sábado, 13 de janeiro de 2018

“A POESIA PERMITE-ME ESTABELECER ESSA RELAÇÃO QUASE ESPIRITUAL, ENTRE AS PALAVRAS E OS SENTIMENTOS” (Entrevista realizada por Susana Madureira)

Enfermeiro de profissão, apaixonado desde sempre pela escrita, o brigantino Telmo Fidalgo Barreira, publicou em 2017 a sua primeira obra. “Poema de Aguardente em Casca de Noz” é um livro de poesia inspirado no percurso, nas viagens e nas raízes do autor.

(Susana Madureira)



Telmo porquê escrever poemas?
Não foi uma decisão, eu diria, consciente... Acabou por resultar como uma consequência lógica de tudo aquilo que sempre fiz. Estive ligado a projectos de “spoken words” e, portanto, este género literário entra na minha vida de uma forma muito natural... 
Embora tenha alguns outros registos em prosa, o género literário onde me sinto mais confortável para escrever é, sem dúvida, a poesia ou até mesmo a prosa poética. 

Porquê este título “Poema de Aguardente em Casca de Noz”?  
Eu diria que de uma forma lata e literal, este título me conduz, imediatamente, até à casa dos meus avós... 
Poder-se-ia dizer que são recordações da aguardente que descia do alambique e depois era provada numa casca de noz. 
Cada um encontrará nele o seu próprio “poema de aguardente em casca de noz”, no passado ou no presente, haverá certamente algum lugar, real ou metafórico, para nos embriagarmos de saudade e comoção. 
Deixo os simbolismos e as metáforas para quem o ler.

É mais fácil exprimir o que sentimos a falar das nossas raízes?
Gosto muito de jogos metafóricos e de brincar com as palavras. Este livro vive muito dessa estreita relação entre a realidade factual e a interpretação metafórica das palavras e das emoções. É uma obra que mantém uma ligação emocional muito forte com as raízes. 
A musicalidade da poesia permite-me estabelecer essa relação, eu diria, quase espiritual, entre as palavras e os sentimentos. A escrita nasce de uma necessidade de fuga emocional, funcionando como catarse. 

O Telmo é enfermeiro de profissão, sendo a enfermagem a literatura áreas tão distintas, como surgiu este gosto pela escrita?
É verdade, sou enfermeiro de profissão. Creio que, apesar de serem áreas muito distintas, podemos encontrar pontos de convergência entre a minha poesia e a medicina, de uma forma geral. Acredito que ambas convivem de perto com a vida e a morte, com a força dos afectos e das relações humanas, e isso pode facilmente ser encontrado neste meu primeiro trabalho editorial. 
Em relação à forma como nasceu este meu gosto pela escrita convém mencionar, antes de mais nada, que sempre me lembro de viver rodeado de livros e nunca existiu qualquer espécie de censura nas minhas leituras. De Isidore Ducasse e Sade até Tolstoi ou Flaubert, sempre li um pouco de tudo.
Este meu encanto pelas palavras é um amor antigo e a escrita surge também como uma consequência óbvia de ser um ávido leitor. 

Quais são as suas referências literárias e os autores em que se inspira?
Eu não sei se existe uma razão de proporcionalidade entre aquilo que escrevo e aquilo que são as minhas preferências literárias enquanto leitor.
Há muitos autores que me marcaram e me moldaram do ponto de vista ideológico, mas uma das primeiras e mais intensas recordações que guardo de minha primeira relação com as palavras e com a literatura, talvez me conduza até à adolescência, quando conheci o simbolismo decadente e ácido da geração francesa dos “poetas malditos”, de onde destaco, como influência, Charles Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, ou até mesmo, como cantautor, Léo Ferré.
Sou também apaixonado pela nossa literatura. Al Berto, Herberto Hélder, Luiz Pacheco, Cesariny, Mário de Sá Carneiro e Pessoa, são alguns dos exemplos de autores que me marcaram muito no passado. 
Durante muitos anos, a Beat Generation foi também muito importante para mim, com Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs, bem como os escritores Russos.
Enfim, com os devidos filtros pessoais, mas sem grades fundamentalismos, considero-me muito ecléctico em relação à arte em geral e creio que tudo o que leio me pode, de alguma forma, servir de influência. 

Viveu em Chaves, onde se formou, trabalhou no Algarve, no Porto e, actualmente, reside em Madrid. Estas suas viagens e estas suas vivências estão reflectidas neste livro? 
Espero sinceramente que sim. Espero que as pessoas encontrem um pouco dessas viagens e desses lugares por onde tenho passado. Eu costumo dizer que não tenho um sentimento de pertença a um único lugar porque, de facto, sinto-me um pouco de todos os sítios por onde tenho passado.

“Sem morada e sem fronteiras”?
Precisamente. Parafraseando René Descartes, “quando gastamos tempo demais a viajar, tornamo-nos estrangeiros no nosso próprio país.” Apesar disso, acredito que não existem lugares estrangeiros para os sentimentos, para as raízes e para os nossos valores.  
E espero que as pessoas encontrem essas viagens e essas raízes dentro do próprio livro, que, no fundo, acaba por ser uma viagem só.

E para quem ainda não leu o livro, é uma viagem por onde?
Falando um pouco em relação à abordagem temática deste livro, poder-se-ia dizer que é uma viagem pelas diferentes fases da nossa vida. Está dividido em três capítulos.
Num primeiro capítulo, os textos têm um tratamento mais direccionado para a infância e para essa pueril relação da criança com o mundo. 

Em que há três figuras em destaque. A sua mãe, o seu pai e o seu avô?
Verdade. Essa tríade é absolutamente marcante na minha vida, não só como autor mas também como pessoa, são três figuras importantíssimas. 
Voltando à estrutura do livro, o segundo capítulo tem um carácter muito mais subversivo e irreverente, lembrando-nos algumas características próprias da adolescência.
Por fim, no terceiro e último capítulo, há uma carga emocional muito mais introspectiva e existencialista, onde se levantam velhas questões filosóficas, como a perda, a solidão, o absurdo da morte, porque considero que nunca ninguém está preparado para morrer e é muito difícil ao homem aceitar a sua própria finitude. 
Talvez a arte seja das poucas formas possíveis de vencer a morte, perpetuando momentos e quem sabe assim imortalizar o artista.

Há pouco referimos que este livro tem muita metáfora mas há aqui, também, uma forte carga emocional. As emoções, os sentimentos e a tal viagem pela infância e pelo desenvolvimento da vida... 
Como já referi, a montante desta nossa conversa, o livro vive realmente dessas pontes simbólicas e metafóricas.
É um livro com referências autobiográficas, porém, não creio que seja um livro factual. Ou seja, ele tem claras evidências autobiográficas mas sobretudo do ponto de vista emocional. 
Há também muitas reminiscências sensoriais, ligadas aos cheiros e às sensações.
Podemos encontrar nele muita verdade sentimental que se mistura e se confunde com lugares literários que assumem um papel mais ficcional. 

Em relação às ilustrações. São de Josete Fernandes, que é também uma transmontana, de Mirandela. Como é que foi esta escolha? 
Não a conhecia pessoalmente. Contactei-a e, depois de lhe dar a conhecer a obra, prontamente manifestou interesse em colaborar comigo, o que me deixou radiante. É uma artista incrível e uma pessoa extraordinária. 
Este livro vive não só das palavras mas também dessa simbiose entre a literatura e a arte plástica.

Entrevista realizada por Susana Madureira

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