terça-feira, 1 de março de 2016

Nem regateiras nem nada


Ao longo do tempo algumas vilas e cidades do país conheceram espaços de negócio quotidiano, com importância económica, mas também social e até cultural: os mercados locais, integrados, muitas vezes, nos serviços que se entendeu deverem ser garantidos pela gestão política da comunidade. Assim se constituíram os mercados municipais.
Edificados uns, mais ou menos informais outros, tiveram um papel marcante em gerações sucessivas e tornaram-se referências para os habitantes das localidade, mas também dos próprios concelhos.
Geralmente os vendedores, treinados no pregão, para atrair os clientes e dotados de talento no jogo dos preços, eram designados por regateiros, aliás, na maior parte dos casos regateiras, porque as mulheres têm mais jeito para o argumento temperado de afectividade, de ilusão e até de sedução. É o que ainda se vê pelos mercados que restam nas grandes urbes e que continuam a ser lugares de peregrinação nas campanhas políticas, apesar da nova liturgia que se consuma nos altares das redes sociais, reclamadas como os circos da arregimentação política do futuro.
Mas, mesmo esses grandes mercados estão a ficar ao abandono e os poucos pregões, que ainda se ouvem, já ganham a clareza do eco no espaço vazio.
Quando se chega tarde à porta do futuro, podemos levar com ela na cara. Terá sido o que aconteceu a muito do interior deste país que, depois das misérias do subdesenvolvimento, procurou ainda alcançar paraísos que sonhara, à semelhança do que se via lá por fora. Todos queríamos um mercado digno para podermos consumir os nossos bons produtos, sem nos atolarmos na lama e no lixo, sem nos molharmos até aos ossos ou nos enregelarmos. Também tínhamos direito.
Algo de parecido aconteceu com a sementeira de polidesportivos, campos de bola pelados e outros equipamentos. Da fome passámos à fartura, ao mesmo tempo que já não foi possível inverter o esvaziamento do território. Deixou de se produzir nos nossos campos, porque as gentes se escoaram, havendo cada vez menos a vender e cada vez menos quem queira comprar. Situação agravada pela presença crescente das grandes cadeias de distribuição, que não têm vocação nem devoção para promover os produtos locais.
Por isso, os nossos mercados tornaram-se quase como prendas de fim de vida que, infelizmente, nem servem para deixar aos netos. Naturalmente, não nos cabe apontar o dedo aos responsáveis autárquicos que, de boa fé e procurando servir as populações, acreditaram que ainda era possível dinamizar as produções locais e promover o acesso à qualidade reconhecida das nossas hortas, capoeiras e currais.
A voragem da massificação impôs-nos o último desalento e os edifícios dos mercados municipais aí estão, hoje, à espera de reconversão ou do inefável abandono. Haverá coragem para lhes repensar o uso, ainda em benefício da economia local e da alegria de consumir o que é nosso?
O realismo abafa-nos de dúvidas.


Por: Teófilo Vaz (Diretor do Jornal Nordeste)
Retirado de: www.jornalnordeste.com

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