sexta-feira, 27 de abril de 2012

Entrevista: Doutor Maurício António Vaz - Economista

É natural de Celas, concelho de Vinhais. Fale-nos das suas recordações de infância e adolescência.

Celas, concelho de Vinhais mas, do lugar de Negreda, que é uma aldeia a cinco ou seis quilómetros de Celas e é anexa a esta freguesia. De facto a minha infância foi vivida entre Bragança e Negreda que fica situada nos limites dos concelhos de Vinhais, Bragança e Macedo de Cavaleiros. Faz parte destes concelhos embora administrativamente pertença a Vinhais e a minha infância foi vivida entre Bragança e Negreda. Estudava, ou fingia que estudava às vezes… Que remédio, quando se aproximavam os exames que, enquanto estudantes, teríamos de fazer um exame e ter resultados positivos para passar mas, feito o exame, não era preciso passar a vida com os livros nas mãos. A minha infância foi, de alguma forma, quando digo infância digo até aos treze, catorze anos é idêntica à de muitos outros. A situação económica era complicada. Havia dificuldades, muito embora a minha mãe fosse professora e o meu pai, de alguma forma, empresário, era um dos mais beneficiados lá na aldeia, mas as dificuldades eram muitas. Eu próprio, quantas vezes nas férias, no Carnaval, no Natal, na Páscoa e nas férias grandes tinha que assegurar, desde muito jovem, a partir dos nove, dez anos, o funcionamento da casa agrícola, porquanto, o meu pai dedicava-se a outras actividades e de alguma forma ia ficando descurado esse trabalho. De maneira que, falar em infância e a ideia que se tem hoje de infância… foi uma infância que não existiu como existe hoje ou como eu pude proporcionar aos meus filhos, porquanto, eu tive que ser adulto muito à pressa. Ser responsável por essa casa agrícola entre os doze e os dezoito anos.

Começou a trabalhar bastante cedo…

Muito cedo nas chamadas férias porque, de resto, eu estava em Bragança em casas particulares. Em Bragança, na actividade académica, também tinha que ter resultados e era difícil porque estava sozinho, os apoios eram escassos. Como tantos miúdos na altura, a gente lá foi passando o nosso tempo e conseguindo singrar, com pontapés de um lado e de outro e foi assim que se foi construindo uma infância que depois começaram a exercer outras funções nomeadamente militares. Na escola primária, no agora chamado quarto ano de escolaridade, como a minha mãe era professora, eu acompanhava-a para todo o lado e passei a primeira classe em Negreda, a segunda em Celas, a terceira e quarta classe em Ousilhão e depois fui para Bragança onde participei em diversas actividades. Envolvi-me desde cedo em actividades diversas, nomeadamente de escuteiro. Foi uma boa escola do agrupamento dezoito e estive lá desde os dez, onze anos até aos dezassete, dezoito. Depois na equipe diocesana na JEC, fui presidente dessa equipe diocesana, presidente distrital. Já na altura os escuteiros funcionavam um pouco como oposição à mocidade Portuguesa. Tínhamos que estar fardados. Podíamos não saber muito bem porque é que era essa oposição mas sabíamos que existia alguma. Fazíamos contraponto e sabíamos que éramos melhores e foi assim que foram sendo desenvolvidos alguns contactos, fizeram-se alguns amigos que se mantiveram e foi percorrido este tempo até aos dezoito anos em que fui para a Universidade. Comecei por ir para Lisboa, para o Instituto Superior Técnico. Isso foi, um bocado, resultado do trabalho desenvolvido enquanto membro da equipe diocesana. Desenvolvemos um projecto que tinha a ver com chamar técnicos que elaboravam os  perfis psicológicos  e técnicos dos alunos que  iam para o sexto ano ou que iam para a Universidade para definir qual deveria ser o perfil futuro em termos profissionais. Isso aconteceu e era apontado para as engenharias e para a medicina, dava quase para tudo. Estava na chamada alínea f e isso permitia, de facto, uma panóplia muito grande de escolhas. A economia surgiu principalmente porque, em resultado do Maio de 68 em França, eu comecei a ter alguns contactos desse movimento e acabei por me matricular no Instituto superior Técnico em Lisboa, em engenharia, mas foi ficando o bichinho das questões sociais e das preocupações sociais a que não seria alheia a minha origem porque eu tinha sido o primeiro garoto de Negreda que conseguiu ir para o liceu e isto é algo que mexe connosco, daí que comecei a apreciar e a gostar das questões sociais e em Lisboa no Técnico, desde muito cedo, no primeiro ano tive intervenção ao nível dos movimentos estudantis. No Instituto Superior Técnico havia um movimento académico muito forte, que consegui fechar antes do 25 de Abril, durante um semestre o que não era fácil. Fui director do QUEDUL, era o desporto universitário de Lisboa, que de alguma forma, punha em causa o que era tradicional o que era assumido como tradicional ao nível do papel do desporto na sociedade. Tivemos, na altura, uma entrevista que foi muito polémica no “Jornal República” onde, num suplemento de desporto que existia às quartas-feiras, o suplemento foi inteiramente preenchido pelo QUEDUL e pelos directores do QUEDUL onde tive também uma participação activa. Curiosamente, sobre esta matéria, o segundo número do “Jornal Expresso” que foi lançado em 1973, trazia uma referência a essa entrevista. Isto significa que, desde muito cedo, houve a oportunidade de ter preocupações que não se limitavam a preocupações meramente técnicas ou no âmbito das engenharias.
Entretanto, o resultado destes movimentos, desta situação que se viveu com o encerramento do Instituto Superior Técnico por um semestre, nós tínhamos um problema que era ter, anualmente, que pedir o adiamento do serviço militar para efeitos de prosseguimentos de estudos e deveria ser pedido até Outubro de cada ano e como o primeiro semestre começava em Março, o segundo começava em Outubro, ou seja, uma boa parte dos estudantes não puderam pedir adiamentos nesse período, o que significa que eu em 1973 tive que ingressar no serviço militar. Não me foi concedido o adiamento, fui seleccionado para a especialidade que me foi atribuída e aí vou eu para Angola, a 23 de Janeiro de 1973 à meia noite menos cinco e fiz questão de que fosse à meia noite menos cinco porque era até à meia noite que se podia entrar na tropa. Aí vou eu para Mafra fazer a especialidade, fazer a recruta. Em 8 de Maio já estava em Luanda para o exército colonial. Passei os dois anos seguintes em Angola. O 25 de Abril apanhou-me em Angola.
É só a partir da tropa que eu regresso a Economia, precisamente porque era permitido a quem tivesse feito o serviço militar lá fora, tivesse feito parte do curso anterior em qualquer universidade do país, podia mudar de curso e, dessa forma, mudo para Economia no Porto porque era aquilo que eu gostava e é o que eu tenho feito desde sempre.

Durante todo esse tempo não se sentiu perdido, longe da sua terra?

Desde os dez anos que me habituei a viver com o dinheiro que tinha e para fazer este percurso todo sozinho, é verdade que têm de surgir situações e surgiram muitas em que… um exemplo: estando em Lisboa no Técnico, a dada altura, entre estudar ou fazer qualquer coisa, trabalhei durante duas semanas, quando devia estar a estudar e a fazer cadeiras, IMPRIMARTE, em Queluz de baixo porque nos pagavam trinta escudos à hora, a trabalhar dia e noite, a fazer livrinhos para mandar para Inglaterra para grandes superfícies ou grandes super mercados. Ainda não havia as grandes superfícies que existem hoje. Um dos livros que eu me lembro que fizemos era o Charles Dickens para fazerem como ofertas de Natal e era trabalhar durante 24 horas por dia, excepto das sete às oito da manhã e das sete às oito da noite que eram períodos que era mudanças de turno; havia uma outra hora que também era intervalo. Por dia facturávamos 21 horas. O que aconteceu foi que depois de nós… foi um grupo de estudantes que foi para lá… depois de nós termos ido para lá resolver este problema pontual de produção da fábrica aconteceu que os trabalhadores entraram em greve eventualmente por culpa nossa.

A partir de 1980 os correios ocupam um lugar muito importante na sua vida. Fale-nos dessa experiência.
Fiz a licenciatura no Porto, numa altura de que gostei muito e também, de forma muito intensa, me dediquei ao curso onde fiz muitos amigos. Estávamos numa altura que coincidia com a chamada descolonização. Tinha muitos compatriotas das ex-colónias e tinha sido assumido que tinham prioridade de emprego donde, a dificuldade que subsistia para quem estava cá, era grande. Na altura, concorri para os correios. Posso dizer que recebi o telegrama dos correios mas, nunca imaginei que estava a ir uma entrevista. Tinha ido à praia e aquela entrevista foi à tarde. Vinha com umas calças Lois que não era rotas mas rafadas com uns buraquinhos, com uma camisola Lacoste, também, nas mesmas condições e um bocado desgrenhando, porque eu imaginava que não fosse. Quando começo a subir para o sétimo piso e vejo aquilo um bocado imponente fiquei um bocado assustado. As pessoas entrevistam-me e eu lá vou respondendo a algumas questões. Dizia-se: “Isto é tudo cunhas” e não sei quantos… Eu não conhecia, rigorosamente, ninguém. Conhecia uma pessoa que estava em Bragança mas que não tinha acesso, rigorosamente, a nada porque estava no atendimento e também estava muito preocupado com isso. Não fazia parte da elite. Na altura, viviam-se outros tempos e nós vivíamos de forma intensa esses tempos. Sou chamado. Fazem-me algumas perguntas a que vou tentando responder da forma que sabia. A dada altura dizem-me: “É para fazer isto”… Eu tinha concorrido para o Porto, onde vivia, mas dizem-me que também era para Bragança. “O senhor não é de Bragança?” – “sou”. – “E então se for para Bragança?”. Foi o primeiro choque, porque eu não estava à espera de vir para Bragança. Já com um certo à vontade, pus de lado o papel com as funções que era para desempenhar e digo à pessoa: -“Olhe que eu disto não sei nada! Se é para fazer isto, eu nunca fiz” – “ Mas vai para lá. Não se preocupe que se fez o curso como fez, não tem dificuldade em aprender isso.”
E foi assim que aconteceu a minha vinda para Bragança. Antes havia dado aulas no secundário e no preparatório. Já tinha tido algumas experiências empresariais antes. Quando fiz o curso, a vontade era dedicar-me à actividade empresarial ou económica e agarrei com empenho esse desafio. Passado um mês, dois meses estava já, de facto, em Bragança, no chamado departamento postal. Na altura, fui colocado como responsável pelas áreas de planeamento, finanças e recursos humanos, que era qualquer coisa como uma unidade que envolvia seiscentas pessoas, toda a região de Trás-os-Montes e parte do Alto Douro o que de alguma forma era importante. Passados seis meses dessa data sou convidado a dirigir, no seu todo, o departamento postal de Bragança, isto em Junho de 1981 e embora tivesse dito: - “Bom é capaz de haver outras pessoas para desempenhar essas funções”. Foi me dito: - “Não, queríamos que fosses tu. Nós queremos introduzir um novo desafio de gestão na empresa.” “Sim senhor.” Agarrei esse desafio e vamos ao trabalho.
Nunca tive problemas em relação ao trabalho. Mais difícil do que o trabalho em si foi gerir as relações de interesses internos e externos. Eu tinha vinte e seis ou vinte e sete anos na altura, era um fedelho e ter a responsabilidade de dirigir seiscentas e tal pessoas assustava um bocadinho, mas não tive problemas a esse nível. As coisas correram, francamente, bem e os resultados foram positivos. Fez-se uma equipe que foi considerada universidade prática em todo o país, donde saíram quadros para diversas empresas, governos, EDP, para várias empresas e vários serviços que ainda hoje estão em lugares de destaque e que foi, para mim, uma escola de aprendizagem muito grande, que me permitiu estar um bocado à vontade nessas coisas.
Dizia eu que, para mim, o difícil não foi o trabalho e a direcção da casa ou cumprir os objectivos que estavam desenhados quanto gestor dos CTT, aqui, na região. O difícil foi conseguir conciliar interesses dentro da própria organização que conflituavam com os interesses da organização, mas que interferiam e, cada vez mais, com a parte politica, o que foi perfeitamente desagradável e, também, envolvente no meio externo, nomeadamente onde nos situamos, na nossa vida privada e pessoal, que não devia interferir em nada mas que acontecia. Por exemplo: se fosse a uma discoteca, no dia seguinte toda a gente sabia que o Maurício, o Director do Departamento Postal tinha ido à discoteca e era objecto de comentários e mexericos. Era entendido como alguém que não tinha responsabilidade. Isto passou, felizmente.
Tive uma outra experiência que muito me honra e que hoje estou a desempenhar que foi com a criação do Instituto Politécnico de Bragança onde, de facto, me foi permitido fazer algo de que gosto muito, que é ensinar, que é comunicar, que é de estar com a juventude e coincidiu também com a criação do Instituto Superior Agrário e do primeiro curso de Gestão de Empresas Agrícolas e em 1987, o então presidente do Instituto, o Professor Lima Pereira convidou-me para ajudar lá um bocadinho. Era muito complicado porque nos pagavam mal. Lembro-me, perfeitamente, o que lhe respondi: - “Oh Professor, não tenha problemas nenhuns”. Recordo-me que, na altura, eu próprio ganhava mais que o Presidente do Instituto na função que desempenhava e tinha mais regalias. Ele tinha, de alguma forma, alguma dificuldade em me aliciar para lá. De facto, não se pagava grande coisa ou pagava-se muito pouco. E eu respondi: - “Não tenha problemas nenhuns, eu pagava para me deixarem dar aulas. Esteja à vontade, não é preciso entrarmos por aí”. Com muito orgulho aceitei o convite e foi o que fui fazendo a tempo parcial, obviamente.
Quantas vezes, aos sábados, numa sala que se chamava a vacaria, que ficava por baixo do actual bar dos trabalhadores do Instituto, às oito da manhã de sábado, com neve, frio e gelo a sala estava atulhada, o que era francamente animador para continuar. E foi desta empatia que foi sendo estabelecida com os estudantes e um certo gozo de ver o Instituto crescer que foi sendo desenvolvida a minha actividade de docente e desenvolvido também o gosto por esta actividade académica mesmo ao nível da investigação que é o que eu mais faço e ao que me dedico.

A partir de Janeiro de 1994, em simultâneo com as suas outras actividades, dirige o Gabinete de Estudos e Projectos do IPB e a ACIB, Associação Comercial e Industrial de Bragança, coordenando a elaboração de projectos como o PROCOM, visando apoios comunitários. Quais foram os resultados práticos, para a região, da implementação desses projectos?

Voltando um bocadinho atrás, este percurso nos CTT durou até 1991, altura em que, por razões diversas, foi entendido que não deveria estar em Bragança e deveria ser transferido. Entenderam que não deveria ser o director depois de quase onze anos e deveria ir para Lisboa. Recusei a ida para Lisboa e passei a dedicar-me ao Instituto Politécnico a tempo inteiro e conclui o mestrado em Economia Industrial e da Empresa na Faculdade de Economia do Porto de 1991 até 1994, ano da conclusão.
Entretanto, confesso que só as aulas em si não chegavam para mim, embora goste muito de comunicar e de estar com os alunos e notei que havia uma falha no que diz respeito à actividade da ACIB, relativamente ao apoio que podia prestar como auxílio económico e empresarial à região e falei com o Presidente do Instituto Politécnico e constituímos um grupo de trabalho com vista a potenciar o trabalho que poderia ser feito para o tecido empresarial da região. O projecto, no âmbito do PROCOM, foi apoiado e a constituição de um gabinete com quatro técnicos na ACIB foi executada.
A partir do momento em que a orgânica e o modo de trabalhar foi assimilado, eu próprio saí. Deixava de se justificar a minha presença lá, até porque havia algumas dificuldades, designadamente, em termos de remunerações, honorários, essas coisas, aos diversos parceiros que pudessem interessar e eu passei a dedicar-me, mais uma vez, ao Instituto tentando desenvolver ali, uma unidade que permitisse aos alunos estagiarem antes de serem lançados no mercado de trabalho. Terminavam o curso e estagiavam lá. Este projecto durou um ano e tal, mas não foi possível concretizá-lo por dificuldades administrativas e legais, ou seja não era possível fixar pessoas e integrá-las no quadro, ou seja eram duas pessoas que eu queria no quadro, duas pessoas que eu queria, garantidamente, porque dá alguma sustentabilidade a uma estrutura deste tipo. Envolvia ex-alunos, envolvia professores mas não foi possível encontrar formas de fixar os ex-alunos no quadro desta estrutura e, como tal, o que acabou por acontecer, por sugestão dos alunos, foi a criação de uma empresa à qual dei corpo e que, ainda hoje, faz aquilo que me foi possível fazer no Instituto, que é uma empresa que tem os seus interesses, do ponto de vista de ter lucro, que emprega dez pessoas, todos ex-alunos e que faculta estágios e apoia alguns gabinetes que existem pelo distrito de forma a garantir que introduzimos alguma qualidade na prestação de serviços e garantimos alguma competitividade nas empresas da região.
Do ponto de vista prático, quer seja na ACIB, quer seja nesta empresa, o que tem acontecido, é que a ACIB já consegue trabalhar por ela própria e penso que tem vindo a desempenhar um papel activo nos últimos anos, bem superior àquilo que era o papel de uma associação comercial e industrial. Hoje, de facto, pode desempenhar e desempenha um papel mais interessante. A ACIB acompanhou o desenvolvimento do projecto que foi confundido com o trabalho da Câmara mas que é da ACIB com o apoio da Câmara e do comércio.
Da nossa parte, nos dez primeiros anos desta empresa, ultrapassámos o meio milhar de projectos e iniciativas em toda a região. Quantos mais não temos até à data? Eu imagino o que seria a região se não tivessem aparecido iniciativas deste tipo a promoverem o investimento e a facilitá-lo. Estaríamos muito pior do que estamos hoje, com certeza.
Costumo dizer que há duas formas de vermos as coisas. Uma é falarmos ou escrevermos sobre o desenvolvimento regional, outra é actuar para que haja, de facto, canalização de meios financeiros aqui para a região. Se queremos garantir que a região tenha algum sucesso têm de acontecer, pelo menos, duas coisas: eu já disse isto há quase trinta anos, numa conferência para a qual fui convidado em que dizia que, isto em 86, 87, se queremos que a região se desenvolva é preciso que os políticos assumam duas coisas: A primeira é que definam com objectivo prioritário que é preciso olhar para esta região ou as regiões do interior. A segunda é que este objectivo, para a sua concretização, implica gastar dinheiro na região e não há outra forma de o fazer. O nosso papel tem sido tentar fazer com que se gaste dinheiro na região e bem gasto, de preferência.

A partir de Dezembro de 97 é convidado a participar na implementação na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, criada no âmbito do processo de reorganização da empresa CTT, sendo nomeado director regional. Fale-nos desse processo.

Foi mais uma experiência ligada aos CTT. Na altura estava muito descansado porque tinha tido um pedido para participar na direcção regional de agricultura, na organização dessa mesma região e telefona-me o administrador dos CTT a dizer: - “Maurício, precisávamos de si.” ”O que é que vocês querem agora?” Haviam passado cinco ou seis anos depois de ter saído. – “Precisamos de si. Queríamos criar aí uma região.” “E a que propósito?” “Uma Direcção Regional. É que está em curso o processo de regionalização e vamos ter a região de Trás-os-Montes e Alto Douro.” Era na altura que se discutia a regionalização. E a resposta que lhe dei, de imediato, foi. – “Ok, sim senhor, desde que seja criar uma região neste processo de regionalização, eu estou inteiramente disponível. Só há duas condições: uma delas é que eu não prescindo da ligação ao Instituto a outra está relacionada com a formação e investigação que desenvolvo, a partir daí contem comigo.”
E foi assim que em Dezembro de 97 sou nomeado Director, é cessada a minha direcção de serviço que desenvolvia na Direcção Regional de Agricultura, embora sempre acumulando com as minhas funções de professor no Instituto. Sou nomeado director desta região comercial onde me mantive até 2004. Foi um trabalho extraordinariamente aliciante. Eu que havia saído dos Correios, de alguma forma, desagradado, infeliz até, porque fui maltratado nesse período. Saí um bocado por infâmia e má figura. Neste segundo período, dependia directamente de Lisboa. Relacionava-me bem com a administração. Foi possível fazer em cinco anos, muita coisa bem feita em termos de Correios aqui, na região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Algumas coisas ficaram por fazer, nunca se faz tudo mas, foi possível dar um impulso muito grande desde o rejuvenescimento da população trabalhadora até às instalações, equipamentos, até à forma como se era atendido ou não era atendido.
Foi um período que eu considero do ponto de vista pessoal e profissional áureo, também com o conhecimento que já vinha tendo, já não era um aprendiz de feiticeiro. Eu entendi que devia trabalhar de acordo com aquilo que eu próprio pensava e achava que devia fazer. Isso passou pelo envolvimento das pessoas. Quando cheguei, o absentismo nesta região, em termos de pessoal andava nos dez por cento. Quando saí estava nos quatro por cento, sem repressão. Ainda hoje acontecem jantares de Natal das pessoas que comigo trabalharam directamente, passados estes anos todos.

O que pensa da eventual criação e viabilidade de um banco, com sede na nossa cidade que não privilegie a capital do país, criado com capitais das regiões de Bragança/Zamora com cotação nas principais bolsas de valores ibéricas?

Já existiu em Bragança, no auge do período do liberalismo, um banco que foi extinto em 1917. A questão dos serviços, na nossa região, é uma questão pertinente. O que nós temos assistido é ao desvio de serviços da região, quer seja da sede do distrito, quer seja dos outros concelhos, para o litoral e isto agrava as assimetrias. O facto de o poder de decisão estar ou não aqui, significa que as empresas da construção civil, os fornecedores dos diversos equipamentos passam a poder contactar e estar aqui na região. Se o poder estiver fora também o poder económico dilui-se e nós somos em vez de um todo integrado, por ser terminais de comunicação, terminais de serviços e não propriamente os motores desses serviços.
O que eu acho relativamente a um banco e a pergunta é um bocado difícil porque um banco implica alguma capacidade do ponto de vista financeiro, técnico e de inserção global da economia. Um banco, para funcionar convenientemente, tem que ter estas características todas. Se eu soubesse fazer um banco já o tinha feito, porque é das actividades mais lucrativas que nós temos no nosso tecido económico, mas não é fácil.
A questão que se coloca é: “Não poderia haver aqui actividade financeira para o desenvolvimento desta região?” Faz todo o sentido, empresas financeiras associadas a bancos que já possam existir, que tenham uma estrutura podiam perfeitamente potenciar esse desenvolvimento e criar condições capazes intervir aqui. Já houve algumas experiências nesse sentido. Eu próprio participei numa delas, era, na altura, Ministro o Dr. Miguel Cadilhe. Foi uma daquelas sociedades de desenvolvimento regional que não resultaram bem por razões diversas, porque foram esquecidas ou não queridas pelos diversos poderes seja locais ou regionais ou nacionais. A vontade do Ministro era, garantidamente, criar essa sociedade aqui na região. Não houve, da parte dos agentes locais e regionais - uma das pessoas na altura de que não vou dizer o nome, teve um papel que não foi suficientemente activo, o então Governador Civil do Distrito que, quando lhe foi comunicado, não disse nem sim, nem sopas. Também é verdade que a luta partidária existia, um bocado mais acentuada e, se calhar, existiam mais interesses partidários do que em prol da região e não resultou.
Eu acho que faz todo o sentido criar centros de negócios, centros de decisão, que se fixem na região, no interior e, para isso, são necessárias algumas infra-estruturas mas, acima de tudo, é preciso vontade de o fazer. Quando pensamos fazer uma auto-estrada que atravessa Lisboa, é óbvio que fica muito mais caro do que desviar uma série de serviços se Lisboa para Santarém, para Castelo Branco, para a Guarda, para Bragança, para Chaves… é, eventualmente, muito mais fácil. Não tem sido esta a prática, a prática tem sido sempre de canalizar para Lisboa. Ainda há dias tive oportunidade, numa conferência em Zamora, de ver o panorama do que era o mapa demográfico de Portugal, há cinquenta anos e havia, em termos relativos, muito mais população no interior do que existe hoje. Podemos dizer que o interior é um deserto. Um deserto em termos de pessoas, em termos de indústrias, em termos de empresas e, pior ainda, um deserto em termos de centros de decisão. As empresas que estão cá instaladas como a PT os CTT, os centros de decisão não estão aqui e isto prejudica-nos imenso. Qual a forma de inverter esta situação? É criar núcleos com capacidade de decisão no interior.

Fala-se da transformação do actual Aeródromo de Bragança em aeroporto regional. Seria benéfico para a região?

Se for só para transformar o aeródromo em aeroporto regional não me parece que contribua decisivamente para nada. Se for numa perspectiva mais global de promover a vinda de centros de decisão e de empresas para a região, é óbvio que faz todo o sentido e pode ser uma alavanca muito importante no desenvolvimento. Não faz sentido, hoje, com a necessidade da comunicação tão rápida quanto existe, que nós sejamos limitados em termos de capacidade de deslocação aérea, tanto mais que, Portugal deixou de se deslocar por mar, deixou de estar ligado à OCDE, aos países periféricos do centro da Europa, para estar ligado a toda a Europa do centro que, neste momento, é a comunidade europeia e isso, de alguma forma, cria-nos outro tipo de exigência e as ligações aéreas estão muito mais baratas do que o que eram aqui há uns tempos atrás. Faz todo o sentido que se avance com um aeroporto regional com vista a criar condições para outro tipo de iniciativa.

Num dos artigos publicados no jornal “A Voz do Nordeste”, Marcolino Cepeda referiu a importância do transporte ferroviário para a região e sugeriu também que se fizesse a reactivação/remodelação das linhas do Porto e a Celorico da Beira. Qual a sua opinião sobre este tema?

Eu participei num estudo no âmbito do INTERREG2 onde nos estava atribuída a componente de infraestruturais rodoviárias, ferroviárias e comunicações e, já na altura, em 1990, eu defendia que em resultado de uma perspectiva que é o petróleo, um recurso não renovável, as preocupações ambientais e a necessidade de nos ligarmos à Europa, justificaria do meu ponto de vista, fundamentalmente, para o transporte de mercadorias, que se evitasse o acumular de camiões e de automóveis nas estradas. Nos apontávamos, já nessa altura, para que fosse pensada como uma alternativa séria a longo prazo, o transporte ferroviário, em meu entender é muito mais ecológico. Não diria para recuperar as carruagens e também não é preciso ter TGV’s para este efeito. O transporte ferroviário tem limitações ao nível de transbordo das mercadorias e é preciso flexibilizar, agilizar, diminuir custos, criar condições para que seja possível a movimentação das cargas porque, no terminal, tem que estar o camião para levar ao cliente. O nosso fornecedor tem que conseguir colocar as mercadorias em cima do vagão com facilidade, sem custos acrescidos, em boas condições e no destino também tem que ser fácil fazer isto. É uma operação que não tem a ver com a própria estrutura, do carril e da carruagem, mas tem a ver com o interface que tem de ser estabelecido com todos os operadores e numa perspectiva de preservação do ambiente e pensar nos filhos e netos. Pensar um bocado a longo prazo.

Em relação ao nosso futuro, podemos estar optimistas?

A pergunta mais difícil que me foi colocada. Eu sou optimista por natureza. Não vejo que tenhamos entrado numa situação de catástrofe. Nós, felizmente estamos numa região onde ainda se respira ambiente, ainda se respira qualidade de vida. Essa é uma das razões porque eu próprio ainda me mantenho por cá, porque já fui aliciado para sair várias vezes e continuo por cá. Se observarmos as tendências do último século, o interior não tem muito de que possa orgulhar-se mas, estou convencido que é importante que as pessoas e fizemos, há bocadinho, uma passagem por pessoas com capacidade, com empenho, com dedicação, capazes, que estão por esse mundo fora. Estou convencido que não deixaram de referir e de considerar que se pode fazer alguma coisa. No entanto, em Bragança e um bocado por todo o país, correspondendo até a políticas que estão a ser assumidas ao nível dos políticos, também é verdade que, para a agricultura e essa é a actividade nacional, tem de ser encontrada alternativa. Não é rentável mas, é preciso preservar os campos e preservá-los da forma mais interessante para as pessoas, que produza mais resultados a longo prazo e isso, passa por encontrar diversas actividades que possam potenciar esse futuro.
Para mim é importante que, no curto prazo, a dez anos, faria sentido haver uma aposta forte em actividades do tipo industrial, empresarial, económico, no sentido de cativar, fixar pessoas. Nós temos uma carência de dimensão, não temos dimensão suficiente para permitirmos o desenvolvimento de diversas actividades culturais, recreativas, não temos grandes condições porque isto implica escala, dimensão e Bragança teria de ter cem mil, cento e cinquenta mil habitantes. Primeiro, chamar pessoas com investimento, com actividades económicas que têm de ser cuidadas. Não podemos ficar a ferrugem da Europa ou do mundo, ficar com o que é mau mas, é possível encontrar soluções a esse nível, queiram os governantes. A Europa, eu sei que quer, queiram os governantes nacionais fazer. O segundo aspecto é que, associado a isto, temos um potencial tremendo que tem a ver com as condições temporais. Quando percorremos o mundo, somos confrontados com situações que nos são apresentadas como maravilhosas, e nós também as temos aqui. Não olhamos é para elas. Não estão desenvolvidas, não estão organizadas e isso implica promover, desenvolver como actividade complementar… eu diria dez anos, chamar pessoas, a vinte, cinquenta anos temos a saída que é o turismo, a qualidade do ar que ainda respiramos. Isso implica cuidar dos aspectos culturais, gastronómicos, os aspectos ligados com o ambiente são as peças importantes deste puzzle que podemos vir a desenhar como o grande fomentador de um desenvolvimento sustentado na região.

Para o finalizar, uma questão que colocamos sempre a todos os convidados. Qual a personalidade ou personalidades que mais o marcaram ao longo da sua vida?

Na juventude houve, não uma mas várias. O Che Guevara, que marcou uma boa parte da juventude, que viveu comigo nesses tempos que foram áureos, que foram extraordinariamente felizes. Aliás, dizia-me, há dias, a minha filha: - “Quem me dera ter vivido nos anos sessenta para poder passar pelo que vocês passaram.” – Porque, de facto, foi um salto muito grande e foram acontecimentos muito marcantes que nos devem orgulhar a todos. Escolhi esse como podia escolher outro qualquer, porque houve tantas pessoas nessa altura…
Depois, do ponto de vista profissional, houve algumas pessoas. Houve uma pessoa que, infelizmente, já morreu, Dr. Henrique Constantino que foi uma pessoa espectacular, excelente… Ele foi Ministro do governo, penso, do Eng. António Guterres que me ensinou muito, com poucas palavras, mas que com a sua acção, a sua dedicação às causas e às organizações deixou-me muito entusiasmado para trabalhar em prol da sociedade e das organizações.

1 comentário:

  1. É sempre bom escutar/ler as palavras do Dr. Maurício. Um exemplo a seguir.
    Um abraço do Minho de um antigo aluno e colaborador da SBC.

    Nelson.

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