Aurora chorava lágrimas não visíveis. Apenas o olhar refletia a dor que grassava no seu coração-cérebro.
No hospital jazia em completo desacordo, o homem com quem casara por amor. Desatino, desconcerto, desassossego... que mais dizer do cérebro meio morto? Do corpo meio vivo que ficara?
Serei capaz de não refletir todas as perguntas que passeiam na consciência dos fatos ocorridos até aqui? Não sei!
Maria vê a parafernália de aparelhos, cabos, pensos, sondas... e apercebe-se dos grilhões que atam o homem, até aqui tão livre. Onde estás liberdade? Onde apartaste para caminhos dúbios, tão longe de mim?
Olhar vazio, perdido em dores que não compreende. Reconhecimento confuso de mim...
Cá cá cá, mão esquerda estendida, anseia a minha, guarida que ninguém pode ofertar.
Onde estás? Onde te encontras?
Percorro caminhos insondáveis de mim sem saber se os saberei ou poderei caminhar...
Os teus caminhos estão tão confusos, tão sem nexo, que mal sabes que há caminhos. Caminhante de meio corpo que não pode, ainda, caminhar. Talvez amanhã.
Regressaste. Amas-me, sei-o. Chamas por mim na tua linguagem incompleta e sorris o teu sorriso torto, o teu olhar ávido, confuso, passeia pela enfermaria, sem entender o que se passa. Assumes, mal retomas alguma consciência de nós, da nossa nova e difícil vida.
E António Machado, insistentemente, canta o que eu quero calar. Se o pensamento se independentiza, que fazer se não chorar?
"Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar."
Mara
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