sexta-feira, 2 de setembro de 2016

“Não deve ser o produto a mostra-se fora, mas arranjar forma de cativar as pessoas a virem à região”



O chef de cozinha Manuel Bóia, natural de Santulhão, Vimioso, trabalha há três anos no “Bica do Sapato”. O conceituado restaurante foi o local onde realizou o seu estágio de formação, depois de ter frequentado o curso de cozinha na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. O regresso aconteceu em 2013, tendo trabalhado com Alexandre Silva e assumido o lugar de chef executivo após a sua saída, sendo actualmente responsável por três cozinhas. Na terra natal, falámos com o cozinheiro de 33 anos.


Há quanto tempo se dedicou à cozinha?
Há 15 anos. O percurso começou através de um dos meus irmãos, que é chef de cozinha. Foi um bocado seguir as pegadas dele. Fui incentivado por ele, mas não empurrado.
Nas épocas festivas já costumava ajudar a minha mãe e as vizinhas a fazer doces e isso tudo e foi despertando uma pequena curiosidade. Mais tarde fui tirar um curso de cozinha para Lisboa, onde aperfeiçoei um pouco as técnicas e conhecimento e fui crescendo. Fiz ainda um curso em Nova Iorque e viajei muito pela Europa.

Quais os restaurantes por onde já passou?
Já passei pelo Pestana Alvor, no Algarve, depois vim para o Bica do Sapato, que foi onde comecei, onde estou actualmente como cozinheiro, a seguir fui abrir um hotel 5 estrelas o Grand Real Villa Italia, em Cascais, depois tive uma experiência de dois anos em Nova Iorque, quando regressei vim trabalhar para o restaurante de Lisboa, o 100 Maneiras, onde estive dois anos, e depois tive a proposta de voltar para a Bica do Sapato.

 Como descreveria esse percurso?
 É difícil porque é uma vida instável, mas com o gostar e o querer muito tudo é fácil.

Quais são as suas especialidades?
Não existem especialidades, temos de estar preparados para tudo. Mas, de uma certa forma, sempre tendemos um bocado para as nossas memórias de infância e para a nossa cozinha portuguesa. Ma não tenho especialidades, é uma questão de prática, de trabalhar tudo e mais alguma coisa.

Há pratos tradicionais daqui que cozinha actualmente?
Alguns, mas uso mais ingredientes, como batata, nabiça, legumes. Não é muito comum na zona trabalhar carnes, mas sim grelhá-las ou assá-las.
Ao longo do meu percurso que fiz, de escola e restaurantes, fui pesquisando muito para conhecer e tentar alargar o meu leque de conhecimentos.

E na ementa do seu restaurante, está a utilizar ingrediente da região?
Acho que nesta altura não tenho nada que identifique a minha zona, porque a alimentação daqui é muito mais pesada e nesta altura são procurados pratos mais leves.
Mas já aconteceu ter feijão de casca, pernil de porco, que é muito típico nosso, butelo ou entrecosto assado, como nós fazemos aqui.
Depois os clientes procuram algo mais trabalhado, mais requintado e é difícil trabalharmos algumas raízes daqui.
Normalmente, as pessoas acham que comer bem é ter o prato cheio, mas às vezes não é assim, mas o melhor é tentar ter uma refeição equilibrada.
O que tento fazer é pegar nos pratos originais e trabalhá-los com um toque pessoal meu.
Todos os pratos são um desafio. Neste momento, estou num restaurante em que me é pedido trabalhar a cozinha tradicional portuguesa e a inovação não pode ser tão brusca, porque iria perder a essência do que é a nossa cozinha. Mas já trabalhei em outros restaurantes em que sou livre de criar o que quiser, conjugar sabores.

Como se caracteriza a ementa do restaurante onde está?
É complicado dizer, são 40 pratos e muda de 6 em 6 meses. Caracteriza-se por uma cozinha tradicional portuguesa com uma técnica moderna, é uma cozinha contemporânea portuguesa.
O restaurante tem bastante sucesso há muitos anos, está a trabalhar muito bem e é muito conhecido em Portugal e no estrangeiro e é importante para a minha carreira estar neste restaurante.

Que objectivos tem no futuro?
Continuar a cozinhar. Muitos têm o objectivo de ter um restaurante, a mim não me passa pela cabeça.
Pretendo respeitar muito a base da nossa de cozinha portuguesa e tentar mostrar aquilo que temos de bom em Portugal e das nossas regiões e de onde somos, e mostrar isso ao cliente que não conhece.

Actualmente há mais chefs transmontanos que estão a receber algum reconhecimento. Como vê essa tendência?
É importante. Têm estado a aparecer muitos chefs de Trás-os-Montes e isso é bom porque de uma certa forma mostramos que também sabemos cozinhar, trabalhar e transportar os nossos produtos e as nossas origens para aquilo que a maior parte dos clientes não conhece. Divulgam mais a nossa região e os nossos produtos, que são bons produtos como legumes, caça, porco, vitela mirandesa e maronesa, etc.

Acha que tem de se apostar mais na divulgação desses produtos?
Sim, mas também sinto que tem havido um bom trabalho de muitos produtores que vão a feiras, eu próprio encontro alguns em Lisboa. Acho que estão a fazer um bom trabalho e que é sempre importante fazer cada vez melhor.

Quando regressa à região descobre coisas novas na culinária?
Conheço bem a cozinha, mas há sempre coisas novas, como coisas de outras aldeias que não conheço tão bem. Por exemplo, do lado da Bragança ou Vinhais, são produtos que eu agora uso muito e que quando era mais novo não conhecia. Vim conhecendo através destes pequenos produtores que foram chegando a Lisboa e fui dando mais valor. E de facto temos bons produtos, a começar pelo fumeiro.

De que forma acha que deviam ser dados a conhecer esses produtos?
Acho que não deve ser o produto a ir lá, mas sim tentar arranjar a melhor forma de conseguir cativar as pessoas a virem conhecer o Norte, porque não é só a gastronomia que é boa, mas as paisagens, um bom clima, um bom acolhimento. Os que vêm voltam sempre.

Escrito por Jornal Nordeste

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