sábado, 7 de janeiro de 2012

Entrevista com Nelson Rebanda - arqueólogo


Foi o “descobridor” se assim se pode dizer, de algumas das mais importantes pinturas rupestres existentes em Portugal…

Eu, realmente, nunca apliquei essa expressão de descobridor, acho que as coisas estão onde estão e o facto de nós depararmos com elas… no caso de Masouco e no caso de outras coisas que estão ao ar livre, se há realmente descobridores, em princípio, são as pessoas que sempre conviveram com esse património. No caso de Masouco as pessoas que tinham propriedades naquela zona já referenciavam aquilo como sendo um carneiro embora houvesse meia dúzia de pessoas que tinham propriedades ali que sabiam, embora atribuíssem aquilo a pastores. Mesmo no caso do Côa, os moleiros, os pescadores, os pastores, conheciam essas coisas, portanto, nós quando muito, podemos ter uma percepção dessa realidade. Se isso é descoberta ou não? Acho que é um pouco.

Sabem referenciar se são coisas recentes?

Normalmente, no que estou a falar, quer no Côa quer em Masouco, são coisas atribuíveis à época paleolítica mas, o povo atribui tudo a Mouros. Digamos que no seu imaginário são coisas intemporais, míticas, não têm, digamos, as tabelas cronológicas metidas na cabeça como nós temos e daí não fazem essa interpretação mas, isso não impede que não tenham conhecimento dessas coisas. Eles, sim são os descobridores.
É um pouco como a história da América, quem descobriu a América foi Colombo? Outros disseram que foram os Vikings que já lá tinham estado antes mas, para mim, foram os índios, as populações que em dado momento terão atravessado o estreito de Bering, há dez ou doze mil anos e entraram na América, se é que foram os verdadeiros descobridores, que vieram da Ásia…

É natural de Angola, embora a sua família seja de Torre de Moncorvo. Tem com certeza muitas recordações desses tempos…

Tenho algumas, embora tenha sido uma fase distante da minha vida. Nunca mais lá voltei mas, vim numa idade em que ainda há um recorte bastante nítido. Temos já uma percepção muito grande daquilo que vimos e, realmente, guardo isso na minha memória como tempos felizes da primeira infância, inesquecíveis. Tinha doze anos.

Ainda se recorda, com certeza, de algumas brincadeiras diferentes…

Recordo-me das praias do sul, das praias desertas da costa sul. Lembro-me daquilo que nós chamamos o mato. Era aquela paisagem natural que foi desde sempre a zona da savana. Eu nasci no deserto.

Completamente diferente da zona para onde veio depois…

Com algumas diferenças, mas muitas semelhanças, e se calhar as semelhanças vão ser maiores no futuro.

As suas raízes estão em Trás-os-Montes, mais precisamente em Torre de Moncorvo. Foi ali que completou o ensino secundário. Teve, portanto, uma adolescência dividida…

Sim. Dividida em relação à aldeia e à vila. Nessa fase, até ao secundário, era mais entre a vila onde era a escola e a aldeia onde ia nas férias. Depois, já posteriormente, na ida para a Faculdade aí, foi entre a vila e a cidade. Portanto andamos sempre divididos.

São coisas que marcam essas mudanças todas?

Sempre e, talvez, para melhor. É quando temos a percepção mais nítida do nosso rincão, há quem diga inclusive que o conceito de Trás-os-Montes é um conceito de diáspora.

Regressou a Portugal já com a descolonização. Sente, como a maioria dos retornados, a injustiça do abandono? Sente-se roubado?

Isso é um conceito mais da geração do meu pai. Realmente, uma pessoa ter que reconstruir a vida ao cabo de cinquenta anos, ao cabo de vinte e cinco anos de trabalho e aos cinquenta anos de idade… enfim é natural que se tenha essa sensação. Agora, conheci dificuldades bastantes, é verdade mas, quando interiorizamos o processo histórico e vemos realmente que nada se pode contra a história e que, se calhar, era um remar contra a maré… Eu costumo dizer que vi Portugal desmoronar-se.
Eu nasci pouco tempo depois da queda do chamado Estado português da Índia. Fosse português ou não, tinham sido quinhentos anos e tinha custado realmente muito esforço a indivíduos do calibre de Afonso de Albuquerque, Vasco da Gama e toda essa gente. E depois vi tudo o resto. Quando saí de Angola lembro-me perfeitamente quando o avião levanta voo em Luanda, olhei para baixo e ainda vi lá a bandeira portuguesa: “Se um dia aqui voltar, aquela bandeira não vai estar ali nunca mais” e há, de facto, nisso uma sensação de perda mas, pronto, é inelutável.

Além da bandeira perderam-se muitas outras coisas…

Sobretudo, perderam-se anos para as próprias populações locais. Acho que se perdeu a recuperação do nível que se havia atingido em 1973/74. Penso que nem hoje nem, se calhar, dentro de pouco tempo se conseguirá, apesar deste período relativo de acalmia, em que, aparentemente, se está de há um ano ou dois para cá.

Relativo também às guerras, não é?

Sim. Sobretudo desorganização… muita coisa.

Apesar de ter frequentado a Universidade do Porto regressou à “província”. Porquê?

Porque eu achava que havia muito a fazer na dita “província”. Eu prefiro chamar-lhe nação, para mim, nação transmontana. Portanto, já nos tempos académicos tínhamos lá um pequeno grupo auto proclamado de nacionalistas transmontanos em que ainda vivíamos essa fase cor-de-rosa de vir para aqui fazer coisas… Achava que na cidade era mais um e, pegando naquela frase célebre de César “antes o primeiro na minha aldeia que o último em Roma”, portanto, achei que era importante estar aqui. Hoje sinto-me um bocadinho desiludido porque sinto que é remar contra a maré.

Falta-lhe alguma coisa?

A mim falta-me alguma coisa, mas fundamentalmente falta à região. Escrevi aqui há uns anos, isto é a coisa que mais me dói, o futuro de Trás-os-Montes talvez seja do arqueólogo, mas digo isso com mágoa, não é com orgulho nisto de forma nenhuma. Ainda agora há poucos dias estive numa aldeia abandonada nas margens de Sabor, um lugar chamado santo André, concelho de Mogadouro e, quando sei que, há cerca de dois anos, o último casal de moradores, a senhora faleceu e o senhor já está num lar de terceira idade, que já não diz nada, coisa com coisa e que ainda vejo no lintel de uma dessas portas a data de 2001, Maio de 2001 e as casas ao lado estão já com as paredes no chão… o processo de desertificação começou já há uns anos. Houve um casal de resistentes que acabou agora. Ver a erva a nascer no meio das ruas do povoado… se calhar, atrás das aldeias irão as vilas e ficamos depois com um conjunto de pequenas cidades no eixo do IP4. Havermos de nos sentir contentes, satisfeitos, com o modelo de desenvolvimento que transforma Portugal num eixo entre Lisboa e Porto, uma extensão para Braga e outra para Setúbal e depois uma colónia Inglesa no Algarve? Sinceramente!

Dr. Nelson Rebanda, do Côa, pode dizer-se assim?

Não. Eu rejeito esse epíteto. Sou acima de tudo transmontano e douriense e não de um local especifico. Não gosto de títulos isso era no tempo da aristocracia que se conotava um indivíduo a uma dada localidade.

Especializou-se em arqueologia. O que o levou a seguir esse caminho?

Isto se calhar ainda vem lá das Angolas. A sensação dos grandes espaços abertos, embora hoje a arqueologia não seja nada disso do Indiana Jones mas, de qualquer forma, no imaginário adolescente e juvenil isso ainda pesa um bocado e quando fazemos essas opções é um pouco nessa base.

Esses factos contribuíram para a sua opção…

Claro. Eu lembro-me de ter visto em miúdo umas gravuras em Angola, pertencia ao distrito de Moçadas e quando ia para o mato andava sempre. Já nos livros de escola primária, fascinava-me muito aquela questão dos chamados homens primitivos, como é que eles viviam… depois isso foi ficando e o meu interesse, sempre, pela história, isso talvez derivasse de uma outra questão que é uma coisa que sempre me obcecava que é o mistério do tempo e do espaço. Se não fosse para arqueologia, se calhar, tinha ido para astrofísica ou astronomia, uma coisa assim, porque realmente o momento que foi há instantes é repetível, quando dizemos é, já foi. E isso sempre do ponto de vista filosófico. Se quisermos, sempre me perturbou essa curiosidade de ir lá atrás a mixordar. De certa forma, é uma frase já batida e rebatida, essa questão de que o passado nos ajuda a perspectivar o futuro, há quem, se calhar, não precise do passado para nada mas, eu preciso. Acho que… até os próprios computadores têm uma coisa chamada memória porque, sem memória não funcionam e isso é que é o leitmotiv desse meu interesse. Dantes também havia muita gente que ia para história, mais que para um curso, ia para um recurso, não conseguia entrar noutra coisa fugia às matemáticas e químicas… realmente eu também nunca gostei muito da área dos números mas, de qualquer forma foi essa motivação que me levou por aí.

Ainda estudante, em 1981, esteve na “origem” do cavalo de Masouco. Primeira gravura paleolítica ao ar livre encontrada em território português. O que sentiu nessa altura?

Isso começa ainda nos anos 70. Aliás, começa com o meu pai ainda em Angola falar-me, uma vez, de haver lá um tesouro na terra dele e havia uma coisa numa fraga de um carneiro a olhar para o tesouro e quando um dia me trouxesse cá, me ia mostrar isso, me ia levar a descobrir um tesouro, começa assim. Aquilo do tesouro ficou sempre no imaginário. Mas, depois também já não vivia obcecado com isso. Fui esquecendo até que um dia estava lá, junto ao rio Douro, com um primo meu a regar umas laranjeiras, o meu primo Abílio e, entretanto, eu sempre lhe perguntei: “O meu pai diz que aqui perto do rio, parece que é para estes lados, havia aí um carneiro e um tesouro; diz ele que é do lado de lá da ribeira. Dá para ir lá a ver?” “Aquilo é um bocado complicado mas, vamos acabar de regar e depois vou tentar dar com o sítio.”
E lá fomos saltitando, ali no meio das fragas… agora vai-se lá bem mas, naquela altura era tudo mato e lembro-me de ter ficado a olhar para aquilo a especar mas, “então de quando é que isto é?” Isto antes ainda de entrar para a faculdade, tempos secundários. E ficou aquela coisa.
Passados uns anos, quando entro para a faculdade, é logo no primeiro ano que eu ouvi falar nos animais. Havia um estilo chamado animais grávidos, que eram os animais com certas características, a representação, a silhueta deles, das grutas de Lascaux, de Altamira, Niaux, todos aqueles sítios míticos da arte rupestre. Aquilo foi numa sessão de aula de pré-história depois de uma projecção de slides e eu disse: “Ai, é mesmo aquilo!”
Há um momento inicial de curiosidade por aquilo mas, de qualquer forma, faltava-me, até porque havia aquela ideia que eram pinturas que eles faziam de antes nas cavernas… depois era nas cavernas… agora ali ainda por cima ao ar livre, logo ali na aldeia em que eu vivi e que eu conheci é que podia estar lá uma coisa daquelas…e perguntei à professora no final dessa aula o que é que se conhecia cá em Portugal disso. “Há umas coisas lá em baixo no Alentejo, a gruta dos Corales, mas aquilo é muito fraquinho, de má qualidade.” E eu fiz uma segunda pergunta: “Então isto só se encontra em cavernas?” – “Ah, só, isto é uma arte só das cavernas.” E eu disse assim: “E se eu lhe disser que existe uma coisa destas…” Sempre lhe perguntei também se podia haver versão gravada. “Sim, também há gravuras.” E se eu lhe disser que existe uma coisa destas num sítio assim assim… (agora vem cá este parolo lá de cima) portanto, vi mesmo o ar de dúvida na cara da senhora. Eu, entretanto, tinha uma maquinazita fotográfica que me tinha oferecido o meu pai havia pouco tempo, engatilhei-lhe o rolo e, entretanto, a preto e branco ainda… eu já tinha feito uma tentativa anterior, ainda antes de entrar para a Faculdade de voltar lá ao sítio e não consegui encontrá-lo. Aquilo parece que tanto aparecia como desaparecia, por mais que procurasse não o reencontrei. Talvez as giestas altas, aquilo tinha que ser mesmo a corta mato no meio das silvas. Depois voltei a recrutar esse meu primo com quem tinha ido a primeira vez e andamos ali à procura e lá voltamos a reencontrar o sítio e aí, já com a bibliografia que testemunhava exactamente a estilística, não havia dúvidas nenhumas que era paleolítico.
Queria fazer um trabalho para a faculdade sobre a gravura. É claro que, quando chegou à mão de um dos professores… enfim, eles ficaram malucos com o que viram e aí, o trabalho, fizeram-no eles. Eu fiquei mencionado numa notinha de rodapé e realmente foi assim um achado. Começou aí o interesse pelas coisas.

Das tais gravuras que só havia dentro das cavernas…

Exactamente. Ainda houve muita gente que teve dúvidas quanto à veracidade daquilo. Na altura, houve inclusive, quem dissesse ou até escrevesse que, provavelmente, aquilo era da idade do ferro. Isso é não conhecer rigorosamente nada da estilística da arte paleolítica nem da arte rupestre, enfim que só com a estilística não se podia ir lá. Quando apareceram as coisas do Côa, aí de repente parece que tudo passou a ser paleolítico.

Ingressou no Instituto Português do Património arquitectónico e arqueológico. Em 1990 foi encarregado de fazer o estudo arqueológico do Côa, só em 94 é que comunicou a descoberta das quatro rochas cm gravuras paleolíticas, no entanto mesmo após essa descoberta as obras da barragem iniciaram-se em Outubro. Quer comentar.

Não. As obras da barragem já tinham sido iniciadas em 1991 com os acessos em 91, aliás ela em 91 já tinha tido luz verde da parte do Governo depois de aprovado o impacto do estudo ambiental que não fui eu que o fiz, foi enviado um protocolo entre a EDP e o IPAR.

Mesmo depois de descobertas continuaram a avançar as obras?

Com certeza, ainda mais. Sabemos todos que estas coisas, as grandes obras, aliás naquele tempo foi quando tinha sido criada a legislação sobre estudos de impactos ambientais. O Côa foi feito ainda ao abrigo de uma normativa comunitária, ainda não tinha saído a legislação portuguesa e o cuidado com estas coisas eram processos. Posso adiantar que quando foi do Fratel no vale do Tejo, no início dos anos 70, 72, 73 todas as barragens que houve no Douro e por aí fora não houve nunca ninguém que se preocupasse em verificar rigorosamente nada antes. No caso do Fratel no vale do Tejo no início dos anos 70, foi um grupo de estudantes da Universidade de Lisboa que se afoitaram ao terreno, umas informações que alguém teve dos pastores que havia para lá umas gravuras, isso deu asas a uma acção de levantamento e salvamento da informação, e obviamente nunca se pôs em causa a barragem.
Mais tarde, já no Pocinho quando se fez a barragem do Pocinho também apareceram coisas, também ficaram submersas, aí depois da obra decidida, mais uma vez é que se disse às entidades que naquela altura tinham sido criadas, serviço regional de antropologia do então ITPC, que tinham seis meses para irem ver o que havia, porque daí a seis meses as comportas iam fechar e aí é que foi o azar todo. Porque nessa altura se se tivesse entrado pelos afluentes, o grosso da manada, passo a expressão, das coisas do Côa estavam debaixo de água desde a albufeira do Pocinho. É verdade que as pessoas às vezes procuram esquecer isso, enfim, fez-se, deram uma moratória de mais algum tempo, que apareceram entretanto uns esqueletos neolíticos, umas císticas, fizeram-se escavações mas, também a barragem fez-se e nada de por em causa aquilo.
No Côa as coisas já foram um pequeno salto qualitativo, que tivesse havido um estudo de impacto ambiental até com um capítulo de arqueologia. Normalmente nos estudos que até então iam aparecendo essa componente não se ligava, quanto muito era a flora e a fauna e nada mais. Apareceu mas foi um estudo, enfim, não vou dizer que era sumário… por vezes há coisas que passam e eu nunca andei à caça de culpados, comigo já não tiveram a mesma preocupação. A verdade é que houve coisas que passaram e é inevitável nunca ninguém pode afirmar antes de fazer uma grande obra que está tudo rigorosamente visto. E então o subsolo? Quem nos diz a nós, só para dar o exemplo, quando se fizeram os IPs e as auto-estradas dêem-me um exemplo de uma estrada que tenha sido acompanhada a par e passo, isto ainda antes do Côa, e que tenha revelado coisas importantes. No caso do Alqueva, por exemplo, apesar de se terem feito infinitos estudos, foi dano decurso, depois já da barragem ter sido decidida que ainda apareceram coisas, decidido e em construção, muito próximo de fechar as comportas também, nomeadamente coisas paleolíticas, e pelos vistos coisas que já se sabia há bastante tempo, mau grado, existirem. Antes do Côa havia um IPAR com todas as dificuldades que lhe eram inerentes e com uma insensibilidade da parte inclusive das entidades governamentais da altura, o que era importante era o património construído quiçá …. Lembro-me de estarmos no início dos anos 90 porque não dizê-lo, o consulado do secretario de Estado da Cultura, o Santana Lopes, o que era importante eram as jóias da coroa, europalias, triunfos do barroco, as noites de Queluz, é uma cultura um pouco de novo rico, isso é que era realmente importante. Eu lembro-me do Cláudio Torre na altura em Mertula a bramir com falta de dinheiro e com toda aquela gente lá de Mértola onde fizeram de resto um trabalho notabilíssimo, enfim com ordenados em atraso, um projecto altamente importante, no entanto altamente comprometedor.

Voltando agora ao Côa, descobriram-se depois então gravuras paleolíticas em Vale do Videiro, Vale do Figueiro e Vale de Piscos, é nessa altura que convida Mila Simões membro do comité internacional de arte rupestre, a visitar o local. Fale-nos do que se seguiu.

Quando convidei essa senhora e mais algumas pessoas para visitar o local, era apenas, a Canada do Inferno que era conhecida. As três ou quatro rochas da Canada do Inferno, algumas das quais extremamente fininhas e quase imperceptíveis. Devo dizer que se houvesse só a Canada do Inferno, a barragem não teria parado. A grande novidade, a qual não esperávamos, era que continuassem a aparecer coisas para montante e essas coisas apareceram já no decurso da polémica e já depois de eu, contra e não estando autorizado, convidei essas pessoas. Aliás estive para ser punido por esse facto.

Como se sentiu quando a UNESCO declarou aquele museu do paleolítico ao ar livre património cultural da humanidade?

O professor Emanuel Anarti, quando visitou as gravuras perguntou-me, na altura, qual era a minha opinião em relação à barragem, portanto à questão de salvaguarda das gravuras, e eu disse-lhe: “Isto só faz sentido preservá-las se houver uma alternativa credível à questão da barragem. E o primeiro momento só com a questão da Canada do Inferno, portanto, seria extremamente redutor e insuficiente pensar-se em parar a barragem. Agora, com as novidades que foram acontecendo ao longo do mês de Dezembro de 94, Janeiro, Fevereiro, Março de 95 eu disse: “Senhor professor, creio ainda mais o que não conhecemos começa a fazer sentido. Pensar realmente nessa opção, isso é uma opção politica. Diz ele: “Ah, temos que lutar por isso. E realmente foi essa a direcção tomada e é evidente que qualquer arqueólogo fica contente. Entre as duas opções, o betão e o salvamento de um património daqueles a escolha é óbvia; agora em relação ….eu li há dias no jornal o Público, salvo erro, que as pessoas se sentem lá muito desiludidas. O título era “As ilusões ou desilusões de Foz Côa.” É natural que se sintam mas, isso já tem a ver um pouco com o modelo talvez de gestão.

Estará garantido hoje o futuro das gravuras?

Eu penso que sim que está. Agora é incontornável destruir-se ou voltar outra vez a pensar em construir barragem naquele sítio, portanto, aquelas estão. Agora o que me parece, apareça a maior maravilha do mundo noutro sítio qualquer para a classe social e a classe jornalística foi um dos principais agentes nesse processo, soará como um déjà vu. Já li aquele cantinho como amostragem e de resto não é preciso mais nada. Penso que aquelas estão agora quanto ao resto….

Como poderão contribuir elas para o desenvolvimento da região?

Isso prende-se um pouco à questão que eu fale à bocado, a questão de desertificação e tudo mais. Temos que pensar em termos do modelo de desenvolvimento alternativo e não podem ser as gravuras só por si, isso provou-se cientificamente, basta olhar. Ou se pensa em termos de uma perspectiva articulada de uma rede regional de parques, por exemplo, integrando Montesinho, Douro internacional, Côa e porque não esta coisa que agora se discute: Sabor mas, mais uma vez, tenho dúvidas quanto à decisão que venha a ser tomada ou pelo menos começo a ter uma certeza sobre qual possa ser mas, pelo menos esse arco que já referi para fixação de algumas pessoas no interior dentro desse espírito. Nós temos que deixar de ter ilusões. O sector primário acabou, pode manter-se pontualmente nalgumas zonas onde ainda valha a pena como o Vale da Vilariça, algumas manchas com boas aptidões agrícolas e onde seja possível a mecanização e culturas rentáveis e modelos de gestão empresarial ou então deixou de valer a pena e a base de sustentação era de facto o sector primário a menos que se vá para a pequena indústria mas, aí vemos que não temos hipótese nenhuma com as grandes cidades que puxam tudo para lá. Indústrias poluentes, se calhar, também dispensamos, temos que apostar um pouco, no chamado agora, agro–turismo, apostar muito no ambiente, apostar na paisagem inclusive, e aí gravuras a outra forma de património construído, petrificado e em muitos povoados fortificados. Claro que isso passa por um trabalho imenso, que é de estudar e sinalizar estas coisas e criar depois também mecanismos de vigilância, de orientação se não o visitante chega a um Castro, olha para aquilo e não percebe nada, são umas pedras que estão ali. E há também riscos de vandalização de muita coisa. Estou-me a lembrar de gente que anda aí com detectores de metais, caça níqueis a explorar sítios arqueológicos… isto por mais que venham a dizer que o vandalismo não existe, o vandalismo existe. Tudo isso, pergunto; isto tem a ver com as leis da oferta e da procura, até que ponto nós conseguimos gerar receitas suficientes para conferir sustentabilidade a um modelo destes? Isso pressupõe que haja uma grande procura. Será que as pessoas, amanhã, que vão todas para as grandes cidades, em algum momento se sintam desenraizadas, porque muitos que estão lá saem daqui ao cabo da segunda ou terceira geração? Tanto pode dar-lhe assim um tique de nostalgia e ir à procura das suas raízes, os outros que se sentem cansados daquele stress, daquele corre-corre pensaram em construir as suas casinhas de campo e vir cá de vez em quando. Será que isso dará para manter algumas pessoas em termos significativos, para manter aqui ainda alguma vitalidade no interior?
Encontra-se presentemente requisitado pelo Museu do Douro com sede na Régua, faz parte do projecto arqueológico da região de Moncorvo e tem dirigido o projecto do Museu do Ferro da região de Moncorvo. Que importância têm para si esses projectos?

Começando pela associação, foi uma aposta antes das outras, portanto já vai para cerca de vinte anos ainda estudante da faculdade, com um grupo de colegas foi criada com o objectivo de se fazer o levantamento arqueológico da região. Já nessa altura, uma coisa que nos preocupava bastante era a questão da dimensão social do trabalho da arqueologia, porque senão, corre-se o risco de ser uma coisa só para uns quantos. Isto tem uma utilidade social ou então não vale a pena e já nesse tempo o corolário lógico desse projecto era, efectivamente, a ideia desse museu claro que, na altura, centrado na zona de Moncorvo correspondendo ao velho sonho do nosso patrono Abade Tavares, um arqueólogo falecido em 1935 contemporâneo do Abade de Baçal. Aliás eles trocavam correspondência embora houvesse ali quid-pró-quos entre ambos, por vezes mas, são perfeitamente contemporâneos e vocacionados ambos, embora o Abade de Baçal aqui tivesse conseguido dar ânimo ao museu que tem hoje o seu nome, o Abade Tavares ficou por terra com o seu projecto, museu de Moncorvo e achamos que a melhor homenagem que se lhe podia fazer era de facto retomarmos isso, cerca de quase de cem anos depois em relação ao artigo que ele defendeu isso, avançamos para a ideia do projecto do museu. Entretanto tinha sido criado o museu no âmbito de ferro-minas, museu mineiro de empresa. Quando a empresa foi extinta em 85 esse museu ficou como que paralisado, passado pouco tempo já estava de portas fechadas, só mesmo mediante pedidos expressos é que as pessoas podiam lá visitá-lo e então houve a ideia de o transferirmos para a sede do concelho com um acordo com a câmara municipal, que apadrinhou a ideia e adquiriu o edifício para o efeito, na sede de concelho, o principal problema do museu de Carvalhal é que ficava a cerca de quinze quilómetros da sede do concelho e dificultava não só para as pessoas locais e também para os miúdos da escola e mesmo para os outros visitantes. Só mesmo quem fosse comer a posta ao restaurante Artur é que passava ao lado e que podia saber que era ali o museu, de maneira que ali em Moncorvo fica mesmo junto à igreja Matriz, é um local bem visível, é um monumento nacional e foi dentro dessa filosofia de pegar em certos elementos do património da própria vila que achamos que o museu era uma peça fundamental dessa engrenagem. Entretanto começou-se a esboçar, já depois das questões do Côa, a ideia da criação de um museu do Douro em conformidade com aquela outra ideia da classificação do Douro como património mundial, temos então aqui três patrimónios mundiais, a zona histórica do Porto, o Côa e o elemento de ligação é o Douro. O museu do Douro nasce com uma perspectiva de museu de território por iniciativa de uma lei da assembleia da república que um dos principais subscritores foi o Dr. António Martinho, para além da paternidade cientificada do professor Gaspar Martins Pereira, um dos maiores Douriógrafos da actualidade e que acalentaram esta ideia fundamental do Museu, que corporiza-se a região do Douro. Está situado na Régua mas ele é o museu do Douro. Procura interagir com outras iniciativas já emergentes nomeadamente a questão dos pequenos núcleos museológicos é o caso do nosso, é o caso de um outro núcleo museológico que nasceu em Moncorvo também no âmbito de uma empresa também ligada ao turismo rural em que é o museu do vinho, a quinta das Aveleiras, isto tudo são iniciativas que podem engrenar numa engrenagem mais vasta que é o museu do Douro. Outros que entretanto estão a nascer e já até outros que existem antes de nós, o caso do museu de Vila Flor que podia ser mais dinamizado era um projecto bastante vasto e que eu fui convidado para o integrar e dado as minhas preocupações para o desenvolvimento local e regional achei que se podia dar um pequeno contributo abracei de alma e coração, agora estou quase no término da requisição mas esperemos que isto tenha pernas para andar, porque depois há outras coisas, por exemplo, ainda o ano passado foram cerca de duzentos mil os visitantes que vieram Douro acima através daqueles barcos, da navegabilidade do Douro e isto tende a aumentar, a iniciativa dos comboios históricos que já se fazem da régua para vila Real e depois da Régua para pinhão. Existem cada vez mais quitas com turismo rural e se há um produto que valha a pena ainda apostar neste pais é de facto o vinho do Porto, que é único, digamos que temos aqui uma riqueza extraordinária e está aqui no norte, está no Vale do Douro, que é o nosso petróleo e hoje se não apostarmos na questão do Marketing, o museu para além do mais tem de vender esse produto não é um museu estritamente comercial se não, não é museu, não é a definição da UNESCO, mas pode ajudar a vender essa imagem de marca para a região. Se perspectivarmos o douro como uma espécie de canal através do qual podemos depois distribuir as pessoas que vêm visitar a zona Douriense até mesmo a Barca D’Alva, isso é que tem de se corrigir se calhar um bocado que é a questão… as pessoas andam um bocado nos barcos e falta um pouco a integração de trajectos com o envolvimento do Douro, estamos um pouco nos primórdios, todos gostaríamos que isto estivesse a avançar mais depressa mas vamos fazer fé que assim seja.

Por onde passa o futuro do Nordeste transmontano e que caminhos seguir?

Isso tem que ser uma pergunta mais para político, eu sou um técnico mas, na minha modesta opinião como cidadão, eu sou um bocado suspeito porque sou bastante pessimista, em relação a muita coisa e posso tentar explicar a opção de Moncorvo, em relação ao Douro por uma coisa que foi um bocado nociva que foi a questão do eixo do IP4, quando estruturamos uma região a partir de um eixo e de um alinhamento de pontos principais à volta desse eixo, Vila Real, Mirandela, Bragança, cria uma espécie de diagonal, há uma diagonal aqui em Trás-os-Montes e que gerou um vazio ali naquele cantinho do cotovelo do Douro que é Freixo de espada à Cinta, Moncorvo e também Foz Côa em relação à Guarda ficamos perfeitamente acantonados e aí o autarca de Moncorvo até tem razão quando refere o eixo, não vou dizer como o outro, nortista, elitista, mas que é uma espécie de triangulação aqui em cima que passava por Bragança, Macedo e Vinhais e que esquecia aquela zona ali em baixo, de facto não pode ser assim, tem que haver, maior equilíbrio tem que se apostar em modelos em elementos alternativos que não os balões de oxigénio, as grandes obras duram o que duram e só servem, se calhar, para em curto prazo ou breve prazo aumentar ainda mais a desertificação, porque as pessoas que possam ganhar muito dinheiro em pouco tempo vão investir em apartamentos no litoral e se calhar têm de apostar em coisas de fundo, que , não tenhamos ilusões, a desertificação vai continuar, até onde a podemos estancar, essa é a grande questão. Esperemos que no próximo congresso se não for preciso mais cinquenta anos até ao próximo se discuta isso a fundo.

Para terminar que personalidade ou personalidades o marcaram ao longo da sua vida?

Se calhar, em primeiro lugar, o meu pai. De resto, tive um mestre nos meus tempos de liceu de Moncorvo que foi o padre Rebelo foi também uma personalidade a quem devo muito, depois já na faculdade o professor Carlos Alberto Ferreira de Almeida, também, de resto, talvez me esqueça de mais alguém, não queria ser ingrato aos escritores já falecidos, nomeadamente, Miguel Torga enfim o clube dos poetas mortos…

4 comentários:

  1. Gostei de ler.
    Um abraço ao Nelson.
    Mais uma vez obrigado, Mara e Marcolino.

    A:

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  2. Gostei de ler, mas (sobretudo) gostei de saber que estás bem, Nelson. Gand'abraço.
    André
    PS.-Saudades (minhas) do Afonso de Albuquerque.

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  3. É bom ler-te, Nelson! Génio desperdiçado...
    Arriba!

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  4. " É de sonho e de Pó
    o destino de um só
    feito em meus pensamentos perdido
    sobre meu cavalo
    É de laço e de nó de gibeira
    o meu cavalo jiló. "

    Com ele irei correr o mundo inteiro
    na gibeira do canteiro
    no desenho de uma pedra
    como um guerreiro
    o meucavalo jiló
    ambos somos um só.
    de ferro e de pedra e de sol
    é o meu cavalo de sonho
    de laço e nó
    que trago a correr na algibeira
    fora de qualquer cegueira
    o meu cavalo jiló
    sou caipira pirapora
    aventureiro por ai a fora.

    escultor josè Coêlho.

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