sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

OUTROS NATAIS


Nesta quadra natalícia reuni grande parte da minha família mais próxima, o que me transportou para a minha infância em São Paulo, Brasil.  

Recordo-me, com imensas saudades, da noite de consoada e do dia de Natal, com a azáfama dos adultos e a ansiedade das crianças.

Ainda acreditávamos no Menino Jesus. Era ele que nos deixava na meia o nosso presente. Tudo era magia. Tudo era Alegria e amor.

Riamo-nos por tudo e por nada. Divertíamo-nos com pequenas coisas. Jogávamos cartas, damas e xadrez. A batalha naval era dos nossos jogos preferidos.

Levávamos tudo muito a sério e não havia batotas. Quem ganhava, ganhava e pronto. Quem não concordasse tinha de provar que tinha razão. Normalmente, o resultado mantinha-se e a paz regressava à sala.

Ao chamamento da minha mãe ou do meu pai, “Está na mesa!”, respondíamos prontamente, crianças, adolescentes e adultos, com a boca a salivar.

Nada faltava. A tradição portuguesa aliada à brasileira enchia a mesa com os mais saborosos pratos. Ninguém ficava indiferente às cores, aos sabores e à diversidade que resplandeciam na toalha branca de linho com os guardanapos a combinar. A melhor louça, os copos a reluzir, os talheres imaculados…

Todos à mesa, sentados nos lugares previamente marcados, com os olhos a rebrilhar, aguardávamos.

Fazia-se silêncio. Apenas o barulho dos talheres nos pratos. Lentamente, voltava o burburinho, o riso, as gargalhadas… Todos falávamos com todos, a fome já saciada.

Tínhamos o hábito de interromper a refeição para ir à Missa do Galo à igreja, na Praça. Era uma corrida pelos casacos, pelos sapatos… Imperava o calor. Esqueciam-se os casacos, calçavam-se os ténis, os mais velhos, os sapatos de festa. Às vezes ficávamos a assistir na televisão diretamente do Vaticano. “Mas não era a mesma coisa.” Dizia a minha mãe.

Por breves momentos, os mais velhos sentiam saudades da Terrinha, do frio que lá fazia em contraponto com o calor brasileiro, dos pais e avós… Tremelicavam nos olhos algumas lágrimas. Uma ou outra escorriam pela face. Depressa se escondiam no lenço branco sacado do bolso ou no braço desembaraçado a secar o rosto.

Todo o ritual demorava cerca de hora e meia, incluindo o “beijar o menino”. Faladores e ligeiros, regressávamos a casa para a segunda parte da refeição e a festa continuava até altas horas da manhã.

Degustávamos com prazer o polvo e o bacalhau fritos, os bolos de bacalhau, o folar, que a minha mãe fazia sempre em dias de festa, as maravilhosas sobremesas da minha mãe que incluíam o arroz doce, a aletria e as filhoses à moda de Trás-os-Montes, as rabanadas, o pudim de leite condensado, o manjar de coco queimado, o pavê de pêssego, o panetone…

As saudades são muitas. A tristeza, mais leve. Já foi pesada, dorida, mas isso fica para outras histórias.


TEXTO E FOTOS DE MARIA CEPEDA        

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