terça-feira, 10 de abril de 2012
Neve
Este ano, a Páscoa revestiu-se de uma embalagem diferente. Nevou Sexta-feira Santa.
Para mim, que poucas nevadas vi, é sempre um espetáculo que aprecio. A brancura imaculada dos flocos que caem do céu transmite-me serenidade. A alvura espalhada pelo chão, antes de ser pisado por quem passa, transporta-me para histórias que ouvi em criança.
Os risos são soltos, leves e verdadeiros. Não vou dizer que não existem sombras no olhar... existem e continuarão a existir, mas tornam-se menos densas quando neva, quando jogo à pelotada, quando me deixo cair esquecendo o frio e rio, rio...
É bom ser criança, nem que por breves momentos, o seja.
A Serra da Nogueira estava lindíssima. As carvalheiras, ainda revestidas pelas folhas vermelhas do outono, mudaram de vestido, engalanaram-se para a dança de um inverno tardio. Os pinheiros, verdes, sempre verdes, dobraram os braços soçobrando ao peso da muita neve que os vestia. Personifiquei-os em risos cândidos, em olhares marotos, careteando cenas sandias...
Corri. Inclinei a cabeça, abri a boca e recebi na língua a frescura macia dos pequenos flocos.
As minhas mãos sem luvas agarraram porções de neve fria mas não tão fria como imaginava que seria. Fiz bolas de neve e atirei com elas ao meu irmão, mãe, cunhada. Levei com outras e corri, gritei, ri...
Há quanto tempo não ria... não um riso de circunstância, mas um riso, um riso a sério, um verdadeiro riso.
Se havia tristeza no meu olhar tão triste? Sim, mas iluminou-se. Brilhavam cintilantes flocos caindo do céu na negritude do casaco que me protegia.
A capa azul do telemóvel brilhava-me na mão quando parava para fotografar a beleza que me rodeava. Helen fazia um anjo deitada na neve. Minha mãe admirava o que há muito não via. Recordava outros tempos de frios medonhos, sem agasalhos que amparassem os sonhos. O meu irmão Eduardo engenheirava um boneco de neve.
O registo ficou em formato digital. Passeia na net para quem quiser ver. Mas a impressão que não se pode vislumbrar, foi a que mais indelével ficou.
Talvez não se esqueça, apenas adormeça, que a vida não pára e o bulício dos dias e noites que, inexoravelmente, passam, remete para as gavetas traseiras, a lembrança inesquecível deste dia.
Mara Cepeda
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