coisas que não teriam tanto interesse assim. A perspectiva hoje… eu não quero dizer que assim é que está bem porque, para mim, não está bem sobretudo, em relação ao horário em que o programa é transmitido, actualmente, sobretudo de Verão, porque no Verão as pessoas vão muito mais tarde para casa. Nós temos o reflexo disso mesmo, se formos consultar as audiências do programa desde que a hora mudou para hora de verão… às seis da tarde, no Inverno, é noite, as pessoas vão mais cedo para casa. No verão já não há muito a fazer para que as pessoas vão às seis da tarde para casa. Temos esse reflexo, a situação em termos gerais não é a ideal, parece que será a situação possível face à necessidade… eu acho que tem muito a ver com o percurso da RTP. É uma fase diferente.
Para muita gente houve uma época de grandes gastos em relação à RTP, porque havia a concorrência que ia surgir, depois houve a tentativa quase desenfreada de estabilizar a RTP e penso que nesta altura há esforços grandes no sentido de credibilizar a RTP a todos os níveis desde a programação à despesa. Há uma administração que tem tentado controlar aquilo que ficou na cabeça das pessoas de há muitos anos, que era “Estes tipos da RTP só gastam dinheiro não fazem mais nada, não serve para nada” mas, também, tem-se notado que as coisas têm estabilizado em termos, por exemplo, de audiências e se voltarmos um pouco atrás nas questões das emissões regionais, as implicações que tinham para a RTP as emissões regionais, eram o equivalente a quinze pessoas a trabalharem, aqui, todos os dias. Eram seis equipas de reportagem, um coordenador, um responsável operacional e um apoio administrativo ou um secretário de redacção. Eram quinze pessoas todos os dias, isto, vezes sete ou oito emissões regionais, se não estou em erro, tem grandes implicações. Não quer dizer que o serviço público não o justifique mas, provavelmente, é preciso trabalhar este tipo de dados com muita calma, com muito cuidado porque, se o que conta em termos gerais, é a despesa, isto faz parte da despesa. Na minha opinião justificar-se-ia o dinheiro gasto com essas equipas mas precisávamos, sobretudo, de ter um programa que terminasse perto do telejornal como chegou a terminar durante algum tempo que foi o tempo que eu estive aqui. Antes disso, deitamos muitas horas de emissão fora porque o programa começava ás seis e meia e no horário de verão.
Esteve ligado à “piratice” e à legalização da rádio em Portugal e o que acha dos canais regionais de televisão que ainda não estão legalizados?
Acho que são inevitáveis. Mais tarde ou mais cedo são inevitáveis. Penso que nesta altura há muita gente a movimentar-se. Aliás já houve movimentos grandes em relação às televisões regionais. Penso que são, pura e simplesmente, inevitáveis. Vão acontecer mais tarde ou mais cedo. Claro que implicam um grande investimento, o que será, eventualmente, um processo que demorará mais algum tempo do que demoraram as rádios locais, as rádios piratas, até porque muitas ainda hoje não estão consolidadas.
Muitas rádios locais, honestamente, nem sequer deviam funcionar porque eu, se tiver uma rádio local para tocar discos e à hora certa fazer umas notícias em simultâneo com uma rádio nacional, não acho isso concebível. As rádios locais nasceram para fazer, se calhar, aquilo que se esperava do programa regiões da RTP.
Parece-lhe que com as televisões vai acontecer mais ou menos o mesmo? Elas vão estar subsidiadas por grandes canais de televisão?
Por grandes canais não diria mas, penso que será inevitável que grupos económicos com alguma capacidade financeira se juntem para fazer nascer as televisões regionais que eu não me parece que o país tenha condições para que surjam muitas ou como… acho que não será possível estabelecer um paralelismo em termos de quantidade com as rádios, não estou em crer que isso aconteça. A região de Trás-os-Montes é bem capaz de ter condições para suportar uma televisão regional, no entanto, na região de Trás-os-Montes temos inúmeras rádios locais. Acho que será uma questão um pouco diferente porque suportar financeiramente esses investimentos, a menos que as pessoas não liguem muito ao dinheiro e tenham dinheiro para gastar.
Em Espanha por exemplo existe uma televisão regional quase em cada quintal.
Sim, nos Estados Unidos também. Agora, em Portugal serão um pouco diferentes. Eu não estou a ver, por exemplo em Bragança, a existência de duas televisões regionais. Pode acontecer, mas não me parece que seja algo viável ter aqui duas ou três…
Quanto aos canais regionais da TV cabo. Qual é a sua opinião?
Tem, obviamente um espaço para esses canais sobretudo para aquelas pessoas que têm dinheiro para pagar uma taxa mensal. Se falarmos de televisão em circuito fechado e sinal aberto eu sou totalmente a favor de uma televisão com cariz estatal, penso que tem toda a lógica até por uma questão de soberania. Termos um canal de televisão, ou dois ou três ou quatro os que forem necessários para se fazer uma programação ideal. Obviamente, estaria disposto a contribuir com a minha quota parte para financiar esse canal quanto mais não fosse por uma questão de soberania e depois porque, a todo o momento… imagine-se a televisão a SIC e a TVI, os proprietários se quiserem fecham a porta e vão-se embora e a pergunta é esta se fizéssemos um referendo que também considero impensável em relação a televisão ficávamos sem televisão em Portugal. Isto não é concebível e depois o que se gasta em Portugal com a televisão estatal é incomparavelmente menos do que o que se passa com a maior parte dos países da Europa com canais de televisão.
Que dificuldades enfrenta, no dia-a-dia, como profissional da informação no nosso distrito?
Sobretudo as distâncias. A principal dificuldade é essa aqui na região. Houve uma altura, há um ano e meio, quando eu regressei à RTP em Bragança, havia pessoas de Lisboa e do Porto que me ligavam –“Dás ali um pulinho às sete horas, dás ali um pulinho a Freixo de Espada à Cinta? está lá a acontecer isto e aquilo…” “já lá está uma equipa, mas não vai chegar a tempo do telejornal.” Esse é um dos principais problemas que nós enfrentamos porque, ao contrario de vocês não podemos pegar no telefone e ligar para as pessoas. Temos que ir ouvi-las. Em situações excepcionais fazemos isso. Ou telefonamos nós do local ou metemos os principais intervenientes ao telefone também, mas é só uma questão de dar tempo a chegar a equipa para fazer as imagens e no primeiro serviço de notícias se for possível, já se utiliza a imagem.
Dependemos dela e temos que a fazer. Essa é a principal dificuldade. Depois haverá outras que têm que ver com a sensibilidade ou a falta dela de algumas pessoas, dos principais intervenientes, quer da vida política, social da região, mas são questões que se vão ultrapassando gradualmente, ou porque fomos mais vezes a um concelho ou fomos menos a outro mas, pronto, são questões que são perfeitamente ultrapassáveis porque; felizmente, consegue-se explicar as situações e nós temos três equipas de reportagem neste momento em Bragança e se houver cinco acontecimentos num dia e quatro forem à mesma hora, obviamente, não vamos poder estar em todos os sítios ao mesmo tempo. Aquilo que se faz hoje em termos de quantidade de reportagens se se comparar com o que se fazia antes, na altura do Regiões, terá que ser o equivalente pelo menos a metade, porque havia seis equipas e agora só há três.
Sente-se transmontano?
Claro que me sinto transmontano e pode parecer estranho eu dizer este claro com esta força toda, mas é verdade que me sinto transmontano sobretudo e, talvez, até nem seja tanto por ter nascido em Bemposta porque eu saí de lá tinha três anos. Aquilo que eu conheço de Bemposta é de ter voltado depois. A partir dos meus vinte anos é que comecei a conhecer melhor a região transmontana porque tenho cá família. Ainda tenho família em Miranda do Douro, no Tua onde nasceu o meu pai, em Mesão Frio onde nasceu a minha mãe. Viver a trinta quilómetros do Porto, ter duas filhas extremamente jovens uma com catorze que se puder a maior parte das vezes prefere ir dar uma volta até ao Porto, conseguir arrastá-las 99,99 % das vezes naquelas passeatas de fim-de-semana, 99% das vezes trazê-las para estes lados é óptimo e, sobretudo, porque me sinto extremamente bem nesta região com as pessoas, com o ar que se respira. Em termos globais é uma região fantástica e a pena que eu tenho, neste momento, é não ter aqui a família, não ter condições nesta altura para ter a família comigo. Vamos ver quanto tempo é que conseguirei ficar por cá.
Em sua opinião, em que estratégias temos de apostar para que esta região não se torne ainda mais periférica e esquecida pelo poder central?
Eu penso que, sobretudo, naquilo que os autarcas, não tanto como os governos têm feito. O que eu tenho apreciado é que os autarcas da região vão tentando estabelecer ou instalar boas vias de comunicação, acho que são fundamentais …
Desde que os ratos não impeçam…
Exactamente… mas, às vezes, também é preciso ter algum cuidado mesmo que sejam ratos se o estatuto deles assim o exigir pois terão que ser respeitados determinados parâmetros e penso que não é por aí que as estradas deixarão de ser construídas. De qualquer maneira acho que, globalmente, em termos de vias de comunicação é fundamental porque hoje em dia, chegar a Bragança, não é fácil. Circular nos distritos de Bragança e Vila Real de automóvel também não é fácil e já foi muito pior.
É um processo muito lento este, das melhorias das vias de comunicação, também por causa dos ratos que se atravessam nas estradas mas sobretudo porque a vontade política vira-se muito mais para o litoral do que para o interior porque é onde há mais gente, onde há mais votos e esse processo, não vejo mentalidades no país para se alterar muito rapidamente. Penso que o futuro das pessoas dirigido o país nos últimos vinte anos no futuro os historiadores hão-de dizer algumas coisas menos agradáveis da maior parte dos que já passaram por cá e acho que terão de mudar também a maneira como olham para as regiões do interior porque é injustificável que eu hoje de manhã, às sete e um quarto da manhã, saí com um operador de imagem, fui para a Torre de Dona Chama, quatro mil novecentas e noventa e nove curvas depois chegamos à Torre de Dona Chama a estrada tinha zonas de piso extremamente bom mas boa parte da estrada já não se justifica nos dias de hoje, não há nada que justifique o mau piso numa estrada já que as curvas, se quiserem, mantenham-nas. Pode-se circular devagar mas, ir aos pulos dentro de um carro para fazer sessenta quilómetros ou setenta quilómetros é muito desagradável e, portanto, há que apostar mais em termos culturais também …
Há uma questão que nós colocamos no final de todas as entrevistas do “Nordeste com carinho” que é a mais intimidante. Que personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?
Sobretudo o meu pai. O meu pai foi uma das pessoas que me marcaram. Ele era um homem extremamente prático, também pragmático. Eu era um miúdo dos meus nove, dez anos e havia aquelas perguntas que as pessoas e os amigos fazem – “Então menino, o que é que tu queres ser e tal”. “Sei lá! O meu pai é que me vai dizer isso, o que é que eu quero ser, ele é que sabe eu não faço ideia.” Acho que costumava responder assim desde muito cedo. Um dia qualquer alguém me fez essa pergunta e eu perguntei ao meu pai o que é que ele achava e ele disse-me que eu podia ser tudo aquilo que eu quisesse, que acabaria por ganhar a vida se fosse bom a fazer aquilo que eu escolhe-se e aí digamos que reside um pouco do carisma da minha vontade de vencer e de fazer sempre, tendo o máximo respeito pelos outros, o máximo cuidado em não atropelar ninguém, nunca … não tenho pelo menos noção de que o tenha feito, também nunca me chegaram reflexos de que o tivesse feito. Globalmente, a ideia que me fica é esta. Depois há pessoas que eu, ao longo da vida, fui admirando, o Xanana Gusmão pela persistência, acho que é uma qualidade fantástica que uma pessoa pode ter e depois, também, há outras pessoas que me mostraram o que é a mentira, a inveja e essas coisas. São pessoas que eu admiro pela negativa mas que me ajudaram a formar a minha personalidade e o meu carácter.
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