sábado, 3 de setembro de 2011

Entrevista com António Afonso

Resolvemos chamar a esta entrevista “À procura da diferença”. Nasceu em Vimioso com quantos anos saiu de lá?

Eu nasci, realmente, em Vimioso, porque o meu pai era Guarda Fiscal e, na altura, trabalhava em Vimioso. Esteve em Vale de Frades e em Vale de Pena e, portanto, os três irmãos, nascemos cada um nessas freguesias, em Vimioso em Vale de Frades e em Vale de Pena. Vivi em Vimioso até perto dos três anos. Em Vale de Frades vivi durante cinco ou seis anos e em Vale de Pena fiz a quarta classe.

Os guardas-fiscais e os professores sempre foram um tudo/nada saltimbancos. Três filhos, três localidades diferentes. E depois?

A partir daí vim estudar para Bragança para o Liceu e aqui me mantive desde os dez anos até aos dezanove ou vinte. Frequentei a Escola do Magistério Primário. Depois dos vinte e um anos deixei Bragança e fui para Macedo de Cavaleiros. Costumo dizer que me orgulho de ter nascido em Vimioso e de ter passado uma parte importante da minha vida aqui em Bragança onde continuo a trabalhar. Considero, no entanto, que já sou mais de Macedo em virtude de viver lá já há muitos anos.

Tem muitas ligações à terra de origem, Vimioso?

Em Vimioso tenho a família, a maioria da família, os meus irmãos estão um em Macedo e outro aqui em Bragança, assim como o meu pai. O resto da família continua em Vimioso e em Vale de Pena que é a aldeia do meu pai e é uma anexa de Pinelo onde também tenho muitos primos e tios. Vimioso, Pinelo e Vale de Pena são as localidades onde se encontram as minhas raízes.

Nasceu em Vimioso, vive em Macedo de Cavaleiros e trabalha em Bragança. É este o triângulo mais importante na sua vida?

Sim. São mais de quarenta anos ligado a estas três localidades. Estive fora durante um curto período que, não chegou a um ano, em Lisboa na Assembleia da República. Fora isso, estive sempre aqui no distrito e essencialmente nestas três localidades.

É toda uma vida passada em Trás-os-Montes.

Sim, e orgulho-me de facto de ser um nordestino, um transmontano e não renego as origens. Neste momento considero-me um Macedense por adopção porque, de facto, cada vez mais se diz que nós somos donde estamos. Não pertencemos ao local onde ocasionalmente nascemos, embora não renegue o lugar onde nasci. Gosto muito de Vimioso e vou lá quando posso. Poderia dizer, também, que me considero de Bragança, em virtude de ter passado aqui, um dos períodos mais importantes da minha vida. Gosto muito desta cidade onde desenvolvi grande parte do meu percurso profissional, só equiparado ao de Macedo de Cavaleiros.
Estive muitos anos em Macedo de Cavaleiros como Delegado Escolar, mas aqui, em Bragança, trabalhei na antiga Direcção Escolar e agora no Turismo. Por tudo isso, me considero um brigantino. No fundo sou um homem do nordeste, e neste momento sinto-me bem a fazer aquilo que faço, ser responsável pelo Turismo.
O meu trabalho na Educação, competia-me a colocação de professores, proporcionou-me uma ideia global do que é o distrito, o que me ajudou nas funções que agora exerço. Considero-me um nordestino porque, de facto, procuro nas iniciativas que apoio, e até nas visitas que faço, não privilegiar um concelho em detrimento de outro. Tanto vou a iniciativas aqui em Bragança, como a Freixo de Espada à Cinta ou a Torre de Moncorvo, ou a Vimioso e a Miranda do Douro. Tento responder positivamente a todos os convites que me fazem dos vários pontos do distrito. Procuro, ainda, adquirir conhecimentos específicos sobre cada concelho, para melhor poder defender e “vender” algumas das coisas mais interessantes que por cá temos.

E o resto do país?

As minhas actuais funções obrigam-me a percorrer outras zonas do país e inclusivamente do estrangeiro. Já tive oportunidade de estar em vários pontos da Europa e não só.

Todas essas visitas pretendem promover a região?

Não. Algumas, realizadas agora, devem-se ao cargo que exerço. Outras, foram realizadas enquanto Vereador da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros. Durante três mandatos tive a oportunidade de fazer algumas saídas. Por exemplo, visitas à Dinamarca, à França mais que uma vez, à Alemanha, em várias situações. Enquanto Presidente da Comissão de Turismo tenho mais possibilidades que considero de enriquecimento mútuo, mas não é esse o objectivo principal. Às vezes são oportunidades mas, também, obrigações de estar. No entanto, é, ao mesmo tempo, um prazer.

Vai-se enriquecendo cultural e socialmente.

E também as experiências que se adquirem, algumas delas podemos depois implementar aqui o que nos ajuda a crescer a termos uma maior capacidade de resposta.

Relativamente à cidade de Macedo de Cavaleiros tem sido uma pessoa muito interveniente, primeiro enquanto professor e Delegado Escolar e, depois na política. É esta a menina dos seus olhos?

A política, se me estivessem a ouvir a minha mulher e os meus filhos, se calhar mais ela, considerariam que é um problema. São mais de vinte anos com actividades nessa área e, de facto, é aliciante para mim. Acho que é um serviço que prestamos à comunidade, mas ao prestarmos esse serviço deixamos de prestar outro que é o serviço de pai, de marido, etc., portanto, o apoio familiar, às vezes, é prejudicado por essa actividade política. Não posso dizer que tenha tido problemas familiares. Houve sempre uma boa compreensão por parte deles mas, admito, fazendo uma confissão pública que, de facto, em certos momentos, os filhos poderiam precisar ou exigir que o pai estivesse mais próximo. Costumo dizer isso e reafirmo-o agora. É uma sobrecarga para a minha mulher no acompanhamento dos filhos e até, também, se calhar, uma falta da minha companhia perante ela. Para além disso, os filhos… um deles até faz parte de alguns órgãos políticos, acompanharam-me sempre. Eu fui candidato à Câmara Municipal de Macedo e houve um grande envolvimento da família. Não fiz isso isoladamente, foi um assunto tratado em família e toda a gente compreendeu a minha opção.
Para mim, a política é uma riqueza. Ainda hoje tive a oportunidade de estar com algumas pessoas do concelho de Macedo de Cavaleiros que tem 38 freguesias e 66 localidades e é muito aliciante sentir o seu carinho. Durante uma campanha conhecem-se muitas pessoas. Umas vezes somos candidatos, outras apoiamos alguém. Ao participar-se em campanhas autárquicas, legislativas, europeias, seja do que for, há um leque muito grande de pessoas que se conhecem e de conhecimentos que se adquirem. E é interessante por isso. Depois, há convites e oportunidades que as pessoas nos proporcionam e eu fico satisfeito por aquilo que fiz. Desempenhei, realmente, vários cargos e sinto-me de consciência tranquila. Podia ter sido outras coisas mas o destino às vezes…

Como já referiu, a família e o seu apoio são muito importantes para si.

Sim, sim. Eu sei que às vezes há situações em que é difícil lidar esse facto… períodos houve em que a dedicação à política foi total. Houve uma ocupação do meu tempo de uma forma significativa. No entanto, desenvolvi, sempre, a minha profissão. Nunca deixei de o fazer, a não ser agora que, estou há um ano e meio a tempo inteiro neste cargo de Presidente da Região de Turismo. O resto… nunca tive um cargo… fui vereador durante muitos anos mas, era vereador a tempo parcial, nunca estive a tempo inteiro.
A tempo inteiro é a minha profissão e os cargos que desempenhei enquanto Delegado Escolar e como Subdirector Escolar dos quais me orgulho. Procurei sempre desempenhá-los cabalmente, estar sempre preparado, ter sempre uma resposta para as inúmeras solicitações diária. Pus, sempre, em primeiro lugar a profissão. Depois do tempo dedicado à profissão, podia ter utilizado o tempo livre dedicando-o só à família e, mea culpa, claro, ocupei esse tempo com as actividades políticas.

Até que ponto a nordestinidade o marcou no seu percurso?

Julgo que sim. Tive a oportunidade de, por exemplo, ser Director Escolar em Lisboa e não aceitei. Nunca foi uma coisa que me atraísse. Mesmo noutras localidades. Como eu disse fora da região só estive alguns meses na Assembleia da República mas eram 3, 4 dias, fins-de-semana, ia, voltava.
De facto gosto de estar aqui no nordeste transmontano, neste tal triângulo que já definiu Vimioso, Bragança e Macedo de Cavaleiros. Posso ir a outros lados, mas de facto é aqui que me sinto bem. Porque é aqui que tenho realmente as pessoas de que gosto. É aqui que se está bem, é aqui que há qualidade de vida: qualidade de vida ambiental, qualidade de vida gastronómica, etc. Eu acho que nós somos uns privilegiados em termos da natureza, em termos dos produtos que temos.
Temos muitas carências e algumas dificuldades principalmente a nível dos agregados familiares… seus filhos. Nem todos têm respostas aqui em termos de emprego ou mesmo na educação. As pessoas são obrigadas a deslocar-se para outros lados. Há, ainda, o problema das deslocações, das acessibilidades etc., etc. Temos alguns problemas mas, eu prefiro viver aqui do que viver noutros locais onde têm aparentemente tudo ou mais do que nós mas não têm aquilo que nós temos. E para mim, isto é melhor.

Basicamente, a nossa região é uma região de prestação de serviços.

Sim… A agricultura, sabemos bem em que situação se encontra. Cada vez mais somos uma região de idosos, somos menos as pessoas que estão a trabalhar activamente, há um decréscimo, portanto, uma diminuição entre o número de nascimentos e um aumento dos óbitos e, evidentemente, há cada vez mais idosos. Não há renovação de gerações. De facto, é uma pena, é uma tristeza. Isso nota-se nas escolas, nota-se a vários níveis. Nota-se que há uma perda significativa de população e há concelhos bastante desertificados, onde, essa quebra, é bastante acentuada. Dos doze concelhos que compõem o distrito, apenas três deles, cresceram em população: Bragança, Mirandela e, mais ligeiramente, Macedo de Cavaleiros, se analisarmos os sensos de 2001. Nos restantes há uma diminuição que vai dos 5 % até perto dos 30% de quebra de densidade populacional.
Isso leva-nos a grandes reflexões. Há concelhos que são muito problemáticos. A população decresce assustadoramente, o número de nascimentos está muito abaixo do que seria razoável. As pessoas não se sentem atraídas a viver nesses concelhos e é um problema. No distrito, em termos populacionais, somos pouco. Isso faz com que a nossa força, em termos políticos, diminua. Julgo que a união faz a força mas, até mesmo essa união, quase já não existe. Ficamos mais debilitados e, infelizmente, ainda não nos apercebemos disso.

A sua vida profissional está intimamente ligada à educação. Era difícil ser professor no tempo em que acabou o curso?

Não. Acho que, se calhar, é mais difícil agora, porque há uma maior angústia, em virtude de as pessoas não saberem o que vai ser o ano seguinte. No meu caso, acabei em Julho de 1974, com o 25 de Abril e, em Setembro, estava colocado e a trabalhar. Passado pouco tempo efectivei, tinha uma escola já minha no concelho de Macedo de Cavaleiros. Essa foi a razão que me levou a ir viver para lá. Trabalhei um ano no concelho de Vimioso, em Vale de Pena, precisamente, por querer ir trabalhar para a aldeia onde eu tinha estado. Fui o primeiro professor formado que ali leccionou. Até então, ali, só haviam estado Regentes. Foi, efectivamente, um marco para aquela localidade e, se juntarmos a isso, o facto de eu ser homem, num tempo em que, mais de 90% do professorado eram mulheres… Os poucos professores, homens, que havia, ficavam nas cidades, nas vilas ou nas aldeias maiores. Eu fui para Vimioso, para a minha aldeia, para a minha escola onde havia completado a quarta classe, por gosto, por opção.
Neste momento é um bocadinho mais difícil. As coisas começaram a complicar-se. Há muitos mais professores e, como referi, a angústia é grande porque as pessoas fazem grandes deslocações e nem todas as que concluem as suas habilitações académicas têm possibilidade de colocação. Compreendo que a vida de professor, hoje, e até os relacionamentos com as famílias, com os pais dos alunos que se demitem, em certa medida, do papel dos pais, sobrecarrega o professor. Os próprios alunos são mais difíceis, mas continuo a achar que é uma profissão aliciante.

O seu percurso profissional, passou-o, quase na totalidade, em funções administrativas. Que diferenças existem hoje em relação ao tempo em que exerceu as suas funções?

Realmente, só dei aulas durante um ano e três meses. Fui eleito Delegado Escolar de Macedo e assumi logo essas funções. Além disso, estive a leccionar no seminário em Balsamão, durante um ano, onde leccionei para o primeiro e segundo anos. A partir daí, só dei aulas a professores. Estive dois ou três anos no Piaget, nos cursos de complemento para a formação de professores; tenho alguma experiência na formação, como formador em acções de formação. São experiências muito diferentes; uma coisa é o administrativo, outra coisa é o contacto com as crianças, o transmitir-lhes conhecimentos.
Eu costumava dizer, nas reuniões que fazia com os professores e com os auxiliares da acção educativa e até com os pais que, todos nós, estávamos em função das crianças; se não houvesse crianças não havia esta estrutura. Também me senti muito bem nesses cargos que exerci ao nível da gestão. Era outro aspecto, tinha oportunidade de resolver muitos problemas e de ajudar muitas pessoas no seu dia-a-dia, e, às vezes, evitar que problemas de relacionamento entre pais e professores se agudizassem. Tentava sempre que os problemas não atingissem maior dimensão. Para mim, a parte administrativa não foi frustrante, gostei de fazer aquilo que fiz nessas funções, embora, sejam diferentes.

Pensa que estamos no bom caminho a nível das alterações que o Governo está a levar a cabo na educação?

Quais?

As mudanças que o Governo fez agora na Pré-escolar, por exemplo.

Sabe, eu fiz um estudo no Mestrado na área do redimensionamento da rede escolar. A minha dissertação foi a esse nível, estudar o redimensionamento, nós tínhamos e temos muitas escolas espalhadas pelo distrito, o que eu não concordo de maneira nenhuma é que as escolas continuem a ter um aluno dois alunos. Isso aconteceu em 1973 com a política do Veiga Simão que era Ministro da Educação na altura e que dizia uma coisa que ficou célebre: onde houver um aluno, haverá uma escola. Mas isso aconteceu noutros tempos, tinha a ver com as fracas acessibilidades e com o interesse em que todos os cidadãos tivessem acesso à escola.
Hoje, com os meios que temos é precisamente o contrário, dar uma boa educação às crianças não é, nem pode ser, um professor/um aluno. Nós temos que inverter essa situação, concordo com o Ministério da Educação que está a dar passos seguros…

Concorda, então, com os agrupamentos de escolas?

Sim, sim. Entendo que o agrupamento é a melhor solução, entendo que é o melhor para os alunos e para os professores. Os professores, pela minha experiência e, por muitos anos que tive de contacto com eles, ainda resistem porque vêem o problema, aparentemente, apenas por um prisma. Haverá, com certeza, uma redução dos postos de trabalho, haverá menos escolas… Isso é um problema. Outro é que tudo isto vai ser alterado e, portanto, a monodocência vai deixar de existir. Um professor/uma turma, essa dicotomia vai deixar de existir. Vai dar-se lugar aos especialistas, pessoas que já se licenciaram e especializaram a vários níveis. Penso que nos agrupamentos, aliás, aqui ao lado, em Puebla da Sanabria, é assim que funciona. Visitei lá um colégio e as coisas acontecem, nesses moldes, há muitos anos. Quer dizer, a maioria das pequenas localidades, não tem escola, os miúdos são transportados para os colégios onde podem ter acesso a todas as vertentes educacionais, desde a Educação Física até à Música.

E a socialização é mais efectiva.

Ao longo dos anos, muitos professores, que conversaram comigo, referiram que se sentiam quase frustrados porque tinham um ou dois alunos. Ao fim das cinco horas em que a pessoa trabalha, onde ao fim de duas horas se faz o intervalo mas, o intervalo de quê? Uma pessoa só. Veja a importância do lúdico, do jogo nestas idades para a formação das crianças. Ora, se realmente não tiverem grupo, não podem jogar. Há certos jogos, ou quase todos que, se fazem e que têm realmente de ser jogados por um grupo de pares. Por todas as razões apontadas, defendo as alterações que o governo quer implementar. Estou, no entanto, um bocadinho afastado dessas problemáticas devido às funções que agora exerço. Não sei, exactamente, quais as alterações que vão ser realizadas, por isso fico por aqui. Concordo, em absoluto, com este novo redimensionamento da rede escolar.

E com os exames no final de cada ciclo?

Pois, aí é que já não sei, tenho que ver. Os exames antigamente, serviam para classificar os professores e, em função desses resultados, havia uma classificação e no final do ano tinham suficiente ou deficiente em função dos resultados obtidos pelos seus alunos. Eu compreendo que um professor, ao receber um grupo de alunos, se dedica a eles de corpo e alma. Pode trabalhar muito e não conseguir alcançar os resultados que pretende. Isso não implica que tenha passado o ano a olhar para o nada. Há grupos que exigem um empenho total e absoluto e que, mesmo assim, não conseguem chegar à meta. Por essa razão não concordo que os resultados dos alunos possam influenciar a classificação dos docentes. É complicado basear-se a avaliação apenas nesse parâmetro. Mas, também, admito que havendo avaliação há uma maior exigência. Há professores que, porque não haver exigência no final do ano facilitam demais. Porque essa constatação é de todos, não é minha nem da Educação, é dos pais e responsáveis, da sociedade em geral de que há algumas deficiências notórias na formação dos jovens de hoje. As falhas são diversas mas, em certos aspectos pode dever-se, um bocadinho, a facilidades pela parte dos professores. Haver exames ou não haver… tem de haver um diálogo entre o Ministério e os professores. Não há certezas em Educação. O que hoje pensamos estar correcto, poderá, amanhã ou passado ser alterado. O que é importante é haver um diálogo construtivo entre o Ministério e os professores e as suas classes representativas, os sindicatos etc., no sentido de escolherem o modelo que é melhor.

Também não se pode andar, cada ano, a experimentar novo modelo…

Sim. Julgo que o melhor modelo de classificação de professores é aquele que se baseiam nas suas habilitações. As pessoas, penso que sabem, que os professores não ganham todos o mesmo. Neste momento, a grande maioria dos docentes, são licenciados. Alguns, tiveram de fazer um grande esforço para adquirir uma licenciatura, já que eram trabalhadores-estudantes. Esse esforço tem reflexos na sua carreira, progridem mais depressa. O que entendo não ser correcto, é que se progrida só porque o tempo passa. Mudam de escalão cinquenta pessoas e não são todas iguais, há algumas que, se calhar, até mereciam ter mudado mais depressa em função do trabalho e dedicação que demonstraram, outras, não se justificava que mudassem. É por isso que há quem defenda que a mudança de escalão, que no fundo acaba por ser quase uma promoção, devia ser mais exigente. Aliás, se reparar noutras profissões, isso acontece.

O governo continua a insistir numa só Universidade para esta região a UTAD. É Trás-os-Montes e Alto Douro, ou o nome é um equívoco?

Sim. Acho que a UTAD é uma Universidade que está sediada em Vila Real e que, Bragança, pela sua tradição académica, desde sempre, merecia ter a sede de uma Universidade.

Então, concorda que o Instituto Politécnico passe a Universidade?

Sim, eu acho que é o mais lógico. Não é a criação de uma nova. O mais lógico será, em função do percurso que o Politécnico fez a vários níveis, não só daquilo que é mais visível, as infra-estruturas, etc. e o aumento significativo de alunos mas também do grande esforço que foi feito em temos da formação, do  nível das pessoas, o número de Doutores, Mestres, etc.  que o próprio Instituto já tem. Eu penso que tem condições para se verificar essa tal transformação. Agora, isso é complicado pelo seguinte: em primeiro lugar, a diminuição de alunos que é geral, a nível do país, as Universidades, os Institutos, as Escolas de Ensino Superior, já são muitas a nível oficial e particular para dar resposta ao número de alunos que há no ensino superior e, portanto, criando mais Universidades pode não haver alunos para elas; por outro, a verdade é que, de facto, é importante uma Universidade nesta região.
Sabemos bem a influência positiva que pode proporcionar ao seu desenvolvimento. Penso que seria vantajoso para a cidade, mas, penso que já se perderam muitas oportunidades. Se calhar, em anos anteriores, não havia uma percepção tão evidente deste número de alunos, não sei se ainda será possível. Vamos aguardar com serenidade. Penso que, a não ser a Universidade que seja um Instituto Universitário, que englobe a área da saúde, não sei… ainda bem que falámos em saúde… as Universidades têm de saber dar respostas às necessidades actuais.
Hoje em dia é comum dizer-se que as pessoas tiram licenciaturas e depois não sabem muito bem o que é que vão fazer. Nós pretendíamos que a Universidade formasse pessoas direccionadas para as necessidades do mercado. O Instituto Piaget tem apostado na área da Saúde, de empregabilidade quase garantida. No IPB pode-se enveredar por aí, com a Escola Superior de Saúde. Sei que há promessas a nível do Governo e Primeiro-ministro que se empenhou e que se comprometeu com a região mas, a diminuição de alunos… tem de se ter uma ideia global para o país.

Enquanto Presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano que, dificuldades é que se lhe apresentam no dia-a-dia?

Em primeiro lugar, a financeira. Eu pensei que a Região de Turismo tinha um orçamento maior e, portanto, não tenho capacidade de responder às solicitações diárias e muitas outras que me aparecem; depois em termos humanos somos só cinco pessoas. Também não é uma estrutura necessária para dar resposta a uma série de actividades que há no distrito, essencialmente isso. Tem havido um bom relacionamento e procura-se estabelecer parcerias com as autarquias e com o máximo de pessoas e, portanto, de forma a poder ultrapassar esses problemas. 

Nas suas actividades, sente-se muito a interioridade, a falta de acessibilidades, mesmo cá dentro, na região?

Sim. Sabe, aqui na região há problemas: fala-se no IP4, no IP2 mas, depois, há problemas de ligação a Bragança, à sede de concelho e até a certos concelhos, como se sabe. É o problema de Freixo de Espada à Cinta, de Mogadouro, quer dizer, Mogadouro a Macedo de Cavaleiros e Miranda do Douro; de Miranda a Vimioso; há uma melhoria de Vimioso para Caçarelhos, já abriu aquele troço; de Vimioso até à ligação ao IP4, que se faz por Argoselo, actualmente, Carção – Argoselo, aquilo a que o Presidente da Câmara aspira que acho que é muito importante para Vimioso e Miranda, com a ligação de Vimioso directamente a Outeiro. E depois a outros níveis. Penso que ainda é necessário investir muito, em termos de acessibilidades, aqui no distrito.

Até que ponto, um verdadeiro aeroporto, pode ser mais uma valia aqui na região, em termos turísticos?

É importante, em termos turísticos, a transformação do aeródromo que pode evoluir para um aeroporto regional. Hoje em dia, cada vez mais, temos de falar em termos de Europa, não estamos na periferia. Estamos mais perto da Europa do que estão Vila Nova de Gaia ou Viana do Castelo. Não nos devemos virar apenas para Lisboa ou Porto, estamos muito perto de Zamora, Valladolid, Salamanca, Madrid. Uma aspiração grande é que haja a possibilidade de ir daqui para França. Nós sabemos a importância e o número de emigrantes que há, e não só emigrantes. Também podemos falar de empresários franceses, interessados em investir aqui, na região. Uma coisa é demorar catorze horas de carro e outra coisa é, através aeroporto, chegar lá em três horas.
Penso que em termos turísticos era importante que o aeroporto pudesse ter outra dimensão. Evoluir no sentido de poderem ser utilizados outros aviões que não os que são agora. Mas, de qualquer maneira, hoje, em relação ao antigamente, já notamos a diferença. Eu já tenho feito isso algumas vezes. Tenho uma reunião em Lisboa às dez, saio daqui às oito e às nove estou em Lisboa vou de táxi para os locais e depois de almoço, às três, estou outra vez no aeroporto chegando a Bragança às cinco. Num dia fez-se uma série de trabalhos em Lisboa e evitou-se mil quilómetros, quinhentos para cada lado e o desgaste físico é mínimo. Hoje é diferente e penso que já há uma taxa de ocupação razoável. Um número de entidades e mesmo privados que utilizam o avião, reconhecem que há grandes vantagens.

É um meio de transporte mais rápido, se calhar, a nível monetário compensa…

Há alguns problemas, a natureza às vezes brinda-nos com dificuldades que impossibilitam a navegação normal e isso condiciona. Se eu tenho um compromisso obrigatório, onde tenho mesmo de estar amanhã, se não tenho a garantia de que o avião vem ou não vem, é claro que não arrisco e vou de carro mas, de uma maneira geral, acho que é bom. É importantíssimo para a região, não só para Bragança mas para todo o nordeste que, ainda haja muitas possibilidades para aumentar a qualidade do serviço, dos equipamentos etc. Há, por parte da Câmara Municipal de Bragança, a intenção de aumentar a pista e oxalá que seja possível concretiza-lo o mais depressa possível.

O desenvolvimento turístico da região é uma garantia de progresso para o futuro?

Sim, cada vez mais o turismo, por vários motivos. Como se sabe, felizmente, vivemos cada vez mais. A esperança de vida aumentou consideravelmente. Há uma diferença muito grande entre as pessoas que se aposentam agora e as que se aposentavam antigamente. Há uma maior apetência para as pessoas passearem, e ocuparem o seu tempo. Antigamente aposentavam-se e remetiam-se a esperar que a morte chegasse. Ninguém, ou muito poucos, pensava nisso. Hoje há uma grande apetência, dessa faixa etária, por ver outras coisas. É necessário criar as condições necessárias para atrair, também, esse tipo de turismo.

O desenvolvimento do turismo será o único caminho?

O turismo diz-se, às vezes, é a indústria do século. É verdade que, antigamente, a indústria e, a gente só falava nas fábricas. Depois passou-se pela crise e, não há dúvida, que cada vez mais, há na região, pessoas a viver, exclusivamente, do turismo. Em termos dos alojamentos nota-se um aumento significativo da oferta, não só em termos de turismo do espaço rural mas, na qualidade dos hotéis e residenciais. Estamos a falar em termos do distrito. Relativamente ao turismo do meio rural, isso tem a ver com a requalificação, com a recuperação do património que lá existia. É uma forma de fixar as pessoas à própria localidade o que, também, cria empregos. Muitas pessoas, devido ao stress da vida moderna, procuram silêncio e sossego sem descurar o conforto e a qualidade de vida.
Também se nota que as pessoas já não gozam, além daquilo que eu disse à bocadinho, relativamente aos aposentados, férias como antigamente, um mês de ferias seguido. Agora gozam-se férias repartidas, em dois períodos ou três períodos e há muita gente que faz férias em fins-de-semana prolongados. E o que se nota é que nesses fins-de-semana, aqui na região, há uma taxa de ocupação quase total, eu não direi nos hotéis e pousada, na pousada também com alguma frequência mas, por exemplo, ao nível do turismo rural, porque as pessoas, é nesse tipo de alojamento que se sentem bem porque convivem com as pessoas, etc.

Devemos, portanto, valorizar as diferenças na paisagem, na gastronomia. É nisso que aposta a região de Turismo?

A gastronomia tem sido uma aposta importantíssima porque entendemos que há estudos que demonstram que cada vez mais pessoas se deslocam para comer e nós queremos através da gastronomia, pelos produtos de muita qualidade que temos e muitos certificados de qualidade, como toda a gente sabe e, queremos através deles, trazer sempre mais gente. Os produtores da região não têm a possibilidade de consumir tudo o que produzem. O turismo gastronómico é uma mais-valia incalculável. Claro que quando vêm para comer, no intervalo das refeições vão passear ver os nossos monumentos, as nossas coisas, acabam por ficar para dormir. Queremos atraí-los cada vez mais e estamos a organizar uma actividade que nós designamos festival de sabores. Estamos satisfeitos com isso e penso que cada vez mais conseguiremos atrair mais gente e, digo-lhe mais uma coisa, também tem havido um grande esforço por parte dos empresários e começamos a sentir-nos orgulhosos da nossa restauração. Começa a haver unidades que proporcionam grande qualidade de alojamento, não há dúvida e, no que aos restaurantes diz respeito, temos restaurantes de muita qualidade, alguns ganham prémios a nível nacional e internacional. Estamos, nesse aspecto, na primeira divisão.

É caso para dizer que pela boca morre o peixe e eles cá virão todos…

Também temos bom peixe embora sejamos melhores nas carnes.

O nosso primeiro entrevistado, Augusto José Monteiro, sugeriu que se candidatasse a região histórica de Bragança a património mundial. O que acha da ideia?

É uma ideia interessante. Não conheço bem as condições, se realmente reunirá todos os quesitos mas, agora o que ali está… eu costumo dizer que não conheço outro espaço, principalmente, o castelo que, em termos nacionais, se lhe possa comparar. Há outros que são mais conhecidos, mais divulgados que aparecem em mais sítios e que não têm a dimensão que tem o nosso, a qualidade, a conservação e até o próprio museu que é o segundo ou terceiro, a nível nacional, em termos dos visitantes e depois a Domus Municipalis. Com a intervenção que está agora a ser feita com o projecto POLIS, vai valorizar ainda mais, algo que, por si só, tem um grande valor histórico e patrimonial. Acho que seria muito bom para a cidade se isso fosse possível.

Estava à espera de outra promoção quando a revista “Times” veio a Bragança e deixou a imagem da cidade marcada pelos piores motivos? Esperava outra promoção quando se deu com o Euro 2004?

Eu não posso ser a favor de uma coisa dessas. Sou contra a maneira como essa “publicidade” surgiu. De facto, o que ali foi dito, não representa a realidade que se vive cidade. Há alguns pontos, isso sabe-se mas isso acontece, naturalmente, por esse mundo fora. A existência dessas casas acontece com muito maior frequência noutros pontos do país, portanto, não é Bragança, a capital da prostituição. Eu disse, na altura, quase a título de brincadeira que, até podia ser processado por publicidade enganosa porque, se as pessoa viessem cá, sugestionadas pelo conteúdo da notícia, descobririam que a realidade não é essa. Mas, a verdade, é que foi uma imagem muito negativa que se colou à cidade. Às vezes, converso com os meus colegas, com outras pessoas pelo país fora e, fala-se de Bragança num tom meio jocoso de brincadeira. Penso que não foi positivo e, infelizmente, nesta semana, há sites na Internet que, de facto, associam à cidade, imagens dessa temática que realmente não são boas para a nossa imagem.
O Euro 2004, para Bragança, foi nada. Parecia que nós pertencíamos a outro país que não este.

Para o final e, porque o tempo já não é muito, que personalidade ou personalidades o marcaram mais ao longo da sua carreira?

Personalidades… Há pessoas, por exemplo, uma que ainda está viva, que eu acho que é uma referência para muita gente; João Paulo II. Acho que é uma referência o percurso que ele fez; o exemplo que nos dá. Uma personalidade que me marcou e me serve de guia, de exemplo.
Houve outros a outros níveis: futebolísticos, a nível político, etc., mas, se calhar, preferia ficar só com este.

Foi um prazer tê-lo connosco neste espaço “Nordeste com Carinho”. Até uma próxima oportunidade.

O prazer foi todo meu, e confesso que o tempo passou depressa.

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