Comecemos, então, pelo princípio e, como o início é o nosso berço, diga-nos, por favor, onde nasceu?
Eu nasci em Coimbra, porque o meu pai formou-se em medicina naquela cidade e tinha a nostalgia de Coimbra, a nostalgia do Choupal, portanto, quis que os seus filhos fossem nascer a Coimbra. Naquela altura não havia em Trás-os-Montes grandes condições de saúde para as mães e ele esforçou-se para que nós, quer o meu irmão mais velho quer eu, fossemos nascer a Coimbra. Só o meu irmão mais novo é que não nasceu lá porque, embora seja o mais sossegado dos três irmãos, na altura do nascimento foi o mais adiantado e acabou mesmo por ter que nascer em Trás-os-Montes. Portanto, sou nascido em Coimbra, mas transmontano de corpo e alma.
Como foi a sua meninice e que recordações guarda da sua infância?
Eu cresci numa aldeia do distrito de Bragança, do concelho de Mirandela chamada Alvites. Uma aldeia belíssima, uma terra belíssima e, portanto, eu guardo a ideia do paraíso que eu gostaria de encontrar quando chegasse a hora do “encontro final”. A ideia que eu tenho é de uma infância extraordinariamente feliz, de uma liberdade absoluta que é muito cantada e escrita pelo escritor que dá o nome à minha escola, que é a escola secundária Miguel Torga de Bragança.
É esse o mundo simples, o mundo de certezas absolutas onde os dilemas da vida moderna nunca tiveram lugar e que era óbvio, com toda a certeza, para toda a gente, que o sol nascia a leste e se punha a oeste; que ao chegar à altura das sementeiras, semeava-se; ao chegar a altura das colheitas, colhia-se. Portanto, foi uma meninice em que nunca soube o que era o problema do stress; o problema de não ter uma família que não me apoiasse; o problema de ter muita gente doente, que é um bocado o contrário do que se passa agora nessa minha aldeia.
E onde frequentou os seus estudos até ingressar na universidade?
Depois, com dez anos, infeliz ou felizmente, naquela altura, infelizmente, fui para um colégio particular, de jesuítas e que é o instituto Nuno Alvares, situado entre Famalicão e Santo Tirso. Estar nesse colégio foi uma infelicidade terrível…
Eu saí de uma aldeia que era um mundo, onde toda a gente se conhecia, eu conhecia cada cantinho, onde tudo era pessoal. Ao ir para um colégio com cerca de 600 alunos, onde o que marcava era a impessoalidade, digamos assim, eu era um número, era o 101, foi uma infelicidade terrível naquela altura, descobri pela primeira vez que também podia haver purgatório, custava-me a acreditar que houvesse. Descobri, efectivamente, que a vida era feita de encontros e de desencontros mas, estive nesse colégio, colégio Santo Tirso e, aprendi.
Agora, passados estes anos todos, acabo por recuperar coisas boas do que lá passei, nomeadamente, em termos de ensino e de condições que os jesuítas davam aos seus alunos e aquilo que tentavam incutir, parte delas com uma visão diferente... as coisas boas tento continuá-las na Escola Secundária Miguel Torga e, portanto, estive até aos 15 anos de idade no colégio Santo Tirso; depois vim para Mirandela onde fiz os 2 últimos anos de liceu.
Em Mirandela, já perto dos meus pais, fui sujeito ao contraste terrível entre o que era o ensino de qualidade no colégio Santo Tirso e uma balda, digamos assim, que havia naquela altura. Estamos a falar dos anos a seguir ao 25 de Abril, onde houve um “boom” de gente a estudar e, foram precisos muitos professores. Não havia tempo para os formar, tudo o que viesse à rede era peixe e lembro-me, por exemplo, em Mirandela que o meu professor de matemática era um rapaz um pouco mais velho do que eu. Eu tinha 16 anos e ele teria 18 ou 19. Soube mais tarde que ele teria chumbado no 7º ano. Ele ia dar Lógica e tinha o vício de dizer é lógico, é lógico, é lógico. Então, logo na primeira aula, eu disse ao professor: “O senhor está a dar lógica ou lógico?” e, ele diz-me assim: “É pá, tens razão, não percebo nada disto, não foi “nada” a palavra que ele disse, foi assim um bocadinho mais dura e saiu porta fora. Nunca mais deu aulas.
No 6º ano passei administrativamente. O meu pai recebeu uma carta em casa a perguntar: “O senhor quer que o seu filho passe ou não?” E o meu pai perguntou-me: “Queres passar ou não?”, ao que eu disse que sim. Passei e fiz o 7º ano em Mirandela. Correu bastante melhor do ponto de vista dos professores. Fui a cobaia do propedêutico, lembro-me muito bem.
Já agora, se houver algum aluno da escola Miguel Torga ou de outras escolas que me estejam a ouvir, tenham a paciência de me ouvir para perceberem as diferenças de condições que eles agora todos têm, independentemente das escolas que frequentam, para as condições da altura. Nós tínhamos aulas pela televisão, não sei se estão recordados disso...
Aulas pela televisão no propedêutico e, portanto, o professor explicava a matemática na sua longínqua imagem televisiva, só que era no Canal 2 e o Canal 2, na altura, era experimental e ia-se abaixo. Disse ao meu pai, aí por Janeiro mais ou menos, que não ia conseguir fazer o propedêutico, que não tinha hipótese nenhuma, ao que ele me respondeu: “O que queres que eu te faça, queres sair daqui, olha vai para onde tu quiseres”.
Era uma liberdade impressionante. Às vezes, comparando a liberdade que nos davam os nossos pais, que eram homens de outro tempo, com a forma de lidar agora, parecemos galinhas de choco com os nossos filhos. Acho uma coisa impressionante.
Agarrei nas minhas pernas e fui até Lisboa à descoberta. Em Lisboa estava a estudar um amigo meu que neste momento é advogado aqui em Bragança, que é o doutor Duarte Oliveira. Procurei-o, ele repartiu comigo um divã que tinha lá na residência estudantil para os estudantes universitários e ajudou-me a encontrar uma escola. Encontrei a escola, fiz o propedêutico, para bastante admiração dos meus professores de então, porque ia muito verde efectivamente e depois segui para o Porto.
A minha vida foi uma vida bastante cigana, corri para o Porto atrás da minha paixão pelo Futebol Clube do Porto e para estar, de certa forma, mais ligado às minhas raízes, sou bastante saudoso...
Estava mais perto de casa.
Sim, cheirava-me mais a Trás-os-Montes, e o cheiro a Trás-os-Montes é um cheiro muito interessante na minha perspectiva. Tirei um curso de Biologia na universidade do Porto e depois vim cá parar.
Que percurso!
Vim cá parar não directamente a Bragança. Fui para Carvalhais. Adorei estar em Carvalhais, uma escola pequenina que desapareceu, infelizmente, por causa da falta de alunos. Desapareceu mas, antes dela ter desaparecido, puxado pela minha mulher, que é daqui de Bragança, e as mulheres é que mandam como nós sabemos. Há uma certa ilusão de que o homem é que manda, que nos deixa contentes, vim parar à escola Miguel Torga, que estava a iniciar e onde pude, com um grupo de professores, todos eles muito jovens que estavam a iniciar a sua carreira numa escola acabadinha de nascer, Escola N.º 3 naquela altura, só mais tarde é que veio ser a escola Miguel Torga e, iniciámos um trajecto bastante interessante, que veio a culminar com o que é neste momento para a cidade de Bragança a Escola Secundária Miguel Torga.
Costuma dizer que “a minha carreira como docente não começou como vocação”. Como é que uma pessoa com pouca vocação para ser professor, enveredou por este caminho?
Eu sempre dizia que nunca ia ser professor na minha vida. Aliás, quando era mais jovem, escrevia uns poemas. A maior parte dos jovens escreve uns poemas. Há tempos andei à procura deles e encontrei um em que dizia que se um dia me visse professor era porque tinha enlouquecido… não queria ser professor, embora tenha as melhores recordações e tenha as melhores imagens do professor. A minha mãe é professora primária reformada, foi uma professora primária extraordinária. Bem sei que fica bem falar bem da mãe e, eu falo bem da minha mãe com muito amor, muito carinho mas, também, com muita verdade… era uma pessoa extraordinária e, já agora, como parênteses, falando da minha mãe, em 45, 46 anos de serviço ela deu três faltas. Como dizia o meu pai a brincar, até para ter os filhos, escolheram as datas para não perderem tempo…
Chama-se planeamento familiar…
Eu nasci em Abril nas férias da Páscoa, o meu irmão mais velho nasceu em Setembro nas férias do verão e o meu irmão mais novo nasceu na altura do Carnaval. Portanto na sua carreira teve três dias de faltas, uma carreira longa, cheia de sucessos, muito reconhecidos.
Tenho um tio que foi biólogo e foi reitor no liceu de Bragança, até tem aqui uma rua com o seu nome e eu tinha a melhor das impressões dos professores, só que eu não achava minimamente que, alguma vez, quisesse ser professor, de maneira nenhuma!
Eu sempre tive uma admiração muito grande pelo meu pai, pela sua ideia do que era ser médico… tenho, até, uns certos remorsos de não lhe ter feito a vontade. O meu pai era uma pessoa que, devido ao seu desafogo financeiro, exercia a medicina de forma gratuita, nunca levou dinheiro pelo exercício da medicina e eu tinha essa imagem do meu pai dedicar a sua vida à terra e ao bem, digamos assim, marcou-me muito e deixa-me muitas saudades. Eu estava mais virado para a medicina, só que, e isto é um alerta para os alunos, a dada altura, no momento crucial, fui-me um bocadinho abaixo nos exames e, não tive média para entrar para medicina e fui para biologia, pensando claramente que, ia para biologia naquele ano e que no ano seguinte estava em medicina.
No primeiro ano da faculdade, com quem me dei bem foi com quatro ou cinco colegas meus que foram para biologia porque não tiveram média para ir para medicina e, ao chegar a altura de, no final do meu primeiro ano de faculdade, de mudar de ares para medicina, eu deixei-os ir a eles e, acho que descobri o meu caminho, vou-me ficar por aqui.
Fez o curso superior e o estágio no Porto. No entanto, optou por ficar em Trás-os-Montes. O que o levou a ficar por cá?
Eu adoro Trás-os-Montes, embora goste do Porto, gosto mesmo muito do Porto, um gosto de tal maneira influente que o meu filho mais velho foi estudar direito para o Porto e nem punha em causa sequer, nem pensava sequer, pôr em questão o não ir para o Porto. O Porto é a minha segunda terra, efectivamente, mas a minha grande paixão é Trás-os-Montes, eu adoro, sinto-me muito bem em Trás-os-Montes, adoro o calor de Trás-os-Montes, adoro o frio de Trás-os-Montes, adoro a paisagem de Trás-os-Montes, fico maravilhado com a terra quente, fico maravilhado com a terra fria… torno a dizer aquilo que disse no início, eu acho que a ter que haver um paraíso, esse paraíso é todo feito à imagem e semelhança com este “reino maravilhoso” como disse Miguel Torga.
A Escola Secundária Miguel Torga tem sido a sua casa profissional, já lá vão uns anos. Fale-nos dela.
Muitos anos, muitos anos, infelizmente muitos anos. Tomara eu que fosse um bocadinho menos, porque isto agora, à medida que vai passando o tempo, preferia que isto fosse passando devagar. Para quem trabalha no ensino é um terror porque, como diz uma cunhada minha, estamos nas férias do Verão e já estamos a pensar no início do ano. Depois estamos no início do ano já estamos a pensar nas férias do Natal, ainda não estão as férias do Natal terminadas já estamos a pensar nas férias da Páscoa… quer dizer, isto é tudo uma sucessão.
A escola faz lembrar muito o ciclo da terra, talvez seja aquilo que mais se compara em termos de ciclos. E, portanto, a Miguel Torga foi o sítio onde eu me fiz. Olho para a escola secundária Miguel Torga como uma parte integrante de mim porque, como eu disse, a escola Miguel Torga começou em 1987, vai fazer vinte anos no centenário de Miguel Torga. Os 100 anos de Miguel Torga vão ser em 2007, ele nasceu em 1907… a escola faz 20 anos, é muito novinha mas, vinte anos pesam na vida de um professor.
Como digo muitas vezes, fui para a Escola Secundária Miguel Torga sem uma branca e vou sair da escola Miguel Torga sem uma preta. Numa pessoa como eu que usa barbas, ainda mais se nota. E, portanto, esta escola é, de certa forma, o meu mundo. Foi a escola onde, com um vasto conjunto de colegas, conseguimos por em prática um projecto. A ideia do projecto educativo foi uma ideia que a nós não nos assustou minimamente. Quando a lei da autonomia foi abortada pelo ministério, fez-se a lei mas depois não se cumpriu por culpa de um certo medo do ministério em deixar avançar as escolas na sua autonomia mas, a ideia do projecto era uma ideia que a nós nos era extraordinariamente cara. Aliás, nós agarrámo-nos com unhas e dentes à ideia de podermos apresentar e podermos defender um projecto alternativo, porque nós tivemos que usar uma dinâmica muito própria de trabalho, eu e todos os meus colegas que lá trabalham porque, o ser “Miguel Torga” é ser qualquer coisa de especial. Eu faço parte da equipa e, portanto, obrigou-nos a trilhar um projecto especial. Tivemos que fossar na cidade de Bragança, como têm que fossar os irmãos mais novos junto dos mais velhos. Quando um miúdo tem dois ou três irmãos mais velhos leva “pancada” de todos até conseguir impor-se e a Miguel Torga teve esse trajecto.
Fomos uma escola que nasceu e começou com alunos de outras escolas. Agarraram-se aos alunos que não queríamos e deixaram ir os alunos que menos queriam e, portanto, como se lembrará, uma escola alcunhada “da aldeia” e a escola dos alunos mais problemáticos e isso, efectivamente, pôs-nos, ou pôs o corpo docente e os funcionários perante um dilema que acabou por ser muito fácil de resolver: “Ou vamos ser uma escola como as outras e, vamos criar aqui um processo de insucesso educativo grande ou, então, vamos inovar, vamos trabalhar com estes miúdos de forma diferente. Vamos levantar a auto estima; se houver dificuldades monetárias, vamos ajudar os alunos como pudermos; há dificuldades em conseguir concretizar projectos de vida e falta de oportunidades e vamos com toda a nossa força dar essas oportunidades.
Foi uma altura de muita mudança com o Roberto Carneiro, o ministro e, portanto, foi uma altura de muita inovação, mudança, muita possibilidade de mudança para quem quis aproveitar e apareceu o Projecto Escola Cultural, que era da autoria do professor Manuel Ferreira Patrício, neste momento é o reitor da universidade de Évora e, portanto, que defendia que a escola cultural se distinguia da escola tradicional porque propunha aos alunos, para além do que a escola tradicional propõe ou deve propor, um ensino eficaz, exigente, que prepare os alunos para a vida, uma instrução exigente.
Para além disso propunha aos alunos toda uma série de actividades de complemento curricular que também visava prepará-los como homens. Não quer dizer que as outras escolas não os preparem também, eu falo da escola secundária Miguel Torga, e falo desse projecto. Fomos em frente, concorremos ao projecto, fomos contemplados, fomos das escolas fundadoras do projecto escola secundária Miguel Torga e, isso permitiu-nos desenvolver, fazer uma escola com uma maneira de ser muito própria, que é uma escola, perdoem-me a modéstia, simpática, que acolhe bem, onde o aluno, o pai, o professor que chega pela primeira vez, veja um sorriso, veja pessoas que gostam de receber bem, que sinta que é bem vindo à escola secundária Miguel Torga, aliado a um ensino que queremos eficaz, que promova o sucesso educativo, o sucesso escolar e, também propor aos alunos toda uma série de projectos que eles podem realizar na escola, desde projectos culturais, desportivos, que os faça crescer também como cidadãos.
Dentro desse está, também, um projecto que vocês têm desenvolvido, além dessas muitas actividades, que é o projecto da informática. Fale-nos um pouco dessa actividade.
O projecto da informática insere-se exactamente dentro do espírito dos outros, que é assim: a nova idade das tecnologias da inovação, das novas tecnologias é absolutamente natural para os jovens e, é engraçado que esse projecto foi mais para consolar os “velhos” no qual eu, digamos, me incluo com mais dificuldades de adesão às novas tecnologias do que os jovens.
Os jovens têm uma facilidade de adesão impressionante, quer dizer, enquanto que eu olho para um telemóvel, vamos imaginar, enquanto descubro as potencialidades do telemóvel, pior ainda a minha mãe que nem sequer o quer, o jovem pega no telemóvel e descobre-o e, portanto, as novas tecnologias fazem parte da vida dos jovens de agora, como para mim, fez parte da minha vida na minha altura o gira-discos ou a cassete, o leitor de cassetes.
Nós o que quisemos foi, há muito aluno na Escola Secundária Miguel Torga que, provavelmente, vai chegar ao 9º ano de escolaridade e vai ingressar na vida activa, numa vida custosa, vai trabalhar com o corpo, por assim dizer, na agricultura, como mão de obra nas obras, um caminho sem seguimento no ensino superior e nós, o que defendíamos, era que devíamos dar a esses alunos todas as possibilidades de pelo menos até ao 9º ano, poderem explorar as suas capacidades. Esses alunos, um dia mais tarde, já como pais, ao passar por mim, pela escola, possam dizer que foi nesta escola que eu tive a possibilidade de ter acesso às novas tecnologias. Todos aqueles que hoje são médicos, advogados podem dizer:”Eu tive essa oportunidade”.
Nós queríamos, de uma maneira muito viva, que os alunos tivessem acesso e precisávamos de dinheiro, porque aqui a velha questão é sempre esta: “Como conseguir fazer isso?”.
Como nós sabemos a região da Bragança não é uma região rica. Ir buscar dinheiro à sociedade civil é um bocado complicado e, então, tivemos a ideia de desafiar o professor Mariano Gago, que é neste momento o Ministro da Ciência e Ensino Superior, naquela altura Ciência e Tecnologia, para que ele fizesse da nossa escola a escola do futuro, com o lançamento de um projecto inovador, provando que numa escola do nordeste onde uma parte significativa dos alunos eram carenciados, desde que lhes dessem as potencialidades, eles chegavam tão longe como os outros.
O ministro Mariano Gago ficou bastante contente, ficou bastante interessado quando recebeu o ofício que lhe mandei, que dizia mais ou menos assim: “Sr. Ministro, nós temos a ideia, temos muita vontade. Falta-nos uma coisa: o dinheiro e, nós achamos que o senhor nos pode dar esse dinheiro, nos pode dar essa oportunidade”.
Pede para falar comigo e diz-me que a única forma do Ministério de Ciência e Tecnologia poder aceitar o desafio era se nós inovássemos. O projecto que nós apresentávamos não era assim tão inovador. Queríamos que nos desse o dinheiro necessário para adquirir os computadores, os projectores de vídeo, a Internet, a Intranet, por ai fora e, ele disse: “Pensem num projecto que seja mobilizador e que me mobilize a mim. Eu reúno com a minha gente, com os meus colegas…”.
Saí dali algo preocupado com o que iríamos apresentar. Reuni-me com os colegas da escola e nasce a ideia de que, talvez fosse inovador para ele, nós fazermos os computadores com que iríamos apetrechar a escola. Faço-lhe essa proposta e ele disse: “Avance com isso.” E, mais, ele deu-nos a patente da escola Miguel Torga. Deu-nos a honra de, na semana da ciência e tecnologia de1998, se não me engano, vir a Bragança comemorar a semana da ciência e tecnologia e, entre as várias actividades que desenvolveu na escola, uma dela foi o lançamento dos computadores “Torga”.
Tivemos também o prazer de ver uma delegação de alunos e professores da sua escola, no programa “Prós e Contras” da RTP, sobre inovação e tecnologia. Esse convite surgiu no seguimento da atribuição de um prémio na área de informática. Fale-nos desse prémio.
Em relação a isso, acho que convém dizer aqui uma coisa. É interessante e nós sentimo-nos muito honrados por a Escola Secundária Miguel Torga ter contribuído para que, sobre Bragança, não apareça, apenas, na televisão o burro, sem desprestígio nenhum para os burros, porque os burros são animais muito pitorescos e que muita falta fizeram em determinada altura da vida das aldeias e das vilas mas, efectivamente, há essa imagem. Quando passa a imagem de Trás-os-Montes, vê-se um idoso carcomido agarrado a uma charrua que, se calhar, nem de ferro é, a lavrar com muito esforço, com um burro desmaiado a lavrar uma horta… É um cenário terrível. Ou então, notícias menos interessantes, como as casas de alterne.
Notícias sobre Bragança onde se consegue fazer isto ou aquilo são muito difíceis, muito raras. Se há alguma coisa que corre mal, um acidente numa escola, aí são aberturas de telejornais… parece que gostam muito “de sangue”; gostam muito de explorar um sentimento muito português – pessimismo.
Foi com bastante honra que consolámos, nomeadamente, os pais dos alunos que foram ao programa “Prós e Contras” da RTP e, também penso que a gente de Bragança gostou de ver num programa, em que se discutem as novas tecnologias e a importância das novas tecnologias, que se escolhesse exactamente uma escola de Bragança.
Esse convite aparece ma sequência de um concurso promovido pela PT, que é a “Escola do Futuro”, concurso esse que nós ganhámos numa 1ª etapa a nível do distrito de Bragança. Portanto esse concurso é um concurso distrital, que depois se acaba por transformar em concurso nacional e, a nível de distrito, em Bragança, nos cinco primeiros lugares o 1º, 2º, 3º e o 5º lugares eram nossos, apenas o 4º lugar nos escapou. Este concurso media a destreza física e intelectual, nomeadamente no uso da Internet, na resolução de problemas…
Os dirigentes da PT vieram a Bragança, conversaram connosco e perceberam… percebe-se ao entrar na escola que, há uma vontade de ganhar, nós não estamos para jogar a feijões, o Mourinho também não. Não queremos passar por cima de ninguém mas, estamos a sério nas coisas, gostamos muito de brincar, gostamos muito que as pessoas se divirtam mas, que isso tudo seja para alcançar um determinado objectivo. O nosso objectivo está muito claro, claramente traçado e eles perceberam isso.
A Fátima Campos Ferreira quando pensou fazer os Prós e Contras, em que ia fazer o lançamento da PT escolas, com a escola do futuro, nas conversas com os altos dirigentes da PT, lá ouviu falar de uma escola de Bragança e dos computadores “Torga”. Soou-lhe uma campainha e deve ter pensado: “Não quero outra escola” e convidou-nos, sempre em cima da hora, como é costume com os meios de comunicação social. Portanto, lá vou eu e os meus colegas do Conselho Executivo com uma turma de meninos de treze anos. Esses meninos de treze anos ficaram em terceiro lugar. A geração do futuro a trabalhar com uma naturalidade com a Internet que mete impressão, mete-me impressão a forma como eles conseguem, o à vontade… é como eu pegar numa esferográfica, com o mesmo à vontade, e portanto, fomos à televisão e, tenho a impressão que de certa forma cumprimos mais ou menos bem o nosso papel, e ficámos muito honrados de lá ter ido.
Sabemos que propuseram, também, ao Instituto Politécnico de Bragança, um protocolo de cooperação no âmbito de projecto Bragança, cidade digital. Como correu essa parceria?
O programa “Bragança, Cidade Digital” teve muitos problemas por falta de dinheiro. É o que acontece muito em Portugal. Os projectos são maravilhosos, é como as leis, as leis são maravilhosas e depois, a concretização vai pecando porque não há dinheiro e, como se costuma dizer, quando não há dinheiro não há vícios e, neste caso, não há projectos.
O Ministro Mariano Gago, naquela altura, desafiou-me para que o tal projecto da “Escola do Futuro” que eu defendia, haveria de entrar no projecto “Cidades Digitais”. Creio que Bragança foi a segunda “cidade digital”. A primeira foi Aveiro.
Apareceram muitos, muitos projectos, o dinheiro era relativamente pouco e, como tudo na vida, depois de um certo entusiasmo, o projecto começou a esvair-se. Nós procurámos vias alternativas do ponto de vista monetário junto do Fundo Social Europeu. Fomos buscar verbas ao PRODEP, para conseguirmos desenvolver o projecto. E, neste momento, olhando para 1998 e para a actual Miguel Torga do ponto de vista informático, continuamos a querer muito mais. Estamos cheios de projectos. A equipa do Conselho Executivo a que pertenço, acabou de ganhar as eleições para um novo mandato. Como eu digo aos meus colegas, nós tanto tempo havemos de lá estar que só numa urna é que havemos de sair de lá.
O nosso plano de acção é cheio de força. Queremos uma escola totalmente automatizada do ponto de vista informático. Não há dinheiro na escola. O controlo é todo feito informaticamente, os alunos, os professores, os funcionários e os pais que entram, os convidados todos têm um cartão para terem acesso a tudo o que seja.
Em todas as entrevistas que realizamos, a última pergunta é sempre a mesma: Que personalidade ou personalidades mais o marcaram ao longo da sua vida?
Bem a personalidade que mais me marcou foi o meu pai, sem dúvida nenhuma, tanto mais e, nomeadamente, por ele não estar no mundo dos vivos, maior é a saudade, aquela maneira de ser, o verdadeiro transmontano, aquele homem rijo, uma fraga, o meu pai foi contemporâneo do Miguel Torga, formaram-se os dois em medicina em Coimbra e, eram conhecidos. Portanto, aquela personalidade do homem, do patriarca, do homem austero mas também bondoso, aquele homem cuja mão é, de certa forma, castigadora mas, suave e sensível, que é capaz de agarrar num sacho, mas também acaricia levemente o gatilho da arma. Isto é tudo um paradigma de uma vida que está a morrer. Quase já não há pessoas assim… a palavra dele era um palavra sagrada e, depois, uma grande humanidade, aquela vontade de servir as pessoas, a vontade de fazer… que as pessoas estivessem bem… Não estava bem com ele próprio se o próximo não estivesse bem. Não haja dúvida que me marcou muito e, dentro das minhas limitações, tento segui-lo, embora com muita dificuldade, porque aquela maneira de ser…
Guardo um carinho muito especial à minha, mãe. Fazemos anos no mesmo dia, no dia 4 de Abril.
Que bela coincidência!
Foi o que disse o meu pai, vê lá se querias melhor prenda do que a que eu te dei, eu e a minha mãe nascemos no mesmo dia e eu nasci quase como um anticristo. (Risos) A minha mãe tinha quarenta e um anos, e o meu pai fazia a seguir quarenta e oito. Diz-se que o anticristo nasce de uma mulher já idosa, de um casal já idoso. (Risos)
Fora da família tenho uma grande admiração pelas personagens históricas de Portugal que tiveram uma ideia por Portugal. Detesto ver-nos rendidos ao desespero e ver que as pessoas se renderam e somos insignificantes. Adorava história e sempre adorei história, ainda hoje adoro história e aquelas personagens que tiveram um desígnio. Afonso Henriques é uma personagem, para mim, um cavaleiro que arroja um gigante, o primo dele, que era um gigante e, que consegue que Portugal seja independente, contra o papa, contra Castela, contra a mãe… levava tudo na frente com uma esperteza! Dom Henrique, é um exemplo, e também tenho uma grande admiração.
Só para terminar nos antigos, acho que Afonso de Albuquerque é uma personalidade pela sua tenacidade e ao mesmo tempo pelo seu carácter democrático. Desafio a ler um livro sobre Afonso de Albuquerque, em que são transmitidas as actas que ele escrevia das reuniões com os oficiais, em que discutiam o que se haveria de fazer e o que lhe diziam os oficiais que, se neste momento, se aos nossos políticos, os seus servidores, digamos assim, lhe dissessem na cara o que os oficiais de Dom Afonso de Albuquerque lhe diziam a ele, eram imediatamente substituídos.
Resumindo, as personagens que a mim me marcam, são aquelas que eu desejo muito para Portugal. Que apareça uma nova personagem que leve isto, efectivamente, para a frente porque eu tenho muito gosto em ser português.
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