sábado, 25 de fevereiro de 2012

Entrevista: Professor Doutor Dionísio Gonçalves

OBS: Esta entrevista foi realizada nos finais de 2005

Professor, nasceu no concelho de Bragança, onde passou a sua meninice e início de juventude. Que recordações guarda desse tempo?

As recordações de Bragança são muito diferentes do actual mas, há uma variância, também, como hoje, que era acolhedora. O liceu era prestigiado e existia uma grande vivência entre as pessoas. Porquê, como sabe, Bragança é uma zona tão interior, uma cidade tão interior que criou sempre muitos laços entre todos nós que aqui vivíamos. Por isso também se chamava a Bragança uma mini Coimbra. Havia, de facto, um ambiente académico muito grande. É com muita saudade que eu recordo esses tempos. Nomeadamente, ainda há poucos dias comemorámos o final do curso de liceu, em 1962/1963, há quarenta e dois anos, portanto e ainda nos reunimos com muita saudade, aqui, em Bragança. (A entrevista foi realizada no final de 2005)

De que forma o facto de ter nascido nesta região o marcou?

Digamos… não posso dizer que me marcou: marcou-me pela positiva, obviamente, porque desde cedo, gostei muito do território. Gostei muito de estar ligado às questões do ambiente, meteorologia, etc. Desde criança que olhava muito para as montanhas, Montesinho e Sanábria e recolhia os dados climáticos como um hobby. Era praticamente um rapaz de liceu, digamos assim.   

Então não foi a sua actividade como oficial miliciano de meteorologia da Força Aérea Portuguesa que despertou a sua vocação?

Não, já estava desperta. Eu posso dizer, tenho hoje 62 anos (agora tem 69) e há 57 que me posso considerar uma estação climatológica, porque guardo na memória praticamente os fenómenos meteorológicos relevantes, é um hobby e, quando fui, de facto, para o exército, enfim para a minha vida militar, tive a oportunidade de fazer a vida militar na Força Aérea como técnico oficial de meteorologia onde aprofundei e tirei um curso coerente sobre a meteorologia e previsão de tempo.

Licenciou-se em Lisboa. Sentiu-se desenraizado, perdido, adaptou-se bem à vida da capital?

Não, naturalmente que me adaptei bem. Naqueles tempos nem poderia ser de outra maneira, não havia a dispersão do ensino superior que há hoje, e portanto, adaptei-me muitíssimo bem. E também tinha colegas daqui, da nossa região, outros colegas que estavam noutras faculdades. Gostei imenso de estar em Lisboa, posso dize-lo. E digamos que era ali que teria ficado se não fosse, aliás, pelo ensino superior.

Passou da capital para Vila Real. Fez o percurso inverso da grande maioria das pessoas…

Exactamente, porque aproximar-me da minha região foi sempre um grande objectivo da minha vida. Escolhi a vida académica, escolhi, profissionalmente, a vida universitária. Se não tivesse havido essa desenraização do ensino superior era mais um que estava, que tinha continuado em Lisboa. Mas também poderia ter continuado, obviamente que sim mas, quando foi criado o politécnico de Vila Real e, aliás, sou o docente mais antigo desta universidade, porque fez exactamente este mês de abril 30 anos que eu vim para Trás-os-Montes, Abril de 1975, regressei nessa altura e portanto com uma grande paixão e com uma grande dedicação. Também ajudei, à minha maneira, a construir o que é hoje a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

A sua vida profissional está intimamente ligada à vida académica e ao Instituto Politécnico de Bragança. No entanto, durante alguns anos, deu o rosto ao projecto do Parque Natural de Montesinho. Fale-nos, por favor, desse percurso.

Ora bem, isso foi uma coincidência porquê, como sabe, a área do ambiente só foi encarada pelos governos depois do 25 de Abril. A Secretaria de Estado do Ambiente, estava, começou por estar no Ministério de Obras Públicas, numa tentativa de, talvez, tentar corrigir algumas questões ligadas com as grandes obras que se faziam e que se estava com a necessidade de fazer, nesse período, no país. Obviamente, eu vim de uma escola onde, a maior parte dos futuros protagonistas da área do ambiente, professor Ribeiro Teles, arquitecto, Fernando Pessoa da arquitectura paisagística, de agronomia, fundamentalmente. Foi daí que saíram os homens que lançaram as questões do ambiente nessa década de 70 e como eu também estava e falava muitas vezes, sempre falei, com muito entusiasmo, da nossa terra e de Montesinho em particular, na altura, em 1978, o Presidente responsável pelos Parques contactou-me para ver se estava interessado e se podia dar uma colaboração. Digamos que, o arranque do Parque de Montesinho, como devem calcular, agarrei a oportunidade com ambas as mãos como é óbvio, porque era uma oportunidade única e porque também era um hobby desde criança. Quando era rapaz ia com os skies às costas, que fazia de madeira, à mão. Como é evidente, não havia carros e a gente tinha que subir a pé. Arranjava-se uma boleia até França e depois dali até Lama Grande e até à parte espanhola onde está hoje o parque eólico era sempre a pé com os skies às costas. Ora bem, isso foi uma realidade muito agradável. Tive muito gosto em gastar milhares de horas a falar com as populações entusiasmadas para criar, de facto, um Parque que é de facto uma reserva da biosfera impressionante.
Evidentemente, o Parque foi criado na perspectiva de manter uma paisagem humanizada e numa perspectiva de canalizar recursos para manter essa mesma paisagem humanizada. Mais do que tudo, para ser uma espécie de sistema educativo ao ar livre. Portanto, as pessoas vêm para ser educadas sobre o ponto de vista ambiental e para termos a construção de uma sede a curto prazo. Uma sede onde o visitante entra e contacta com todos os ecossistemas do parque e sai dali já direccionado tematicamente para esta ou aquela área. Por outro lado, é um centro, uma área privilegiada de investigação e isso, felizmente, está-se a conseguir através do Instituto e, nomeadamente, da Escola Superior Agrária junto das universidades portuguesas porque, de facto, se foi possível manter ecossistemas tão equilibrados, há que estudar em profundidade qual foi a causa, para que possam perdurar no futuro.

Quando era mais novo fazia esqui no parque natural de Montesinho, não era?

Sim, nevava mais que hoje, isso posso confirmar. Repare que isso foi há praticamente 50 anos, não se esqueça disso. Imagine o que era a cidade há cinquenta anos, não era nada que se parecesse com hoje e os recursos que havia eram poucos. De maneira que os skies, lá víamos às vezes uns filmes e umas revistas, poucas mas, pelos filmes sabíamos mais ou menos como era o comprimento, arranjávamos depois uma mola com uma correia atada, a bota ia contra uma peça de ferro e pronto, dava para nos divertirmos.
 Uma das noites mais interessantes que se viveu aqui em Bragança foi, salvo erro, dia 8 de Fevereiro de 1963, em que fizemos esqui toda a noite pela costa grande e pela costa pequena abaixo, que eram pistas privilegiadas. A malta ia pelos passeios, dois ou três íamos a descer e, por acaso, um não teve muita sorte deu logo um grande trambolhão. Acabou-se logo a noite do esqui, correu mal. Mas pronto, até foi um objecto de promoção da serra de Montesinho em tempos com a possibilidade de fazer esqui e continua obviamente, quando há neve, quando há algumas condições para fazer esqui. Até fizemos um tele esqui com o motor de uma vespa, depois com um motor de um Fiat 600 e com uma corda de nylon que nos puxava. A parte mais alta da serra de Montesinho, a zona de Lama Grande tem condições excepcionais para quando há neve fazer esqui de fundo, enfim, à escala como é evidente.

Pena é que o esqui esteja tão distante de Montesinho neste momento… A tão ansiada auto-estrada, com ligação a Rias Baixas parece um sonho, que nunca se tornará realidade. Que mal teremos feito nós os transmontanos para ficarmos sempre para trás? Para sermos maltratados pelo poder central?

A questão das acessibilidades, penso que agora poderá, politicamente, ser ultrapassada. A decisão, do governo anterior, de transformar o IP4 em auto-estrada está tomada. É provável que, em dois ou três anos esteja já a auto-estrada em Quintanilha.
A ligação a Zamora e as travessias de Zamora daqui a dois anos está aqui. Na parte Espanhola chamam-lhe Auto via Del Douro, que é a via que vem ao longo do Douro. A transformação da nacional 122 Espanhola, que é uma via muito importante de Espanha, que eles dizem que liga o Atlântico com o Mediterrâneo, já que ela nasce em Quintanilha e morre em Saragoça e faz a ligação com o Mediterrâneo e com o litoral Atlântico norte. Atravessa, portanto, a Espanha, a Península de Espanha e contínua para Portugal, com a nossa A4. Como se sabe, a A4 passa, ao ter que passar em Bragança aproxima-se muito da A52, Auto via de Rias Baixas e são trinta e dois/trinta e três km que separam as duas, portanto, é inevitável fazer uma estrada, uma ligação, pelo menos, melhor do que a actual.
É caso para pedir aos senhores ministros: façam-nos uns caminhos rurais. Como sabe, agora os caminhos rurais que estão a ser feitos já não têm curvas, felizmente, com a utilização de novas tecnologias, com um piso grossíssimo e são caminhos rurais… nós ficaríamos bem servidos, pelo menos para já se fizessem um caminho rural. Isto é só para mostrar, que a questão tem que ser resolvida, até porque são quinze ou dezasseis km, para cada país. Estrategicamente é muito importante ligar estes dois eixos, por outro lado vão começar já as obras do TGV, aqui na zona da Sanábria, Montesinho. Já esta feita a subestação em Padronelo, junto dos túneis que vai alimentar o TGV. Já está feita a subestação de energia que é, naturalmente, muito maior que a nossa, a subestação dos Formarigos, portanto, vai. Provavelmente, ter ali uma paragem. Há um movimento que ainda não é uma coisa muito certa, mas pelo menos está quase garantida que irá ter uma paragem. Temos que tirar partido da nossa centralidade, e nunca Bragança poderá dar um salto de qualidade enquanto, enfim… a A4 é uma exigência mas, o IP2 é de uma importância vital para desencravar o resto da região e ligar-nos à A25 que esta praticamente feita. A transformação do IP5 em auto-estrada, já esta de facto a um belíssimo ritmo, portanto o IP2 e obviamente o IP5, são meia dúzia de km, 20 ou 30 km e está a gente aqui, perfeitamente sufocada.
 Felizmente, e podemos agradecer o empenho que a câmara fez em relação ao aeroporto, o aeroporto esta praticamente concluído, dentro de um mês ou dois poderá receber aeronaves com maior dimensão. Parece que vão começar, como experiência, voos para Paris e provavelmente outros destinos, nomeadamente Geneve e Dusseldorf, são os três destinos que deveriam ser explorados, dada a comunidade de emigrantes que existem e, portanto, nós temos que tirar partido da situação mas, sem acessibilidades corrigidas não é nada fácil, porque não se pode desenvolver uma região. Vê-se alguns camiões tir e, inclusivamente, transportes internacionais pela estrada do Portelo e de Calabor, que é uma coisa horrorosa. Eles sabem bem que é um passo importante para alguns percursos e não pode a gente desenvolver uma região… Chega-se à Puebla e da Puebla até aqui… é uma estrada medonha.

Como investigador tem desenvolvido a sua obra, incluído a sua tese de Doutoramento na área de Agro Climatologia, sempre à escala regional e local. Esta região é, efectivamente, um caso à parte?

Não é que seja um caso à parte. Por um lado, porquê Trás-os-Montes tem uma variação climática extremamente grande, muito grande, nomeadamente, as designações regionais, Terra Quente e Terra Fria. Isso, juntamente com a matriz do solo, foram responsáveis pela construção do homem e das diversas paisagens. Encontra-se num ambiente próximo de uma Europa, por exemplo, aqui à volta de Bragança, a paisagem do Parque Natural de Montesinho é, praticamente, o maciço central francês, o carvalho, o castanheiro, etc., tem depois as zonas mediterrânicas, mais secas, mais desidratadas, junto ao Douro, a Terra Quente, portanto, há uma variação muito curiosa do clima em particular. Neste caso concreto em relação à actividade agronómica tem muito a ver com o problema das geadas e o problema dos fogos e tudo quanto podemos fazer para alertar, digamos, a defesa contra as geadas e contra os fogos e outros acidentes climáticos é de uma importância económica muito grande.

Professor, tem trabalhado muito com universidades e autores estrangeiros… e a tão falada universidade dos transmontanos?

Ora Bem, evidentemente, como sabe a universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro no momento em que foi criada, a partir da transformação do então Instituto Politécnico de Vila Real, em 1979, para primeiro Instituto Universitário Trás-os-Montes e Alto Douro, foi também criado o Instituto Universitário da Beira Interior e, nessa altura, estava a ser preparado o nascimento do Politécnico mas, em princípio, esgotava-se a possibilidade de haver mais instituições de ensino superior. Portanto, nessa altura, na Assembleia da República, foi obrigatório que tomassem o nome da região, não é que se tivesse esgotado o nome, mas pronto, tomar o nome da própria região e, por isso, hoje muitos políticos dizem já há uma universidade, já há um politécnico, portanto não há necessidade de haver mais universidades. No caso de Bragança o politécnico, está a fazer um percurso universitário e hoje em dia cada vez mais a diferença entre politécnico e universidade está a esbater-se e há muitas correntes de opiniões, talvez até maioritárias, que vêem não ter sentido a diferença entre um politécnico e uma universidade, nomeadamente, as universidades novas e, porque no nosso imaginário, vive sempre a ideia de criar um eixo Porto-Lisboa-Coimbra. Não, as universidades novas têm 30 anos, trinta e poucos anos. Nós vamos fazer 19 anos, fazemos este ano lectivo 2005/2006 19 anos. Começamos com os primeiros cursos na Escola Superior de Educação e na Escola Superior Agrária. Olha-se para os cursos, a natureza da instituição que os dá e, por outro lado, a tendência de harmonizar as carreiras académicas e isso é muito vantajoso. Está cada vez mais, enfim, a ideia de unificar a carreira académica. Não faz sentido que não haja, que a instituição não tenha o estatuto universitário. Estamos a ultrapassar os noventa doutores… é de facto o projecto mais ambicioso do país, é uma realidade e o reconhecimento universitário é absolutamente vital para a afirmação desta instituição, que está mais longe dos centros de decisão do país e tem que atrair quase todos os alunos.
Ora, eu não posso atrair, para a zona mais desprotegida do país, alunos para uma instituição que, estrategicamente, é diminuída. Isso é uma questão estratégica e, por outro lado, como temos uma grande relação com as universidades do lado de lá da fronteira, Salamanca, por exemplo… ainda outro dia esteve cá o Senhor Reitor, estão interessadíssimos em fazer programas de doutoramento em comum mas, os programas de doutoramento e as aulas de doutoramento são feitas cá com os nossos docentes. Porquê? Porque reconhecem a capacidade da nossa instituição. Não há-de de ter capacidade também de outorgar o grau de doutor em algumas áreas, onde o conjunto de doutorados é grande? Temos, por exemplo, o Centro de Investigação de Montanha, da fundação, em que eu sou o coordenador da ciência e tecnologia, que tem trinta e um Doutores elegíveis, por isso, também, recebemos mais uns cofres.
Ora, dentro do Centro de Investigação de Montanha, que é um centro integrado para estudar os problemas de montanha, que é único no nosso país, então esses Doutores. Por estarem numa instituição que se chama Politécnico, perderam as capacidades? Não podem fazer investigação relevante? Não podem ter a capacidade de outorgar graus nesta imensa área, uma área muito interdisciplinar? Quer dizer, isto não tem muito sentido e, portanto, o sentido universidade/politécnico cada vez se vai esbatendo mais e nós continuaremos sempre… a instituição continuará sempre, a procura incessante do estatuto universitário. Se depois se chama universidade de Bragança, que é o que deve ser chamado, até porque Bragança já tem história pelo menos há 600 anos… Hoje fala-se em Bragança pelo mundo. Numa conferência e eu tenho ido a várias conferências em partes remotas do mundo, posso dizer a Austrália concretamente, ouve-se uma pessoa a falar de Bragança porque conhecia Bragança e a sua história e do que representa para o país. Portanto, Bragança tem o nome feito e, com toda a simplicidade o digo, que é absolutamente vital para ancorar este projecto porquê, senão, tenho muitas dúvidas que se possa ancorar aqui um projecto com esta dimensão, sem o seu reconhecimento pleno.

Quais foram e são os entraves do IPB?

Ora bem, eu diria que posso quase resumi-los a um que é, efectivamente, a creditação científica da instituição. A partir daí, tudo se vai desenrolar e desenvolver com normalidade mas, esta procura e este projecto muito ambicioso, é o projecto mais ambicioso do país, que é dar creditação científica, aos docentes do instituto de modo a que eles possam formar Doutores. É de facto o projecto da instituição e um projecto do futuro. Porquê? Temos quatrocentos e cinquenta docentes a tempo inteiro, à volta disso e, neste momento, estamos, como disse antes, a ultrapassar os noventa Doutores, já doutorados. Felizmente todos os meses há um ou dois porque o programa está a produzir os seus frutos, mas ainda estão no prelo mais cento e vinte, portanto não se espera que haja grandes insucessos o que quer dizer que a instituição neste momento tem que ser vista como a instituição que é, com esta dimensão.
Estas coisas não se fazem de um dia para o outro. Não nos podemos comparar a instituições que tem trinta anos de funcionamento, quando nós ainda não chegámos aos vinte. Não se podem fazer comparações dessas, mas o que interessa, é que o projecto está a ser feito para praticamente duzentos docentes. Ora, é evidente que a capacidade de resposta em termos de investigação, veja-se no Centro de Investigação de Montanha (CIMO), cada docente tem o seu projecto mas, o que interessa, são os projectos homologados. Não basta dizer que somos estes ou aqueles…tem que de fora vir o aval e dizer que nestas matérias, têm estas ou aquelas competências e, portanto, não era possível, há cinco, dez anos, termos a possibilidade de criar um centro de investigação, de sermos um pólo de laboratório associado, separação/reacção da Escola Superior de Tecnologia com a Universidade do Porto. Era impossível ter aqui um núcleo com oito Doutores na área da química, que é um núcleo de muita excelência. Era impossível há cinco anos, agora, daqui a cinco ou dez anos, obviamente, a realidade tem que ser outra, desde que, obviamente, os duzentos Doutores não se vão embora, sejam devidamente enquadrados estrategicamente.
Por isso a criação da Universidade de Bragança é evidente. Temos que acreditar no futuro. Se hoje os oitenta ou noventa Doutores dão este prestígio à instituição quando forem o dobro, as coisas terão de ser diferentes… há mais capacidade para intervir nos projectos de apoio à comunidade, porque agora a obrigação de escola/empresa tem se ser uma realidade mas, com quem? Onde estão os braços? Com cem docentes não se pode fazer mais nada, em três anos, do que preparar as suas teses. Estão bloqueados, nem sequer dão aulas, estão dispensados das aulas… é preciso entender como uma instituição destas está a criar-se, ela própria e, ao mesmo tempo, está a fazer o seu trabalho relativo às aulas e à prestação dos serviços à comunidade, etc. Não se pode crer que a instituição tenha a capacidade de resposta quando o projecto terminar. Este é o entrave mestre fundamental. Atrás dele vem o programa de infra-estruturas, obviamente que há muitas estruturas que ainda faltam.
Não nos podemos queixar que, no âmbito nacional e mesmo internacional, quem nos visita fica agradavelmente deslumbrado com a qualidade dos edifícios, do equipamento, da investigação que se faz, etc. Há muitas lacunas em vários casos, nomeadamente em Mirandela, onde estamos a viver num baixo cedido pela câmara municipal (que é uma escola que se afirmou por ela própria). É um caso de sucesso que tem, praticamente, oitocentos alunos, é o único pólo antigo. Havia pólos aqui, pólos além nas universidades e politécnicos… este foi o único pólo, com maior dimensão do país, que se afirmou. Obviamente estamos a fazer um esforço muito grande para continuar o projecto de infra-estruturas. Começou com uma cantina, segue um lar para cem camas e depois o edifício. Essa é a prioridade das prioridades, ao mesmo tempo que os serviços centrais aqui, no campus do politécnico, na Escola Tecnológica e Escola de Educação, se arrastam há anos mas, pelo menos, já está em PIDAC. Vamos ver se temos sorte. Além disso, há necessidade de criar a biblioteca central para a possibilidade de potenciar a Superior de Educação, porque o corpo pedagógico onde está alojada, não tem biblioteca, mas não tem biblioteca de propósito. Potenciamos o edifício com mais salas de aula, só que agora três salas de aula estão completamente bloqueadas para servir de biblioteca… vai ter ao lado o edifício da Biblioteca Central do Instituto para onde passará a biblioteca da ESE. São projectos que, infelizmente, vamos tentar candidatar a outros fundos e temos alguma esperança nisso.
Por outro lado, uma área de desporto que é promissora. Temos o gosto de ter 8 corredores homologados internacionalmente com as pistas de atletismo e, para além disso, há que fazer um edifício de apoio para podermos ter jogos e eventos homologáveis. Já está o projecto feito, já está homologado, porque tem as áreas obrigatórias exigidas pelo Instituto Nacional de Desporto que exige uma sala de imprensa, uma sala para isto e para aquilo, etc. Temos todas as condições reunidas para isso e, também, para além disso. Ainda falta um complexo desportivo igualzinho ao da câmara que é, piscina, tanque de aprendizagem e polidesportivo. Agora, os nossos alunos tem que estar permanentemente a utilizar o espaço da câmara, que já é pequeno para as necessidades da cidade, como sabem. É difícil a gente arranjar um sítio para dar um mergulho na piscina, portanto, é uma infra-estrutura importante para dar coesão a uma população estudantil que nós queremos ver se a conseguira-mos manter entre os 1500 a 6000 alunos.
 Para além do mais, como felizmente, tivemos sorte de a escola de enfermagem ter sido transformada em escola de saúde, todos os cursos tem tido uma grande adesão. Como sabe a área de saúde é uma belíssima área. Estamos a fazer adaptações no antigo edifício da escola superior de enfermagem, que já têm mais de trinta anos e neste momento vamos também candidatar o novo edifício que queremos fazer em frente ao hospital. Temos a esperança de que o projecto do hospital não fique no tinteiro porquê, esta aposta na área da saúde é muito importante. Por um lado, o próprio hospital distrital tem um projecto, de facto, muito bonito e um projecto de futuro. O reforço que for possível fazer nas áreas de saúde, uma área de grande importância estratégica para assegurar a coesão da região, porquê a saúde é extraordinariamente importante para assegurar a atratibilidade das pessoas que vêm para a região, os cuidados de saúde, etc. Por outro, uma escola de saúde que está, felizmente, a dar bons passos, que já tem seis cursos e este ano vamos propor um novo curso na área de educação ambiental. Depois, naturalmente, surgirão mais cursos nesta área tão rica.
A ligação com as outras escolas, nomeadamente, com a Escola de Tecnologia para as tecnologias mais duras, porque temos essa facilidade e essa vantagem. Nós estamos, no campus, pertinho uns dos outros e estamos a potenciar as capacidades laboratoriais que existem. Não existem numa só escola, porque é preciso também destruir as barreiras inter-escolas. Não se pode fazer isto na minha escola, aquilo na outra, não! O projecto que mais me custou a fazer, foi transferir a Escola de Educação para o campus, porque quis, sempre, ter diversas formações em diálogo, em convívio… porquê, senão, haveria segregações nada agradáveis.
Numa cidade pequena, e para mim, a grande vantagem e aquilo que mais me animou efectivamente foi criar… também tivemos a facilidade de criar um edifício duas vezes e meia maior do que o que deixamos, como é evidente mas, mais do que isso, era a interdisciplinaridade que é, de facto, aquilo que faz uma instituição ser uma instituição universitária.

O Instituto Politécnico de Bragança tem agora (finais de 2005), 5600 alunos distribuídos por 36 licenciaturas em funcionamento em 5 escolas; a Escola Superior de Educação, Escola Superior de Saúde, Escola Superior Agrária, Escola Superior de Tecnologia e Gestão e a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Mirandela. Pode dizer-se que é uma incontestável mais-valia para a região?

Eu acho que sim. Quer dizer, basta ver que, em todas as regiões do interior, em toda a parte do mundo, mesmo nas zonas desenvolvidas, onde está uma instituição do ensino superior com alguma dimensão é, efectivamente, o projecto mais importante para essa região.
Já no meu tempo de criança, no liceu a gente sabia que os meses de Agosto e Setembro eram um deserto. O mês de Outubro animava a cidade. Também, havia o serviço militar, como sabe, que estava distribuído por todas as capitais do distrito. Depois de 1975 houve uma redução e ficámos sem a unidade militar mas, hoje em dia, são estas instituições de ensino superior que fazem uma espécie de substituição do que era antigamente o regime da tropa, do regime militar, da instituição militar, digamos assim e hoje com uma vantagem porquê, para além de haver “mancebos” há “mancebas” e, portanto, há uma população que é mais do dobro.
Repare, há uma coisa que eu costumo dizer e que cada vez é mais importante. Esta ocorrência de instituições como a nossa, aqui, no interior do país, faz com que haja mobilidade dos jovens que, antigamente, era apenas assegurada pelo serviço militar e isto tem uma importância extraordinária a nível estratégico de coesão nacional. Repare que se não fosse o regime militar, os mancebos das regiões do interior aqui se mantinham toda a vida pois não tinham a possibilidade de ver novos horizontes, eu próprio saí daqui quando fui para a vida militar e para a faculdade. Hoje, faz-se a mesma questão, a mesma coisa, com a mistura de todos os jovens de todo o país no espaço nacional. Isso é de uma importância estratégica sem par, isto, falando de questões de defesa nacional, para a coesão e para a defesa nacional.

O que falta ao instituto Politécnico de Bragança para ser Universidade?

Neste momento tem todas as condições básicas, científicas para poder ter estatuto universitário. Esperemos que a curto prazo possamos dar um passo grande com a aproximação da carreira académica. Eu, em todos os governos anteriores, tenho lá uma proposta para que o pessoal docente possa ser regido pela carreira académica universitária, por isso, só falta vontade política, não falta mais nada.

O que é uma universidade politécnica? Será essa a solução para a nossa região?

O nome e o conteúdo é o que nos importa. O estatuto universitário para termos o tratamento de igualdade e ter as mesmas oportunidades face ao sistema universitário nacional, europeu e mundial. Só não o somos, ainda, no espaço nacional porquê, no espaço europeu, ainda na semana passada tivemos aqui cerca de cem professores das universidades com as quais temos um Programa Erasmus muito vivo e, portanto, eles vêm de universidades tão prestigiadas como Florença, como a universidade de Reno, etc., ou seja, de todo o espaço europeu. Até que, com a implementação do processo de Bolonha, somos uma instituição universitária em qualquer parte do mundo. Há, neste momento, uma questão política caseira, que ainda evita estas questões.

Explique-nos o que é a Carta de Bolonha e o que poderemos esperar dela?

No fundo, em termos gerais, a Carta de Bolonha é uma carta que permite acima de tudo uma grande mobilidade e o reconhecimento de graus. A questão que se põe é que a mobilidade obriga a que o grau tirado no país homologável seja homologável no nosso país e vice-versa. A questão da empregabilidade não faz muito sentido. Nós estarmos a fazer licenciados com mais um ano ou dois, do que os outros países concorrentes que o fazem em menos tempo. Obviamente, há que analisar muitas questões em relação a conteúdos, programas, etc., e mais do isso, a Carta de Bolonha vem dar uma nova visão estratégica do ensino porquê, tal como acontecia, o ensino não está a morrer, já morreu. O professor vai para a aula a vomitar a matéria, não tem sentido, nunca mais vai ter sentido e cada vez mais vai ter menos sentido e, por isso mesmo, as competências do aluno são competências de participação mas, é preciso mudar um pouco, pelo menos a maturidade de 99,9% dos nossos professores.

É coordenador do Centro de Investigação de Montanha (CIMO) para a Fundação de Ciência e Tecnologia; fale-nos desse projecto.

O espaço de montanha, normalmente, é visto utilizando terminologias dimensionais da montanha no nosso país. São considerados relevos acima dos 700 metros, a chamada Terra Fria, no entanto, a montanha pode ter outra conotação e as dificuldades da montanha serem associadas à escassez de água ou climas centrados, portanto, o centro de investigação que nós temos abrange a região de Trás-os-Montes o que é fundamental para a nossa região. Obviamente que é adaptado ao local onde nós investigamos, com mais intensidade nas zonas de montanha acima dos 700 metros, quer no norte quer no centro do país.
Repare, a montanha está hoje muito deprimida e como nós vemos, quando se vai para fora, nos Alpes, fundamentalmente, vêem-se as zonas de montanha extremamente e altamente desenvolvidas. Porquê? Porque para já há um conhecimento científico muito grande sobre como utilizar e como o homem se tem que mover no espaço de montanha. Por outro lado há incentivos muito grandes para que o homem se mantenha a fazer uma agricultura de montanha, que é uma espécie de agricultura de jardim, que tem muitas mais-valias, nomeadamente, no turismo e em questões culturais.
Ora, aqui temos que utilizar o espaço de montanha sobre vários pontos de vista: o ponto de vista científico da estrutura física da montanha, com o clima, com os solos, com a meteorologia e com o homem que a gere, e o homem que a modela, por isso, a existência do parque natural de Montesinho. Muitas vezes é tão ou mais importante estudar a sociologia rural, o modo como este espaço é ocupado, porque depende de como o espaço é ocupado, depende do resultado final, a preservação da montanha. Desde a última campanha os solos ficaram na miséria. Foi-se fazer cereal em zonas onde não havia qualquer tipo de capacidade. Em três ou quatro anos as terras ficaram a assorear os nossos rios e, portanto, deu-se uma desertificação muito grande e as pessoas tiveram que abandonar as terras, infelizmente, gerando-se fenómenos de emigração. 
Agora estamos a acirrar o abandono desses espaços rurais que são utilizados em borda das nossas populações, os frescos e pouco mais, os lameiros, os prados, que ainda são as peças paisagísticas e de suporte económico mais importantes da nossa região. Os terrenos incultos estão a aumentar enormemente, só que aumentam sem uma determinada protecção e por isso, os fogos devastadores que tem assolado as nossas regiões e não só as nossas regiões, toda a região mediterrânea. E, hoje, o que é que temos? Temos praticamente um maturral, uma associação de fito resultante dos fogos em que é extremamente difícil voltar a retomar o processo da floresta climática.
É, no conjunto de todos estes factores, que actuam sobre uma realidade que é preciso manter para perdurar e dar riqueza para os nossos filhos porquê, com o estado actual, é difícil e para isso é preciso muito conhecimento. Por isso fez sentido e foi muito bem acolhida esta ideia de criar um centro científico de montanha. Tivemos investigadores, nomeadamente franceses, alemães e austríacos. Foi o grosso do internacional que se debruçou sobre o projecto do CIMO e, de facto, ficámos muito contentes por ter sido aprovado e porque abre grandes possibilidades de gerar conhecimentos e transferi-los para as comunidades porquê, uma das questões mais importantes desta instituição, é conseguir aumentar o conhecimento sobre uma região onde está inserida. Conhecimento gera riqueza e não vale a pena, em qualquer parte do mundo, não conseguir gerar conhecimento e riqueza porquê, ao estudar os ecossistemas naturais e semi-naturais temos as condições para, cientificamente e com técnicos apropriados, podermos preservar.

Senhor professor, como transmontanos que somos, temos de lhe agradecer todo o trabalho desenvolvido em prol da região mas, infelizmente, ainda não conseguiu realizar o seu sonho, que é também o nosso: o da criação da universidade de Bragança. Pensa que o futuro Presidente do Instituto Politécnico de Bragança continuará a pugnar por este projecto?

Sim, evidentemente que sim! Não tenho a menor dúvida! Isto não é um projecto meu, peço desculpa. É um projecto de uma instituição que nestes últimos anos, durante a sua evolução, se reuniu com todas as nossas diferenças, diferenças que existem entre 7000 pessoas. Estão ali, praticamente, 7000 pessoas entre alunos, funcionários e docentes. É uma pequena vila, não é? Portanto, muita diversidade de opiniões… mas há uma coisa que para já, parece que vai perdurar, que é para perdurar, que é uma unidade à volta de um projecto de grande qualidade, que é efectivamente o reconhecimento universitário da instituição. Portanto, caminhar para patamares de reconhecimento de igualdade, completa igualdade porquê, temos por dentro, não administrativamente, de fazer o percurso que qualquer universidade faz em qualquer parte do mundo.

Agora, para o final da nossa entrevista temos uma questão que colocamos a todos os convidados. Qual é a personalidade ou personalidades que o marcaram mais ao longo da sua vida?

Ora bem, para mim existe um escritor, Somerset Maugham, que foi, de facto, o escritor que mais me influenciou na minha juventude. Eventualmente todos os escritores clássicos, nomeadamente na nossa literatura que me marcaram, e que me ajudaram também a formar-me como pessoa, intelectual e, portanto, a personagem que mais me impressionou foi Somerset Maugham. Foi, de facto, a personagem que mais me impressionou.

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