segunda-feira, 12 de setembro de 2011

História nº 4

As grandes paisagens emocionam-me. Sempre me emocionaram, mesmo quando pequeno.
O facto de poder visualizar, do alto de um monte, uma bela paisagem faz-me bem e, já quando segui nu atrás da banda até ao monte de São Bartolomeu, mesmo não tendo lembranças conscientes, senti,talvez, além do apelo da música, o apelo da paisagem.
Recordo-me de uma ida a Gebelim, à quinta da Berta e do Manuel Aires para participar numa festa de família. Era a Festa de São Bernardino de Sena, no segundo domingo de setembro.
Lembro-me da enorme alegria que todos sentíamos.Éramos uma grande família e todos saboreavam ao máximo, o facto de estarmos ali.
Fez-se uma grande sardinhada na quinta. O Manecas, para se meter comigo, disse que eu tinha comido dezoito sardinhas. Devo confessar, apesar da fraca figura, que comia muito bem mas, daí a comer essas sardinhas todas...
A beleza daquele vale fértil e verde preencheu todos os espaços que na minha alma estivessem vazios. É bom poder estender o olhar e beber a paz de uma grande paisagem.
Três quilómetros acima da aldeia, a capela do santo está posicionada num alto, local de onde não se avistam as casas mas, sim, todos os montes à volta. Avista-se também um grande planalto, ainda inculto, quase primário. É uma paisagem maravilhosa e, talvez tenha sido nesse dia que, pela primeira vez, conscientemente, me apercebi da força desta província de Trás-os-Montes, da sua beleza selvagem.
Nós, transmontanos, somos como filhos pródigos. Apenas valorizamos o que temos depois de o termos perdido. Esta nossa paisagem, que tanto delicia quem nos visita, passa-nos despercebida até ao dia em que se acorda com olhos de ver o mundo e, então, é o deslumbre.
Não precisamos de visualizar as mais altas montanhas para saber que elas existem. Claro que podemos tentar imaginar (ou talvez não) a sensação única que devem ter tido os poucos eleitos que do alto do Evereste avistaram o que o olhar pode alcançar. Só numa situação dessas seremos verdadeiramente confrontados com a nossa pequenez, a nossa insignificância.
Num mundo de desertos, de grandes planícies, de planaltos sem fim, perdemos e encontramos todos os dias em todos as partes do mundo, a vida e a morte, a tristeza e a alegria, o sofrimento e a felicidade.
É caso para perguntar: como podem existir tamanha diversidade, tamanhas diferenças na paisagem que pisamos?

Marcolino Cepeda
(Retirado do livro "Pontes - segredando segredos", publicado em 2001, edição de autor)      

3 comentários:

  1. 18 sardinhas, de facto é um exagero :-)
    Numa sardinhada, há 3 anos, o meu amigo Praça ficou com a fama de ter comido 28. Verdade ou não francamente não sei. As contas foram feitas pelas espinhas que tinha no prato :-)

    ResponderEliminar
  2. Marcolino.
    Do nosso deslumbre, que daqui a poucas décadas só serão imagens guardadas e textos como este teu, tratam os do Terreiro do Paço.
    E...ainda lhes batemos palmas e enchemos a pança de fumeiro...quando aqui vêm...
    Critérios!

    ResponderEliminar
  3. Pois é Henrique,

    Realmente não comi 18 sardinhas, embora comesse como um esganado.
    E sim, os do Terreiro do Paço gostam muito de encher a blusa em Trás-os-Montes que, gastronomicamente, satisfaz muitas panças desconsoladas.
    Enfim!

    Abraço
    Marcolino

    ResponderEliminar