Nasceu em Grijó, Macedo de Cavaleiros. É, portanto, um transmontano de gema. A exemplo do que temos feito ao longo destas entrevistas perguntamos-lhe que recordações guarda da sua meninice?
Naturalmente muitas. O local onde nascemos é sempre um local muito especial, onde guardamos vivências de criança, mimados pelos pais enquanto somos pequenos e, portanto, todos aqueles espaços rurais onde nascemos, têm sempre um significado muito especial para cada um de nós, e eu sou como as outras pessoas, não fujo à regra, portanto. É sempre com muito gosto e muita alegria que visito a localidade onde nasci, Grijó; aliás, mantive sempre um contacto muito directo com a minha terra, felizmente e, Graças a Deus, os meus pais são, ainda, ambos vivos e, posso dizer que, todos os dias visito os meus pais e aquela localidade. Praticamente, sempre que lá vou, descubro uma coisa nova. Isso torna-se interessante. Por mais vezes que a gente veja e verifique os locais, há sempre algo de novo a descobrir. É uma terra com muito encanto como muitas outras mas, como é óbvio, com um significado especial para mim porque nasci lá.
Frequentou a escola primária na sua aldeia, seguindo então para o seminário de São José em Vinhais. Como foi essa transição?
Não foi fácil! Tinha dez anos de idade, nunca tinha saído de casa. O mundo era totalmente estranho, não havia as vivências que há hoje. Recordo bem um misto de receio por um lado mas, de expectativa por outro. As malas que eu levava eram maiores que eu, o meu pai acompanhou-me à estação de caminhos-de-ferro em Grijó, hoje desactivada, a linha do Tua, infelizmente para todos nós e ali disse-me: “Rapaz, vais até Bragança e, quando aí chegares, tiras as malas e apanhas a camioneta que vai para Vinhais.” Eu respondi: “Vamos ver se sou capaz de dar conta do recado.” O que é certo é que pelos vistos dei, porque quando dei por ela já estava a sair da camioneta em Vinhais e a entrar no seminário. Era para mim um espaço novo, um espaço muito importante, porque aí iniciei toda a minha formação e ganhei hábitos de trabalho, de disciplina e de educação. Devo dizer-lhe, muito importantes, que me nortearam e têm-me norteado todos estes anos da minha vida.
Continuou os seus estudos no Seminário Maior de Bragança até ao 7º ano e depois optou por fazer o curso de filosofia na universidade do Porto. Porquê esta mudança de percurso?
Bom, nós sabemos que esse seminário é uma casa de formação e que se destina, essencialmente, a formar padres. É essa a vocação essencial do seminário, o que não significa que todos os que vão para o seminário venham depois a ser sacerdotes, a ser padres. É uma descoberta que se vai fazendo ao longo deste caminho, e eu passei sete anos no seminário, dois no Seminário Menor de S. José em Vinhais e os restantes no Seminário Maior de S. José de Bragança. Foram sete anos muito importantes. São aqueles anos muito marcantes na vida de qualquer pessoa, da adolescência, da juvenilidade, em que todos nós projectamos o futuro e, como já disse e repito, muito devo ao seminário relativamente à minha formação, desde os princípios de educação, de estudo, de trabalho, de metodologias mas, também, ao mesmo tempo, esses sete anos foram permitindo verificar que a minha vocação era outra, não a de sacerdote. Podia ter sido, mas não era essa a vocação e, portanto, o 7º ano é, de facto, uma altura de opção: ou se continuava no seminário ou se optava por outra via.
Tinha descoberto que a vocação de sacerdote não era a minha e, assim sendo, havia que enveredar por outro caminho que, no meu caso, era prosseguir os estudos na universidade. Sempre gostei da área das humanidades, dos estudos humanísticos, das ciências sociais e da educação e entendi, na altura, que o curso de filosofia era aquele que melhor correspondia aos meus desejos. Daí ter ingressado na universidade do Porto na faculdade de letras, um curso que fiz com muito gosto. Não é mais nem menos importante; foi um curso que eu gostei de fazer.
Na altura em que entrou para a universidade estávamos em pleno período revolucionário, 25 de Abril. Como foi viver essa experiência?
Olhe… recordo bem que a nossa formação política era muito pouca. Eu, na altura do 25 de abril tinha os meus dezoito anos de idade, e portanto a questão política, a nós, sobretudo aqui nas zonas do interior passava-nos ao lado. De qualquer forma, quando aconteceu a revolução do 25 de abril em 1974, ouvimos falar na rádio que estava a haver uma revolução, uma mudança no sistema político e ficámos, eu pelo menos fiquei, numa expectativa, com uma curiosidade de querer saber o que é que estava a acontecer, que mudanças é que havia, porque é que se mudou de regime… e, a pouco e pouco, fui compreendendo que a mudança era uma mudança em termos democráticos. Deixávamos de viver num regime ditatorial e passávamos para um regime de democracia e, portanto, vivemos esses momentos com alguma expectativa e, sobretudo, com alguma esperança no futuro. O que mais me marcou é que naquela época sentimos que talvez nós já não tivéssemos de cumprir uma coisa que era extremamente penosa para os jovens naquela altura que, era a questão da guerra colonial que, sabíamos, não fazia sentido, que era injusta, que não tinha qualquer razão de ser e onde se passava dois ou três anos da juventude sem qualquer efeito prático. Esse foi o aspecto mais marcante: o sentirmos que, possivelmente, teríamos que deixar de cumprir esses anos, nessa guerra, que outros colegas nossos, da nossa idade tinham cumprido.
De 1982 a 1987 desenvolveu as funções de Delegado Regional do FAOJ, actual Instituto Português da Juventude no distrito de Bragança. Fale-nos dessa experiência?
Foi um bocado inesperado no início. Sinceramente, eu não contava, tão cedo, exercer qualquer função de responsabilidade a nível distrital. Na altura estava no Liceu Nacional de Bragança e deslocava-me de vez em quanto ao fundo de apoio, aos organismos juvenis, ao FAOJ de Bragança, onde muitos jovens se deslocavam para realizar actividades. Nessa altura, era Delegado Regional o padre Dr. Sobrinho Alves, pessoa com quem eu mantenho relações próximas de amizade e que conhecia já do tempo do seminário. Em determinada altura chamou-me e disse que queria ter uma conversa comigo: “Olha, estou a pensar que tu me substituas neste cargo.”. Apanhou-me completamente de surpresa. Eu disse-lhe que achava que era muito novo, que não tinha muita experiência, e que era melhor ele pensar noutra pessoa. Ele respondeu-me que tinha reflectido muito sobre o assunto e que achava que, entre todas as pessoas que por ali andavam naquela altura, eu era o que reunia melhores condições para desempenhar essas funções e, portanto, queria fazer a proposta ao director nacional do FAOJ. Senti que não podia dizer que não ao Dr. Sobrinho Alves, apesar de ter insistido mais uma vez com ele se não queria reflectir melhor, se não queria encontrar outra pessoa. Ele disse-me que não, que estava a decisão tomada e, portanto, tudo dependia de mim, aceitar ou não. Eu não podia dizer que não, acabei por aceitar. Portanto, foi assim que aconteceu, mais ou menos, acidentalmente. O que é certo é que eu depois gostei do trabalho. Estive cerca de seis anos à frente da delegação e foi um tempo extremamente útil e importante, porque conheci muita gente do distrito. Foi na altura que conheci mais gente porque era esse o nosso âmbito geográfico, associações culturais e juvenis e, na altura, o FAOJ tinha uma intensa actividade, uma actividade muito grande… foram anos muito importantes, que eu, naturalmente, gostei muito e recordo hoje com saudades e ainda hoje falo neles.
Os jovens são o futuro, no entanto, a população está a envelhecer, a região está a ficar deserta. O que poderemos fazer para resolver estes problemas?
É um problema grave que nós temos aqui. Ainda há pouco antes de entrar para esta entrevista falávamos sobre este problema que nos afecta e nos atinge a todos. Nós estamos numa zona do interior, que tem sido maltratada por todos os poderes políticos. Não é só pelo poder político A, B ou C; todos eles se têm portado muito mal relativamente à nossa região porque, as promessas têm sido muitas e depois, na prática, nada. Pouco ou nada se tem feito e nós temos vindo a assistir, impotentes, a esta desertificação do interior.
Na realidade, as pessoas são obrigadas a sair daqui porque não têm, aqui, alternativas. Não é que não quisessem ficar cá, que não gostassem de ficar cá mas, infelizmente, têm de sair porque não encontram aqui alternativa. Aconteceu com muitos colegas que eu conheço, que saíram para estudar e depois arranjavam os seus empregos e por lá ficaram e, portanto, nós temos de lutar, os que estamos por cá e que tivemos a sorte de ficar cá porque, eu acho que viver nesta região tão bela como é Trás-os-Montes, o distrito de Bragança, é uma sorte muito grande. Por isso digo que nós, os que tivemos a sorte de ir ficando por cá, não podemos desanimar, não podemos cruzar os braços. Temos que lutar contra isto, embora sabendo que não é fácil, mas é um trabalho que se nos impõe para tentar inverter esta situação de desertificação que, infelizmente, temos vindo a assistir.
A sua vida profissional está intimamente ligada ao ensino e ao Instituto Superior Jean Piaget. Foi fundador e director do Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros durante praticamente toda a década de noventa onde desenvolveu um trabalho louvável. Fale-nos desse período da sua vida.
Olhe… as coisas na vida, relativamente a mim, têm acontecido um pouco inesperadamente. Já falei da experiência do FAOJ, como ela aconteceu e se desenvolveu e, relativamente, ao instituto Piaget passou-se um pouco a mesma coisa.
Na altura trabalhava na Escola Secundária de Macedo de Cavaleiros como professor e fui chamado à Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros pelo, então, presidente da câmara municipal, António Joaquim Ferreira, mais conhecido por “Pescadinha” que me propôs um desafio: “Se eu queria liderar um projecto de ensino superior em Macedo de Cavaleiros?”
Confesso que aquilo me apanhou completamente de surpresa. Nem eu próprio estava preparado. Quer dizer, a ideia que tínhamos de ensino superior, na altura, ainda passava muito pelos grandes centros, pelo litoral, Porto, Lisboa… o Politécnico de Bragança estava a começar a dar os seus primeiros passos e, fora de Bragança, não era assim muito pensável que pudesse haver ensino superior. Perguntei-lhe se era mesmo um projecto para levar a sério, para a frente “ou qualquer coisinha em que a gente se iria entreter por ali.” “Não, é mesmo um projecto - disse-me o presidente da câmara – para levar a sério e eu gostava que você liderasse esse projecto. Tem experiência de trabalho com jovens, já trabalhou no FAOJ e, portanto, entendo que o Queijo é capaz de levar esta experiência para a frente. Se estiver interessado e se aceitar eu marco uma entrevista com o presidente do instituto PIAGET, o doutor Oliveira Cruz”. Eu disse-lhe: “Se os propósitos são esses estou aqui para trabalhar! Vamos tentar”. E assim marcámos uma reunião com o presidente do Instituto PIAGET, o doutor Oliveira Cruz. Ouvi o que ele tinha para dizer, os projectos dele, achei que tinha pernas para andar e começamos, na altura, com muitas críticas. Ninguém acreditava naquele projecto. Recordo muito bem o que se dizia: “Macedo há-de formar enfermeiros quando as galinhas tiverem dentes!” O que é certo, é que as galinhas continuam sem dentes e Macedo de Cavaleiros forma enfermeiros, fisioterapeutas, professores, etc., etc. Portanto, foi um projecto que começou como um desafio extremamente interessante e que me deu, sinceramente, um gozo enorme. Eu comecei com um único curso, com vinte ou vinte e cinco alunos e, quando terminei essa primeira fase de colaboração com o Instituto, deixei aquela instituição com nove ou dez cursos de ensino superior e praticamente dois mil alunos que, hoje dão uma vida académica e cultural totalmente diferente daquela que Macedo tinha à cerca onze, doze anos atrás.
Esteve alguns anos afastado do ensino superior e agora vemo-lo novamente muito empenhado. Porquê este regresso?
Primeiro, porquê o interregno e, esse, explica bem, o regresso. O interregno é como tudo na vida. De vez em quando temos que parar um bocadinho e eu senti que foram nove anos muito desgastantes. Não foi pelos problemas das críticas… a crítica, a mim, felizmente, não me afecta. Aliás, se a crítica é construtiva, naturalmente, é importante. Também sabemos que há outra crítica que só pretende destruir. Essa é a tal que não me afecta, a outra, ouço-a com atenção. Foram, de facto, nove anos muito difíceis, muito desgastantes, em que tive de começar aquele projecto do zero. Começamos por instalações pré-fabricadas e depois fomos, a pouco e pouco, construindo instalações definitivas.
Hoje, posso dizer que fizemos investimentos em Macedo de Cavaleiros na ordem de, ainda falando na moeda antiga, na ordem dos 2,5 milhões de contos. São investimentos muito significativos em termos de instalações e equipamentos. Não havia horas de trabalho, não havia fins-de-semana, era até às tantas da noite, sacrifiquei muito a minha vida familiar, a minha esposa, os meus filhos… entendi que ao fim de nove anos tinha que parar um pouco.
De facto, era demasiado e tinha que parar, parar não porquê tivesse acontecido qualquer problema com o Instituto e com o seu presidente, pelo contrário mas, porquê me sentia, efectivamente, cansado. Foi, sempre, um projecto do Instituto PIAGET que me disse sempre muito, ao qual continuei sempre, muito ligado, em que, mesmo fora, continuei a acompanhar de perto. Encontrava-me frequentemente com o doutor Oliveira Cruz em Lisboa ou em Macedo de Cavaleiros. Íamos conversando e até nas reuniões do Instituto, porque eu sou sócio da Cooperativa, tínhamos reuniões como qualquer cooperativa de sócios regulares e íamo-nos encontrando e conversando.
Passados quatro anos o Dr. Oliveira Cruz disse-me: “Queijo, você tem de regressar outra vez, eu preciso de si em Angola na Universidade Jean Piaget.”. Aí é que eu fiquei totalmente desconcertado, porque eu não tinha experiência nenhuma. Primeiro, não estava a pensar regressar tão rápido ao Instituto Piaget e, por outro lado, não tinha experiência nenhuma em África e o convite para Angola, implicava mudanças profundas na minha vida pessoal e familiar. Pedi-lhe algum tempo para reflectir e acabei por aceitar essa experiência de Angola, onde estive muito pouco tempo, cerca de meio ano, não mais do que isso, por razões de saúde e regressei. O Dr. Oliveira Cruz fez-me o desafio de Mirandela, disse-me que precisava de mim em Mirandela e eu entendi que não podia dizer que não e aceitei, uma vez mais, esse trabalho e que, agora, estou a desenvolver.
Apesar de pequena, como é que foi essa experiência em Angola?
Foi uma experiência interessante. Como lhe disse, não conhecia África, nunca tinha estado em África e, portanto, fui para Angola com uma certa expectativa de saber o que ia encontrar. Devo dizer que cheguei lá e a primeira imagem que visualizei foi uma imagem de choque. De facto, todos nós tínhamos uma imagem diferente de África, aprendida na escola e que ouvíamos falar mas, Angola e, concretamente, Luanda sofreu uma guerra civil de trinta e tal anos e aquilo ficou totalmente destruído. Quando chego a Angola e desembarco no aeroporto de Luanda, é um choque enorme, ver tudo aquilo abandonado, destruído, causa-nos uma impressão muito grande… não foi fácil essa adaptação inicial. Por outro lado, devo dizer, que fui muito bem recebido. Tenho que deixar isso muito claro, pois fui muito bem recebido pelos responsáveis da Universidade de Luanda que me receberam e apoiaram muito bem. São pessoas extremamente afáveis mas, por questões de saúde, ao fim de meio ano, tive que abandonar esse projecto, porque não tinha condições para continuar em Angola.
Actualmente, é director do Campus Académico e Universitário do Instituto Jean Piaget de Mirandela. Fale-nos do Instituto Superior de Estudos Interculturais e Transdisciplinares.
O instituto Piaget de Mirandela, eu faço questão de dizer isto, deixar isto claro, porquê, às vezes, fala-se muito do distrito de Bragança sem ensino universitário e esquecemo-nos que o Instituto Piaget de Mirandela é ensino universitário e, portanto, o ISEIT que é o que significa esse nome que acabou de referir em termos de siglas é, de facto, um instituto universitário na medida em que, não só lecciona licenciaturas em diferentes cursos, como está capaz de dar, também, formação a nível de mestrados. Faço questão de dizer isto, porque Bragança tem aspirado sempre e, eu sou daqueles que defende a criação da universidade de Bragança, aproveito para dizer aqui isto mas, em Bragança tem-se falado muito no ensino universitário e na criação de ensino universitário e nós já temos ensino universitário no distrito de Bragança através do Instituto Piaget.
Bom, quando cheguei a Mirandela há cerca de dois anos e meio atrás, deparei-me com aquela instituição com dois cursos superiores, duas licenciaturas, engenharia civil e engenharia alimentar e depressa percebi que não era viável um projecto de ensino superior universitário apenas com dois cursos. Tínhamos que rapidamente aumentar o leque de ofertas para conseguirmos captar e atrair jovens da região a ficarem cá e outros de outros locais, do litoral a virem e, por isso, fiz um estudo de mercado para tentar perceber quais seriam as licenciaturas que melhor se encaixavam nesta região e que melhor poderiam servir os interesses dos jovens desta região. Cheguei à conclusão que para se desenvolver uma outra licenciatura no campo tecnológico daquelas que já tínhamos, era necessário encarar, também, a área das ciências sociais e humanas e na área das artes. Foi assim que nasceram alguns projectos de novas licenciaturas, como música, sociologia, motricidade humana, ciências da comunicação, por exemplo, que é uma licenciatura que não existe do Porto para cima e, felizmente, tem corrido mais ou menos bem, apesar das dificuldades que hoje há. Sabemos que há cada vez menos jovens a chegar ao ensino superior, sabemos que os jovens preferencialmente optam em primeiro lugar pelas instituições públicas, e só depois pelas privadas; mas com esta estratégia de diversificação e de aumento de licenciaturas em dois anos passei de duas licenciaturas para sete. Temos vindo a conseguir captar mais alguns jovens e é um projecto que, com todas as dificuldades que tem, apesar de tudo, tem corrido mais ou menos bem.
De que forma podem beneficiar, as empresas da região, do trabalho realizado no Campus Universitário de Mirandela?
Olhe, é uma pergunta interessante porquê, na realidade, uma instituição de ensino universitário não pode limitar-se apenas a magistrar licenciaturas. Tem de se fazer, por um lado, investigação e, por outro lado, colocar essa investigação ao serviço da comunidade e nós, no Campus Universitário de Mirandela, temos essas duas vertentes. Produzimos investigação através dos docentes que temos e de protocolos que realizamos com outras instituições universitárias, nomeadamente a de Valladolid e a de Santiago de Compostela e, ao mesmo tempo, colocamos essa investigação que produzimos, ao serviço da própria comunidade. Foi assim que criámos um gabinete que, abreviadamente, designamos de GAIA que é o gabinete de apoio à indústria agro-alimentar que realiza muitíssimas análises a produtos regionais, de empresas instaladas na região, evitando que essas empresas se tenham que deslocar para um laboratório no Porto ou próximo do Porto. Essa vertente de prestação de serviços à comunidade, de abrirmos à comunidade aquilo que fazemos no instituto, para nós significa muito e é-nos muito caro. Posso dar outro exemplo na área de engenharia civil. Estamos a realizar, neste momento, um protocolo com a câmara municipal de Mirandela e com a câmara municipal de Macedo de Cavaleiros para fazer estudos acerca do tratamento da qualidade da água e abastecimento da mesma às populações, evitando fugas de água em tempos em que ela é tão necessária e de que estamos tão carenciados… portanto, essa vertente da ligação do instituto universitário com a comunidade e a investigação, para nós, é de facto muito importante.
Estamos num período de recessão a nível do ensino, público e particular. Que papel pode desenvolver o ensino privado na nossa região?
O ensino privado tem um papel importante na região. Eu tenho tido muitas reuniões com o professor Dionísio, Presidente do Politécnico de Bragança com quem mantenho óptimas relações. Temos conversado muito sobre isto e a conclusão a que chegamos é sempre esta: na região onde estamos todas as instituições são poucas e fazem falta. Às vezes pensa-se que há um choque entre aquilo que é o ensino superior público e o ensino superior privado. Não tem que haver choque, eles são complementares. Nós realizamos formação em determinadas áreas e o sector público realiza formação noutras áreas e, portanto, devemos procurar cooperar entre nós, estabelecer parcerias, complementaridades porque, como disse há pouco e repito, todos somos poucos para levar a bom porto esta tarefa que é continuarmos a desenvolver o interior. Ora, se as pessoas que estão cá alinham na estratégia de nada fazer, então com certeza, muito rapidamente, ficaremos condenados. Da nossa parte, estamos aqui para, em colaboração com todas as instituições públicas e privadas, continuar a desenvolver o distrito de Bragança, que é o que nos preocupa. Logicamente, nós, como instituição de ensino superior que somos, não estamos só ao serviço do distrito de Bragança. Somos uma instituição que recebe alunos de todo o país. Naturalmente, temos um papel fundamental para a região e, da nossa parte, tudo faremos para que possamos dar o nosso contributo para o desenvolvimento da região.
E como poderemos atrair mais alunos do resto do país para os nossos estabelecimentos de ensino, oficial ou privado?
Por um lado, dizendo aos alunos de regiões saturadas em termos populacionais que aqui têm melhores condições de estudo e de vida do que nessas regiões. Eu sei que isto não é um discurso fácil porque as pessoas do litoral têm uma certa resistência em vir para o interior. A imagem que se passou e que se vendeu durante anos e anos, do interior, era uma imagem negativa. Infelizmente deram de nós essa imagem e lutar contra essa imagem não é fácil. Os jovens do litoral criaram determinados estereótipos a esse nível e têm relutância em vir mas, cabe-nos a nós, fazer ver, junto desses meios populacionais, que precisamos que esses jovens venham. Também precisamos que os jovens que cá estão não saiam. Já não é suficiente fixar só os jovens da região, temos, também, que atrair jovens do litoral para o interior e a forma que temos de lhes transmitir a importância disto, é dizer-lhes que aqui podem encontrar boas condições de estudo, de formação, de ambiente de trabalho e, ao mesmo tempo, exigir aos governos que abram boas vias de comunicação, que facilitem a vinda rápida desses jovens para o interior; doutra maneira não será possível.
Que perspectiva tem a direcção nacional do Instituto Piaget quanto ao futuro do ensino superior em Trás-os-Montes?
O Instituto Piaget tem uma filosofia nacional que é a de fazer investimentos em zonas do interior e ainda bem que existem instituições desse género. Cabe aqui uma palavra de louvor ao presidente da instituição, Dr. Oliveira Cruz, porque também teve de sair do interior para Lisboa mas, conhece as dificuldades do interior. A sua filosofia de investimentos sempre foi em zonas do interior. Investiu em Macedo de Cavaleiros, em Mirandela, em Viseu, em Santo André , em Silves, por exemplo e nos grandes centros como Porto, Lisboa, na periferia de Almada e Vila Nova de Gaia. O contributo que o Instituto Piaget tem dado para o desenvolvimento das zonas do interior tem sido extremamente importante. Obviamente que é uma aposta arriscada. Era mais fácil, à semelhança de outras instituições, investir, apenas, nos grandes centros como Porto, Lisboa e Coimbra, porque continuam a ter muita gente. O projecto era mais rentável à partida. Felizmente para nós, vai havendo pessoas que gostam de investir no interior como é o caso do Dr. Oliveira Cruz e, portanto, nós só temos, de facto, de agradecer.
Por vezes ouvem-se algumas considerações menos positivas sobre o ensino superior privado. Acha que o ensino superior privado tem menos qualidade que o ensino superior público?
Olhe, sinceramente acho que não e não digo isto por ser responsável por uma instituição de ensino superior privada. Eu fiz os meus estudos na Universidade do Porto e verifiquei, na altura, que a universidade tinha problemas como todas as instituições têm. As instituições privadas, também, têm os seus problemas assim como as públicas. Há um factor que é muito importante e eu quero, aqui, realçar que as instituições privadas, pelo menos, connosco, isso acontece e acredito que com as outras também aconteça, que é a forma de atrair, por um lado os jovens e, por outro lado, afirmar a instituição na região. Nós temos a possibilidade de escolher os professores e se vamos buscar bons professores a vários locais e a outras instituições e se esses professores noutras instituições já deram provas, porque não vão dar agora nas privadas? Connosco têm dado provas mais do que suficientes. Isso, às vezes, é uma guerra de capelinhas mas, sinceramente, todas as instituições, sejam elas públicas ou privadas, preocupam-se com a qualidade de ensino e por darem o melhor que podem e sabem aos seus alunos.
Trouxe, por várias vezes, Edgar Moran. Isso é uma mais-valia?
Todos sabemos a importância que o epistemólogo Edgar Moran tem na história do pensamento humano. É um epistemólogo de referência mundial e de estudo nas nossas escolas secundárias e universidades. Quando nós trouxemos o Edgar Moran ao distrito de Bragança, causou alguma água na boca e alguma inveja a outros países que têm tentado convidar esta personalidade e até agora não têm conseguido; portanto, a visita do Edgar Moran foi um ponto muito alto do Instituto Piaget e da região.
Em sua opinião em que estratégias temos de apostar para que esta região não se torne ainda mais periférica e esquecida pelo poder central?
É um trabalho colectivo de todos e que todos temos de fazer. Ninguém está dispensado dessa tarefa e, naturalmente, devemos preservar aquilo que temos de bom, o ambiente, as qualidades de trabalho que temos na região, os produtos bons que temos e que devemos certificar e divulgar cada vez mais. Naturalmente, como disse há pouco, temos que ser mais exigentes do que temos sido até agora com aqueles que nos têm governado. Aqueles que nos têm governado têm enormes dívidas para connosco. Têm feito muitas promessas, têm vendido muitas ilusões e na hora da verdade, quando chega a hora de cumprirem, não o têm feito, portanto, temos de passar a ser mais reivindicativos, mais exigentes; isto por um lado, por outro, preservar aquilo que temos de bom, que é tanto.
A nossa última pergunta é feita a todos os entrevistados. Que personalidade ou personalidades o marcaram mais ao longo da sua vida?
Várias personalidades me têm marcado muito mas, obviamente, há sempre uma ou outra que se destaca mais pelo impacto que cria em nós. Devo dizer-lhe que, por exemplo, a figura de João Paulo II foi uma figura extremamente marcante. A sua sinceridade, a forma como abordava os temas. Enfim, é uma personalidade de facto marcante e que a mim muito me disse, naturalmente, porque me apanhou nos anos da juventude. O seu pontificado foi longo e eu habituei-me a ver nele uma referência muito grande. Em termos nacionais, mais do que procurarmos grandes personalidades ou personalidades de nome sonante, devemos, de facto, referir as que nos têm tocado mais. Eu seria incorrecto e injusto se não referisse a figura do presidente do Instituto Piaget, o Dr. Oliveira Cruz, um homem extremamente simples que procura passar despercebido mas, com uma visão e uma capacidade de sonho enorme e só por isso é que esses projectos têm sido possíveis, e as zonas do interior, a nossa concretamente, muito lhe devem.
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