Nasceu em Moçambique, uma das nossas ex-colónias. Fale-nos da sua infância e juventude.
A minha juventude foi muito boa. Posso dizer que fui feliz na juventude. Eu nasci em Moçambique, na altura, em Lourenço Marques, hoje Maputo. Tive uma infância normal, bastante feliz. Vivi sem Inverno. (Risos) Durante todo o ano com calor. Fiz o liceu até ao final. Nessa altura, estávamos em 74, 75, já gostava de trabalhar em questões relacionadas com a produção agrícola, produção de alimentos e achava que a agricultura ou agronomia seria, talvez, a área que me satisfaria mais e entrei na Universidade de Lourenço Marques, já na fase da mudança de nome. Entrei aí, para Agronomia mas, estávamos em 74, 75, portanto, numa altura já conturbada. Era a altura da independência do país. As condições de funcionamento da faculdade não eram as melhores. Funcionavam 3 ou 4 cadeiras no primeiro ano que foram aquelas que eu fiz e nos finais de 75 resolvi sair e vir continuar Agronomia em Lisboa, no Instituto Superior de Agronomia.
Quando veio para Portugal as diferenças foram bastantes?
Foram, foram! Eu nem conhecia. Só vinha cá de férias, de vez em quando, no verão. Cheguei em Dezembro, finais de 75, e logo… das coisas que mais me chocaram, na altura, foi o número de horas de sol diário. Lembro-me que a gente chegou aqui de manhã, às nove da manhã. Nessa altura, a hora legal não era exactamente essa. Havia uma diferença em relação à hora. O avião chegou às nove da manhã a Lisboa e era noite cerrada e eu estranhíssimo… Como era possível ser noite às nove da manhã? Estava habituado a ter sol às cinco da manhã. Noite a esta hora?! Isto é horrível! E assim foi, nos primeiros meses. Eu estava alojado num quarto e tinha de sair nas primeiras horas às oito e meia da manhã era um negreiro, uma coisa estranhíssima. Mas depois fui-me habituando. Entretanto, hoje em dia, já não é tão grave porque houve alterações na hora legal e às oito da manhã já é de dia mesmo no Inverno mas, há trinta anos não era bem assim. Havia diferença de uma hora, para quem vinha de Moçambique e eu não estava a espera.
De que forma o afectou a Guerra Colonial?
Não me afectou. Repare, Moçambique é um país enorme. A Guerra Colonial, até aos últimos anos de independência, não era uma guerra muito intensa. Havia, de facto, problemas muito sérios, não exactamente com as populações, mas mais com a actividade militar no norte do país. Depois começou a haver situações complicadas em Tete e situações de perigo junto da Beira e depois, se continuasse, provavelmente, o perigo teria aumentado mas, quem vivia no sul, como era o meu caso, de facto, nunca afectou a vida normal. Nas principais cidades nunca afectou a vida normal muito menos em Lourenço Marques. É evidente que se não tivesse havido o 25 de Abril, teria afectado muito porque tinha, na altura, 19 anos. Estava na idade de ir dar o nome e logo depois ser chamado para a vida militar. No ano em que se fazia 21, pouco tempo depois, teria ido fazer serviço militar obrigatório, exactamente, nas zonas de conflito. Aí é que havia perigo mas, como não cheguei a essa fase, porque entretanto houve o 25 de Abril, tudo acabou.
E iria lutar contra o seu próprio país, não é?
Exactamente. Iria fazer parte do exército português.
E porque a licenciatura em Engenharia Agronómica?
Essa escolha foi feita num ambiente diferente do continente. Foi feita tendo em conta a realidade de Moçambique, onde a actividade económica principal é a agricultura, onde as perspectivas de trabalho para produção de alimentos… eu acho que é uma questão importante a produção de alimentos, era e continua a ser, mas as pessoas, hoje em dia, esquecem-se um pouco, que a produção de alimentos é fundamental. Infelizmente, vejo, hoje, aqui, algumas reservas relativamente à produção agrícola. A importância da produção agrícola e a produção de alimentos, tudo pode ser importado. Quando a gente vai a um supermercado e vemos que a maioria dos alimentos são importados. Felizmente, alguns supermercados e hipermercados já fazem algum destaque para o que é produzido no país, mas penso que em termos alimentares nós estamos muito dependentes do exterior, e isso não é bom, não é bom a longo prazo, não é bom a curto prazo, não é bom para o país… não é.
O que foi que o fez ficar no Instituto Politécnico de Bragança?
Porque, entretanto, a vida vai avançando e é engraçado… a primeira pergunta que fez… a minha ideia era continuar a trabalhar em Moçambique onde tinha muito trabalho. Isso não foi possível pelas razões que conhecemos, de condições de vida, de facto, as condições de vida eram más. A seguir à independência, os meus pais ficaram lá a viver e as coisas não eram nada boas. Eu tenho vontade, de vez em quando, de lá ir e falo com colegas que estão lá e contam como a situação era complicada. Na altura, não tinha condições suficientes de estudo e, portanto, vim para Lisboa, para o Instituto de Agronomia onde acabei por ficar cinco anos e onde acabei o curso. Só fiz três cadeiras no primeiro ano, tive que praticamente fazer o curso todo, em Lisboa e acabei nos anos 80, em 1980, mais o estágio e resolvi, logo a meio do curso, não continuar a fazer vida em Lisboa. Achava que fazer vida em Lisboa não era bom, não era do meu agrado, porque o tempo de correria, o tempo que se perde em transportes… pode ser muito agradável para ir lá de férias, com bastante dinheiro no bolso mas, viver ali era muito complicado e a qualidade de vida não seria grande coisa. Como tinha e tenho raízes em Trás-os-Montes, o meu pai era de Vila Real, resolvi logo no quarto ano, faltava-me mais um e tinha de estagiar, vir para aqui, aliás eu vinha muitas vezes para cá de férias, vim para aqui procurar um estágio, um serviço, uma instituição particular qualquer, que me desse condições para estagiar e houve, havia na altura, boas condições para estagiar, nomeadamente, no Ministério da Agricultura, na Direcção Geral de Agricultura. Deram-me logo boas condições de estágio na área em que eu queria estagiar, nomeadamente, Mecanização Agrícola e, logo no quarto ano, fiquei com o estágio mais ou menos apalavrado para a Direcção Regional. Continuei, fui acabar curso e vim estagiar para cá e estive a trabalhar quatro ou cinco anos na Direcção Geral de Agricultura, em Mirandela e estamos a falar na primeira metade dos anos oitenta e nessa altura, também houve condições para abrir aqui o Instituto Politécnico, com duas escolas, eram a Escola Superior de Educação e a Escola Superior Agrária e houve concursos para admissão de pessoal docente. Eu concorri e, na mesma altura, havia concursos para a Direcção Regional e também lá poderia ter ficado.
Como até ali desenvolvia a actividade de tarefeiro, não tinha vínculo ao estado. Eram condições precárias e, na altura, o Politécnico oferecia-me condições melhores com uma entrada logo para o quadro, não seria bem no quadro, o quadro ainda nem existia na altura mas, eram condições de estabilidade. Conhecia os professores, o Professor Dionísio e o engenheiro Baltazar que eram os que estavam cá. Eram pessoas que eu conhecia, eram meus amigos e concorri para cá e fiquei até agora e não me arrependo dessa opção.
Fale-nos brevemente da sua vida académica e do trabalho que desenvolve na escola superior agrária?
Na ESA (Escola Superior Agrária) continuei a trabalhar na área da Mecanização Agrícola, desde que entrei até agora. Fiz, até por obrigações de carreira, o mestrado, estamos a falar de há vinte anos atrás quase, finais dos anos oitenta princípio de noventa. Fiz o mestrado na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e alto Douro) sobre Extensão e Desenvolvimento Rural aplicada à Mecanização e, como a tese de mestrado tinha a haver com a mecanização, na freguesia de …. no concelho de Macedo de Cavaleiros, depois de concluída essa etapa, depois de concluído esse mestrado, comecei a pensar no que poderia ser um trabalho de doutoramento. Isso como uma conclusão de mestrado. Havia uma cultura que era importante para Trás-os-Montes, mais concretamente, aqui para o distrito de Bragança, a Olivicultura, uma cultura que me parecia e me parece, ser de grande interesse para esta região, mas estava a defrontar uma dificuldade séria que era a questão da colheita, a colheita era manual. É engraçado que esta questão tem alguma semelhança com o que aconteceu com os cereais uns anos antes, a colheita era manual mas, essa mão de obra começou a rarear, primeiro foi logo para os cereais que faltou e depois foi para azeitona e havia muitos agricultores que se me queixavam que tinham que deixar a azeitona por colher porque, na altura, não tinham capacidade económica para colher a azeitona e, enfim, o dinheiro que ganhariam com a azeitona seria todo para pagar a mão de obra. Logo, a subida de preço tinha a ver com a falta de trabalhadores, que não havia e não há. A emigração para França, Alemanha e para as cidades, Porto, Lisboa contribui para a redução da oferta e os preços subiram, dispararam, portanto, havia uma dificuldade. Essa dificuldade podia resolver-se com a mecanização. Havia algum equipamento disponível no mercado, mas ninguém tinha dados disponíveis, não havia dados disponíveis, quer técnicos, quer económicos, quer do desempenho do equipamento disponível.
Então pensei que essa área de investigação poderia ter interesse. Procurei um orientador, porque o doutoramento não se faz assim sozinho, tem que ter alguém que oriente e encontrei uma pessoa muito disponível e muito interessada, exactamente, com os mesmos interesses que eu e não só. Essa pessoa fazia parte de uma equipa na Universidade de Évora e integrei-me nessa equipa que se mantêm até hoje. Esse orientador foi o Professor José Oliveira Pessa da Universidade de Évora que foi meu orientador de doutoramento e que tinha já, a volta dele, uma equipa de trabalho constituída por mais dois ou três docentes da universidade de Évora e um fabricante português de equipamento de colheita. Esse fabricante português é um indivíduo jovem, é um indivíduo licenciado em Engenharia Física por uma universidade portuguesa, cheio de genica, digamos assim, com capacidade de trabalho e conhecimentos e que foi fundamental para esse trabalho e para outros que entretanto se foram fazendo.
É responsável pela participação da ESA de Bragança no projecto AGRO 271, colheita e recolha mecanizada em olivais de alta densidade. Fale-nos brevemente sobre o tema.
Esse trabalho surgiu na consequência de um outro que não era um projecto AGRO, era um projecto PAMAFE e esse primeiro trabalho teve por objectivo estudar três diferentes sistemas de colheita mecânica e saber exactamente quais eram as condições de utilização de cada um deles… diferenças de funcionamento, quais seriam as condições mais adaptadas para um e para outro… esse primeiro trabalho com os tais três sistemas de colheita foram estudados em olivais tradicionais. Eu estou a chamar olivais tradicionais aqueles que tem entre 100 ou 150 árvores por hectare, compassos oito por oito, oito por dez, por aí, olivais com mais de 50 anos e que há muitos aqui em Trás-os-Montes, entretanto, foi surgindo a necessidade ou a evidência de que se perdia muita energia nesses olivais. As plantas são painéis solares, transformam a energia solar em azeitona, no caso dos olivais, e esses olivais com compassos dessa forma, os tradicionais com 150 árvores por hectare deixam muita energia solar por aproveitar, vão aquecer o chão. Não é, portanto… se olhar para uma encosta, que é uma forma de verificar isso. Se olhar para uma encosta com esse tipo de olivais, vê as oliveiras e vê muito solo pelo meio. O sol que lá bate é desaproveitado e ainda seca o solo e a gente não quer perder água.
Alguns estudos que não foram feitos cá foram feitos em Espanha na universidade de Córdova, indicavam para a necessidade de adensar o olival como a forma de aumentar a produção por hectare, não é por árvore, se calhar por árvore até se produzia menos, é por hectare e, com efeito, começaram a aparecer, também, em Portugal, olivais de maior densidade. O que é isso de maior densidade? Em vez de ter compassos 8 por 8, 8 por 10 passavam a ter compassos, na primeira fase, de 7 por 7 e começaram também a surgir olivais que produziam por hectare, compassos de 7 por 3,5. Isto é 3,5 na linha e na entrelinha tinham 7 para deixar circular livremente. De facto, comprovou-se que esses olivais de maior densidade produziam mais por hectare se fossem regados.
Essa é outra questão, portanto, mas não permitiam um bom funcionamento do equipamento anteriormente estudado. Por exemplo, nós chegámos à conclusão de que o equipamento, que na maior parte dos casos, seria recomendado para colher azeitona, seria um vibrador montado na dianteira do tractor com um apara frutos, porque a colheita da azeitona tem duas etapas o destaque e a recolha, a recolha poderia ser feita pelo chamado guarda chuva ao contrário, de grandes dimensões, teria de recolher a azeitona que é arrancada por destaque pelo agricultor para não cair ao chão, tinha e tem, diâmetros de 9 metros mais ou menos. Esse equipamento funcionava mal nesses olivais de grande densidade. Então vamos arranjar soluções para esses olivais mais densos e é assim que surge esse AGRO 271.
Este projecto teve a capacidade de desenhar um carrinho um semi-reboque muito estreito e enroladores de panos, com um pano que é enrolado e desenrolado mecanicamente, são precisas duas pessoas. O destaque continua a ser feito com o vibrador no tronco, mas que permite trabalhar em boas condições nesses olivais muitos densos com 300 a 400 árvores por hectare, portanto, estamos a chamar olivais de maior densidade a esses porque, entretanto, há um outro tipo de olivais, aqui em Trás-os-Montes não existem, existem alguns no Alentejo e no Ribatejo, mas ainda não fizemos qualquer estudo sobre eles que são os super intensivos. Esses conseguem… plantam-se 2000 árvores por hectare, com compassos muito pequenos, com distâncias na linha muito pequenas e a ideia é que, a colheita possa ser feita com máquinas de vindimar adaptadas à oliveira mas, de facto, a oliveira não é videira, a oliveira cresce. A natureza deu-lhe genes para crescer o que não deu a videira, portanto, acaba por haver alguns problemas na colheita com o tal equipamento de vindimar adaptado a olivicultura.
Bom, esse estudo não esta ainda feito e é caro, em Espanha sei que há equipas a testar esse equipamento mas estão a testar outras hipóteses de colheita para hiper intensivos, esse agro 271 não estudou os hipertensivos foi os intensivos com muitas menos arvores ainda com 300 a 400 árvores por hectare e neste momento não tem qualquer tipo de dificuldade de colheita os hiper intensivos penso que ainda tem.
É especialista em mecanização agrícola como temos vindo a falar ao longo da entrevista que benefícios podem advir desta actividade para os nossos agricultores?
Fundamentalmente é poder realizar operações culturais que no passado eram realizadas à mão. Hoje não existe essa possibilidade porque há falta de mão de obra e, portanto, as operações culturais podem continuar a ser realizadas e deixam de ter esses problemas de falta de mão de obra, deixa de ser obstáculo a concretização e a produção agrícola, fundamentalmente, é uma das razões, a outra é que a mecanização bem aplicada, se cumpridas todas as regras, digamos assim, se cumprirem todas as condições para a sua utilização pode, e é esse um dos objectivos reduzir os custos, o que nem sempre acontece mas, isso não é culpa da mecanização muitas vezes acontece o contrário, mas isso é por outros motivos é porque muitas vezes se usa a mecanização de forma errada. Os custos, muitas vezes, são aparentemente mais elevados porque a intensidade de utilização é baixa, mas bons critérios para utilizar a mecanização um deles é tentar fazer com que a intensidade de utilização anual seja capaz de reduzir os custos por hora e consequentemente os custos por hectare.
Que inovações existem a nível da mecanização em geral para a agricultura?
Aquele que está mais próximo de mim é essa questão da mecanização da colheita de frutos. Eu penso que é importante para Trás-os-Montes e para a agricultura transmontana a azeitona de que temos vindo a falar, mas não só. O mesmo equipamento para colher a azeitona também serve para colher a amêndoa. Aliás, esta forma de utilização, os tais vibradores que são utilizados para destacar frutos e não só vibradores, há outros equipamentos, nós estamos a estudar vários equipamentos para destaque de frutos, mas a maior parte são vibradores. Os primeiros vibradores foram desenhados nos anos 50 nos Estados Unidos para colher frutos secos, não foi para colher azeitona. A azeitona importou esta ideia por ter algumas dificuldades por resolver. É mais fácil destacar a amêndoa do que a azeitona. A azeitona está muito mais agarrada do que esta a amêndoa. Este primeiro equipamento tem um desempenho muito melhor para colher amêndoa que é uma cultura importante aqui na região. Outra cultura importante aqui na região e que pode, eventualmente, estar a enfrentar alguns problemas na colheita é a castanha. Na castanha também poderemos pensar em utilizar vibradores mas não em todos os castanheiros, em alguns tipos de castanheiros a gente pode pensar nisso mas há outras formas, há outro equipamento que está disponível no mercado mas não está estudado. Não há gente suficiente nem há financiamento para isso, embora estejam candidatados alguns projectos para serem estudados para a colheita da castanha, mas não tem sido aprovados, temos até projectos que, um deles, entrou no Instituto Politécnico da Universidade de Leon aproveitando o INTERREGUE mas não obteve financiamento, não obteve aprovação, ficou por aí mas, é outras das possibilidades. Falando em mecanização, a mecanização também tem evoluído de forma satisfatória na aplicação de fito fármacos, fito sanitários, é melhor corrigir, porque fito fármacos é um termo muito mais abrangente. Enfim, há problemas ambientais com a utilização de produtos químicos e, portanto, quando se torna necessário utilizar produtos químicos, é necessário utilizá-los muito racionalmente e há equipamento disponível no mercado que permite fazer isso e onde a evolução tem sido maior, tem sido na incorporação da electrónica, não só em algumas máquinas, como no funcionamento e no controle dos tractores.
Os agricultores têm sofrido bastante com os tractores e com os acidentes. Os agricultores transmontanos estão um pouco abandonados à sua sorte e continuam, com algumas excepções, a praticar alguma agricultura de subsistência. Não sabem tirar partido das suas terras agrícolas. Quem é que os pode e deve orientar nesse sentido?
Eu penso que esse sentimento de abandono… os agricultores não podem pensar dessa forma, achar que estão abandonados e que terá de vir alguém de fora para os ajudar porque não vem. Eu estou convencido que ninguém vem. Acho que o problema é que ainda são muitos agricultores. Não há qualquer problema por serem muitos, mas que eles devem associar-se, tendo dessa forma, peso. É a maneira de poderem reivindicar e ter a sua voz ser audível. Enfim, o discurso da lamentação, de que somos uns desgraçados e de que ninguém nos ajuda, esse discurso não vai a lado nenhum. Esse discurso não leva a nada. É necessário dar força às associações que já existem e, se elas não servem, substituí-las por outras. É por aí que as coisas tem que funcionar, e há exemplos válidos, a Associação de Produtores da Carne Mirandesa, desde que foi criada, tem feito o possível para valorizar o produto que, se calhar, já não existia se não houvesse a dita associação e outro tipo de associações deste género devem ser feitas para dar força ao produto. Isso aconteceu também com o mercado leiteiro, não é com a produção de leite. Enfim, hoje em dia, as que se tornaram grandes cooperativas de produção de leite, a Agros e as outras resultaram. Para resolver os problemas, os agricultores não deixaram de ter essa atitude e, porque se juntaram, começaram a falar a uma só voz e com peso. Essas associações de agricultores, hoje, são muito respeitadas.
Que tipos de solos são mais adequados ao regadio em Trás-os-Montes?
Esse trabalho também foi feito, quando estive a trabalhar na Direcção Regional. Na altura, nos princípios dos anos oitenta, havia um projecto financiado pelos Estados Unidos. Portugal ainda não tinha aderido à Comunidade Económica Europeia, havia um projecto designado por Projecto de Desenvolvimento Rural e Integral de Trás-os-Montes e foi para esse projecto que eu vim para cá trabalhar. Uma das missões ou objectivos era escolher áreas com aptidão para regadio em Trás-os-Montes. Foram, na altura, ainda cheguei a trabalhar por algum tempo nessa tarefa, identificados 30 a 60 locais, já não me recordo, com aptidão para regadio e ainda se construíram barragens para regar essas áreas uma delas é aqui bem perto de Bragança, denominava-se Lagomar, Gostei. Havia uma outra que foi também construída ao pé de Chaves, na estrada que vai de Chaves para Montalegre, 10 km a seguir a Chaves e creio que foi construída também uma outra na zona de rio Torto a norte de Pinela, mas não eram essas três, eram dezenas de pequenas barragens. As áreas para regadio, esses critérios devem ser muito sérios. Isso está feito para Trás-os-Montes e, dada a topografia que tem, grandes barragens para regar grandes áreas, não funcionam, temos o exemplo do Azibo. É uma grande barragem, construída para regar, já não recordo quanto mas eram uns milhares de hectares e não os rega e está, agora, a ser aproveitada, ainda bem, para outras coisas, está a ser aproveitada para abastecer de água as populações e para fins turísticos mas, repare que quando se utiliza uma barragem para fins turísticos, ela deixa de poder ser utilizada para regar. Para fins turísticos não pode ter grandes oscilações de cota e para regar ela vai ter grandes oscilações de cota. No final do Verão a água está no fundo e no princípio do Inverno a água está cá em cima. Para fins turísticos, para quem tem barcos, não pode ter o barco no fim do Verão em terra, não é? Portanto, são actividades incompatíveis e não era essa a solução nessa época, na época do projecto, que se previa, mas era a existência de pequeninas barragens tal como esta de Lagomar e Gostei. É uma das que saiu desse projecto mas, enfim, está aí o trabalho, a direcção geral tem-no com certeza e aí, a múltipla possibilidade e os locais estão escolhidos e os solos estão estudados. Foram limitadas as áreas com aptidão para o regadio para essas barragens que regavam pequenas áreas obviamente.
Muito bem. Os prejuízos provocados pelo gelo, pelo granizo, trovoadas, pelas secas, devem ser pagos pelas seguradoras, pelo governo ou pelos próprios agricultores.
É evidente que é preciso encarar a agricultura como uma actividade de enorme risco. Uma actividade feita a céu aberto é uma actividade de enorme risco. Essa questão… eu penso que este risco deve ser assumido por uma boa gestão das empresas agrícolas e uma boa gestão das empresas agrícolas implica, de facto, que haja, que possa utilizar os seguros para estas situações, mas é preciso que esses seguros funcionem bem. Quando me dizem que há companhias de seguros ou que as companhias de seguros aceitam cobrir estes riscos numa época do ano em que a probabilidade de ocorrência do risco é baixa, então elas estão a funcionar mal, porque cobrir riscos que tem uma probabilidade de ocorrência baixa, também eu quero arranjar uma companhia de seguros assim para mim, porque isso é um negócio óptimo. As companhias também são empresas privadas, evidentemente, têm que gerir os seus negócios, mas devem, neste caso ou nas maiorias dos casos, devem pensar em ter lucros, obviamente que sim, mas não em terem lucros exagerados como muitas vezes aparece referido na imprensa. Será conveniente que sejam criadas condições para que os agricultores possam ter estes riscos cobertos, mas de uma forma economicamente aceitável e que as companhias seguradoras cubram de facto estes riscos.
O que acha da utilização de estufas? Poderão coexistir com a agricultura tradicional?
Sim, a existência de estufas serve, fundamentalmente, para duas coisas: para produzir plantas novas e de raiz também e para produzir plantas que depois fornecem ao agricultor para que ele próprio as propague. Devido às condições de propagação que exigem condições ambientais especificas e nas estufas isso é possível obter e, depois, servem para produzir frutos ou flores, enfim, qualquer produto. Não é exactamente a planta, mas aquilo que a planta dá. Parece-me que é uma actividade que requer um conhecimento específico do funcionamento da estufa, mas isso está disponível, não tem segredo. Permite ter uma rentabilidade razoável numa área muito pequena. Há é que dominar a técnica. Existem problemas dentro da estufa que não existem cá fora, problemas da sanidade, controle de temperatura… é o fundamental, mas isso é possível o conhecimento está aí, não é nada desconhecido. Existem, às vezes, fungos, principalmente e bactérias. A humidade ali dentro é complicada porque é um ambiente fechado e tem outra vantagem enorme que é, conseguir produzir, não digo as plantas, as plantas são produzidas na altura em que o agricultor as vai lá comprar, na altura das plantações, do olival, do castanheiro, mas serve para produzir frutos e flores fora de época o que, economicamente, deve ser interessante, não é?
Em sua opinião, que tipo de agriculturas devem ser privilegiadas em Trás-os-Montes?
Fundamentalmente, aquelas ecologicamente mais adaptadas à região. Nós falamos há pouco numa cultura que, felizmente, já desapareceu e acho bem que não volte, porque não é razoável cultivar cereais, a não ser em zonas muito concretas, porque o cereal exige algumas condições ambientais que nós não temos e o resultado é que as produções por hectare são muito baixas e isso fez com que o agricultor tivesse abandonado o cereal. Existem mesmo poucas áreas que produzem cereal bom mas, temos uma série de outras culturas perfeitamente adaptadas e que têm produções agrícolas que nos permitem competir com outros membros da comunidade. A gente agora vive num mercado aberto, portanto, devemos procurar produzir aquilo que podemos oferecer de diferente. Nós não podemos concorrer em quantidade, porque temos áreas pequenas, mas devemos concorrer em qualidade e especificidade com o que poderemos cá ter. Um exemplo daquilo que eu estou a dizer, o azeite, eu vejo com alguma preocupação, a importação para cá de cultivares espanholas porque, nesse caso, passaremos a produzir um azeite exactamente igual ao espanhol. A Espanha é o principal produtor mundial de azeite. Nós não vamos conseguir competir com a Espanha em quantidade. Se nós quisermos ter algum mercado português, teremos de competir em termos de qualidade, com uma coisa diferente.
É porque eles têm uma agricultura de latifúndio, não é?
Sim. Fazem o que podem para produzir em grandes quantidades. As questões de agricultor sustentável, mobilizações de conservação, o uso racional de agro químicos nem sempre é respeitado. Não é em Espanha porque eles querem é produzir em grandes quantidades e fazem-no e, portanto, nós não podemos, no caso concreto do azeite e outros produtos, nós não poderemos concorrer com a mesma coisa. O azeite é azeite à mesma, mas nós devermos concorrer com um azeite com um paladar diferente, com qualidades aromáticas diferentes, que as cultivares portuguesas têm e vejo, com apreensão, a importação, por exemplo, desses tais super intensivos que vêem de cultivares espanhóis.
Então, é de opinião que os nossos agricultores devem apostar numa agricultura biológica?
Sim! Com certeza que sim. Fundamentalmente, uma agricultura respeitadora do ambiente. O desrespeito pelo ambiente vai trazer custos a médio e longo prazo. Que continuem a manter a especificidade da agricultura portuguesa, isto é, cultivares portuguesas e não a importação de variedade de cultivares estrangeiras porque senão, estamos longe da igualdade daqueles que produzem muito e aí a nossa capacidade competitiva desaparece.
Para o final, que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?
Isso é difícil, assim de repente escolher uma. Com certeza personalidades… estou a lembrar-me, fundamentalmente, daquelas que me vêm a cabeça. São aquelas personalidades políticas e eu diria que nesse caso, uma daquelas que mais contribuiu, de facto, para termos, hoje em Portugal, mais condições de vida foi, penso eu, o Dr. Mário Soares, numa época em que ele desempenhou cargos importantes no país. Foi uma actividade que ele teve com resultados que não eram exactamente a curto prazo, mas a médio e longo prazo. Acho que foi uma personalidade importante para nós.
Muito bem. Obrigada pela sua entrevista ao Nordeste com Carinho.
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