sábado, 14 de julho de 2012

Entrevista: Prof. Doutor Albino Bento, Escola Superior Agrária - IPB



A primeira questão que lhe coloco é: Onde nasceu?

Eu nasci aqui muito próximo, na freguesia de Samil, a três quilómetros de Bragança.

Que recordações guarda da sua infância?

Algumas. Próprias desta época, da época natalícia (Esta entrevista foi realizada perto do Natal). Uma que ficou desde muito cedo. Um forte nevão que, talvez por ser na altura, ainda muito jovem… Hoje não se vêem nevões como o que aconteceu nesse ano e é uma imagem que me ficou desde a infância.

As nossas entrevistas estão feitas de forma a seguirem um guião. Há perguntas que, com pequenas nuances, são comuns a todos os entrevistados. Esta é uma delas. Fale-nos da sua vida de estudante?

A escola primária foi passada na escola de Samil. Eram tempos diferentes. Ficou-me, também, muito marcado na minha infância, sobretudo, o primeiro ano em que vim estudar para Bragança. Nessa altura, os transportes escolares não existiam. Agora não ligamos muito a essa questão dos transportes escolares, embora se ligue à questão da segurança nos transportes escolares com a regulamentação que tem saído recentemente mas, na altura, não existiam transportes escolares e o primeiro ano foi algo difícil porque tinha que me levantar muito cedo. Às sete e meia estávamos a sair de casa e neste tempo de Inverno, com as geadas que vinham, não era nada agradável fazer o percurso de Samil para Bragança para vir estudar no ciclo preparatório, mas fazíamo-lo nós e todas as crianças que vinham para a escola, também, da aldeia de São Pedro que é um pouquinho mais longe. Foi um ano algo complicado. No segundo ano não iniciaram-se os transportes públicos embora com alguma irregularidade na fase inicial, mas as coisas melhoraram naturalmente.

Porquê a opção pela Engenharia Agronómica?

Recordo-me, na altura, já vão lá largos anos que, quando concorri ao ensino superior, tínhamos a possibilidade de optar por seis cursos e instituições. Recordo-me que só preenchi quatro campos: dois relacionados com a Engenharia Agronómica e depois outras duas opções na área da Engenharia Química que poderá parecer um contra senso por serem duas áreas muito diferentes mas não é, porquê a Engenharia Química tem uma especialização na área das indústrias dos alimentos. A opção pode estar ligada ao mundo rural. Sou de uma aldeia e pode, eventualmente, ter sido isso.

Sempre teve presente fixar-se em Trás-os-Montes ou aconteceu por acaso?

Foi um misto de “por acaso” e talvez “não por acaso”. Eu, quando terminei a licenciatura em 91, inscrevi-me de imediato antes de procurar emprego, no Mestrado em Protecção Integrada que, nessa altura, aconteceu um pouco por acaso pois tive hipótese de ir para o Mestrado de Viticultura em França e só por uma questão de não ter conseguido candidatar-me, antecipadamente, à bolsa para França, acabei por não ir. Optei, então, pelo Mestrado em Protecção Integrada em Lisboa e só a meio da fase do currículo do mestrado é que iniciei a procura de emprego. Nessa altura tive três opções. Podia ter seguido qualquer uma delas mas acabei por vir para Bragança. Podia ter ido para uma multi-nacional na área dos pesticidas e dos fertilizantes mas acabei por não ir porque tinha de seguir de imediato para Inglaterra. Com o curso e por razões familiares, tinha um familiar doente, optei por não ir. Tive outra opção que era ficar noutra instituição de ensino superior. Pôs-se a hipótese de uma vaga que existia na UTAD só que era numa área que não me agradava muito, na área da mecanização e, nem sequer concorri, acabei por vir para Bragança.

É Professor-adjunto na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Bragança e neste momento desempenha as funções de presidente da mesma. Fale-nos um pouco da sua experiência.

É uma experiência muito interessante. É uma escola teve um crescimento muito interessante até ao ano 98. Começou, inicialmente, só com os cursos de bacharelato. O primeiro crescimento da escola deveu-se à entrada em funcionamento dos cursos de especialização, os CESES e, nessa altura, a escola cresceu um pouco. Em 98, com a alteração da lei, que permitiu aos politécnicos conceder o grau de licenciado. A escola, no primeiro ano não cortou todos os cursos de bacharelato que tinha porquê tinha o de Engenharia do Ambiente e de Engenharia Tecnológica que ainda só estavam no segundo ano. Nessa altura não foi feita a proposta de licenciatura bietápica, mas foi feita nos anos seguintes para todos os outros cursos. No ano seguinte fez-se também para os dois cursos que referi e a escola cresceu imenso porque passou de cursos de três anos para cursos de cinco anos.
A permanência dos alunos na escola aumentou e nessa altura a escola atingiu uma media de 1200 alunos. Desde então, quase todas as áreas da engenharia e, particularmente, a área da Agronomia têm tido uma quebra enorme de procura por parte dos alunos, em todas as instituições do interior. Penso que, desde há dois anos para cá, a escola tem feito um percurso interessante e a quebra de alunos que se vinha verificando no ano passado, reduziu bastante com várias acções a nível da promoção da imagem da escola e, este ano, invertemo-la claramente. Este ano o Ministério dava-nos uma previsão abaixo dos setecentos alunos e temos mais de novecentos alunos matriculados. Creio que no próximo ano, se o acesso correr bem, a escola manter-se-á acima dos novecentos alunos que é um número interessante para a instituição.

E o contributo de Bolonha para este ano?

Eu creio que funcionou, relativamente bem, o facto de termos os cursos aprovados. Correu melhor que nos anos anteriores, a questão dos maiores de vinte e três anos embora, no caso da Escola Agrária, não se reflectiu como noutras escolas. A procura foi bastante menor do que nas outras escolas como a Superior de Educação ou a de Tecnologia e Gestão mas, claro, foi superior o ingresso de alunos por essa via e correu muito bem. É a questão da formação ao longo da vida. Antigos alunos de bacharelato em Produção Animal, da Gestão de Recursos Florestais que vieram este ano à escola para obter a licenciatura, têm que fazer um conjunto de disciplinas não muito elevado e obtêm o grau de licenciatura. Creio que no próximo ano, sobretudo, por essa via, também, as coisas poderão correr relativamente bem até porquê, este ano foram divulgadas já muito tarde, muito em cima do período final das candidaturas que, normalmente, é no final de Agosto. Foi divulgado que seriam concedidas equivalências aos antigos bacharelatos para se poder fazer a licenciatura, porque se tem que fazer a creditação das competências que trazem dos graus anteriores e, alguns alunos, já não chegaram a saber do final do prazo da inscrição. Creio que no próximo ano poderá correr melhor.

Quantos alunos e cursos tem, neste momento (2007), a Escola Superior Agrária?

Neste momento tem mais de novecentos alunos matriculados e tem oito cursos de licenciatura, todos adequados ao modelo de Bolonha. As mais variadas áreas da Agronómica, Engenharia Zootécnica, Engenharia Florestal, a área do Ambiente, Biotecnologia, Veterinária e um curso novo na área Fito Química e da Fito Farmacologia. São estas as licenciaturas da escola neste momento.

Como Engenheiro Agronómico reconhece muitos problemas na agricultura transmontana? Fale-nos daquele que julga mais pertinente.

Creio que a nível da agricultura transmontana o problema mais pertinente e que condiciona um pouco o desenvolvimento, acaba por ser a questão relacionada com transformação e comercialização. Não é tanto uma questão da produção. É evidente que não estamos em condições óptimas para produzir e podermos competir com algumas agriculturas vizinhas com condições, quer climáticas, quer de terrenos em termos de dimensão e outras mais favoráveis. Para mim, os principais problemas não se colocam a nível da produção porque produzimos, não em muita quantidade mas, em qualidade e, por essa via, há grandes possibilidades de competir a nível dos mercados mas, depois, não sabemos comercializar e, normalmente, o que sucede é que são as empresas, os ajuntadores, os compradores que acabam por ficar com as mais-valias, o lucro de transformar esses produtos.
Creio que a nível do próximo Quadro Comunitário, o apoio que aí se avizinha, haverá um espaço enorme para os empresários agro industriais se poderem instalar e esperemos que isso venha a acontecer a nível da região de Trás-os-Montes e que possam ser criadas pequenas unidades de agro industriais e que essas mais-valias, fiquem na região porquê, de facto, produzimos e produzimos com qualidade e depois as grandes empresas é que acabam por ficar com os benefícios financeiros.

Há um mau escoamento…

É um mau escoamento e o facto de produzirmos, por exemplo, azeitonas ou azeite com qualidade mas não o embalarmos, não o prepararmos para o colocarmos no mercado já nessa forma. Serem outros a fazê-lo fora da região o que lhes permite, naturalmente, ficarem eles com as mais-valias. Não valorizamos, no fundo, a fileira como um todo. Valorizamos a primeira parte da produção mas, depois, esquecemo-nos das outras partes. Este é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes problemas da região.

Em Trás-os-Montes, dividimos o território em Terra Fria e Terra Quente. Fale-nos das especialidades mais marcantes a nível da agricultura e dos produtos específicos de cada uma dessas zonas.

Ao nível da Terra Quente, a oliveira é a cultura dominante e é uma cultura com potencial enorme de crescimento, não tanto, pela questão da quantidade porque aí, nós temos a vizinha Espanha que é o maior produtor mundial, mete-nos num poço, passe a expressão mas, ao nível da qualidade, porque temos cultivares que são nossas, que existem apenas aqui, e que fazem, de facto, um azeite de grande qualidade. Nesta campanha que ainda decorre, choveu anormalmente, comparativamente a alguns anos. Chega-se a regiões como Alentejo, Ribatejo, Beira interior, onde se consegue produzir azeite com menos de dois, três graus de acidez enquanto que o azeite aqui nesta região de Trás-os-Montes que tem duas, três, quatro, cinco décimas… porquê? Porque, em termos fito sanitários, não temos os problemas que têm essas regiões, com doenças como a gafa ou a mosca, daí que, de facto, nós podemos produzir azeite com grande qualidade. Necessitávamos, claramente, de embalar grande parte ou quase a totalidade desse azeite e comercializá-lo como azeite com uma denominação de origem de Trás-os-Montes e não ser vendido a granel para ir sei lá para onde, lotear com azeites de outras regiões e aumentar a qualidade desse outro azeite de muito menor qualidade.
Ao nível da Terra Fria, claramente, a castanha é uma fileira muito interessante, com um potencial enorme, embora nos últimos anos se assista a uma revolução acentuada da importância, em resultado das doenças que afectam os soutos, a tinta e o cancro do castanheiro, levando à morte grande quantidade de árvores com consequências na redução da produção. É também uma área de grande potencial.

Com a leitura da nota biográfica que nos mandou, nota-se uma maior incidência na problemática relacionada com a oliveira. Porquê a oliveira?

São percursos que naturalmente nunca se repetem. Quando me inscrevi no mestrado em Lisboa, chegado o final da parte curricular há que tomar opções do que se vai fazer em termos de tese de mestrado e, na altura, havia a decisão de vir para a Escola Superior Agrária de Bragança. Naturalmente, vindo para Bragança e sendo de uma área de produção vegetal há, aqui claramente, duas ou três culturas com importância: o castanheiro na Terra Fria, ou a oliveira na Terra Quente ou, eventualmente, a vinha no Douro, um planalto com alguma importância e, depois eventualmente, Valpaços no distrito vizinho. A opção pela vinha não se fez porque havia vários colegas que optaram pela vinha noutras regiões e, naturalmente, ficava o castanheiro ou a oliveira. Como uma das colegas que tinha estado na edição anterior do mestrado estava a fazer a tese sobre o castanheiro e não havia ninguém a trabalhar na oliveira, a opção foi pela oliveira e, a partir dessa altura, ficou.

Neste momento, desenvolve um projecto ligado às culturas das regiões fronteiriças, Trás-os-Montes e Castilla y León no âmbito do INTERREG III que visa a promoção do desenvolvimento harmonioso e equilibrado dos territórios da fronteira. Fale-nos, por favor, sobre o tema.

Esse é um projecto em que participa a Escola Superior Agrária de Bragança, a Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, as duas instituições por Portugal e participam o Instituto Técnico e Agrário de Castilla e León, por Espanha. É um projecto que visa três culturas: a oliveira na Terra Quente, está à responsabilidade da Direcção Regional de Agricultura, a oliveira na zona do planalto, a azeitona de mesa da variedade negrinha de que não havia estudos nessa área está à nossa responsabilidade. Depois, a vinha no planalto também é nossa responsabilidade e o castanheiro na Terra Fria, também é responsabilidade nossa. A zona de Carrazeda de Ansiães está sob a responsabilidade da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes e Alto Douro e do lado de lá da fronteira, as mesmas três culturas, nas arribas do Douro, trabalho desenvolvido pelo Centro Tecnológico Agrário de Castilla e León. Visa, fundamentalmente, desenvolver e contribuir para que o combate aos inimigos das culturas se faça de forma racional, até porquê, a Direcção Regional, este projecto surgiu basicamente por isso, tem um sistema de avisos que funciona muito bem a nível da região do Douro mas, não no Douro Superior. Funciona muito bem noutras culturas como a macieira mas, provavelmente, devido ao número de técnicos que necessitariam para realizarem experiências no Douro Superior, para poderem fazer o aconselhamento, tal não tem sido possível. Não chegavam ao Douro superior nem ao planalto, nem chegavam à parte do castanheiro aqui na Terra Fria. Daí este projecto. Há um site que apresenta toda a informação necessária, onde as associações de agricultores podem consultar, quando há necessidade de tratamento. Este ano foi feito isso.

Até que ponto este tipo de projectos pode potenciar o desenvolvimento das regiões fronteiriças?

Penso que os vários projectos que se foram desenvolvendo ao longo dos últimos anos foram importantes, quer pela obtenção de conhecimentos para as associações de agricultores que, no fundo, prestam um apoio muito importante aos agricultores, quer o facto de a escola existir e ter formado muitos técnicos que apoiam esses mesmo agricultores. Algumas associações, não vale a pena dar nomes que, praticamente, só têm técnicos formados aqui na escola. Naturalmente, que se a escola não existisse, grande parte dessas associações de agricultores não existiriam. Naturalmente, que grande parte do dinheiro que é recebido por esses mesmos agricultores, em termos de medidas agro ambientais, para manter e fazer uma protecção eficaz das pragas mas, quando tal se justifique, naturalmente não existiriam e a mais-valia é enorme.
Ao nível da oliveira colocámos mais trabalho. Os resultados, ao longo desses vários projectos, que neste momento contribuíram para que as normas de protecção integrada fossem as que são, ainda se podiam mudar mais um bocadinho, melhorar mais um bocadinho mas, também, compreendemos que, por vezes, é difícil e é preciso encontrar um equilíbrio entre o óptimo e o desejável. O óptimo, por vezes, é pesado para as associações e para os agricultores mas, essas regras de protecção integrada, no caso da oliveira, foram alteradas e foram alteradas com base nos resultados obtidos nesses vários projectos que foram desenvolvidos pela escola em associação com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Um dos projectos realizados com a Direcção Geral de Protecção de Culturas, que é quem faz as regras da Protecção Integrada, foi importante para isso. É uma mais-valia para a região porque são apoios importantes para os agricultores. Os apoios que recebem das medidas agro ambientais, também.

Tem-se desenvolvido trabalho ao nível da melhoria de produtos, até de protecção de parasitas e agentes patogénicos, de forma a torná-los menos agressivos para o homem e para a natureza sem deixarem de ser eficazes. Estamos no bom caminho?

Por vezes é difícil. Naturalmente que, o trabalhar em protecção de plantas com produtos alternativos aos pesticidas, obriga, claramente, da parte de quem faz essa protecção de plantas, a ter conhecimentos muito, muito superiores. Se nós utilizarmos um pesticida em qualquer fase do ciclo, não em todas, a fase de utilização, o momento oportuno de utilização é mais vasto, é mais alargado. Quando nós utilizamos algumas alternativas como os bacilo estrugenses ou a utilização de parasitóides no combate a esses insectos, o momento oportuno de aplicação é bastante reduzido e obriga a um conhecimento muito superior da cultura e das pragas que vivem sobre a cultura e, muitas vezes, acontece mais uma coisa: as variações ao longo dos anos chegam a ser grandes e se nós queremos utilizar, por exemplo um parasitóide, e isso sucedeu quando da minha tese de doutoramento, a utilização de tricogramas, que é a utilização de um pequeno insecto que parasita os ovinhos de uma das pragas que vive sobre a oliveira, não havia produção e não há produção em Portugal desse parasitóide. Na altura, vinha da Alemanha. Era preciso encomendá-lo com quinze dias de antecedência. Estávamos a prever que as coisas evoluíssem favoravelmente. De repente a temperatura baixa um bocado e quando o parasitóide chegou cá, ainda era muito cedo. Essas são as condicionantes de utilização dos métodos alternativos de protecção das plantas. É que, de facto, não havendo produção desses parasitóides na região, por vezes, condiciona um bocado a sua utilização mas, sobretudo, a parte do conhecimento por parte de quem aconselha. Isso é fundamental.

Acha que a nossa região está vocacionada para a agricultura biológica?

Claramente sim. Nós chegamos a uma região como o planalto na área da viticultura. Raros são os agricultores que fazem um único tratamento fitossanitário. Normalmente, o que aplicam é enxofre em pó que pode ser utilizado sem problemas nenhuns. Praticamente, podemos dizer que aquele vinho que ali é obtido é vinho biológico. Só não o é porque a parte de fertilização, não é uma fertilização orgânica, mas é uma fertilização química porque, do ponto de vista da protecção da cultura contra pragas e doenças, efectivamente, ninguém faz praticamente nada. Aliás, nós andávamos por lá nesse projecto há três anos e, praticamente, não temos registo de ocorrências de míldio e oídio. Chegamos à região da Régua no Douro ou no entre Douro e Minho e este ano, provavelmente, realizaram uma boa dúzia de intervenções fitossanitárias, o que quer dizer que, de facto, aí temos grandes potencialidades. No caso da oliveira também. Nós estivemos a trabalhar numa região como o Alentejo e Ribatejo e os problemas muito maiores que eles têm, por exemplo, com a mosca e que nós não temos ou como a gafa e que nós, também, não temos. Aqui temos condições para poder explorar essa via e poder dessa forma valorizar os nossos produtos. Agora, o que muitas vezes se faz, é que se produz um pouco em modo biológico ou em protecção de produção integrada mas, não se valoriza os produtos que são vendidos. São comercializados como os outros produtos e daí não se tiram mais-valias.

Em que devemos apostar para que Trás-os-Montes possa ter um desenvolvimento harmonioso e sustentável?

Isso é uma pergunta difícil. Creio, e referi um pouco, anteriormente, o próximo Quadro Comunitário de Apoio, potencia a via de poder apoiar, muito, a componente de transformação dos produtos. Acredito que essa é uma via interessante. No lugar de apoiar a compra de mais vinte ou trinta tractores, como foi nos quadros comunitários anteriores, e ficarem parados nos armazéns todo o ano com meia dúzia de horas, que um terço dos tractores, provavelmente, faria o trabalho de todos eles, vai um pouco mais além e vai apoiar a criação de pequenas empresas, pequenas unidades de transformação, que vão valorizar, naturalmente, os produtos obtidos na região e, por outro lado, poderão criar algum emprego que é muito necessário. Por outro lado, penso que seria extremamente importante para esta região que, num curto espaço de tempo, e no âmbito do plano tecnológico, fosse criado um centro tecnológico, um centro de inovação, aquilo que lhe quisessem chamar, e que viesse a apoiar essas empresas que, tendencialmente, se deveriam instalar na região.
O deveria fazer esse centro tecnológico, esse centro de inovação? Desenvolvimento de produtos no sentido de os valorizar. No âmbito agro-industrial era fundamental que isso sucedesse. A criação de um centro desses que servisse toda a região e não pequenos centrinhos que, parece-me que não será esse o caminho, mas a criação de um centro com várias valências e que pudesse… uma espécie de um centro de inovação, onde investigadores, quer do politécnico, quer de outras universidades portuguesas ou mesmo espanholas, pudessem desenvolver determinados produtos. Desenvolver, por exemplo, ao nível da castanha. O que é que se faz ao nível da castanha nesta região? A castanha é produzida e, no fundo, é comercializada em bruto, uma parte dela a outra parte, uma unidade de transformação que é a SORTEGEL, comercializará cerca de 25, 30 % da castanha produzida em Trás-os-Montes. A única coisa que faz, no fundo, é congelar, descascar, congelar. Já é uma mais-valia, já valoriza bastante o produto mas, podia-se ir muito mais além. Há imensos produtos à base de castanha mas, nada é feito na região para utilizar esses produtos.
A criação de um centro destes, tendencialmente, deveria contribuir para desenvolver novos produtos, novas utilizações, quer fosse da castanha, quer fosse do que fosse, no sentido de apoiar as empresas da região e dessa forma contribuir para o desenvolvimento, quer dessas empresas, quer da região.

Falámos da castanha, da azeitona. E o mel?

O mel é, de facto, um produto importante nesta região e, nessa matéria, a escola agrária tem sido uma das instituições do país que mais tem contribuído para apoiar os apicultores. Neste momento, todo o mel que é comercializado, só pode ser comercializado após um conjunto de análises microbiológicas, analises físico-químicas, análises de resíduos de antibióticos, pesticidas e, a esse nível, a Escola Agrária tem dado um contributo importante, por exemplo, a nível das análises anátomo patológicas, só existem dois laboratórios em Portugal que estão certificados para poder fazer esse tipo de análise: o laboratório no Benfica e um laboratório aqui na escola. A nível de resíduos de antibióticos, a única instituição que faz resíduos de antibióticos no mel, é aqui a escola. Quem não fizer os resíduos de antibióticos aqui na Escola Agrária tem que recorrer a empresas em Espanha para fazer o mesmo trabalho. É natural que estas coisas normalmente não se saibam mas, é um facto que nós realizamos esse tipo de análises para todos os apicultores e, normalmente, não são apicultores individuais que fazem envio das amostras mas, através das associações de apicultores de cada uma das regiões e fazemos trabalho quase para todo o país, quase para associações de todo o país.

Faltam técnicos para orientar os nossos agricultores em relação ao melhor uso a dar às terras?

Não vamos dizer que faltam técnicos. Existem, neste momento, técnicos suficientes para dar esse apoio. Acredito que, dentro de uns anos, e com o ingresso que se faz sentir em todo o país, em cursos de Agronomia, de Zootecnia, Engenharia Florestal, dentro de dez, quinze anos, se calhar, vai-nos acontecer aquilo que aconteceu com os médicos: vamos ter de adoptar técnicos na área agrícola de outros países. Também é um problema que se passa em Espanha. Em Espanha, grande parte das universidades, neste momento, já reduziram imenso as vagas de ingresso mas, ainda se tem mantido bem a Universidade Politécnica de Madrid na Escola de Engenheiros Agrónomos. Não é um problema exclusivo de Portugal, a pouca apetência dos alunos para a área agronómica. Noutros países também, daí que ainda poderá agravar mais o problema. Acredito e, neste momento, tem acontecido um pouco nalguns cursos nossos, ainda os alunos não estão a chegar ao final da licenciatura e já estão a pedir que eles vão para o mercado de trabalho antes de concluir a licenciatura porque, de facto, nos últimos anos o ingresso nesses cursos tem sido de tal maneira reduzido, que o número de licenciados é insuficiente.

Noutros cursos, a oferta é maior que a procura…

Noutros cursos, as pessoas sabem que no final do curso vão ter alguma dificuldade e essa é, de facto, uma das coisas que eu não entendo no caso do nosso Ministro e do Ministério. É que ele definiu um conjunto de regras para o financiamento dos cursos e uma das regras é que o curso tenha mais de vinte alunos caso contrário deixa de o financiar. A questão que eu coloco é: Vale a pena financiar um curso com mais de vinte alunos mas, que se sabe que vai formar para o desemprego porque, efectivamente, não há possibilidade de colocação no mercado de trabalho, ou valerá mais a pena financiar um curso que tenha dez, quinze alunos, oito alunos mas que se sabe que os alunos, no final do curso, têm emprego garantido? Eu acho que é preferível financiar isso, até porque, o financiamento como é e como tem sido, até este momento, por número de alunos, nem sequer há o perigo de estar a sobre financiar esses cursos, porque financia por aluno. Se tem menos alunos financia menos. Acho um erro estratégico. É a política que temos.

Seremos uma região condenada à desertificação?

Somos uma região com áreas que, naturalmente, porque é uma região, relativamente, vasta estará condenada à desertificação. Penso que uma região como Bragança poderá não crescer muito mas, é provável, que se venha a conseguir sustentar, a não perder muita população. Outros pontos da nossa região irão continuar a perder população a favor de Bragança e de outras regiões e era fundamental que existissem políticas, mas não pode ser um ano pontual, que existissem políticas claramente assumidas, pelos diferentes governos que vão ocupando as cadeiras, lá em baixo em Lisboa, e que discriminassem, positivamente, mas com consciência, estas regiões. Porque, senão, amanhã ou passado, estamos a falar mais de duas pontes em Lisboa, mais uma no Porto e o afundanço completo na costa litoral. Naturalmente, era preciso assumir isso. É natural, também, que a construção de uma auto-estrada venha beneficiar bastante o eixo que neste momento vive encostado ao IP4 e que o resto da região que, também, é Trás-os-Montes se não se criar algum dinamismo, naturalmente, continuará a perder população.

Para terminar, que personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?

Naturalmente e, desde logo, o meu pai. Alguns dos meus professores. Tive professores muito bons, quer na universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, quer a nível de Lisboa no Instituto Superior de Agronomia onde tenho, quer num sítio quer no outro, grandes amigos e, ainda, alguns familiares próximos. E, claramente, uma figura que para nós, no fundo, foi um pai durante muitos anos, o professor Dionísio Gonçalves.

Sem comentários:

Enviar um comentário