sábado, 14 de abril de 2012

Entrevista: Ramiro Pires ou Orimar Serip - Mágico


Vamos chamar à sua entrevista “À Procura da Magia”. Tendo nascido em Fontes de Trasbaceiro, que recordações guarda da sua meninice?

Da aldeia de Fontes não guardo, praticamente, recordações de infância, uma vez que quando tinha dois anos fui para Angola, Luanda. Portanto, essa idade não deu para relembrar alguma coisa e as coisas que eu sei foram-me contadas por amigos e familiares.

E essa infância em Angola?

Fui crescendo, numa infância como todas as outras, fui brincando. O tempo lá é totalmente diferente, acho que há mais espaço, parece que o dia em vez de ter vinte e quatro horas tem quarenta e oito horas. Parece que não pára e, como disse há bocado, uma infância como todas as outras quando nós somos pequeninos e brincamos com os pequeninos da nossa idade. Foi, foi muito boa.

Em que diferiu a sua juventude da que se vive actualmente?

Acho que, actualmente, as pessoas são um pouco mais desconfiadas por causa da sociedade. Pensam mais nelas próprias do que no grupo. São mais individualistas. Na minha juventude era diferente, havia mais confiança mútua entre as pessoas.

Enquanto estudante do ensino secundário, sentiu que houvesse consciência política no meio estudantil em Bragança?

Havia um certo receio nessa altura em termos políticos, mesmo hoje ainda há, mas nessa altura notava-se muito mais, porque realmente o 25 de Abril estava muito fresco.

Havia ainda rumores da ditadura...

Sim, havia ainda esses esboços todos.

Desde a frequência do ensino secundário que o “bichinho da magia rói as entranhas do ego “. São palavras suas, fale-nos do despertar desse “bichinho” da magia.

Esse “bichinho” começou realmente em Angola. Como eu frisei há bocado, eu era um bocado traquina, ia aos circos e, quem não gosta de circo, não é? Na altura, nesses circos, agora raramente acontece, havia os mágicos, ou seja, os magos, como eram denominados então. Impunham um certo respeito quando as pessoas olhavam para eles, era mítico mesmo. Então havia circos, o circo Mágico, o circo Universal, que paravam muitas vezes perto de minha casa e eu, como traquina que era, mais os amigos da minha idade, gostávamos era dos mágicos, íamos para as rolotes deles espreitar. Íamos ver quais os segredos que despontavam pois, na altura, não percebíamos muito bem o que é que o mágico, de costas para janela da rolote, estava a fazer. Agora sei que estava a preparar os espectáculos da noite mas, na altura, a curiosidade era tanta, porque via os pombos a aparecer, os lenços, as flores e, dava-me uma curiosidade imensa.
O “bichinho” nasce aí. Gostava também dos palhaços mas, nasce aí o fazer sonhar, o estar envolto em coisas que com um toque de dedos apareciam, ou seja, aquilo para mim era o diferente, o mágico do sonho e, despertou assim a minha curiosidade.

Além da magia enveredou, também, por outros caminhos que vão desde a ventriloquia, pelo teatro, passando por concursos de desenho e pintura e, vestindo, ainda, a pele de palhaço. Fale-nos desse seu percurso.

É um percurso um bocado confuso, porque eram muitos caminhos a seguir e, por vezes, ou se segue por um ou por nenhum. Mas consegui acarinhar esses caminhos todos. Na altura do palhaço era só o palhaço exactamente, mas depois vinha a pintura e era só a pintura exactamente, o teatro em que tinha os ensaios com horas marcadas. Ficar parado é o pior que pode acontecer ao ser humano e tentei meter-me em várias coisas ao mesmo tempo, sempre a dar o meu melhor. Portanto, esse caminho foi agradável mas, hoje já não tenho estofo para tantos caminhos, bastam um ou dois.

Esses caminhos desembocaram apenas em um. A magia é o seu caminho?

Esses caminhos, hoje, são pura e simplesmente a magia. Na pintura, alguns retratos a carvão, mas neste momento é só a magia.

E o “Zé Marinho”?

O “Zé Marinho”, neste momento, está a descansar. Um dia destes vou retomar com ele porque já está farto de estar sentado no meu quarto, onde tenho todos os meus aparatos mágicos, os meus livrinhos, todas as cassetes, portanto, um dia destes, penso fazer uma “perninha” com ele. (Zé Marinho é um boneco de ventríloquo.)

Para matar saudades ou mais a sério?

Matar saudades e aplicar outras técnicas de que, na altura, não me apercebi, porque eu era autodidacta nesse aspecto e agora quero ver se pego nele de outra forma.

Em 1998 ganhou o prémio de criatividade e originalidade do festival internacional de ilusionismo mágico de Valongo, que contou com a presença dos melhores mágicos do mundo. Foi a recompensa de todo o trabalho desenvolvido ao longo da sua vida?

Sim, foi a primeira vez que concorri porque esse festival internacional de magia tem galas de magia, tem feiras mágicas, tem muitíssimas coisas e tem concurso de mesa ligado à magia que é o “Close-Up”. Tem concurso de palco que foi onde concorri e foi exactamente ai que me deu ânimo para continuar o meu percurso.

E qual é a sensação de ganhar o festival onde há tantos mágicos do mundo inteiro?

É uma sensação muito agradável, muito boa. Liberta-nos muita coisa de cá de dentro e pensamos em não desistir. Não dá para desistir… foi aí que percebi que tinha de continuar. É isso que eu aconselho a toda a gente, nunca desistir. As pessoas reconheceram o trabalho que eu tive, o trabalho foi recompensado, valeu a pena e não me vou encostar.

Falámos há pouco da ideia que se tinha dos magos antigamente. A ideia desvaneceu-se um pouquinho, as pessoas hoje já não têm aquela ideia tão mística sobre o que é um mágico, uma ideia mais altiva por assim dizer, não é?

Já não há essa ideia tão altiva, tanto é que eu nos espectáculos para as crianças, demonstro que o mágico é de carne e osso pois, muitas vezes, até lhes dou o braço para eles sentirem e para que vejam que o mágico é de carne e osso, que é um ser como elas, que tudo o que faço no palco é preparado previamente.
E onde é que tudo isso está escrito?
Nos livros, nas ideias das pessoas, portanto, esse ar altivo desvaneceu-se. E ainda bem que se desvaneceu porque as pessoas olham para o mágico de uma outra forma, como uma pessoa normal.

A magia já não se inventa, está tudo inventado ou há sempre novos truques para inventar?

A magia irá sempre ser inventada, porque eu tenho uma ideia sobre qualquer coisa, logo eu tenho que inventar qualquer coisa para que aconteça, para que os “pozinhos mágicos” façam com que essa invenção resulte. Há sempre coisas novas a surgir.

E nos grandes espectáculos, perderá, a magia, a sua essência?

Não, antes pelo contrário. No aspecto de se considerar o mágico como uma outra pessoa, como actor, como artista, como cantor, acho que não perdeu, antes pelo contrário, ganhou. Não tem é aquela imagem que tinha antigamente.

Era de medo a imagem antigamente?

Para mim, era o respeito pela pessoa. Agora chegam as crianças e perguntam pelas coisas. Ainda hoje aconteceu na escola, as crianças estão no ATL e dizem “Olha o mágico!”, e vieram ter comigo, pediram-me truques e eu sem qualquer problema fiz os truques para eles. Naquele tempo eu olhava para cima do ombro e não ligava, portanto, o mágico era um ser difícil de alcançar.

Podemos dizer que a arte é a sua vida?

Sim, podemos dizer que sim.

O que é a arte?

A arte é o estar aqui, por exemplo. O pensar, o estar aqui neste momento, é para mim, arte. A arte é a forma como se vê as coisas.

Tem levado a sua arte um pouco por todo o país. Como é ser “saltimbanco” dos tempos modernos?

Com a carrinha já é diferente, não é a cavalo. Estamos mais próximos de tudo, já não é o reunir as pessoas para ver o espectáculo, já há uma certa publicidade no meio disso tudo. Existe a Internet e já se sabe que no dia X vai acontecer o tal “saltimbanco”, o tal espectáculo. Agora é totalmente diferente.

Hoje é tudo mais perto…

É tudo mais perto, mas ainda devíamos estar mais.

Fale-nos um pouco de um grande mágico, Houdini.

Houdini, foi o maior de todos no seu tempo. Foi ele que revolucionou a magia, foi o que separou o tal mago. Foi ele que, com a magia moderna que fez com que as pessoas começassem a ir aos espectáculos de outra forma. Foi e será sempre um grande senhor da magia.

Pode-se dizer que ele foi o homem que aproximou a magia das pessoas?

Exactamente. Foi ele que pôs a magia mais próxima. Foi ele que, realmente, pôs toda a magia que está à volta das caixas, das correntes… foi ele que inventou, que fez, etc. Foi um ser muito produtivo, o rei dos mágicos.

Quem é que o Ramiro apontaria como grandes mágicos em Portugal?

Há vários, há vários. Claro que vocês estão a pensar no Luís de Matos. Claro que foi uma pessoa que também mudou o espírito, a maneira de pensar cá em Portugal, em termos de magia. Foi ele que aproveitou bem, eu digo aproveitar no bom sentido, aproveitou bem a oportunidade que lhe deram na televisão. Por isso, o meu aplauso para ele que fez que os portugueses pensassem a magia de forma diferente.

Ele veio um pouco na onda de David Coperfield, não é?

Exactamente. Fez com que a magia chegasse também mais próximo do povo português. Agora, considero que há vários mágicos como o David Sousa, o Mário Daniel que esteve aqui a actuar há pouco tempo.

E que também é transmontano.

Sim, também é transmontano, da Régua. Esteve aqui a fazer uma gala internacional de magia, lembrou-se de mim, também me convidou. Portanto, temos vários, temos o Ivo do Porto, que é um senhor, que deu uma postura muito vertical à magia, cujo nome artístico é “Fredy Allen”. É também um nome marcante da magia.

“As crianças são, por excelência, o público mais fiel e verdadeiro.” Mais uma vez, são palavras suas que nos levam à próxima pergunta. É o mundo da magia um mundo de inocência, de fantasia?

Sim. Eu, quando escrevo um espectáculo para crianças, tenho que ter um certo cuidado em utilizar certos materiais e, tenho que chegar à idade deles, tenho que saber o que é que eles querem, o que eles gostam. Claro que isto já vem da prática que adquiri. Tenho que baixar à idade deles, ou seja, tenho que ter uma criança dentro de mim.

Despertar a criança que há no mágico?

Sim, despertar a criança que há no mágico.

Bragança teve, há alguns anos, uma tradição circense muito marcante. Tempos houve em que se juntavam três circos. O que pensa da hipotética criação de uma escola de circo em Bragança?

Por acaso nunca tinha pensado nisso mas, realmente, é uma boa ideia, uma óptima ideia. É uma ideia de se tirar o chapéu. Seria uma maneira de conseguir colocar jovens que há por aí.

Sem animais...

Sim, o circo faz-se sem animais e muito bem. Era uma óptima ideia. Há aí jovens que muitas vezes sabem o que querem fazer mas não sabem como. Acho que era uma boa altura de ocupar um certo tempo e, porque não com uma escola de circo.

Que cultura se faz ou não se faz por cá?

Quase nenhuma. Tem havido, ultimamente, uma pequena luta em termos de cultura. A cultura tem chegado mais facilmente, mas ainda é muito pouco a cultura que se faz cá.
Havia falta de espaços culturais onde fazer espectáculos e exposições?

Havia falta de espaços e aqueles que havia não eram aproveitados mas, agora, há espaços e vamos acreditar que vai haver mais cultura do que até aqui.

Em que aspecto?

Exposições, espectáculos teatrais… tudo faz muita falta a uma cidade.

Em sua opinião faz falta aproveitar melhor os espaços criados?

Sim, sem críticas para ninguém, mas faz falta. A luta que se está a fazer é muito boa, muito produtiva, está bom mas pode ser melhor.

Temos um grande teatro municipal, um teatro que não é só para Bragança mas para todo o concelho. Na sua opinião está a ser bem aproveitado?

Se está a ser bem aproveitado...

Em termos de espectáculos…

Devia haver mais, mas eu penso que é difícil calendarizar porque têm prazos e, daí se estarem a fazer poucos espectáculos, penso que é por isso. A luta tem de ser de todos.

E também se observa que os espectáculos que normalmente vêm ao teatro de Bragança são caríssimos, não é?

Exactamente. Esse é outro problema. Os espectáculos têm que ser pagos mas, realmente, são caríssimos para o público transmontano, para o público comum.

Não seria magia se o poder central fizesse desaparecer Trás-os-Montes do mapa. O que temos de fazer para que isso não aconteça?

É preciso fazer e não prometer. Devia-se fazer mais do que aquilo que se tem prometido. As vias de comunicação deviam ser feitas, devia haver mais proximidade às cidades maiores. Devíamos estar mais próximos do poder central que está tão longe. Estamos, por exemplo, mais perto aqui de Madrid e, não é numa IP4 que para mim, está muito mal traçada… deviam ligar mais um bocadinho aos transmontanos.

Que magia utilizaria para nos transformar numa região próspera, capaz de criar condições de vida dignas para todos os habitantes e, capaz de atrair novas gentes, de maneira a colmatar a desertificação?

Realmente as vias de comunicação. Eu acho que é difícil arranjar “pós mágicos” para isto, mas com o seu tempo acho que se conseguiria. As promessas não levam a lado nenhum, não gastar dinheiro em coisas supérfluas que nós sabemos todos quais são e, que realmente liguem mais a estas povoações.

E as aldeias de Trás-os-Montes? Essas que, cada vez, ficam mais pequeninas, que têm falta de acessibilidades, as vias no sul do distrito que, cada vez, está mais desertificado.

Sim claro, mas isto estamos nós aqui a sonhar. Deus queira que aconteça.

E em termos industriais, o governo devia apostar numa política qualquer de discriminação positiva?

Devia apostar em empresas, em fábricas, empregar mais pessoas, porque realmente o que se ganha, em termos de subsídios, não dá.

O que pensa da criação da Universidade de Bragança?

Penso bem. É também uma forma de cativar e de trazer mais pessoas, mais estudantes, mais vida.

Voltando à magia. Quais são as principais dificuldades que tem enfrentado na sua vida artística?

Como mágico é ter os materiais pois, apesar da maior parte deles ser eu a construir, era ter uma casa de artigos mágicos mais próxima. A vontade das Autarquias e Juntas de Freguesia acreditarem que a magia também faz falta, pois preferem ir buscar pessoas fora ao invés de aproveitarem o que têm em Bragança.

E os espectáculos direccionados para as escolas?

Era bom levar a esses sítios o espectáculo de magia porque, enquanto há espectáculo todas as pessoas esquecem um pouco os seus problemas e no momento em que há um espectáculo, no meu caso, magia, essas pessoas são levadas a sonhar um pouco e a esquecer os problemas.

Para terminar, diga-nos, por favor, que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?

Os meus pais. Não posso colocar ninguém, na terra, por cima deles. A minha mão, o meu pai, foram as pessoas que deram tudo, muitas vezes sem poderem. Gostava também de agradecer, já que estamos a terminar este carinho, à Mara, ao Marcolino, ao Rui por esta entrevista e, também, à minha companheira que me atura, a Isabel Madeira, “A Belinha” e aos meus amigos.

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