quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Entrevista com Francisco Terroso Cepeda

A esta entrevista demos-lhe o nome: “À procura do cerne”.

Nasceu em Bragança, na freguesia de Santa Maria. Que recordações guarda da sua meninice, da sua juventude?
Excelentes recordações. Quer das actividades desenvolvidas pelo saudoso Padre Miguel como: jogos de futebol, Pardais da Montanha, construção de presépios na Igreja de S. Vicente, etc. Quer de iniciativas próprias da idade e do tempo, como as cascatas de S. João que se faziam na rua em busca de alguns tostões para comprar rebuçados e os “desenhos animados dos jornais” que passavam numa caixa de sapatos iluminados por uma vela…Enfim, uns tempos felizes. Vivi em Santa Maria durante os primeiros anos. Ainda muito novo fui residir para a Freguesia da Sé.

Mas os amigos ficaram em Santa Maria?
É verdade, ficaram os amigos mas continuaram as amizades. Outras surgiram na Freguesia da Sé, muitas delas para toda a vida.

Onde residiu na freguesia de Santa Maria?
Em frente à igreja de S. Vicente, numa casa que infelizmente já só tem fachada, mesmo ao lado do Museu Abade de Baçal.

Sente, com certeza, alguma nostalgia por a casa onde viveu conservar apenas a fachada, sendo um monte de escombros no seu interior?
 É triste obviamente. Tenho pena e também algum receio que mais dia, menos dia, a própria fachada caia ou seja derrubada para dar lugar a uma “nova casa”. No mundo em que vivemos – e que ajudámos a formatar – a pressão económica não se compadece com emoções ou romantismos, por muito que tal nos custe aceitar.

Olha com os mesmos olhos para a zona degradada de Bragança?
Tenho muita pena da degradação das casas da zona histórica da minha terra. Repare numa coisa: a mais-valia de Bragança é exactamente a sua zona histórica e, sobretudo, a denominada “vila” entre muralhas. Quem nos visita pode ficar mais ou menos impressionado com as avenidas novas, os túneis, as passagens superiores, etc. E ainda bem que as temos, já que são instrumentos de bem-estar e qualidade de vida dos residentes. Mas, em maior ou menor quantidade, existem em todas as cidades. O que não existe em qualquer outra é aquele núcleo histórico, peça preciosa do património cultural da humanidade. Temos de arranjar engenho e arte para tirar partido dessa mais-valia, o que passa, numa primeira fase, por estancar a saída de moradores dessa zona, através de incentivos fiscais e/ou financeiros para recuperação de casas. É imperioso dar vida àquela zona, acabando com a sua lenta e penosa agonia.


Está ao abandono?
Sim, pode dizer-se que está ao abandono. E há o perigo eminente e real de algumas casas ruírem, o que seria um rude golpe para todos os que aqui nasceram ou optaram por viver! Para obstar a que tal aconteça é necessário, como já referi, levar vida àquela zona, criar animação. Defendo, de há alguns anos a esta parte, que a revitalização da zona histórica deve passar pela ocupação de muitas das casas pelos estudantes do Instituto Politécnico de Bragança, através da localização de lares em casas recuperadas para o efeito. Manter-se-iam as fachadas, modificando-se o interior das mesmas, no sentido de satisfazer as necessidades de qualidade dos tempos de hoje. E nem sequer o factor distância poderá ser invocado como dissuasor, uma vez distar pouco mais de vinte minutos a pé… Isto numa altura em que grande parte dos alunos do Instituto Politécnico têm carro e a Câmara Municipal disponibiliza transportes públicos não poluentes para aquela zona. Sabe-se que a localização de estudantes potenciaria a vinda do pequeno comércio, do pequeno bar, do cabeleireiro, da livraria, do restaurante, da casa de fotocópias, etc. Numa palavra, vida, imprescindível para uma zona que foi sendo despojada de tudo ao longo das últimas décadas. E não pensem que estou a inventar algo de novo. Não. No estrangeiro, em muitas cidades históricas com universidades, as residências universitárias localizam-se nas respectivas zonas históricas, conseguindo-se assim recuperá-las e dar-lhes vida. Salamanca em Espanha e Cambridge no Reino Unido são bons exemplos que devemos ter em atenção. É bom ter presente que o ensino superior não se esgota na transmissão dos saberes ou na investigação; a interacção com o meio em que se insere é fundamental para a sua credibilização.

E o IPB é a maior “fábrica” de gente, digamos, de Bragança, não é?
Utilizando a sua imagem, o Instituto Politécnico é a grande indústria que Bragança nunca teve. Foi, eventualmente, a maior conquista de sempre desta terra. Não fosse o Instituto Politécnico e Bragança seria uma terra com pouca gente, sem grandes actividades, com muito pouco dinamismo. Repare, são cerca de seis mil alunos numa idade de grandes consumos, mais os respectivos professores e funcionários. A cidade, genericamente, vive muito do Politécnico.

É muita gente!
É de facto muita gente! E gente com um perfil peculiar, a que correspondem necessidades específicas, quer no campo cultural, social ou económico. Através de fenómenos normais de imitação, essas tais necessidades generalizaram-se a grande parte da população da cidade, o que se reflectiu positivamente na economia e na cultura de Bragança.

Já voltaremos a esse ponto. Para já vamos continuar em Bragança. O facto de ter vivido nesta cidade e nesta região marcou-o?
Todo o homem é fruto do meio onde nasce e cresce. Ser Transmontano é ter uma cultura própria, diferente. É ser portador de idiossincrasias específicas, que só os naturais e/ou residentes nesta cidade ou região trazem consigo. Nem melhores nem piores que os outros, tão só diferentes.

Teve de sair de Bragança para prosseguir estudos. Sentiu de alguma forma que os transmontanos estão um pouco por todo o país?
Estão por todo o lado, na diáspora. As más condições económicas da região e as consequentes faltas de oportunidades explicam essa enorme debandada dos seus filhos, em busca de um futuro mais promissor. Em termos de desenvolvimento económico e social há, na nossa região, dois períodos bem distintos: um primeiro, que vai grosso modo até ao século XVIII, no qual os níveis de desenvolvimento de Bragança eram praticamente iguais aos que existiam no resto do país; um segundo, do século XVIII até aos nossos dias, caracterizado por um agravamento progressivo das assimetrias de desenvolvimento com as demais regiões do país. Tal facto tem a ver, fundamentalmente, com a inexistência ou degradação progressiva das vias de comunicação, ao mesmo tempo que eram investidos no país muitos recursos na construção e/ou modernização de estradas, caminhos-de-ferro, etc. Foi o famoso período do Fontismo, que teve em Fontes Pereira de Melo o grande responsável. Simultaneamente com este atraso tão penalizador para a região, perdemos a única indústria que possuíamos – a da seda. A doença do bicho-da-seda, por um lado, e a falta de actualização tecnológica, por outro, fez com que a região perdesse competitividade neste sector, que mergulhou numa crise profunda até ao seu posterior desaparecimento. Bragança empobreceu, perdeu postos de trabalho, deixou de ter condições de fixação da sua população, sobretudo a mais jovem.

Isso contribui na altura para a paragem de crescimento da cidade de Bragança?
Concerteza. Da cidade e de toda a região nordestina. O isolamento a que foi votada pelos poderes políticos de então, associado ao desemprego provocado pelo desaparecimento da indústria da seda, estiveram na base do empobrecimento económico que desde então se verificou e, consequentemente, na origem da grande debandada dos seus filhos.

Na altura em que saiu da cidade para ir estudar – licenciou-se em Lisboa – sentiu-se desenraizado ou perdido, ou pelo contrário, adaptou-se à vida da capital.
É sabido que todos nós, transmontanos, temos uma enorme capacidade de adaptação a outros meios. Foi essa capacidade, aliás, que nos permitiu emigrar para as “sete partidas do mundo” e ter êxito, sendo considerados como trabalhadores responsáveis. Quanto a mim, não tive grandes problemas de adaptação, relacionei-me facilmente com as pessoas, pelo que nunca me senti isolado, perdido ou desenraizado.

A sua vida profissional está intimamente ligada ao ensino e também ao Instituto Politécnico de Bragança. Fale-nos um pouco disso.
Quando o Instituto Politécnico de Bragança foi criado, em 1983, integrei a comissão instaladora da Escola Superior Agrária. Presidi à mesma até ao final de 1994. Foram os anos de arranque de uma instituição nova, com dificuldades acrescidas por partirmos do zero, mas também com novos e motivantes desafios. Lançaram-se os alicerces do instituto politécnico, definiram-se os cursos em que se apostaria, respectivos currículos e planos de estudo. Como deve calcular, tudo isso foi algo de extremamente importante porque estávamos a lavrar uma terra virgem, sendo fundamental que ficasse bem lavrada porque daí dependia, em muito, o futuro do instituto politécnico e da região. Ao contrário da maior parte das pessoas de Bragança que não se aperceberam imediatamente da importância que o instituto politécnico iria ter na região, nós tínhamos essa percepção perfeitamente clara, sabendo muito bem as implicações que iriam decorrer a nível social, económico e cultural. Foram tempos muito bons, muito gratificantes, mas também muito trabalhosos. Hoje, ao olhar para trás, é consolador ver o instituto com professores qualificados, várias licenciaturas e muitos alunos a frequentá-las.
Já lhe perdeu a conta?
Já lhe perdi a conta, na verdade. Tem cinco escolas, praticamente cinco mil alunos, enfim, faz mexer toda a cidade em vários domínios.

Tem a noção que os alicerces ficaram fortes?
Não me compete a mim, que estive na sua origem, avaliar a solidez do Instituto, acrescendo o facto de ter saído da direcção há praticamente doze anos.

Como investigador tem desenvolvido a sua obra, incluindo a tese de doutoramento, preferencialmente na problemática da nossa região. Pesa muito aí, ser do nordeste?
Sim, é verdade. A Economia Regional fascinou-me desde o meu 4.º ano da licenciatura em Economia. Comecei a ter uma apetência muito grande por esta área científica, o que determinou desde muito cedo a orientação do meu estudo e posterior especialização. É óbvio que para esta orientação profissional contribuiu, em muito, o facto de ser natural do nordeste e de conhecer as deficientes condições em que viviam as pessoas aqui residentes, fruto da ausência de estratégias de desenvolvimento e do desinteresse dos diferentes governos do antes e depois do 25 de Abril. Este posicionamento levou-me a fazer investigação conducente ao doutoramento na área da Economia Regional. Posteriormente à obtenção deste grau, todos os projectos de investigação, nacionais e internacionais em que estive envolvido, foram sempre no âmbito desta área científica. Nas Provas Públicas de Agregação, último degrau da carreira académica universitária que permite o acesso a catedrático, uma vez mais tiveram como pano de fundo aquela área da Economia Regional.

O seu coração é verdadeiramente do Norte, de Trás-os-Montes?
De Trás-os-Montes sim, do norte nem por isso. O norte é uma figura um pouco vaga, com limites muito variáveis, pelo que não há uma verdadeira cultura nortenha em que me reveja.

Tem trabalhado muito com universidades estrangeiras. Fale-nos da universidade dos transmontanos.
Tenho colaborado imenso com universidades estrangeiras. O facto de trabalhar em Bragança, muito próximo de Valladolid, Leon e Salamanca, faz com que seja mais fácil o contacto com colegas daquelas universidades, e daí os projectos de investigação em comum, as aulas, os cursos de doutoramento em que colaborei e as orientações de teses de doutoramento. Continuo a colaborar com Universidades do Chile e do Brasil, sobretudo a nível de cursos de doutoramento. Fala-me da possibilidade de criação da Universidade de Bragança. Durante muitos anos foi considerada como inevitável, não se sabendo apenas quanto tempo demoraria. Hoje, com as condicionantes que se deparam no curto/médio prazo ao ensino superior, as dúvidas sobre a sua criação são cada vez maiores. Não basta dizer que se está a fazer a universidade por dentro, já que a sua criação está apenas nas mãos do poder político.

Pois. É que o governo continua a insistir na ideia de uma só universidade para a região.
Assim é, na verdade. Embora tal posicionamento torne mais complicado a concretização do desígnio da Universidade de Bragança, não poderá fazer-nos desistir, devendo continuar, de forma muito mais realista, a estar na linha da frente das reivindicações desta região.

O que é que pensa da passagem do Politécnico a Universidade?
A passagem do Politécnico a Universidade não levanta, à partida, grandes problemas. Há, obviamente, algo a mudar, a transformar e a actualizar. O grande problema, como referi, é político, exclusivamente político.

Há quem diga também que se deve deixar o Instituto Politécnico como está e fazer-se uma Universidade ao lado, independente do Instituto.
Foi mais uma polémica que se levantou, a juntar a tantas outras. Tive sempre uma opinião muito clara a esse respeito. Como economista regional habituei-me a olhar para os recursos como escassos, sabendo que não abundam nem na região nem no país. Para quê uma Universidade ao lado de um Instituto Politécnico? Precisamos de uma única Instituição prestigiada, com alguns cursos de referência a nível nacional (algo que reputo de fundamental) que simultaneamente dê cursos de licenciatura, de bacharelato e profissionais, respondendo adequadamente a todos os níveis às necessidades de formação da mão-de-obra regional. A actual redução do número de alunos no ensino superior obriga-nos a (re)pensar  o futuro dos Politécnicos. Quando essa redução começou a verificar-se houve um conjunto de Universidades Privadas que fecharam, permanecendo apenas duas ou três. Amanhã, continuando como tudo indica essa diminuição de alunos, haverá problemas a nível dos Politécnicos. É um problema real, que poderá vir a ser um forte travão ao desenvolvimento das cidades e/ou regiões onde estão inseridos os Politécnicos. O de Bragança não foge à regra. Não conheço qualquer estratégia para minimizar as consequências negativas dessa mais que certa diminuição de alunos. E o tempo urge!

Mesmo apesar da dimensão de alunos que há cá em Bragança?
Sim, apesar da actual dimensão. Continuando a diminuição de alunos no ensino superior começa a haver mais vagas noutros Institutos mais próximos das residências dos potenciais alunos ( Minho,  Porto etc…).  Como já disse, é um problema que tem de ser equacionado rapidamente em todas as suas vertentes, definindo uma estratégia coerente que permita minimizar as consequências negativas que daí possam ocorrer. Quanto mais tarde se definir essa estratégia, maiores e mais complicadas serão as consequências para o IPB e para a região. Nem quero pensar no que seria a cidade de Bragança e a região com um Politécnico a perder progressivamente alunos…

Falamos da Universidade que é um sonho seu e era também o sonho do Professor Doutor Videira Pires que faleceu sem que esse sonho se concretizasse.
Falou-me numa pessoa que me é grata e de quem fui amigo. Fui seu aluno no Liceu de Bragança. Possuidor de uma cultura invulgar, estudioso compulsivo, o Padre Videira Pires, como gostava que o tratassem, era uma cabeça brilhante, um homem superior, um apreciador da vida e da convivência com os outros. Recordo, com saudade, as longas conversas que tivemos sobre as convulsões mundiais e os problemas sociais que se iam gerando. Director do “Mensageiro de Bragança” durante anos, os seus editoriais transcendiam as páginas deste Semanário, sendo normalmente objecto de citação e comentário pelas então RTP e Emissora Nacional.

Ele era uma pessoa que também o admirava. Fez-lhe várias vezes elogios rasgados, em revistas universitárias portuguesas.
É verdade, teve essa gentileza para comigo várias vezes e em várias revistas científicas. Era meu amigo e, como tal, levo isso em conta dessa amizade. Obviamente que fiquei honrado com o que escreveu a meu respeito sobre alguns dos meus trabalhos científicos, que lia “religiosamente” como me dizia.

Foi Governador Civil no distrito de Bragança nos anos de 2001 e 2002. O que guarda dessa experiência?
Foi uma experiência interessante e diferente de tudo aquilo que me habituara a fazer. Para um académico como eu, que nunca se tinha envolvido em questões politicas a nível partidário, foi uma experiência nova, com problemas novos, que me deram um conhecimento diferente sobre a realidade regional. Essa é a consequência mais rica e mais agradável, da minha passagem pelo Governo Civil.

Será pelo facto de não ser um cargo político, mas mais um cargo de utilidade pública, que vai ser extinto o Governador Civil?
A função de Governador Civil pode ser exercida como cargo político ou, como disse, de serviço à comunidade. Depende da pessoa que o exerce. Quando essa pessoa é independente, como era o meu caso, privilegia-se a componente de serviço à comunidade, sem esquecer, contudo, o lado político. Dito de outra forma: pode ser-se muito mais o porta-voz das populações do distrito junto do governo do que apenas o representante desse mesmo governo junto dos cidadãos do distrito. Quanto ao acabar do cargo, como diz, sou de opinião que é melhor esperar para ver… Face às propostas de descentralização que estão a ser divulgadas e à sua falta de coerência, não me parece que o cargo de governador civil venha a ser extinto tão depressa!

É um homem ligado à cultura, uma referência. A cultura em Bragança em que caminho está? Está no bom caminho? 
O interesse e as boas assistências que certos eventos culturais têm merecido, sobretudo os espectáculos que estão a ter lugar no novel Teatro de Bragança, poderão indiciar o início de um novo caminho da cultura na nossa terra.

Havia sede de cultura?
Era exactamente aí que eu queria chegar. Talvez essa sede de cultura fosse uma realidade, já que não havia oferta cultural compatível com as necessidades sentidas pelas pessoas. Com o novo Teatro, o Conservatório, as novas Bibliotecas, as salas de exposições, as novas tecnologias de informação, diversificaram-se e enriqueceram-se as ofertas culturais. A cultura em Bragança poderá ir no bom caminho. Mas há ainda muito a fazer neste domínio!

Um Teatro que não é só necessariamente isso, é um Teatro que nos trás musica clássica, ballet…
É verdade. Permite uma oferta cultural vastíssima. Desde logo o teatro, mas também a musica, a ópera, o bailado, a revista, a magia, etc…

Como comenta a saída do “Teatro em Movimento” de Bragança? Não fomentava a cultura em Bragança ou faltava-lhe qualquer coisa?
Tudo aquilo que sai da região, empobrece-a. Seja no aspecto cultural, económico ou social. É sempre mau. A saída do “Teatro em Movimento” não foge à regra.

Fazia falta?
Fazia falta, como fazem falta todos os outros instrumentos ao serviço da cultura da região.

 “O futuro se encarregará de provar se se tratou apenas de um exercício de retórica ou de um programa para vingar e dar frutos ”. São palavras do Dr. José Monteiro relativas ao III Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro. Quer comentar?
O dr. José Monteiro tem toda a razão no que diz. Comungo inteiramente as suas preocupações. Foi importante ter feito o congresso, depois de tantas tentativas frustradas e frustrantes para o realizar. Foi bom discutir em conjunto os problemas que nos afligem, elencar as soluções, seleccionar as estratégias. Ficar só por aqui é muito pouco. Agora há que fazer exigências ao poder político. E aí começo a ter dúvidas não só quanto ao empenhamento deste a nível central, como também a nível local. É bom não esquecer que alguns dos responsáveis locais continuam a olhar para a região com lentes desfocadas por uma “partidarite aguda” que em nada ajuda.

Somos jogados para segundo plano, mesmo a nível nacional, a nível de governo?
Recusei sempre essa visão dos coitadinhos e abandonados. Porém, ao olhar para o que ocorre no Distrito de Bragança, de há muitos anos a esta parte, algo terá de mudar por parte do poder político. Não poderemos continuar passivamente a aceitar a discriminação chocante a que estamos a ser votados, independentemente de quem está ou esteve no governo. Julgo que a sociedade civil nordestina poderá e deverá ter uma importante palavra a dizer nesta matéria.

Isso condena-nos um pouco a desaparecer do mapa!
A situação é dramática, embora não me pareça poder vir a correr-se esse risco. Manifestei-lhe já a minha preocupação quanto à forma de actuação de muitos poderes locais existentes na região. Recentemente aceitaram, e até aplaudiram, a divisão de Trás-os-Montes e Alto Douro em duas regiões. Ora, sabendo nós por experiência própria a forma como fomos (somos) tratados pelo poder central ao longo dos anos, o que esperar quando nos deixamos dividir? Se o nosso peso político já era pequeno, ficará insignificante após a divisão.

O distrito de Vila Real pensa que ganhará mais sem nós?
Não poderemos falar em distrito de Vila Real, já que uma parte quer continuar transmontana, enquanto outra “descobriu” agora ter sido sempre e só duriense. Há estudos a demonstrar que economicamente será um erro a divisão. Eu próprio fui autor de um deles. Não se conhece nenhum que defenda a divisão da região em duas. Como é possível caminhar por aí? Somos poucos, com tendência para continuarmos a ver a população diminuir. Para quê então a divisão? Que estranhos e insondáveis mistérios estarão por detrás de tal decisão? Espero que o bom senso impere e se sobreponha a eventuais aspirações de poder que possam ter perpassado por alguns espíritos.

Porque é que o governo não aproveita a boa localização de Trás-os-Montes como ponto de saída para a Europa?
O problema é que somos um ponto de passagem sem boas estradas. O Alentejo também é um ponto de passagem, mas tem excelentes estradas e auto-estradas. Além da auto-estrada para o Algarve, tem outra que liga Lisboa a Badajoz e Madrid, para além de poder vir a ter o TGV. O problema é que Trás-os-Montes não tem peso político…

E não tem quintas dos governantes!
Também é verdade! Embora haja algumas quintas no Douro com grande potencial turístico, o mal de Trás-os-Montes é, como já referi, o seu diminuto peso político. Veja a auto-estrada A23 que liga Torres Novas à Guarda: como é possível ter chegado à Guarda e parado? Nem mesmo a Foz Côa, com as suas gravuras rupestres consideradas património mundial, chegou a A23! Ter ou não ter força política é a única explicação para este e outros casos. A região de Castelo Branco / Guarda, num determinado momento, teve essa força e conseguiu resultados. Nós, transmontanos, nunca a tivemos.

Houve apenas um que teve força inclusive para se vir embora quando não aceitaram o que ele queria.
Eventualmente. Pode ter havido um ou outro político que teve a “ousadia” de dizer basta. São, contudo, excepções que apenas confirmam a regra.

Como economista que pensa que poderá ser feito par tornar esta região mais próspera?
Há que delinear uma estratégia de desenvolvimento que seja aceite pelos diferentes actores regionais. Essa estratégia de desenvolvimento apostará em eixos fundamentais ou clusters. Numa região como Trás-os-Montes e Alto Douro o turismo será um desses eixos fundamentais, desde que se aposte na sua qualidade. Deverá tirar partido das condições imateriais de excelência da região, como sejam as paisagens e o ambiente, resultantes de um isolamento secular que nos arredou do processo de industrialização do país. Ambiente que não só temos de conservar como, também, vender. Pese embora o facto de haver pessoas que acham que o ambiente é para usufruto de poucos… Esta é uma visão errada e perigosa. Para além de conservar e preservar paisagens e ambiente, temos de “vendê-los”, tal como terá de ocorrer com a gastronomia, as tradições, etc. Mas para sermos um destino turístico de qualidade temos de apostar no golfe, o que implica a existência de três campos num raio de cerca de cem quilómetros. Um deles terá de se localizar em Bragança. Para além do campo de golfe há necessidade de hotéis adequados às exigências das pessoas que praticam tal desporto.

Cultivar um turismo de alta qualidade?
É óbvio que sim. Interessa-nos atrair à região pessoas que exijam qualidade, estando dispostas a pagá-la. Bragança e a sua região têm de ser complemento da oferta turística de qualidade disponibilizada pelo Douro. Só assim, com escala mínima e diversidade, as regiões do Alto Trás-os-Montes e do Douro terão capacidade de concorrer com outros destinos turísticos. Para além deste eixo fundamental para o nosso desenvolvimento que é o turismo, devemos também apostar no cluster florestal. O Nordeste Transmontano tem condições excelentes para vir a ser uma região com grande capacidade produtiva no âmbito florestal. Temos, para o efeito, de nos tornarmos numa referência a nível nacional, desde a produção, à transformação de madeiras, à investigação aplicada a este sector e aos cursos superiores com ele relacionados. Um outro cluster em que devemos apostar é o formado pelos produtos tradicionais de excelência. Para além de garantirmos a certificação rigorosa e independente da qualidade destes produtos, teremos de saber comercializá-los, descobrindo os nichos de mercado onde deverão ser colocados, já que aí terão um valor acrescido.

Mas não seria melhor dividirmos as coisas? Existe uma feira do fumeiro em Vinhais, na semana seguinte uma feira do fumeiro mais abaixo, depois uma feira da caça em Bragança e outra em Macedo…
Não acho mal esse conjunto de eventos. Quanto mais se derem a conhecer os produtos de excelência que temos, melhor. O problema é não haver uma oferta articulada, ou seja, tem que haver um organismo, uma instituição regional, que faça a articulação dessa oferta a nível das diferentes terras de Trás-os-Montes.

Tínhamos ganho com a regionalização?
Não tenho a esse respeito grandes dúvidas sobre o balanço positivo que teria ocorrido com a institucionalização da regionalização. Trata-se de um instrumento imprescindível, um pré requisito, ao desenvolvimento de uma região. O problema que ocorreu, e esteve na base da sua rejeição, foi o mapa então apresentado. Alguns partidos políticos não aceitaram o citado mapa nem apresentaram alternativas ao mesmo. Este comportamento foi mau para o desenvolvimento do país. A regionalização é um processo que, para além da componente política – são os políticos que a vão legitimar e pôr em execução – tem uma componente económica e social imprescindível. Infelizmente a componente politica prevaleceu em relação às demais. Neste país temos, a nível da governação, os níveis central e local. Falta, como é óbvio, o nível intermédio. Voltando um pouco atrás, estava a falar nos eixos de desenvolvimento e faltava-me falar no cluster inovador. Não há região nenhuma que procure desenvolver-se que não aposte neste eixo inovador, desde que para o efeito tenha mão-de-obra qualificada.

Ninguém nasce ensinado…
É verdade que sim. O Instituto Politécnico de Bragança permitiu a formação dessa mão-de-obra. Daí a localização da Faurecia, uma empresa de componentes automóvel, em Bragança, aproveitando a nossa proximidade a Valladolid, Saragoça e Madrid onde se localizam empresas do sector automóvel. Muitas outras “Faurecias” poderão fixar-se entre nós, aproveitando os factores positivos que indiquei, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da região. Sem o Instituto Politécnico a formar pessoas nada disto seria possível ou imaginável!

Só a formar pessoas?
Não só. Também a inovar processos, produtos e mentalidades. A inovação é imprescindível a todos os níveis e em todos os sectores. E a fazer investigação aplicada que sirva a região.

Partindo do que diz, terá, a nossa região, um futuro risonho?   
Tem que ter um futuro risonho. Acredito na região. De outra forma tinha ido para qualquer cidade universitária do litoral onde não me seria difícil arranjar lugar. Temos é de reivindicar junto do poder central, seja ele qual for, a dívida histórica que este tem para esta região em termos de desenvolvimento e que passa pelo acesso em condições de igualdade à saúde, à educação e às vias de comunicação.

Era boa uma linha-férrea regional? Só para Trás-os-Montes?

F.C. – Já escrevi bastante sobre isso. Defendo uma linha-férrea nova, que faça a ligação Porto – Régua – Vila Real – Mirandela – Macedo – Bragança, continuando para Espanha com ligação à linha Madrid – Vigo. Haveria rentabilidade económica já que estava assegurado um bom número de passageiros e mercadorias.

Hoje em dia a CP não tiraria a linha daqui?
Julgo que não. Os seis mil alunos do Instituto Politécnico de Bragança deslocam-se frequentemente para a região de Braga e do Porto, como bem o demonstra o elevado número de carreiras expresso. Se a este fluxo juntar as centenas de alunos que diariamente de deslocavam de comboio para estudar em Bragança, Macedo ou Mirandela, fica com uma ideia do enorme volume de pessoas transportadas. Na minha opinião a CP cometeu mesmo um grande erro.

Será que essa linha-férrea volta um dia?
Parece-me pouco provável. A voltar teria de ser com o traçado que lhe referi, permitindo a ligação dos principais centros urbanos de Trás-os-Montes.

Para terminar, e o tempo já não é muito, que personalidade ou personalidades o marcaram mais ao longo da sua vida?
Várias. Em Bragança o padre Videira Pires pela inteligência e cultura superiores, o padre Belarmino Afonso pela simplicidade, afabilidade e saber, o dr. Eduardo Carvalho pela luta por ideais de justiça, dignidade e democracia e o dr. Vilarinho Raposo enquanto pedagogo e líder de instituições de ensino. A nível nacional o general Humberto Delgado pela ousadia em lutar pela liberdade contra uma ditadura obsoleta e o então Bispo do Porto pela sua frontalidade, dignidade e lucidez, não pactuando com o poder político não democrático de então.

A liberdade acima de tudo.
A liberdade é algo inerente à dignidade e condição humanas. Não é possível viver em plenitude sem este bem, que cada vez mais terá de ser olhado de uma forma responsável e exigente.

Ficamos então por aqui nesta entrevista. Foi um prazer estar à conversa consigo.
Obrigado.

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