quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Trás-os-Montes

Somos transmontanos e desse facto nos orgulhamos.
Todos nós, em diferentes graus, sentimos nas veias o sabor da terra de Trás-os-Montes, dura, agreste, árida, doce e única.

E somos, às vezes, agricultores de fim-de-semana.
De quando em vez fazemos uma burra nas mãos delicadas de funcionários públicos ou agentes comerciais...
Éramos puros e genuínos. Básicos e leais. Abríamos o coração sem abrir a alma que preservávamos com os seus segredos, os seus medos, os seus anseios.
"Oh de casa?"
"Entre quem é!"
"Deus nos dê boas tardes!"
"Oh ti Zé? Dixerom-me que amanhã vai às castanhas À Roda..."
"É verdade. Logo cedo... Ainda há umas castanhitas. É preciso apanhá-las antes que as comam os monteses..."
"Bou dizer ao mou irmão. Bamos ambos os dois."
"Está bem João. Atão, até amanhã."
E assim, ao longo do dia, ia-se juntando uma boa comandita. Pensava-se na torna jeira que era certa como o sol no verão.
Manhã cedo, quase noite, juntavam-se na Louçana e seguiam, calados ainda, mal dormidos e mal comidos. A frescura da manhã já se entranhava nos ossos.
Assim se fazia antigamente no tempo das castanhas que ora caíam e que agora caem. É outono, tempo delas e das folhas espalhadas pelo chão e revoluteadas pelo vento frio.
Hoje, petróleo verde, petróleo limpo, dão dinheiro as castanhas. Produzem-se na Terra Fria, milhares de toneladas que correm mundo.
Também a mim me corre nas veias a terra de Trás-os-Montes e com as minhas mãos delicadas, vou às castanhas, agora com luvas que antigamente não as havia. Mesmo assim, os picos insistem em espetar-se nos meus dedos. Vou com a minha mãe pois o meu pai já não pode e sinto todo o peso das meias sacas que levo às costas até ao carro. É o segundo ano que o faço aos fins-de-semana. Os meus pais e antepassados merecem que o faça mesmo que sejam poucas. É a herança que nos cabe cuidar e preservar.
Não é a minha vida nem a vida dos meus irmãos mas vou respeitá-la enquanto viver e puder apanhar um balde de castanhas. Não temos soutos com centenas de castanheiros nem fazemos milhares de euros nesta atividade, mas comemo-las, em família, no Natal quando nos juntamos todos, à roda da lareira.

Maria Cepeda 

Sem comentários:

Enviar um comentário