quarta-feira, 18 de maio de 2016

COOPERAÇÃO EM ÁGUAS DE BACALHAU (Editorial do Jornal Nordeste, edição de 17-05-2016)

Apesar de múltiplas iniciativas, ao longo dos últimos anos, voltadas para a cooperação transfronteiriça, em nome de uma efectiva integração dos territórios, a caminho da Europa realmente unida, continua a sentir-se que os laços continuam frouxos. 

Tivemos oportunidade de falar com o responsável espanhol da Fundação Rei Afonso Henriques, entidade que foi criada para mobilizar esforços no sentido da coesão inter-regional, aparentemente destinada a cerzir uma autêntica rede de suporte ao desenvolvimento das duas regiões (Castilla-Léon e Norte de Portugal), integrando outras instituições e organizações.
Pelos vistos, a cooperação tem-se ficado por aspectos pitorescos e festejos, pouco transformadores da inter-relação quotidiana das populações de um lado e do outro. Isto leva-nos a reflexões sobre a verdadeira capacidade de construção de uma união, objecto de muitos hossanas mas, afinal, reduzida a quase nada.
Valerá a pena relembrar um caminho, que já poderia fazer-se a pé enxuto, depois de mais de duas décadas. Desde logo, com a integração simultânea deste país e do vizinho na CEE, há trinta anos. Já antes se tinham desenvolvido esforços de cooperação. A geminação Bragança-Zamora foi um passo que semeou esperanças, mas que se tem ficado por um ramerrame, qual lamparina quase a ficar sem pavio, num templo descuidado pelos curadores. De facto, nas três décadas que já se completaram, na geminação pouco mais aconteceu que cortesias e meia dúzia de encontros, com jogos de bola à mistura.
Entretanto, num contexto mais amplo, surgiu o Eixo Atlântico, integrando a Galiza e o Norte de Portugal, que procura mobilizar recursos e investimentos para um território que também integra esta terra, embora instalada na sua periferia. O peso da Galiza e do Litoral Norte fazem-se sentir e, naturalmente, o nordeste volta, mais uma vez, à condição de ficar ao lado da mesa, à espera do que sobra.
A Fundação Rei Afonso Henriques, uma designação que pode suscitar equívocos para quem estudou a narração nacionalista da história peninsular, poderia constituir-se como um patamar de intervenção com possibilidades de ter efeitos práticos na coesão inter-regional, com vantagem para todos.
No entanto, ao fim de duas décadas, em resultado de derivas, centralistas em Portugal, com o esvaziamento das competências das CCDR e de um regionalismo que, do outro lado, ameaça fragmentar o estado espanhol, a cooperação caminha para o que dizemos, resignados, serem águas de bacalhau.
Ao mesmo tempo, os mais interessados, que seríam os povos fronteiriços, têm levado às lideranças políticos que não demonstram ter capacidade para subir à montanha donde se vislumbra o futuro, ficando-se pelo que alcança um só palmo à frente dos olhos.
Por isso, não procuram a conjugação de interesses, para bem das regiões e, especialmente, das suas gentes.
Só assim se compreende que, apesar da alta velocidade ferroviária logo aqui, na Sanábria e do túnel do Marão, com o que significa de alteração decisiva dos tempos e condições de deslocação, os responsáveis dos dois lados da fronteira não reconheçam o essencial, enredando-se em jogos de efémera glória. Situação agravada por responsabilidade dos poderes centrais, quando se sabe que a Fundação Afonso Henriques já programou iniciativas que foram inviabilizadas por recuos da Junta de Castilla-Léon, mas também pelas omissões da CCDRN, o que estará a conduzir à situação desesperante que o seu secretário geral refere, naturalmente com mágoa que aqui partilhamos.
Mais uma fonte de desilusão, quando vivemos uma primavera que nem as cerejas nos deixa morder.

Por Teófilo Vaz

Sem comentários:

Enviar um comentário