sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

“Deveria haver maior esforço da Direcção de Cultura do Norte”


Antero Neto é advogado e autor de vários livros. O mais recente é dedicado ao Careto de Valverde (Mogadouro), tradição dada como perdida que ajudou a recuperar, saindo novamente 100 anos depois. Para o autor, estes rituais de inverno têm potencial turístico e os eventos de promoção podem atrair visitantes ao seu contexto de origem.
Jornal Nordeste (JN) – Escreveu sobre uma tradição que se estava a perder. Foi difícil chegar à forma e simbolismo deste Careto?

Antero Neto (AN) – De facto, esta tradição já não saía há 100 anos, em Valverde. Davam-na já como perdida. Eu, como gosto destas coisas e costumo pesquisar e investigar, cheguei até um texto do professor Santos Júnior, que descreve o ritual com base em depoimentos que recolheu na aldeia. Esse trabalho foi o ponto de partida para este livro.
Não foi difícil recuperar, graças a esse apontamento, que descreve a máscara, a indumentária e também a forma como o Careto interagia com as populações de Valverde, Souto, Roca, São Pedro e Santo André, as localidades que percorria entre 20 de Dezembro e 6 de Janeiro.
Estava com um pouco de receio da receptividade, mas a população recebeu muito bem, manifestou-se muito interessada em interagir com o careto e com a velha, a outra figura, que acompanha o careto num peditório, que resulta num leilão dos bens recolhidos, em favor da festa do menino, porque a igreja católica assimilou estes rituais de origem pagã.

JN – Porque motivos se terá perdido?

AN – A de Valverde, o professor Santos Júnior aponta algumas razões, uma seria ter existido um acto de vingança contra um dos actores, pensando-se que era outro que estava lá dentro e a população ter-se-á revoltado e acabado com o ritual. A leitura que faço tem mais a ver com pressões da hierarquia católica. Houve um caso em Vale de Porco, nos anos 40, em que o pároco tentou acabar com o ritual do Velho Chocalheiro, oferecendo um cântaro de vinho aos rapazes para que queimassem o fato e a máscara. Eles assim fizeram, mas depois de terem bebido o vinho voltaram a vestir-se com outro fato e outra máscara.
Se bem que alguns mantiveram-se até hoje. O porquê? Será que as populações eram mais resistentes às influências das hierarquias? Não faço ideia, o que é facto é que só sobreviveram quatro, e sabemos que em Mogadouro havia cerca de 10 rituais referenciados.
O de Valverde é o quinto e estou a fazer outro trabalho de recolha para que em 2016, dia 6 de Janeiro, saia o Mascarão e a Mascarinha, de Vilarinho dos Galegos (Mogadouro), que se perdeu há cerca de 40 anos.

JN – Considera que tem sido dada uma maior atenção a estas tradições?

AN – Sim, mesmo a própria população, porque começa-se a dar valor àquilo que é nosso, ao contrário de outros tempos em que se desvalorizava. Penso que as entidades autárquicas estão devidamente sensibilizadas para esta questão.
Apesar da sua descontextualização geográfica e até de certa forma temporal, as mostras são importantes para divulgar junto da população que não conhece e nunca ouviu falar, e despertar o interesse, para que, no ano seguinte, se desloquem ao seu contexto geográfico, a observar “in loco” estes rituais.

JN – A valorização deste património tem conhecido avanços ou há ainda muito por fazer?

AN – É algo único, que nos distingue. No concelho de Mogadouro estamos a dar os primeiros passos. Temos aderido aos desfiles da máscara ibérica, em Lisboa, Zamora e Bragança, temos este segundo evento deste género em Mogadouro. Penso que será um caminho longo, mas que está a ser trilhado como deve ser e com o objectivo de, no futuro, atrair os visitantes à nossa terra.
Porque é muito bonito ter um ritual em Valverde, ou em Vale de Porco ou Bruçó, mas se ninguém fora daí souber que ele existe, então de pouco servirá, porque as nossas aldeias cada vez estão mais desertas.
No último FIMI tomei parte numa reunião com representantes de Portugal e Espanha, e a ideia defendida foi lançar as bases para uma associação transfronteiriça que ajudasse a promover este património, quer de um lado quer do outro, mas através de um esforço conjunto.

JN – A Direcção Regional de Cultura do Norte (DRCN) pretende promover o levantamento das festas de inverno, devendo a recolha ser feita pelas autarquias. Como vê a iniciativa?

AN – Penso que o esforço devia ser maior da parte das entidades a nível central, porque é muito bonito o senhor director vir falar nisso e depois atribuir as responsabilidades única e exclusivamente aos municípios. Se não houver uma coordenação a nível global, de uma entidade supramunicipal não é fácil muitas vezes reunir autarcas e vontades. Deveria haver um esforço maior da parte da DRCN neste caso.
Nota-se falta de apoio dessas entidades. E às vezes as pessoas entendem apoio como dinheiro e nem sempre é isso. Por exemplo, num evento como o II Festival da Máscara, penso que deveria estar o senhor DRCN. Às vezes a presença é suficiente.

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