Nasceu em Bragança, na freguesia da Sé, que recordações é que guarda da sua meninice?
Da minha meninice guardo a imagem de uma horta onde o meu avô trabalhava todas as manhãs e o prazer que me dava acompanhá-lo nesses trabalhos; guardo a imagem do rio Fervença cheio de galinhas de água, patos e maçarocos; guardo a recordação de brincadeiras no rio e nas árvores ribeirinhas onde, com outros garotos da minha idade, construía cabanas e esconderijos. Depois chegava a casa toda molhada e ouvia os inevitáveis raspanetes …foi uma infância muito feliz, uma infância dourada sob o olhar atento dos avós, dos pais.
Está bem diferente o rio Fervença hoje? Para melhor ou para pior?
Está diferente. Melhor. Ainda que a imagem que eu guarde dele seja uma imagem dourada, como as infâncias, a verdade é que era um rio muito sujo e malcheiroso. Hoje é um rio que juntamente com a zona envolvente constitui um espaço de lazer muito agradável.
Até que ponto o facto de nascer nesta região a marcou?
Marcou-me profundamente porque acima de tudo sou muito transmontana. É o oceano megalítico de Miguel Torga que trago na alma; é a paisagem transmontana que me enche o olhar; a ela regresso sempre que me afasto.
Acima de tudo uma transmontana convicta?
Uma transmontana convicta.
Estudou em Bragança até ir para a Faculdade de Letras do Porto. Que vivências é que guarda desses tempos?
Eu fiz o Liceu todo em Bragança. Não posso esquecer alguns professores que tive e que marcaram a minha conduta, as minhas opções, o meu percurso académico: o Dr. Eduardo Carvalho, o Padre Gil, a Dr.ª Luísa Rio Alves, o Dr. Pimentel, a Dr.ª Marília.
Nesses tempos era tudo mais certinho?
Não sei, era diferente, todos os tempos têm o seu tempo. Estava no 3º ano do liceu, hoje 7º ano unificado, no 25 de Abril de 74. Tudo era novo, diferente, muito colorido. Na altura não percebia muito bem o que se passava. O entendimento desse tempo, a consciência política veio depois, mas agradava-me a irreverência do momento. Eu não era uma “menina certinha” era irreverente, cheia de energia, um pouco cábula.
Sempre o estudo acima de tudo?
Não, o estudo sempre ao lado do lazer, ao lado dos amigos e ao lado dos grupos de teatro que na altura já frequentava, nomeadamente no extinto FAOJ, hoje Instituto Português da Juventude.
Então o teatro é um bichinho que já vem desde há muito?
É um bichinho que vem desde sempre. O meu pai fez teatro quando era novo, era e é um apaixonado da arte dramática; cultivou nos meus irmãos e em mim essa paixão. Desde muito cedo que as festas de Natal tinham sempre teatrinhos feitos por mim, pelos meus irmãos e primos. Assistia a muitas peças de Teatro durante as férias, nas viagens ao Porto. Em Bragança recordo-me de algumas a que assisti, dirigidas pelo Marcolino Cepeda. Portanto, o teatro acompanhou a minha infância, a minha juventude, a minha adolescência e continua ao meu lado.
Qual foi a primeira peça que viu no meio estudantil?
No meio estudantil era eu muito pequenina e vi “A Bela Adormecida”. Andava na escola primária, já não me lembro qual foi o grupo que apresentou o espectáculo, mas lembro-me de o ter visto no Clube de Bragança. Depois, e reportando-me apenas ao meio estudantil, vi no meu ano Propedêutico o TEUC e o CITAC de Coimbra e vi o TUP do Porto.
Marcante?
Marcante. A Bela Adormecida por razões óbvias, os outros porque percebi que a minha vida académica também passaria pelo Teatro Universitário.
Com necessidade de prosseguir estudos que infelizmente aqui não poderia realizar teve de abandonar o seu ninho. Sentiu-se de alguma forma descentralizada, perdida ou adaptou-se bem na vida da grande cidade?
Não. Adaptei-me bem porque fui exactamente (ao contrário do que acontece agora aos jovens) para o curso que quis, para a cidade que quis. Escolhi o Porto, escolhi a Faculdade de Letras do Porto, escolhi o curso que tirei. O Porto é uma cidade de que gosto muito, onde me sinto bem, onde cresci e amadureci, onde tenho grandes amigos. Sou portista. Nunca me senti perdida no Porto. No dia em que fiz a matrícula na Faculdade de Letras inscrevi-me no Teatro Universitário do Porto.
Era uma diferença cultural bastante grande na altura?
Bastante, mas como todos os jovens, eu tinha uma vontade muito grande de conhecer coisas novas, diferentes, de aprender, de viver novas experiências. Por outro lado tinha necessidade de fazer coisas, de experimentar, de me envolver em projectos interessantes, de crescer, de alargar os meus horizontes, de adquirir uma sólida formação cultural. A diferença cultural entre Bragança e o Porto não funcionou como obstáculo, mas sim como desafio. O Porto representava esse desafio.
Era mais enriquecedor?
Indiscutivelmente.
Era outra cultura que Bragança não tinha.
Exactamente e eu tive o privilégio de poder ter acesso a essa cultura.
Hoje felizmente já vamos tendo?
Felizmente hoje já vamos tendo e ainda bem que as coisas vão evoluindo.
A sua vida profissional esteve até há bem pouco tempo ligada ao ensino e também ao IPB, mais precisamente à Escola Superior de Educação de Bragança. De que maneira a vida académica a marcou?
Profundamente, eu sou acima de tudo professora e quando escolhi sê-lo escolhi-o por paixão. Portanto eu não me esqueço que o fui, que ainda o sou e que hei-de continuar a sê-lo a vida toda e hei-de regressar obviamente ao ensino.
Também é uma paixão o ensino?
Sem dúvida, é uma paixão, estou em todas as coisas que faço por paixão senão não estava.
Trabalhou no âmbito do programa Sócrates em universidades estrangeiras. Foi a tão falada universalidade transmontana que a levou a novas terras, novas gentes?
Foi a universalidade transmontana, foi a troca de saberes, de experiências; foi o intercâmbio cultural e o diálogo intercultural que são pilares deste programa e que nos enriquecem profundamente.
Isso é enriquecedor para nós e também para os outros porque conhecem um pouco mais da nossa cultura?
Claro, aliás esses programas de intercâmbio seja de professores, seja de alunos são positivos exactamente porque nos dão uma consciência muito mais clara daquilo que nós temos e valemos e daquilo que os outros têm e valem. Muitas vezes nós só temos consciência daquilo que somos e daquilo que valemos quando estamos fora e olhamos para dentro. Por outro lado é um intercâmbio interessante pois proporciona o diálogo entre Instituições congéneres com tudo o que esse diálogo pode trazer de mais-valias para cada uma delas.
Dá-se outra importância ao ser-se português quando se vai para fora e se está lá um tempo sem termos o contacto?
Dá sem dúvida. O grande exemplo é Eduardo Lourenço, um nome grande da Cultura e da Literatura Portuguesa. Estou a pensar em obras de referência dele como “O Labirinto da Saudade” ou “Nós e a Europa ou as duas razões”; o estar fora permite-lhe um olhar atento, coerente, inteligente e lúcido sobre o povo português, a identidade portuguesa, a cultura portuguesa que não seria de certeza o mesmo se vivesse normalmente em Portugal.
Se calhar também um pouco distanciado de uma qualquer cor política ou de outras razões?
Depende do que falamos. Cor político-partidária é uma coisa, consciência política é outra. Eduardo Lourenço é indiscutivelmente um homem lúcido, inteligente, empenhado e com uma enorme consciência da realidade que o rodeia nas suas múltiplas faces.
É a paixão pela pátria?
Talvez, se lermos na palavra Pátria - Língua, Cultura, Cidadania, Princípios Éticos e Morais, Consciência política.
Uma das disciplinas que leccionou foi História do Teatro tendo fundado também o grupo de Teatro Estudantes de Bragança no ano de 1992. Ainda e sempre o mesmo bichinho?
Claro. O criar o Teatro de Estudantes vem muito na sequência de eu ter estado 10 anos no Teatro Universitário do Porto. Regressei a Bragança no final da década de 80 e rapidamente percebi que não poderia ficar afastada do teatro por muito tempo. Tinha saudades dos ensaios, da escolha dos textos, da entrega a um papel, do envolvimento com a personagem. Custava-me ter de passar para o outro lado; o lado de quem dirige, mas a vontade foi mais forte e decidi avançar com a proposta de criar um grupo de Teatro de Estudantes em Bragança. Com meia dúzia de estudantes do Politécnico que agarraram a ideia lançámo-nos no sonho e levamo-lo em frente. Um sonho que continua de pé ao fim de 13 anos. Não voltei a fazer teatro é verdade, mas dirigi uma série de espectáculos no TEB que me realizaram profundamente, de que muito me orgulho.
Por que é que não voltou a fazer teatro?
Fazer teatro exige uma entrega e um envolvimento muito grande com o texto, com o papel que se representa, com a personagem. Dirigir um espectáculo de Teatro exige uma certa distância em relação a cada uma das personagens, um olhar exterior e ao mesmo tempo a visão total do espectáculo. Não tenho, nem nunca tive a capacidade de assumir estes dois papéis; sou uma amante de teatro não uma profissional do teatro. Há gente que o faz, e maravilhosamente bem, estou a pensar por exemplo, no Luís Miguel Sintra, da Cornucópia.
Mas dentro do amadorismo, tenta sempre o melhor possível?
Sim, sem dúvida. É a minha forma de estar e é a atitude que sempre assumi no Teatro de Estudantes onde cada texto era criteriosamente escolhido, trabalhado, estudado. Nas nossas escolhas procurámos sempre a importância da palavra privilegiando o texto e o trabalho de actor.
Além de vários trabalhos de investigação publicou recentemente uma obra de literatura infantil “A folia no céu”. Terá alguma coisa a ver com a vocação de contadora de histórias do “contador de histórias” do seu pai?
Poderá ter a ver, eu sempre ouvi histórias. Desde pequenina que me lembro que o meu maior desejo era que chegassem as manhãs de domingo porque nas manhãs de domingo eu e os meus irmãos íamos para a cama dos meus pais. A minha mãe saía para fazer o pequeno-almoço e o meu pai passava a manhã a contar-nos histórias aos três. Portanto eu cresci num universo de histórias. Depois deixei de ouvir essas, mas outras vieram, foram as histórias para os netos, as histórias que eu fui escrevendo, as histórias que o meu pai conta aos miúdos das escolas E,B, 1. Portanto, há todo um universo do maravilhoso e de histórias contadas que me envolveram sempre e tudo isso ficou. Depois também a minha paixão pela literatura, não só a literatura portuguesa contemporânea mas também a literatura para a infância e juventude que trabalhei, que estudei, que ensinei na Escola Superior de Educação. Tenho uma ligação muito próxima ao universo da infância.
É uma espécie de mundinho cor-de-rosa?
Não de todo. As histórias para as crianças apresentam muitas vezes finais felizes, mas não são finais felizes gratuitos; o herói tem um percurso definido, mas não é fácil percorre-lo, tem de passar por certas provas, vencer obstáculos. Depois é recompensado e encontra a felicidade, mas lutou para a alcançar e esta ideia parece-me fundamental. O mundo não é cor-de-rosa e a criança deve sabê-lo. A melhor maneira de o perceber é com as histórias que lhe vão povoando a infância. Por outro lado as histórias não podem acabar todas bem. A realidade também não é assim. Hans Christian Andersen, autor de belíssimos contos para crianças, dizia que a felicidade se conquista e que o herói tem que lutar por essa felicidade e nem sempre as coisas correm bem. Lembro a história do Soldadinho de Chumbo que faz tudo para ficar com a sua bailarina mas que no momento em que tudo se proporciona para o encontro a dois, ele cai e morre derretido na lareira. Portanto é um final infeliz, mas que nos faz pensar um pouco. Nem sempre as histórias acabam bem, os finais infelizes também nos fazem crescer.
É então da ideia que as crianças não devem ficar tristes por o final das histórias ser um final triste, devem começar a compreender?
As crianças têm que ter todo o tipo de emoções, obviamente em alturas e momentos diferentes da sua vida. Faz parte do crescimento delas perceberem que há histórias que acabam bem, há histórias que acabam mal e quando as histórias acabam mal as crianças também gostam porque muitas vezes elas próprias se revêem nos heróis e nem sempre as crianças vivem felizes, também têm as suas angústias, também têm os seus fracassos e muitas vezes nem sequer têm consciência deles. Só terão consciência deles quando vêm essa situação projectada numa história que ouvem. Portanto é importante para o crescimento das crianças terem a percepção de conceitos como a felicidade, a tristeza, a morte, a solidão. Estou a pensar na “Menina dos Fósforos” de Andersen e do quanto chorei a primeira vez que ouvi a história porque me pareceu profundamente injusto aquela menina ter morrido de frio. Mas, ao mesmo tempo essa morte trazia um certo conforto porque a menina morreu com a imagem da avó à sua frente, uma avó ternurenta que a chamava para junto dela oferecendo-lhe muitas coisas boas que ela não tinha. Há sempre uma esperança por detrás dos finais infelizes. As crianças têm a capacidade de compreender o outro lado das histórias e é essa atitude que as faz crescer.
Partindo para outra história que, para muitos também pode vir a ser uma história cor-de-rosa, a terminar com um fim bonito, que é a transformação do IPB em Universidade.
Digamos que a transformação do IPB em Universidade não é para mim uma prioridade. O importante é que o Instituto forme e tenha profissionais competentes, onde o trabalho académico seja assumido com rigor e seriedade. Investir na qualidade de ensino, na investigação, no nível de excelência da Instituição, lutar pelo Estatuto da Carreira Docente estas são as grandes prioridades no meu ponto de vista.
Não perspectiva um timing para a transformação do IPB em Universidade?
Para mim essa não é uma questão. Apostemos sim na competência, na qualidade, nos níveis de excelência, na investigação científica, na dignificação da classe.
Que pode ainda advir dos III Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro já que até agora se ficou pelas boas intenções?
Há boas intenções como sempre houve e nisso quase nada mudou. Falta vontade política por parte do poder central. Há gente que continua a lutar por esta terra, há gente que não desiste. Mas continuamos a ser uma região cada vez mais desertificada, cada vez mais longe de tudo, não são só as auto-estradas que nos aproximam. Falta um plano estratégico de desenvolvimento sustentado para a região. Precisamos que olhem para esta região com olhar igual ao olhar que se lança sobre outras regiões, nomeadamente as regiões do litoral. Basta ler as conclusões do III Congresso para perceber que há ali uma grande ambição, uma grande força. Esperemos que, uma vez mais, não fiquem para o futuro as conclusões escritas e as declarações de intenção. Que haja força e determinação para de uma vez por todas termos a capacidade de inverter a situação.
Há quem lhe chame falta de poder político…
Falta de vontade política por parte do poder central. O interior do país não é uma prioridade. Só o é em tempo de campanhas eleitorais.
Fala-se muito da falta de acessibilidade e da desertificação desta região. Estaremos condenados a desaparecer do mapa mesmo tendo uma posição estratégica em relação à União Europeia? Estamos no meio de tudo praticamente.
Provavelmente isso é o que nos acontece se o olhar do poder político não for atento, não for cuidado sobre estas regiões. Corrigir assimetrias, investir no interior, criar condições propícias ao investimento são condições primeiras para alterar o ciclo. As promessas eleitorais inscritas nos programas eleitorais dos partidos que alternadamente têm assumido o poder são apenas promessas, que perdem a validade quando esses partidos assumem o poder. Por muito boa vontade que todos nós tenhamos em estar aqui, em construir aqui as nossas vidas e em criar potencialidades na terra, nós não podemos fazer milagres e há que criar outro tipo de condições que têm de ser criadas pelo poder central em diálogo com o poder local, com a sociedade civil, com os investidores privados. Há que olhar para esta região sem preconceitos.
Tem vindo também um pouco à baila aquilo de constituir regiões autónomas, fazer as comunidades.
Sou absolutamente a favor da constituição dessas comunidades urbanas e penso que isso poderá ser uma boa forma de lutar em defesa dos interesses de Trás-os-Montes e Alto Douro. Espero que todos entendam isso e que vejam de facto essas comunidades em que todos os autarcas têm que estar de facto unidos e têm que pôr os interesses da grande região à frente dos interesses locais ou da sua própria autarquia.
Será uma forma encoberta de fazer vingar a regionalização em Portugal?
É uma outra forma de levantar a questão da regionalização. Acho que mais importante do que essa questão é de facto a união em volta de uma ideia comum, de um projecto comum, de uma estratégia comum para uma determinada região, mais do que qualquer outra discussão.
Trás-os-Montes só tem a ganhar em união?
Obviamente.
É uma mulher ligada à cultura. Estaremos no bom caminho no que a esse tema concerne?
Sou optimista. Acredito que sim. Acredito que é apostando na educação e na formação dos cidadãos que podemos ter uma sociedade mais justa, mais solidária, mais esclarecida e consequentemente uma sociedade mais equilibrada.
O que significa para si estar à frente desta belíssima obra que é o Teatro Municipal de Bragança?
Significa um grande desafio e poder de alguma forma dar expressão a princípios em que eu acredito. Investir na Cultura é investir na educação e na formação dos cidadãos, é investir no futuro, porque cultura é educação e a educação é a pedra de toque de uma sociedade mais coesa, mais forte, que valoriza valores e princípios básicos do exercício da cidadania. Porque cultura é também uma forma, e talvez a mais nobre, de diálogo entre os povos.
Como vê de dentro do Teatro Municipal a vontade das pessoas, a falta de cultura das pessoas porque os espectáculos que fizeram encheram sempre. Sente isso como uma falta de cultura que as pessoas têm?
Na generalidade e no primeiro ano de funcionamento do Teatro, 2004, assistimos a uma ânsia imensa de poder usufruir o espaço e de consumir as propostas culturais apresentadas. Nesse primeiro ano, as pessoas estavam expectantes, os espectáculos esgotavam rapidamente. Havia uma vontade generalizada de ir ao Teatro assistir a espectáculos. O facto de se poder usufruir de uma actividade cultural constante num espaço de excelência como é o Teatro Municipal, da mesma forma que o fazem outros cidadãos noutras cidades foi uma mais-valia imensa para Bragança.
Passada a euforia do primeiro ano, assistimos agora a uma ocupação regular da sala o que me faz acreditar na viabilidade do projecto e na adesão do público. A criação de públicos é um processo lento mas que dará os seus frutos. Bragança aderiu ao projecto cultural do Teatro Municipal e sinto-me absolutamente recompensada ao perceber que as pessoas vão ao teatro, gostam de ir, comentam, enchem a casa, isso é grande prazer.
Tem sentido muitas dificuldades em trazer bons espectáculos a esta região tão esquecida pela vontade política ou pelo contrário?
Não, de todo. Há imensas propostas que chegam diariamente, gente que quer vir apresentar e fazer espectáculos ao Teatro Municipal de Bragança. A programação regular do Teatro é trabalhada quase com um ano de antecedência de forma a podermos elaborar candidaturas, estabelecer parcerias etc. e ao mesmo tempo a transformá-la num todo coerente. Por outro lado e isso é o normal com todos os programadores vamos sempre um ano à frente o que nos permite saber o que vai acontecer e escolher o que queremos apresentar ao longo de um ano, obedecendo obviamente à linha estética e artística que definimos bem como aos objectivos que nos propusemos levar por diante quando assumimos também a direcção artística do Teatro. É também importante referir que o Teatro Municipal de Bragança constitui, e apenas com um ano de funcionamento, uma referência de qualidade a nível técnico e artístico. O Teatro Municipal de Bragança deu visibilidade à cidade tornando-a culturalmente uma cidade atractiva. Não podemos esquecer que também em termos económicos o investimento no turismo cultural traz mais-valias à cidade.
Foi importante a iniciativa do Ministério da Cultura com o programa da construção da rede nacional de teatros?
Sem dúvida. Foi um grande objectivo estratégico definido pelo Ministro Carrilho, uma aposta inequívoca na definição de uma política cultural para o país. Agora é importante que se dê continuidade a este projecto, não basta só construir teatros, é preciso criar condições para a sua sustentabilidade; seja com políticas de apoio à itinerância, seja com a implementação da rede nacional de teatros, seja com a criação de condições para a programação em rede.
Pela cultura se refresca a alma.
Exactamente.
Saiu o Teatro em Movimento de Bragança. Havendo um teatro deve haver uma companhia residente?
Sou absolutamente contra as companhias residentes nos teatros municipais. Os teatros municipais integrados numa rede nacional de teatros têm a função de ser teatros de acolhimento. Isto, para que nas regiões mais distantes, como é, por exemplo, Bragança, as pessoas possam ter acesso a todos os espectáculos que se fazem a nível nacional. É evidente que isto é possível quando se tem um teatro de acolhimento. Quando se têm companhias residentes acabamos por estar todos muito mais limitados em termos de calendários, em termos de trabalho. Aliás basta olhar para o país para percebermos que são pouquíssimos os teatros com companhias residentes.
Então está fora de questão?
Está fora de questão a ideia de companhia residente no Teatro Municipal de Bragança. Em termos estratégicos sou a favor de residências, co-produções e parcerias.
E uma orquestra nordestina será um sonho irrealizável?
Uma orquestra. Penso ser um dos objectivos a atingir com a criação do Conservatório de Música. Permita-me lembrar a já existente Orquestra da Escola Superior de Bragança que é uma belíssima orquestra que dignifica o IPB e a cidade.
Podemos pensar então num futuro risonho para o Nordeste Transmontano em termos culturais?
Penso que sim. Haja vontade política. O desenvolvimento cultural exige que haja uma aposta política nesse sentido, é importante que de definam estratégias de políticas culturais também a nível local.
Que personalidade ou personalidades a marcaram ao longo da sua vida?
Primeiro as mulheres da minha família. Começaria pelas minhas avós e pela minha mãe. Estas são de facto três mulheres de referência na minha família. Depois há outras personalidades que me marcaram e marcam Agustina Bessa-Luís porque tem sido, para mim, objecto de estudo; Sophia de Mello Breyner Andresen onde a palavra poética surge com a missão formadora e libertadora do Homem; Maria de Lurdes Pintassilgo em cujo projecto político acreditei; Jorge Sampaio porque representa os valores e os princípios políticos, éticos, morais e cívicos em que acredito.
Qual é a sua opinião sobre a implementação em Bragança de um festival internacional de Teatro realizado anualmente que se chamaria “Festival Internacional de Teatro Dr. Paulo Quintela” com a duração de uma semana e até que ponto seria viável e o que poderia ser feito para promover a sua viabilidade?
Bragança já teve uma mostra de Teatro Internacional, à data, organizado pelo Teatro em Movimento e pela Câmara Municipal de Bragança. Também a Junta de Freguesia da Sé tem organizado, a outro nível, a Mostra de Teatro escolar. Estes dois eventos, diferentes, criaram uma dinâmica de públicos que pode ter outra visibilidade. Nesse sentido e em 2006 acontecerá o “27-Festival Internacional de Teatro” cuja organização e direcção artística é assumida pelo Teatro de Vila Real e pelo Teatro Municipal de Bragança. O festival começará no dia 27 de Março, dia mundial do teatro e prolongar-se-á durante todo o mês de Abril.
Durante o mês de Março o Teatro Municipal de Bragança abrirá as portas ao Teatro Escolar. Passarão no palco do TMB os trabalhos teatrais das escolas secundárias da cidade, do Teatro de Estudantes de Bragança e dos alunos do Curso de Animação e Produção artística da ESEB.
Qualquer um destes eventos será realizado anualmente.
P. S.: Esta entrevista foi realizada em 2004. Desde então, o Teatro Municipal de Bragança tem recebido variadíssimos espectáculos, do melhor que se faz em Portugal e no mundo.
Helena Genésio, com toda a sua inquestionável competência, tem desenvolvido um trabalho muito importante nesta instituição.
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