quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

FAZER A REVOLUÇÃO

Excerto da Biografia que escrevo sobre Amadeu Ferreira (11)

A vida de militante em Trás-os-Montes foi um período de grande sacrifício, de grande empenhamento, de grandes dificuldades. Ainda hoje a mãe refere, com muita pena, esse tempo da militância na UDP. Aquele não era o destino que ela tinha previsto para o filho tão inteligente e excelente aluno. A pobreza desse tempo contada por Amadeu é qualquer coisa que sai fora do nosso horizonte e que mais se assemelha à vida monástica. «Em 1977 tirei a carta e tive o meu primeiro carro da organização, um Renault 4, mais velho que Matusalém, que só pegava de empurrão e que de 20 em 20 km tinha de levar um balde de água no radiador senão ardia. De tempos a tempos, regressava para reunir com a célula de Sendim, para lavar roupa, para comer alguma coisa, muitas vezes andava cheio de fome, sempre roto e esfarrapado. Não tenho eira nem beira, nem roupa para vestir, nem sapatos para calçar, nem nada. A minha mobília é um saquinho de plástico que anda sempre comigo. Eu transporto dentro desse saquinho de plástico alguma roupa, normalmente suja, para ir mudando. Não tenho poiso certo. Em Vila Real, muitas vezes não tenho dinheiro para comer, não tenho sítio onde comer. Há algumas pessoas que de alguma maneira vão ajudando, porque a própria organização não tem dinheiro para pagar. Muitas vezes chegava ao fim do dia, ao fim da tarde e não sabia onde havia de ir jantar, nem sabia onde havia de ir dormir. Nós tínhamos uma sede na Vila Velha que era uma casa a cair de podre e muitas vezes dormia para lá em cima de um banco. Naquela altura achava que tudo aquilo fazia parte da militância, fazia parte da endurance revolucionária. Não tinha depressões, não tinha tristezas, o que era preciso era andar para a frente, pois fraquejar era um vício pequeno-burguês. Aquela disciplina que adquiri no seminário, e a disciplina militar, aquela capacidade de domínio e força de vontade, revelou-se ali de uma importância extraordinária para conseguir aguentar aquele tipo de situações.» Tudo isto toca as raias do inacreditável. Pergunto-me como poderia uma organização lutar pela melhoria das condições de vida do povo, tratando tão mal os seus funcionários políticos?


Escrito por Teresa Martins Marques

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