Nesta quadra natalícia reuni grande parte da minha família
mais próxima, o que me transportou para a minha infância em São Paulo, Brasil.
Recordo-me, com imensas saudades, da noite de consoada e do
dia de Natal, com a azáfama dos adultos e a ansiedade das crianças.
Ainda acreditávamos no Menino Jesus. Era ele que nos deixava
na meia o nosso presente. Tudo era magia. Tudo era Alegria e amor.
Riamo-nos por tudo e por nada. Divertíamo-nos com pequenas
coisas. Jogávamos cartas, damas e xadrez. A batalha naval era dos nossos jogos
preferidos.
Levávamos tudo muito a sério e não havia batotas. Quem
ganhava, ganhava e pronto. Quem não concordasse tinha de provar que tinha
razão. Normalmente, o resultado mantinha-se e a paz regressava à sala.
Ao chamamento da minha mãe ou do meu pai, “Está na mesa!”,
respondíamos prontamente, crianças, adolescentes e adultos, com a boca a
salivar.
Nada faltava. A tradição portuguesa aliada à brasileira
enchia a mesa com os mais saborosos pratos. Ninguém ficava indiferente às
cores, aos sabores e à diversidade que resplandeciam na toalha branca de linho
com os guardanapos a combinar. A melhor louça, os copos a reluzir, os talheres
imaculados…
Todos à mesa, sentados nos lugares previamente marcados, com
os olhos a rebrilhar, aguardávamos.
Fazia-se silêncio. Apenas o barulho dos talheres nos pratos. Lentamente,
voltava o burburinho, o riso, as gargalhadas… Todos falávamos com todos, a fome
já saciada.
Tínhamos o hábito de interromper a refeição para ir à Missa
do Galo à igreja, na Praça. Era uma corrida pelos casacos, pelos sapatos…
Imperava o calor. Esqueciam-se os casacos, calçavam-se os ténis, os mais
velhos, os sapatos de festa. Às vezes ficávamos a assistir na televisão
diretamente do Vaticano. “Mas não era a mesma coisa.” Dizia a minha mãe.
Por breves momentos, os mais velhos sentiam saudades da
Terrinha, do frio que lá fazia em contraponto com o calor brasileiro, dos pais e
avós… Tremelicavam nos olhos algumas lágrimas. Uma ou outra escorriam pela face.
Depressa se escondiam no lenço branco sacado do bolso ou no braço desembaraçado
a secar o rosto.
Todo o ritual demorava cerca de hora e meia, incluindo o “beijar
o menino”. Faladores e ligeiros, regressávamos a casa para a segunda parte da
refeição e a festa continuava até altas horas da manhã.
Degustávamos com prazer o polvo e o bacalhau fritos, os bolos
de bacalhau, o folar, que a minha mãe fazia sempre em dias de festa, as
maravilhosas sobremesas da minha mãe que incluíam o arroz doce, a aletria e as filhoses
à moda de Trás-os-Montes, as rabanadas, o pudim de leite condensado, o manjar
de coco queimado, o pavê de pêssego, o panetone…
As saudades são muitas. A tristeza, mais leve. Já foi pesada,
dorida, mas isso fica para outras histórias.
TEXTO E FOTOS DE MARIA CEPEDA
Sem comentários:
Enviar um comentário