quinta-feira, 6 de outubro de 2011

INQUIETUDE

Ando triste como quem tenta e não consegue, como a andorinha que é breve passagem de Verão.
Ando triste como quem não sabe dizer nem sim nem não.
Ando triste como uma manhã ensolarada que não nos convence.
Tenho o sentir embaciado, como céu sem estrelas e sem luar. Como um fado de Coimbra cantado na noite de não te encontrar.
Dói-me o sentir-me assim, longe de mim.
O meu olhar espraia-se pelos montes que avista e não consegue ver o verde da esperança, apenas as casas mal alinhavadas que o conspurcam e humanizam demais.
Tento, através do carinho que me dás, sair de mim assim tão triste, mas não consigo. Não sou capaz de chorar agora e preciso que chova e que eu seja árvore em descampado aberto.
A minha alma tem medo deste sentir de agora. Quero fugir daqui mas a porta não se abre. Temo o que ninguém teme e sinto um torpor enorme que não me permite acordar descansada pela manhã de sol que agora faz.
Não sei o que tenho e não tenho nada. Apenas sinto o que não queria sentir e quero sentir o que apenas minto a mim mesma, tão longe de mim.
Amo-te, não há dúvida, mas não sei acordar em ti.
Dá-me a mão tira-me deste abismo em que caí. Não posso mais estar enterrada nesta indiferença que não é também.
Dá-me a mão, delicadamente, como quem afaga um bebé recém nascido, ainda envolto na placenta primeira e primária que todas nós carregamos desde a hora inacabada.
Abre-me a janela para que eu veja um céu de estrelas cheio e lua quase dia.
Chama por mim como se por ti eu chamasse em sonhos de amor.
Cantarei o Barco Negro nos teus braços e sei que jamais morrerás. Saberei que o dia acorda cheio de luar.
Seremos as águas do Sena, que em Paris fomos e amar-nos-emos num Verão qualquer em qualquer parte.
Anda. Vamos passear por este bulevar de mãos dadas, sem que a mais pequena palavra perturbe o teu doce e pequeno olhar tão grande.
Anda. Toma a minha mão pequena entre as tuas mãos tão macias e belas e sente comigo o dia que anoitece e que os vaga-lumes alumiam dançando danças primordiais. Ouve o suave remanso do rio que somos e a orquestra dos arraiolos que nos acompanha neste local tão ermo.
Quanta gente neste espaço agora. Cada um vai olhando o carreiro das formigas que já não alcançam e nenhuma delas leva carregos visíveis.
Vamos por entre esta multidão que não sonha e sonhemos nós por todos.
Anda, a noite acontece sem que o dia passe e nos meus olhos negros viaja o teu olhar verde de musgos no rio que corre.
Subamos àquele pequeno monte. Avistemos o que ninguém avista. Dá-me um beijo que ao de leve roce os meus lábios tristes e sorri.

Mara Cepeda
(Do que poderá vir a ser o livro "Inquietude")

Sem comentários:

Enviar um comentário