segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Terra de ninguém

Penso um poema lindo que não escrevo, já que a essência do meu pensamento se perdeu na incapacidade de o realizar.
Razão tinha quem disse que os melhores poemas são os que nunca ninguém escreveu.
Os melhores são os que alguém pensou, mas não sendo anjo nem deus, não conseguiu passar para o papel e então fica a sensação de que apenas sonhou.
Sonho muitos poemas que jamais escreverei e o que plasmo no imenso oceano branco é o que menos diz, é o que foi menos conseguido.
Sofro a minha incapacidade, as minhas limitações que são tantas e apenas consigo uma leve brisa dos poemas que jamais escreverei.
É como se fosse uma sombra, ao cair da tarde, que se alonga mas nunca será uma entidade.
Sofro, eu que não sou senão um arremedo do que gostaria de ser e imagino o quanto sofrerão todos os poetas deste mundo e talvez doutros que os deve haver também.
O que terá sofrido Fernando Pessoa que, mesmo sendo um deus das palavras se deixou morrer de tristeza! Amou tanto, quis tanto e nunca conseguiu dar-se totalmente. Pensou tantas pessoas dentro de si mesmo e mesmo sendo tantos não conseguiu ser nenhum. Foi poeta, quase deus e morreu sem encontrar a sua essência, sem realizar a pessoa una que queria ser. Foi grande, universal, e foi triste como um cair de tarde no Inverno que chove.
Admiro os grandes poetas que apenas dizem o que não está escrito e sei que nunca serei assim.
Admiro um dia de sol.
Mas, um dia de sol sem água que rumoreje, sem vento que despenteie, sem verde que eu possa alcançar não me diz o que eu quero ouvir. Não desperta o meu olhar.           
Um dia de sol apenas, não faz sorrir e sem sorrisos a vida é pobre. É como uma mulher muito bela sem brilho no olhar. É como um deserto de areias brancas sem oásis nem dunas.
Neste dia que apenas começa o meu pensamento está muito longe do que eu realmente devo fazer. Só o pensar no quotidiano do dia que lentamente passa desassossega a minha vontade.
Penso nas aldeias da fome que nos rodeiam neste pequeno mundo que é nada, na imensidão que nos circunda e acho que as minhas preocupações são comezinhas e fúteis.
Não consigo deixar de pensar no que gostaria de poder fazer como pintora de imensidões brancas, de papel porventura reciclado.
E vou como quem vai de passeio debicando aqui e ali uma flor do campo que eu quero agreste.
Vou sozinha nesta viagem que só acabará com a minha morte.
Levo, no entanto, a tua presença inalienável de mim e sei que voltarei sempre para ti.
Esta terra onde me encontro não é de ninguém.

Mara Cepeda

2 comentários:

  1. Bonito texto, quase-poema, Mara. Estaremos sempre em luta com as palavras, buscando até o que elas nunca conseguirão dizer. E nós sempre insatisfeitos, nesta subida sem cume, apenas nos resta continuar a caminhar, a caminhar, a caminhar.

    beisico
    Amadeu

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  2. Obrigada Amadeu.
    Quase nunca consigo dizer aquilo que desejo.
    Temos muitas amarras.
    A subida torna-se cada vez mais íngreme, o caminhar mais penoso...
    Sou, felizmente, teimosa. Continuarei a palmilhar o meu caminho e os teus incentivos ajudam a torná-lo menos árduo.

    beisico
    Mara

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